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Poderes do síndico do condomínio edilício e o veto ao art. 11, do Projeto de Lei n° 1.179/2020 (Lei 14.010/20): estabilidade nas relações condominiais?
15/06/2020
Desde o início das medidas implementadas pelas autoridades sanitárias para fins de controle da pandemia causada pelo Coronavírus (COVID-19), um dos temas mais sensíveis e recorrentes tem sido a atuação do síndico no condomínio edilício, especialmente em razão da necessidade de assegurar o sossego, a salubridade e a segurança dos condôminos (Lei n° 4.591/64, art. 10, III c.c. 22, § 1°, “a” e “b”), sendo que o síndico atua na “defesa dos interesses comuns” para o fim de assegurar a vigilância, moralidade e segurança no meio condominial.
Devido à agressividade da Sars-COV-2 no corpo humano, com implicações sérias em órgãos vitais, logo se aventou o emprego de certas providências, tais como o isolamento social, a restrição/proibição de reuniões e assembleias para prevenir aglomerações e, em certos locais, houve a determinação de “lockdown” (proibição de locomoção das pessoas em áreas públicas) como medida para tentar conter o risco da contaminação da doença grave que já vitimou de morte mais de quarenta mil pessoas no território brasileiro.
Desse modo, por iniciativa do Senador Antonio Anastasia, foi apresentado projeto de lei de modo a instituir o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do COVID-19. O Projeto de Lei na sua versão original (que tomou o n° 1.179/2020) recebeu algumas alterações e ajustes, tendo sido aprovado no Senado Federal conforme texto substitutivo apresentado pela Senadora Simone Tebet através do Parecer n. 18/20. Posteriormente, no âmbito da Câmara dos Deputados, sob a relatoria do Deputado Enrico Misasi, houve pequenos ajustes para também o PL ser aprovado na redação do substitutivo apresentado pelo relator. Retornando o texto do PL para o Senado, houve sua aprovação.
Como bem registrou a Senadora Simone Tebet, no Parecer n. 18/20, “a pandemia do Coronavírus, com seus efeitos devastadores, colheu de surpresa o mundo inteiro”, sendo que várias cidades de todos os continentes do planeta “foram paralisadas parcialmente em razão das medidas de isolamento compulsório em um cenário de guerra marcado pela presença de um único adversário: a pandemia”.
Não se tratou de uma iniciativa exclusiva do Congresso brasileiro. Na Alemanha foi aprovada a Lei de Atenuação dos Efeitos da Pandemia da COVID-19 no Direito Civil, Falimentar e Recuperacional. No Reino Unido, da mesma forma foi aprovado o Coronavirus Act 2020 que também tratou de várias questões relativas ao Direito Privado.
No âmbito do PL n° 1.179/2020 (versão final), houve a previsão das questões mais sensíveis relativas aos condomínios edilícios (arts. 11 a 13). Sabe-se que o meio condominial é, por essência, foco de conflitos entre os condôminos, seus familiares, empregados e visitantes e, não à toa, há significativo número de demandas judiciais que envolvem os conflitos entre condomínio e algum condômino, até em razão da pluralidade e multiplicidade dos grupos sociais cujas pessoas residem ou têm contato com algum condomínio edilício.
Tais conflitos vêm aumentando nesses tempos de pandemia, especialmente pela necessidade de isolamento social e a impossibilidade de aglomerações, como vem acontecendo em várias localidades pelo Brasil afora. Essa é a justificativa para deixar explícito que há poderes dos síndicos que, no interesse da coletividade dos condôminos e de todos que mantêm contato com o meio condominial, podem até determinar o fechamento de áreas comuns, a restrição de circulação de pessoas e, até mesmo, impor a proibição de reuniões e festividades nas unidades dos condôminos, atingindo, assim, aspectos da faculdade do uso do bem objeto de propriedade exclusiva.
Como já exposto em outro artigo, tal poder não corresponde a dar “um cheque em branco” ao síndico, mas sim propiciar que, em circunstâncias emergenciais e transitórias, ele possa atuar em prol da coletividade (e não por interesse pessoal ou de algum condômino específico).
Diante de tais considerações, de modo a propiciar segurança jurídica nos condomínios edilícios, o art. 11, do PL n° 1.179/20, apresentou a seguinte redação:
“Art. 11. Em caráter emergencial, até 30 de outubro de 2020, além dos poderes conferidos ao síndico pelo art. 1.348 do Código Civil, compete-lhe:
I – restringir a utilização das áreas comuns para evitar a contaminação pelo coronavírus (Covid-19), respeitado o acesso a propriedade exclusiva dos condôminos;
II – restringir ou proibir a realização de reuniões e festividades e o uso dos abrigos de veículos por terceiros, inclusive nas áreas de propriedade exclusiva dos condôminos, como medida provisoriamente necessária para evitar a propagação do coronavírus (Covid-19), vedada qualquer restrição ao uso exclusivo pelos condôminos e pelo possuidor direto de cada unidade.
Parágrafo único. Não se aplicam as restrições e proibições contidas neste artigo para casos de atendimento médico, obras de natureza estrutural ou realização de benfeitorias necessárias.”
Na realidade, tal previsão contida no projetado art. 11 já decorre do sistema jurídico atual (e permanente) que atua sobre os condomínios edilícios (em especial a Lei n° 4.591/64 e o Código Civil). Contudo, a grande virtude da proposta legislativa foi assegurar maior tranquilidade aos síndicos de, no exercício dos poderes de administração e de velar pela saúde, segurança e salubridade no meio condominial, atuarem dentro dos estreitos limites dos seus poderes, em consonância com as medidas que as autoridades públicas vêm adotando para prevenir o contágio da COVID-19 com riscos concretos à saúde e à vida das pessoas no meio condominial.
Após avaliar o texto do PL n° 1.179/20, o Presidente da República vetou o art. 11. Eis as razões do veto: “A propositura legislativa, ao conceder poderes excepcionais para os síndicos suspenderem o uso de áreas comuns e particulares, retira a autonomia e a necessidade das deliberações por assembleia, em conformidade com seus estatutos, limitando a vontade coletiva dos condôminos.”
Alguns comentários a esse respeito. À luz da Constituição Federal (art. 66), o veto presidencial se justifica em duas hipóteses: a) inconstitucionalidade do projeto de lei; b) contrariedade do projeto de lei ao interesse público. Das duas, resta claro que o veto se baseou numa suposta contrariedade da regra do art. 11 ao interesse público, ou seja, “conveniência do esquema do poder dominante, o que pode ser expressado discricionariamente”[1].
Contudo, no caso em tela, o interesse público caminha no sentido oposto ao veto do Presidente da República, com a vênia devida. A segurança jurídica é essencial para a confiança no sistema jurídico e no Estado de Direito, além de ser fundamental para a constituição e desenvolvimento dos negócios e das relações jurídicas em geral. A segurança jurídica se correlaciona à uma visão mais democrática do Direito e da vida em sociedade, e aponta para uma melhor qualidade de vida das pessoas, sem que haja “danos” ou com menores danos possíveis, neste caso com uma condigna reparação.
À luz desta perspectiva, o veto presidencial à regra do art. 11, tão debatida nas duas Casas legislativas e, inclusive com respaldo em manifestações doutrinárias a respeito do tema, não apresenta justificativa que se alicerce na noção de interesse público e, por isso, sugere-se ao Congresso Nacional que, à luz das normas constitucionais (art. 66, § 4°), promova a rejeição do veto o mais rápido possível, de modo a efetivamente proporcionar maior segurança jurídica nos condomínios edilícios, evitando-se, assim, questionamentos a respeito da atuação do síndico no meio condominial quando estiver respaldado pelo agir em prol da coletividade, o que, contudo, já vem ocorrendo na prática.
No âmbito de um período emergencial e transitório, que decorre da pandemia e do “desconhecido”, não se revela justificado e razoável permitir que outras crises possam ser geradas no ambiente condominial. As instituições e as autoridades de todos os poderes da República têm um desafio inigualável quanto à adoção de medidas tendentes à redução dos danos decorrentes da COVID-19 e, por isso, é de se louvar a atuação do Congresso Nacional na aprovação do Projeto de Lei n° 1.179/20, em especial ao prever a regra do art. 11, que detalha os poderes do síndico nos condomínios edilícios durante o período da pandemia.
Cumpre destacar que, por certo, a nova lei pode não agradar a todos, e isso é natural em qualquer coletividade, particularmente no ambiente de uma sociedade plural. No entanto, o propósito de uma lei, ainda que não atenda aos interesses da unanimidade, é pacificar os conflitos, evitando-se que eles se eternizem no ambiente também desgastante de um processo judicial.
Portanto, o trabalho não se encerrou: concita-se o Congresso Nacional a promover a rejeição do veto presidencial, de modo a permitir a promulgação do projetado art. 11. Somente assim haverá, de fato, concretização do interesse público na edição de norma jurídica que permita a estabilidade das relações jurídicas no condomínio edilício.
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[1] SILVA, Paulo Napoleão Nogueira da. Comentários ao art. 66. In: BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura (coords.). Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p. 1040.
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