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Pandemia do novo coronavírus: caso fortuito ou força maior?
Felipe Quintella
01/04/2020
Neste sexto artigo da série sobre os impactos do novo coronavírus no Direito Civil, voltarei à temática dos Direitos das Obrigações e dos Contratos, para auxiliar em uma discussão teórica que tenho visto: a pandemia do novo coronavírus consistiria em caso fortuito ou força maior?
Inicialmente, é preciso destacar dois pontos: (1) trata-se de um debate meramente teórico, sem produção de efeitos práticos; (2) para entrar na discussão, é preciso escolher um referencial teórico, ou seja, um entendimento a ser adotado.
Quanto ao primeiro ponto, veja-se que o Código Civil brasileiro não distinguiu o caso fortuito da força maior ao estabelecê-los como excludentes de responsabilidade no art. 393:
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
Logo, trate-se de caso fortuito, ou de força maior, o efeito será exatamente o mesmo: impedir a configuração de responsabilidade.
Quanto ao segundo ponto, a questão é que há uma quantidade assustadora de posicionamentos doutrinários acerca dos conceitos de caso fortuito e de força maior.
No Curso de Direito Civil, eu e o Prof. Elpídio Donizetti, seguindo a tradição mineira, adotamos o posicionamento defendido por Caio Mário em suas Instituições de Direito Civil Brasileiro, segundo o qual:
Costuma-se dizer que o caso fortuito é o acontecimento natural, ou o evento derivado da força da natureza, ou o fato das coisas, como o raio do céu, a inundação, o terremoto. E, mais particularmente, conceitua-se a força maior como o damnum que é originado do fato de outrem, como a invasão do território, a guerra, a revolução, o ato emanado da autoridade (factum principis), a desapropriação, o furto etc. (2019, p. 329.)
Carlos Roberto Gonçalves, em Direito Civil Brasileiro, por sua vez, segue entendimento diferente, e ensina que:
Em geral, a expressão caso fortuito é empregada para designar fato ou ato alheio à vontade das partes, ligado ao comportamento humano ou ao funcionamento de máquinas ou ao risco da atividade ou da empresa, como greve, motim, guerra, queda de viaduto ou ponte, defeito oculto em mercadoria produzida etc. E força maior para os acontecimentos externos ou fenômenos naturais, como raio, tempestade, terremoto, fato do príncipe (fait du prince) etc. (2019, p. 385.)
Como se vê, seguindo o entendimento adotado por Caio Mário e, mais recentemente, por mim e pelo Prof. Elpídio Donizetti, a pandemia, por derivar de força da natureza, consistiria em hipótese de caso fortuito.
Por outro lado, seguindo-se o posicionamento adotado por Carlos Roberto Gonçalves, a pandemia, por se tratar de fenômeno natural, consistiria em força maior.
Sendo assim, qual resposta está correta?
Ambas. Porque, nos dois casos, extraiu-se uma conclusão a partir do referencial teóricoadotado. E, nos dois casos, a conclusão está correta, à luz do marco estabelecido.
Errado seria adotar o primeiro posicionamento e concluir que, por se tratar de força da natureza, a hipótese seria de força maior. Ou adotar o segundo entendimento e concluir que, por se cuidar de fenômeno natural, a hipótese seria de caso fortuito.
A propósito, vale destacar que Flávio Tartuce explica, em seu Direito Civil: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil, quatro diferentes correntes (2019, p. 419). E ainda comenta a fato de que, antes, Washington de Barros Monteiro havia explicado seis (TARTUCE, 2019, p. 419)…
É Tartuce, ademais, quem bem relembra o conselho de Pontes de Miranda, no sentido de que se deveria cuidar dos conceitos de caso fortuito e força maior como equivalentes (2019, p. 409) — como, adequadamente, fez o Código Civil.
Consulte o Curso de Direito Civil para esclarecer suas dúvidas sobre temas de Direito das Obrigações e de Direito dos Contratos, e sobre o Direito Civil em geral.
REFERÊNCIAS
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: teoria geral das obrigações. Vol. 2. 16. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: teoria geral das obrigações. Rev. e atual. por Guilherme Calmon Nogueira da Gama. 31. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
QUINTELLA, Felipe; DONIZETTI, Elpídio. Curso de Direito Civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2020.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. Vol. 2. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
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