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A situação dos parlamentares que se afastam de seus partidos

PARTIDOS POLÍTICOS

POLÍTICA

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REVISTA FORENSE 152

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19/08/2022

REVISTA FORENSE – VOLUME 152
MARÇO-ABRIL DE 1954
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICARevista Forense 152

DOUTRINA

PARECERES

NOTAS E COMENTÁRIOS

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

LEGISLAÇÃO

SUMÁRIO: Relação jurídica entre o partido político e o candidato. Arts. 56 e 134 da Constituição. Representação do povo e representação dos partidos. Renúncia do mandato. Dissidência com o partido. Conclusão.

Sobre o autor

Nestor Massena, senador pelo Estado de Minas Gerais.

NOTAS E COMENTÁRIOS

A situação dos parlamentares que se afastam de seus partidos

(*Projeto de lei do Senado nº 19-1954 – Sua justificação**)

** JUSTIFICAÇÃO

O Prof. SAMPAIO DÓRIA escreveu, no “Curso de Direito Constitucional”, que “é tendência fatal da natureza humana o abuso do poder. Confunde-se, fàcilmente, representação política com poder em causa própria, quando a verdade é’que a representação do povo não é a supressão do povo. Os representantes traem os representados sempre que procedem contra êles, ou mesmo sem êles, ou à revelia dêles. Não é de esperar, não obstante, o entendimento continuado entre representantes e representados, entre o govêrno, que é o povo representado, e o povo, que no govêrno se representa. Na hora de eleger os governantes, como quando alguém constitui procurador, o entendimento pode ser perfeito.

Mas, depois de eleitos, os representantes podem transviar-se da opinião pública que os elegeu, e, nesse caso, ou deixam os postos, ou traem os seus comitentes. Assim como, nos mandatos particulares, podem os mandantes revogar os poderes que outorguem, também, no mandato político, não se pode, em boa razão, negar ao povo o direito de cassar o mandato aos representantes que já lhe não mereçam confiança” (cf. ARNALDO CERDEIRA, “Projeto de novo Código Eleitoral”, 1952).

Relação jurídica entre o partido político e o candidato

O “Jornal do Comércio” de 21 de junho de 1953 publicou êste trabalho do Dr. JOÃO DE OLIVEIRA FILHO sôbre os parlamentares que se afastam dos partidos que representam em assembléias eletivas:

“Depois que os partidos políticos foram admitidos a intervir na formação dos poderes eletivos da nação, surgiu, no direito público, a questão de se saber qual a relação jurídica que se estabelecia entre o partido e o candidato, que fôsse eleito, de acôrdo com a lista, que o partido tivesse registrado, ou de acôrdo com a inscrição que o partido tivesse feito, ou de acôrdo com o registro que o partido tivesse requerido e conseguido”.

A muitos pareceu que os lugares conseguidos nos Parlamentos ou nas Assembléias, ou nas Câmaras dos Deputados, não seriam das pessoas físicas, que fôssem eleitas, porém do partido, que as elegeu.

Célebre decisão, sôbre êsse assunto, foi dada em 22 de junho de 1923, pelo Tribunal Eleitoral da Tcheco-Eslováquia, referida por PIETRO VIRGA, em seu “Il Partito Político nell’Ordinamento Giuridico”, 1948, pág. 158, nota 28. O princípio da lista bloqueada, ficou aí dito, conduz, lògicamente, à conclusão de que o corpo eleitoral não dá o próprio voto a favor das pessoas singulares, mas a favor dos grupos eleitorais, e que, por conseqüência, êstes últimos adquirem, por efeito da eleição, direito a certo número de mandatos.

AMBROSINI (“Gli partiti polici ed i gruppi parlamentari dopo la proporzionale”, pág. 339) escrevia que “il sistema della R. P., metendo a base della vita politica e del congegno di funzionamento della rappresentanza, gruppi di elettori organizzati in partiti, conferisce ai deputati la qualità preeminente di rappresentanti dei rispettivi partiti… I deputati non possono considerarsi genericamente come rappresentanti della nazione, ma debbono considerarsi prevalentemente come rappresentanti della volontà degli elettori organizzati in partiti da cui derivano la loro elezione con cui sono costretti a restare in rapporti continui in virtù del nuovo ordinamenta elettorale e parlamentare e specie dell’ obbligo fatto ai deputati di appartenere ad uno dei gruppi della Camera”.

Ajuntava, porém, AMBROSINI, que essa representação não se poderia dizer simples, não se poderia, dizer que era sòmente do partido, senão que era complexa, importava representação da nação, dos eleitores, da circunscrição eleitoral, e do partido.

“Diciamo prevalentemente per significare che col nuovo sistema gli eletti diventano rappresentanti dei partito, ma non solamente ed esclusivamente di esso. Secondo noi felezione importa dei rapporti di rappresentanza complessi, nei rispetti della nazione in generale, degli elettori votanti, della circoscrizione elettorale e dei partito”.

A conseqüência prática de tôda essa discussão, que, no direito alemão, foi feita por diversos autores em diversos livros, seria, afinal, a de que os partidos são donos das cadeiras, que conquistam nos Parlamentos, e de que os eleitos, que abandonam os partidos, que os elegeram, perdem os lugares, perdendo, outrossim, os lugares, quando sejam expulsos dos respectivos partidos.

No Brasil a mesma discussão tem sido feita, não sòmente por ocasião em que deputados e vereadores abandonam seus partidos e, pùblicamente, declaram ingressar em outro, como por ocasião de discussão no Congresso, sôbre perda de mandato, em geral, ou perda de mandato, em particular, referente aos casos em que deputados e vereadores abandonam os partidos, que os inscreveram como candidatos.

Arts. 56 e 134 da Constituição

O argumento principal, e relevante, que se tem invocado para impedir que prospere qualquer deliberação a respeito da perda de mandato, pelo fato da saída de um deputado ou um vereador, de seu partido, é o de que, constitucionalmente, está declarado que o deputado é representante do povo, conforme se lê no art. 56 da Constituição de 1946:

“A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, segundo o sistema de representação proporcional, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Territórios”.

Se é representante do povo, argumenta-se, não é representante de partidos.

O mandato, conclui-se, não pertence, dessa forma, aos partidos, porém, aos eleitos.

Já AMBROSINI, como vimos, falava de uma representação complexa exercida pelos deputados.

Não diremos que em nosso país os deputados exerçam uma representação complexa. Os deputados exercem, no Brasil, representação múltipla, ou seja, duas representações – a do povo, pelos votos do qual são eleitos, e a dos partidos políticos nacionais, que os registram.

A primeira representação vem a ser, mesmo, a qualidade necessária para alguém ser representante de partido na Câmara dos Deputados.

Representação do povo e representação dos partidos

Com efeito, se foi dado aos deputados a representação do povo, também, pela Constituição foi dada aos partidos políticos nacionais a representação proporcional, art. 134, que o Cód. Eleitoral destinou aos deputados e vereadores, na forma da ação dos cocientes eleitoral e partidário. A Constituição mesmo preconizou no art. 134 que essa representação assegurada aos partidos seria na forma que a lei estabelecesse: “…fica assegurada a representação proporcional aos partidos políticos nacionais, na forma que a lei estabelecer”.

O deputado é, por isso, representante do povo, porque a Constituição lhe conferiu essa qualidade. O deputado é, outrossim, representante do partido, porque o Cód. Eleitoral lhe conferiu êsse mandato legal.

Consideramos, por isso, superada, no Brasil, a discussão sôbre se o mandato de deputado pertence ao deputado ou ao partido. A questão, em nosso país, é outra: consiste ùnicamente em se saber como coexistem as duas representações na mesma pessoa, e como ambas, ou alguma das duas se perde, e qual o efeito da perda de uma ou de outra.

As duas coexistem na mesma pessoa, sem que se confundam, sem que se tornem inseparáveis.

Foi o Cód. Eleitoral, como dissemos, que estabeleceu a segunda representação. Não podem ser representantes de partidos os senadores, por exemplo, porque a lei ordinária, que é o Cód. Eleitoral, não atribuiu aos senadores a capacidade para serem representantes dos partidos.

Tenha-se presente que a representação proporcional de partidos e o sistema proporcional de eleição não significam a mesma coisa.

Pode-se estabelecer a representação de partidos políticos por meio de deputados eleitos pelo sistema majoritário.

Nada impede, com efeito, que a lei estabeleça que os partidos políticos concorram às eleições ùnicamente para o estabelecimento do cociente eleitoral. Na forma do cociente eleitoral é que teriam, no mínimo, conseguido o direito de representação. Os representantes seriam conseguidos por adesão. Em tal sistema, compreendido fica que os deputados, os vereadores, os senadores, que quisessem, poderiam se apresentar ou poderiam ser convidados para integrarem a representação de cada partido, aceitando-os êste ou não, como seus representantes. Seria a mesma situação jurídica que se estabelece, atualmente, entre as pessoas que pretendem se representar em juízo e os advogados. Não é qualquer advogado que pode receber a representação, mas o advogado que esteja inscrito na Seção da Ordem dos Advogados do Brasil, em que esteja o fôro, onde a pessoa tem que ser representada. Assim com o representante de partido nas Câmaras. Não è qualquer pessoa, a aprazimento do partido, mas quem a lei designa.

O Cód. Eleitoral, entretanto, estabeleceu a representação proporcional dos partidos políticos nacionais por meio de dois cocientes, o eleitoral, que dá direito ao partido, que o atinge, de ter representação, e o partidário, que dá, praticamente, o número de representantes, pois fixa o número de votos que, com o atingi-lo, se tem por eleito o candidato inscrito.

A Constituição, outrossim, não reservou exclusivamente para os partidos políticos nacionais a representação nas Câmaras. Deixou à lei ordinária a atribuição de conceder ou não aos partidos políticos nacionais a exclusividade dessa representação. A lei ordinária, portanto, pode estabelecer que a metade, por exemplo, do número de deputados e vereadores, seja chamada pelo sistema de representação proporcional dos partidos, de acôrdo com os cocientes eleitoral e partidário, e que a outra metade seja chamada de acôrdo com a eleição pelo sistema proporcional baseado em partidos regionais, que a Constituição não impediu que se formassem e que se formem, ou de acôrdo com a proporção entre os candidatos que se apresentem sem ser por meio de partidos.

No atual sistema, porém, de representação exclusivamente dada aos partidos políticos nacionais com os cocientes eleitoral e partidário, o fato é que, de acôrdo com a apuração, cada partido político nacional adquire direito líquido e certo, não só de representação, como do número de elementos dessa representação. Ninguém mais pode tirar de cada partido êsses direitos.

Existem, sem dúvida, hipóteses constitucionais, em que o partido pode perder o direito ao número de representantes e o direito de representação. A primeira é a que ocorre quando haja vaga em sua representação e não exista suplente para preenchê-la. A segunda, se o partido tiver um só representante, sem suplente. Nestes casos, o partido perde o direito de representação. É o que se lê no parág. único do art. 53 da Constituição, quando dispõe que:

“Não havendo suplente para preencher a vaga, o presidente da Câmara interessada comunicará o fato ao Tribunal Superior Eleitoral para providenciar a eleição, salvo se faltarem menos de nove meses para o tempo do período. O deputado ou senador eleito para a vaga exercerá o mandato pelo tempo restante”.

Remúncia do mandato

De acôrdo, portanto, com o sistema brasileiro, em que o representante do povo tem que, exercer o cargo de representante de partido, ou, por outras palavras, em que cada, partido sòmente poda ser representado por deputado ou vereador, temos que, se o deputado ou o vereador renuncia à representação do povo, perde, ipso facto, a representação do partido; mas, se, o deputado ou vereador, não renuncia à representação do povo, renunciando, entretanto, à representação do partido, perde a representação do partido, não pode mais ficar na Câmara, porque os lugares nas Câmaras estão distribuídos totalmente pelos partidos com direito de representação, são lugares dos partidos.

Não há lugar nas Câmaras respectivas para deputado, ou vereador, que não pertença a qualquer representação, pela razão natural que todos os lugares foram distribuídos de acôrdo com o cociente partidário, a todos os partidos que atingiram o cociente eleitoral.

Para o deputado ou vereador, que renuncia à representação do partido, que o inscreveu para a eleição, entrar na representação de outro partido, é preciso que nela exista vaga e que o partido não tenha suplente que a queira e ofereça-a ao deputado ou vereador aderente. O lugar é do partido; pode por isso dá-lo, depois que os seus suplentes, que têm preferência, recusarem o lugar.

Não colide a perda de representação do partido com a manutenção da representação do povo. Todos os candidatos registrados pelos partidos que, alcançando o cociente eleitoral, adquiriram o direito de representação, ficam representantes do povo. São deputados suplentes. Assim como os vereadores.

O suplente não tem o nome de deputado, nem de vereador, porque êsses títulos sòmente competem aos que são chamados para os lugares nas respectivas Câmaras.

Portanto, se um deputado renuncia à representação do partido; sob cuja legenda se elegeu, passando para outro partido, fica na situação de suplente do partido, a que adira, ou fica na situação de representante do povo, sem ter a qualidade de suplente de qualquer partido, se para nenhum partido passar; num e noutro caso, porém, não tem lugar para se assentar na respectiva Câmara, devendo dela sair, pois nela não há para nenhum deputado ou vereador lugar sem assento. Fica suplente em disponibilidade.

A lei considera suplente, da representação partidária os mais votados sob a mesma legenda e não-eleitos efetivos dos respectivos partidos. É uma presunção iuris et de jure para o candidato nessa situação. A lei, porém, não impede, que, uma vez eleito, passe a ser suplente dos efetivos de outro partido. O que não pode é vir, por sua vontade, aumentar o número de representantes do partido a que adira, levando para êste uma vantagem que o cociente partidário não lhe deu.

Sua saída do partido não pode prejudicar o direito adquirido do partido ao número de representantes, confôrme seu cociente partidário.

O partido, cujo representante se retire, fica assim com direito líquido e certo de reintegrar sua representação, que é assegurada pela Constituição, uma vez que lhe foi dada pela eleição, na forma da lei.

Essa reintegração se faz pela convocação do suplente do representante, que aderiu a outro partido, e que, dessarte, renunciou, tàcitamente, à representação do partido, do qual saiu.

Não há, pois, de acôrdo com as nossas disposições constitucionais, e de acôrdo com a nossa lei eleitoral, questão de saber se o deputado, que abandona seu partido, perde ou não seu mandato. Não perde o mandato de representante do povo, mas como renunciou ao mandato de representante do partido, sob cuja legenda se elegeu, fica representante do povo, sem representação de partido. E como nas Câmaras, onde existe representação de partido sòmente há lugares para êsses representantes de partidos, a conseqüência é natural, – o representante do povo fica na situação de suplente do partido para o qual se transferiu, ou na de suplente em disponibilidade, se para nenhum partido passou.

Confusão nenhuma, de outro lado, existe ou pode existir com o caso de cisão na representação.

Dissidêncua com o partido

Se é verdade que a concessão de poderes implica, via de regra, deveres partidários, entre os quais, o de disciplina, entretanto não é essencial, na representação do partido, que seu representante esteja do lado da maioria, pois dentro do partido podem haver alas ou dissidências, salvo quando se trate de questão fechada por natureza, qual, por exemplo, a que diga respeito aos objetivos essenciais do programa partidário. Nesse caso, tanto a jurisprudência, como a lei, poderá considerar caso tácito de renúncia de representação.

Um deputado ou um vereador, que se declare em dissidência ou em cisão, não significa, em geral, que tenha deixado a representação do partido. Qualquer partido não é uno, senão que dentro nêle existem várias correntes de opinião.

A lei, entretanto, como a jurisprudência, podem, aquela dispor, e esta, entender, que a dissidência importe renúncia, quando ocorra em ponto básico, como dissemos, ou objetivo explícito do partido, conforme seu programa constante dos estatutos registrados no Superior Tribunal Eleitoral. São questões fechadas, que se podem denominar fechadas por natureza.

A lei também poderá ressalvar que o caso de dissidência seja resolvido por meio político, convocando os eleitores do partido para manifestarem sôbre a dissidência, isto é, decidirem quem tenha razão, se o deputado dissidente, se o diretório do partido.

Não se confunde, também, com a cisão de partido o caso de expulsão de um deputado, ou de um vereador, de seu partido.

A Constituição assegura aos partidos políticos nacionais representação proporcional, na forma que a lei estabelecer. A lei, que é o Cód. Eleitoral, estabelece, não sòmente a forma de representação, senão também quais as pessoas que possam ser representantes. Não se trata, porém, de representação convencional entre o partido e os deputados e vereadores, que o representam nas respectivas Câmaras. Trata-se do mandato legal, isto é, conferido pela lei. Não pode, conseqüentemente, o partido revogar êsse mandato expulsando, por exemplo, o mandatário. Mandato legal não é revogável pelo representado. Assim como o representante, que sai do partido, não pode levar consigo o lugar, que pertence ao partido na Câmara, também o partido não pode, expulsando do seu seio o representante leal, arrebatar-lhe o lugar que ocupa na Câmara, pois isso seria poder o representado revogar a representação que, por lei, foi conferida ao representante.

Há o caso de deputado ou de vereador eleito por aliança de partidos. Não há dificuldade. A aliança de partidos é considerada como um partido. É ela que tem a representação. Isso pôsto, tudo o mais se resolve sob o ponto de vista de que se trata de um partido, o constituído pela aliança.

A questão, portanto, no Brasil, de acôrdo com a disposição constitucional, que assegura aos partidos políticos nacionais representação proporcional, na forma que a lei estabelecer, e de acôrdo com o Cód. Eleitoral, que organizou a forma de se constituir essa representação, não é a de perder o representante do povo seu mandato, que sòmente por renúncia, ou por perda, nos casos constitucionais, e legais, pode ser dêle privado. Mas, a de não perder o partido, que adquiriu seu direito de representação em qualquer Câmara de deputados ou de vereadores, qualquer lugar dessa representação.

Ante o exposto, nossas conclusões são simples.

O povo elege, proporcionalmente, pesos partidos, que inscrevem os candidatos, os deputados que são seus representantes, e os vereadores, que também são seus representantes.

A lei eleitoral distribui pelos partidos, de acôrdo com os cocientes eleitoral e partidário, que são os meios para entre êles estabelecer a proporção, os lugares das Câmaras, em que admitiu a representação dos partidos.

Os deputados e os vereadores, que são as pessoas às quais a lei eleitoral atribui a representação dos partidos, sob cuja legenda foram eleitos, exercem, ao mesmo tempo, duas representações, a do povo e a do partido.

A representação do povo pertence a quem foi eleito, a representação do partido pertence, porém, ao partido ao qual a apuração o atribuiu.

O representante do povo, que sai do partido, não leva consigo o lugar que o partido tenha na representação proporcional nas Câmaras, onde a lei permitiu essa representação – Câmara dos Deputados Federal, Assembléias Legislativas dos Estados e Câmaras Municipais.

O deputado ou o vereador, que se retira de seu partido, voluntàriamente, perde a representação e fica na situação de suplente do partido a que adira, ou suplente em disponibilidade, se não houver partido que o chame, porque em qualquer das Câmaras, onde existe a representação dos partidos, todos os lugares estão distribuídos aos partidos, não sobrando nenhum para deputado ou vereador independente.

O partido que fique sem um, dois ou mais dos seus representantes, que se retirem espontâneamente de sua bancada, tem direito líquido e certo de pedir ao presidente da Câmara interessada, que convoque suplente ou suplentes bastantes para a reintegração de sua representação.

Cabe mandado de segurança ao partido que tenha seu pedido de reintegração de sua bancada indeferido pelo presidente da Câmara interessada.

Não deixa de haver direito líquido e certo o fato de que dado caso, como o em aprêço, de reintegração do número de representantes da bancada, de cada partido, não esteja explìcitamente provido em lei, ou em que a intenção da lei tenha ficado duvidosa pela razão de aparentemente conflitantes provisões ou direções.

A construção que é arte, quando se aplica na leitura das leis escritas, ou processo de descobrir e expor o sentido e a intenção dos autores de uma lei a respeito de sua aplicação a determinado caso, como ensina BLACK, “On Interpretation of Law”, nº 2, não tirando do direito, quando seja ela necessária para evidenciá-lo, a sua qualidade de liquidez e certeza. A controvérsia não exclui a certeza, pois ao juiz cumpre examinar o fundamento ou infundamento dessa controvérsia, decidiu o egrégio Supremo Tribunal Federal, recurso extraordinário nº 5.526, relator ministro OROZIMBO NONATO, in CASTRO NUNES, “Mandado de Segurança”, 3ª ed., pág. 430. As palavras de BLACK são as seguintes: “Construction, as applied to written law, is the art or process of discovering and expounding the meaning and intention of the author of the law with respect to its application to a given case where that intention is rendered doubtful either by reason or appears entirely conflicting provisions or directions or by reason of the fact that the given case is not explícity provided for in the law”.

Quando, como aqui, a saída legal para o caso não está aberta a sérias dúvidas, o dever de dar remédio e de expressar decisão incumbe aos juízes, máxime quando a opinião pública do país tem verberado de modo insofismável o procedimento feio de deputados e vereadores, que vêm mudando de partido por interêsses evidentemente pessoais.

“Where, as here, the legal issues are not open to serious doubt, our duty is to express a decision, and leave lhe remedy (if one be resolved upon) to others”, decidiu a “House of Lords”, da Inglaterra, citado em MAXWELL “On Interpretation of law”, pág. 5.

Como ainda ensina MAXWELL, ob. citada, pág. 198, no determinar, quer o objeto geral de uma legislação, quer o sentido da linguagem em particular caso, é óbvio que a intenção que apareça ser mais de acôrdo com a conveniência, com a razão, com a justiça e com os princípios legais, deva, em todos os casos de dúvida sôbre seu significado, ser presumida a verdadeira.

“In determining either the general object of the Legislature, or the meaning of its language in any particular passage, it is obvious that the intention which appears to be the most in accord with convenience, reason, justice, and legal principles, should, in all cases of doubtful significance be presumed to be the true one”.

Nos têrmos, pois, dos fundamentos acima expostos, nosso raciocínio é simples.

A Constituição, no art. 134, expressamente, assegura aos partidos políticos nacionais representação proporcional, na forma que a lei estabelecer.

A lei, que é o Cód. Eleitoral, estabelece que cada partido adquire essa representação por dois cocientes, o eleitoral, que lhe dá o direito de representação, e o partidário, que lhe dá o número de representantes.

Logo, quando o número de representantes de determinado partido diminuir por ato voluntário de algum representante, que deixa a representação, tem o partido direito líquido e certo para pedir a reintegração de sua representação, assegurada, que é, pela Constituição, no seu artigo 134, aos partidos políticos nacionais, e adquirida na apuração da eleição de cada legislatura, conforme o cociente eleitoral e o cociente partidário combinados, constantes da ata de apuração. O lugar de representante de partido não pertence ao representante, mas ao partido, de onde resulta a conseqüência que, se o representante se retira espontâneamente do partido, importando essa retirada em renúncia tácita da representação, cabe ao partido o direito de pedir sua substituição pelo suplente, que, porventura, tenha, passando o representante, que se retire, para o lugar de suplente do partido, a que adira, ou de suplente em disponibilidade, não importando aquela perda de representação do partido em perda de representação do povo, que os suplentes também possuem”.

Considerações

Não aceito, in totum, as brilhantes considerações dêste notável trabalho sôbre direito eleitoral, em face do nosso direito constitucional.

Se, pela Constituição,

“Art. 56. A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, segundo o sistema de representação proporcional, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Territórios”,

e, se, pelo

“Art. 134. O sufrágio é universal e direto; o voto é secreto; e fica assegurada a representação proporcional dos Partidos Políticos nacionais na forma que a lei estabelecer”,

torna-se inequívoco que a Constituição tornou a representação do povo representação dos Partidos Políticos nacionais proporcional na forma que a lei estabelecer.

É, pois, constitucionalmente correta a disposição da lei ordinária – lei nº 1.164, de 24 de julho de 1950, Cód. Eleitoral que estabelece, no

“Art. 47. Sòmente podem concorrer às eleições candidatos registrados por Partidos ou alianças de Partidos”.

Se, pois, o povo elege os seus representantes, quem os escolhe para a eleição são os Partidos. Quem não é candidato de partido não pode ser eleito representante do povo e torna-se, assim, inelegível. E o inelegível não pode exercer mandato eletivo.

A indicação, escolha ou eleição do candidato é ato do Partido e a homologação dessa escolha é ato do eleitor, isto é, do povo. O eleito o é, pois, simultâneamente, do Partido e do povo, não podendo ser de um se não o fôr do outro. O mandato que lhe é conferido o é, pois, por atos sucessivos, no tempo, mas que se completam, que se integram, se considerados em relação ao objetivo.

Não pode, pois, perdurar o mandato conferido para um mesmo fim por dois mandatários que só os dois, conjuntamente, podem conferi-lo se o mandatário renuncia, ou perde, o mandato por não se conformar com o seu exercício nas condições nêle preestabelecidas. O mandato se extingue, quanto ao mandatário, se êsse o aceita sob condições e se deserta a essas condições. Se o mandatário recebe o mandato de um Partido não pode usar êsse mesmo mandato como mandatário de outro Partido, de Partido concorrente ou adverso daquele que o fêz seu mandatário.

Assim, como base de estudos e para o necessário aprimoramento, ofereço à consideração do Senado Federal êste projeto de lei.

Sala das Sessões, em 5 de abril de 1954. – Nestor Massena, senador pelo Estado de Minas Gerais.

____________

Notas:

* PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 19 DE 1954***

Dispõe sôbre o abandono do Partido pelos representantes do povo.

O Congresso Nacional resolve:

Art. 1º O Poder Legislativo – federal, estadual, ou municipal, – é constituído de representantes do povo (Constituição, art. 56), que o são, simultaneamente, dos partidos (idem, arts. 668 e 134), no exercício dos direitos políticos.

Parág. único. A Perda da representação popular importa, fatalmente, na partidária, e vice versa.

Art. 2º Perde-se o direito à representação popular e partidária no Poder Legislativo nos casos dos arts. 130, 132, III, 135 e 136 da Constituição.

§ 1º Perdem o direito à representação popular os que incidirem nos §§ 1º e 2º do art. 48 da Constituição.

§ 2º Renunciam o direito à representação partidária (Constituição, art. 134):

a) os que declararem ter abandonado a legenda sob a qual se tornaram elegíveis;

b) os que demonstrarem, por atos no exercício do mandato, haver abandonado o partido que os elegeu.

§ 3º Cessa o direito de figurar com a legenda sob a qual foi eleito representante do partido quem deixar de obedecer ao programa, às deliberações da convenção e à orientação do líder respectivo, depois de advertido pela direção nacional, estadual ou municipal do partido, conforme se trate de membro do Poder Legislativo da União, do Estado, ou do Município.

§ 4º Não se considera haverem abandonado a legenda partidária os membros do partido que constituem pelo menos um têrço dos que figuram na mesma legenda e dêle divirjam simultâneamente, constituindo, porém, ala do próprio partido.

Art. 3º A cessação do mandato aludida no artigo antecedente e seus parágrafos pode ser promovida por qualquer membro da Câmara a que pertença o mandatário, por meio de representação documentada do partido cuja legenda foi abandonada, ou do procurador geral da Justiça Eleitoral.

§ 1º Recebida pela Mesa da Câmara, ou Assembléia, em que figure o renunciante ã legenda, será a representação prevista neste artigo enviada ao Tribunal Regional Eleitoral do respectivo Estado se se tratar de mandato estadual, ou municipal, para que se pronuncie sôbre a cessação do mandato.

§ 2º O Tribunal Eleitoral a que fôr afeto o caso convocará por edital o renunciante à legenda partidária para, no prazo de 15 dias, confirmar essa renúncia.

§ 3º Se a renúncia fôr confirmada, ou na hipótese de não ser atendida a convocação da Justiça Eleitoral para esta confirmação, o Tribunal respectivo proclamará, em decisão irrecorrível, a cessação do mandato do renunciante.

§ 4º Da decisão prevista no artigo anterior será dado imediato conhecimento à assembléia de que participava o renunciante para os fins previstos no art. 52 da Constituição, in fine.

§ 5º Na falta de suplente do representante cujo mandato cessar, proceder-se-á nos têrmos do art. 52 combinado com o art. 134 da Constituição.

§ 6º No caso de não se confirmar a renúncia, o Tribunal que conhecer do caso dará conhecimento dessa conclusão à Assembléia que lhe deu conhecimento da mesma.

Art. 4º Revogam-se as disposições em contrário a esta lei, cuja vigência terá início com o da próxima legislatura do Congresso Nacional.

Sala das Sessões do Senado Federal, 5 de abril de 1954. – Nestor Massena, senador pelo Estado de Minas Gerais.

__________

Notas:

*** Publicado no “Diário do Congresso Nacional” de 6-4-1954, pág. 625.

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Os textos serão avaliados previamente pela Comissão Editorial da Revista Forense, que verificará a compatibilidade do conteúdo com a proposta da publicação, bem como a adequação quanto às normas técnicas para a formatação do trabalho. Os artigos que não estiverem de acordo com o regulamento serão devolvidos, com possibilidade de reapresentação nas próximas edições.

Os artigos aprovados na primeira etapa serão apreciados pelos membros da Equipe Editorial da Revista Forense, com sistema de avaliação Double Blind Peer Review, preservando a identidade de autores e avaliadores e garantindo a impessoalidade e o rigor científico necessários para a avaliação de um artigo.

Os membros da Equipe Editorial opinarão pela aceitação, com ou sem ressalvas, ou rejeição do artigo e observarão os seguintes critérios:

  1. adequação à linha editorial;
  2. contribuição do trabalho para o conhecimento científico;
  3. qualidade da abordagem;
  4. qualidade do texto;
  5. qualidade da pesquisa;
  6. consistência dos resultados e conclusões apresentadas no artigo;
  7. caráter inovador do artigo científico apresentado.

Observações gerais:

  1. A Revista Forense se reserva o direito de efetuar, nos originais, alterações de ordem normativa, ortográfica e gramatical, com vistas a manter o padrão culto da língua, respeitando, porém, o estilo dos autores.
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