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Felipe Quintella

Felipe Quintella

27/03/2020

Neste quinto artigo da série sobre os impactos do novo coronavírus no Direito Civil, cuidarei de outro tema da Teoria do Negócio Jurídico; especificamente, de outro defeito do negócio: a lesão.

Conforme se viu, houve vários casos de brasileiros e que estavam no exterior e que, para que pudessem retornar ao país, tiveram de adquirir passagens aéreas por valores exorbitantes, bastante superiores aos habituais.

Pensemos na situação de Ana, que estava fazendo intercâmbio na Itália. Em um determinado momento, a universidade foi fechada, as aulas foram suspensas por prazo indeterminado, e se impôs o isolamento social. Ana e sua família, que está no Brasil, concluíram que o melhor para ela, nessas circunstâncias, seria retornar para casa. No entanto, ao consultar os sites de passagens aéreas, Ana percebeu que os preços cobrados estavam cinco vezes mais altos. Todavia, dada a urgência, bem como a possibilidade iminente e significativa da interrupção total ou parcial do tráfego aéreo internacional de passageiros, Ana celebrou o contrato de transporte, e conseguiu voltar para o Brasil.

Ante o exposto, indaga-se: houve algum defeito no contrato de transporte celebrado por Ana?

O Código Civil de 2002 incluiu, dentre os defeitos do negócio jurídico, a exemplo do Código Civil italiano de 1942, além do estado de perigo — de que tratamos no artigo anterior desta série —, o defeito denominado lesão.

Conforme o art. 157 do Código de 2002, “[o]corre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta”.

Nos termos do § 1º do dispositivo, “[a]precia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico”.

Por fim, o § 2º determina que “[n]ão se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito”.

Quanto à lesão — defeito antigo, dos tempos do Direito Romano —, a doutrina contemporânea se posiciona em duas correntes divergentes.

A primeira corrente se baseia na construção doutrinária clássica, na doutrina francesa e, no Brasil, sobretudo, na obra de Caio Mário (Lesão nos contratos). Para essa corrente, a configuração do defeito da lesão pressupõe (1) uma vantagem desproporcional para um dos sujeitos do negócio; (2) que o sujeito que obteve a vantagem tenha agido com o chamado dolo de aproveitamento. Nesse sentido, haveria lesão quando o sujeito, percebendo a premente necessidade ou a inexperiência do outro, manipulasse maliciosamente a negociação, por ação ou omissão, para obter prestação manifestamente desproporcional à prestação que oferece.

A segunda corrente, por sua vez, baseia-se na literalidade do comando do art. 157 do Código Civil de 2002 e, por conseguinte, dispensa o pressuposto do dolo de aproveitamento. Para esse corrente, para que se configure a lesão, basta que (1) o sujeito tenha agido por premente necessidade ou inexperiência e que, por isso, (2) tenha se obrigado a uma prestação manifestamente desproporcional à prestação a que tem direito, de que é credor. Tal posicionamento levou ao enunciado nº 150, da III Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal, segundo o qual: “a lesão de que trata o art. 157 do Código Civil não exige dolo de aproveitamento”.

No nosso Curso de Direito Civil, pensando do ponto de vista estrito do Direito Civil, eu e o Prof. Elpídio Donizetti aderimos à primeira corrente.

Não obstante, quando se tratar de relação de consumo, há que se aplicar, para a solução de qualquer dúvida interpretativa, a sistemática da proteção do consumidor. Conforme muito bem explicado por Landolfo Andrade, em O direito de arrependimento na compra de passagens aéreas pela internet:

Nessa trilha, não podemos olvidar que a previsão da defesa do consumidor como direito fundamental (art. 5.º, XXXII, da CF) representa, sistematicamente, uma garantia constitucional deste novo ramo do direito. É a chamada força normativa da Constituição, a indicar que os direitos fundamentais assegurados nas Constituições têm força de norma, vinculando, portanto, o Estado e os intérpretes da lei em geral, inclusive frente a outros ramos do Direito.

Assim, é possível concluir que, no âmbito do Direito do Consumidor, a configuração da lesão não exige o dolo de aproveitamento — cuja prova, vale salientar, seria de difícil, ou impossível, produção, considerando-se a posição de hipossuficiência do consumidor frente ao fornecedor.

Por conseguinte, no caso do contrato de transporte celebrado por Ana, concluímos que esta, com certeza, celebrou o contrato em virtude da premente necessidade de voltar para casa — pressuposto 1 da corrente mais consentânea com o Direito do Consumidor.

Todavia, para exame do pressuposto 2 — a manifesta desproporção entre as prestações —, não se pode perder de vista que o § 1º do Código Civil determina que se apreciem “os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico”.

Consequentemente, seria necessário examinar, cuidadosamente, as circunstâncias da celebração de contratos de transporte aéreo no momento em que Ana celebrou o seu, incluindo-se questões econômicas e empresariais, para se verificar se a prestação assumida por Ana — remuneração do transporte — considera-se, ou não, manifestamente desproporcional à prestação obtida — transporte para o Brasil.

Se, em um caso concreto, o juiz concluir pela desproporção manifesta, a conclusão será pela anulabilidade do negócio, por aplicação do art. 171, II do Código de 2002. Nessa hipótese, é preciso lembrar que o direito de pleitear a anulação, conforme o art. 178, II, submete-se a  prazo decadencial de quatro anos, contado da data da celebração do contrato.

Se, por outro lado, no caso concreto, o julgador entender que não se configurou a desproporção manifesta, a conclusão será pela validade do negócio — salvo prova de ocorrência de outra hipótese de nulidade ou de anulabilidade.

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