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ULRICH BECK

Paulo de Bessa Antunes

Paulo de Bessa Antunes

16/04/2020

 “Por estas três pragas foi morta a terça parte dos homens, isto é, pelo fogo, pela fumaça e pelo enxofre, que saíam das suas bocas” (Apocalipse 9:18)

“Ar, maravilhoso ar” (os Muppets)

O Princípio da Precaução [PP] teve o seu grande lançamento internacional pela Declaração do Rio, haja vista que foi consagrado no Princípio 15[1]. Neste momento não cabe uma discussão mais profunda sobre sua natureza, recomendando-se a leitura de texto específico [2]. Contudo, é conveniente relembrar que o PP teve suas origens na Alemanha na década de 70 do século passado, muito em função de poluição atmosférica e proteção da saúde humana, sobretudo face a grande probabilidade de doenças respiratórias e pulmonares. Nos Estados Unidos, o Clean Air Act dos Estados Unidos, data de 1963.

Já tivemos oportunidade de escrever sobre o problema da poluição atmosférica[3] quando o Ministério Público Federal e o Governo do Estado de São Paulo moveram processo em face da  Petrobras e a Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) pelo descumprimento de lei e norma que determinam a distribuição de diesel do tipo S-50 com menos enxofre, a partir de janeiro de 2009”. As partes, finalmente, chegaram a uma composição.[4]

Como sabemos, a grande sensibilização para a questão da poluição atmosférica ocorreu em Londres, no ano de 1952, com o chamado “grande smog”. O acontecimento ocorreu em função de uma inversão térmica que se iniciou no dia 3 de dezembro de 1952 e, em poucos dias, acarretou forte recrudescimento das taxas de internações e mortes em função de problemas respiratórios. “O cheiro do fumo penetrava nos edifícios pelas portas e janelas abertas.”

Todas as grandes cidades do mundo enfrentam ou já enfrentaram problemas com poluição atmosférica, notadamente aquela causada por veículos automotores, as chamadas fontes móveis. No Japão, no ano de 2007, as montadoras de automóveis fizeram acordo com inúmeras pessoas que se sentiram prejudicadas em razão da poluição atmosférica, pagando-lhes indenizações por danos. Mais recentemente, o problema de poluição atmosférica e emissão fora de limites por automóveis voltou à cena com o chamado Dieselgate.[5]  A poluição atmosférica, contudo, não se restringe aos fatores decorrentes da circulação de veículos automotores. Muitas outras atividades são responsáveis pela turbação da qualidade do ar, tais como indústrias, estradas não-pavimentadas, aparelhos de ar condicionado, cigarros etc.

As medidas de combate ao coronavírus adotadas no mundo inteiro que possuem como elemento fundamental o chamado “distanciamento social” e a redução de circulação de pessoas, claramente uma medida de precaução, gerou uma externalidade positiva[6], pois a qualidade do ar melhorou no mundo todo, assim como a emissão de gases de efeito estufa [GEE]. Afirma-se que, na Índia, após cerca de 40 anos a cordilheira do Himalaia voltou a ser visível[7]. Há muitas fake News sobre o “retorno” de animais em diversos lugares do mundo[8]. Apesar disto tudo, os efeitos da diminuição da poluição em razão de uma drástica redução da atividade econômica são perfeitamente mensuráveis.

“Em Nova York, as emissões de monóxido de carbono oriundas de automóveis diminuiu 50% em comparação ao ano passado, segundos dados de pesquisadores da Universidade de Columbia revelados à BBC. Faz sentido, já que o tráfego da cidade caiu em 35% com a chegada do coronavírus. Além do monóxido de carbono, pesquisadores descobriram que o dióxido de carbono diminuiu em até 10% e o metano também apresentou quedas – ambos são gases de efeito estufa que intensificam o aquecimento global.

Na China, epicentro da pandemia, as emissões de CO2 diminuíram 25% em um período de apenas duas semanas, o que pode resultar em uma redução de 1% do valor de 2020, segundo estimativas[9].

O risco de grandes epidemias não é uma novidade, até mesmo porque o mundo já passou por várias ao longo de sua história e, certamente, elas continuam na ordem do dia[10], como podemos dolorosamente constatar. Finalmente, a “sociedade de risco”, antes uma hipótese teórica, foi comprovada?  Ulrich Beck[11] parte do pressuposto de que na sociedade moderna, a distribuição dos riscos é inversamente proporcional à distribuição de riqueza. Os dados disponíveis sobre a infecção COVID-19, nos Estados Unidos, demonstram que as populações mais desprotegidas economicamente, tendem a ser as mais atingidas pela doença.[12]

Beck faz uma provocação interessante sobre o papel da ciência na sociedade contemporânea: “As reações nas ciências diante desse monopólio da verdade perdido são variadas e divididas. Elas vão do desconcerto completo, passando por uma volta a mais no parafuso da profissionalização, até as tentativas de liberalização” (p. 256).

A ideia de um progresso contínuo e linear, baseado em avanços tecnológicos constantes, criticada por Beck, de fato merece reflexão. Já se sabe com muita certeza[13] que alterações desfavoráveis de condições ambientais geram desequilíbrios ecológicos que favorecem a transmissão de doenças por meio de vetores. As maiores facilidades para o transporte de cargas e pessoas internacionalmente, facilitam a circulação dos vetores – mosquitos por exemplo – e de pessoas contaminadas, muitas vezes assintomáticas, transformando epidemias em pandemias que não respeitam fronteiras.

A pandemia, certamente, será superada. Todavia, não temos a certeza de que modos de vida que se mostraram danosos, o serão. A redução da poluição que o mundo está experimentando nestes dias de isolamento, demonstra que é possível melhorar a qualidade do ar que respiramos e, portanto, a nossa qualidade de vida. Queremos de fato fazer isto? Ou as promessas de vida nova, são “amores de verão”?

As mortes causadas pelo coronavírus nos chocam, pois são muito rápidas e concentradas em pouco espaço de tempo. Mas, não podemos nos esquecer que existem várias ameaças à saúde pública que causam centenas de milhares de mortes anualmente[14] e nós, como sociedade global, temos dado pouca atenção ao fato. Infelizmente, boa parte delas tem como causa direta o atual modo de vida.

“Não basta ser ocupado. A pergunta é: estamos ocupados com o quê?” (Henry David Thoreau)

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[1] Princípio 15: Com a finalidade de proteger o meio ambiente, os Estados deverão aplicar amplamente o critério de precaução conforme suas capacidades. Quando houver perigo de dano grave ou irreversível, a falta de certeza científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para que seja adiada a adoção de medidas eficazes em função dos custos para impedir a degradação ambiental. Disponível em: < https://cetesb.sp.gov.br/proclima/wp-content/uploads/sites/36/2013/12/declaracao_rio_ma.pdf > Acesso em: 10/04/2020

[2] Disponível em: < http://revista.domhelder.edu.br/index.php/veredas/article/view/877 > Acesso em: 10/04/2020

[3] Disponível em: < https://www.oeco.org.br/colunas/paulo-bessa/19798-algo-alem-dos-avioes-de-carreira/ > Acesso em: 10/04/2020

[4] Disponível em: < http://www.mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/noticias-sp/27-04-11-2013-petrobras-anp-ibama-e-industria-confirmam-que-diesel-com-menos-enxofre-estara-no-mercado-em-janeiro-de-2012 > Acesso em: 10/04/2020

[5] Disponível em: < https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2018-05/ex-presidente-da-volkswagen-e-indiciado-por-fraude-em-dados-de-emissao > Acesso em: 10/04/2020

[6] A externalidade é um efeito não desejado de uma atividade desejada. Pode ser negativa ou positiva.

[7] Dispoponível em: < https://canaltech.com.br/meio-ambiente/himalaia-volta-a-ser-visivel-na-india-apos-lockdown-de-21-dias-163093/ > Acesso em: 10/04/2020

[8] Disponível em: < https://www.natgeo.pt/animais/2020/03/coronavirus-noticias-falsas-sobre-animais-inundam-redes-sociais > Acesso em: 10/04/2020

[9] Dispoonível em: < https://super.abril.com.br/ciencia/poluicao-atmosferica-cai-mundo-afora-com-a-pandemia-de-covid-19/ > Acesso em: 10/04/2020

[10][10] CASTI, John. O Colapso de Tudo (tradução de Ivo Korytowski e Bruno Alexandre). Rio de janeiro: Intrínseca. 2012

[11] BECK, Ulrich. Sociedade de Risco (tradução de Sebastião Nascimento). São Paulo: Editora 34. 2011

[12] Disponível em< https://extra.globo.com/noticias/mundo/negros-com-menos-acesso-saude-sao-maioria-dos-infectados-mortos-nos-eua-rv1-1-24360676.html > Acesso em: 10/04/2020

[13] UJVARI, Stefan Cunha. Pandemias – A humanidade em risco. São Paulo: Contexto. 2011

[14] Disponível em: < https://saude.abril.com.br/medicina/10-grandes-ameacas-a-saude-em-2019-segundo-a-oms/ > Acesso em: 10/04/2020


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