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Processo fiscal ideias gerais para uma concepção unitária e orgânica

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CLÁSSICOS FORENSE

REVISTA FORENSE

TRIBUTÁRIO

Ideias gerais para uma concepção unitária e orgânica do processo fiscal

PROCESSO FISCAL

PROCESSO TRIBUTÁRIO

REVISTA FORENSE

REVISTA FORENSE 152

Revista Forense

Revista Forense

25/07/2022

REVISTA FORENSE – VOLUME 152
MARÇO-ABRIL DE 1954
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICARevista Forense 152

DOUTRINA

PARECERES

  • Serviços públicos – Intervenção na Ordem Econômica – Sociedade de economia mista – Imunidade fiscal – Banco da Amazônia – Aliomar Baleeiro
  • Magistrado – Irredutibilidade de vencimentos – Gratificação adicional – Aposentadoria – M. Seabra Fagundes
  • Sigilo de correspondência – Telegramas – Exame por agentes fiscais – Carlos Medeiros Silva
  • Enfiteuse e arrendamento – Distinção – Temporariedade decorrente de cláusula contratual – Orlando Gomes
  • Títulos em branco – Nota promissória – Aval – Falsidade ideológica – João Eunápio Borges
  • Compra e venda do parto de animais de cria – Antão de Morais
  • Ação de recuperação de títulos ao portador emitidos pela União – Competência – Descumprimento das ordens judiciais pelo Executivo – Jorge Alberto Romeiro
  • Ato administrativo – Autorização ou licença – Revogação – J. Guimarães Menegale

NOTAS E COMENTÁRIOS

  • A prescritibilidade da ação investigatória de filiação natural – Alcides de Mendonça Lima
  • Inviolabilidade do lar – Sanelva de Rohan
  • Os aumentos de capital e o direito dos portadores de ações preferenciais – Egberto Lacerda Teixeira
  • As sociedade de economia mista e as emprêsas públicas no direito comparado – Arnold Wald
  • Locação total e locação parcial – Eduardo Correia
  • Conceituação do arrebatamento como crime contra o patrimônio – Valdir de Abreu
  • Os quadros de carreira e a equiparação salarial – Mozart Vítor Russomano
  • A situação dos parlamentares que se afastam de seus partidos – Nestor Massena

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

LEGISLAÇÃO

SUMÁRIO: Processo formativo da obrigação tributária. Objeto do processo fiscal. O processo como meio de atuação da lei. Concepção unitária. Lançamento e sentença. Fase oficiosa do processo. Processo fiscal contencioso. Natureza do privilégio da Fazenda Pública. Conclusões práticas. Junta de Ajuste de Lucros. Outras tentativas de unificação. Soluções possíveis. Mandado de segurança. Conclusões finais.

Sobre o autor

Rubens Gomes de Souza, Professor na Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da Universidade de São Paulo

DOUTRINA

Idéias gerais para uma concepção unitária e orgânica do processo fiscal

* O processo é o complexo dos atos jurídicos ordenados no sentido de obter a declaração do direito. Mas nem por isso o processo é simplesmente uma técnica para solução de controvérsias jurídicas por meio de pronunciamentos de autoridade. Basta recordar que a doutrina moderna reconhece a existência de um direito abstrato de agir, autônomo e distinto do direito subjetivo demandado por meio da ação, para ver que o processo é matéria de direito substantivo.

Talvez a melhor ilustração prática dessa conclusão doutrinária seja fornecida pelo processo que visa obter o cumprimento das obrigações ex lege. De fato: nas obrigações contratuais ou delituais, a causa da obrigação está no contrato ou no delito, de modo que àquilo que se pede no processo é, em última análise, apenas a declaração de um direito decorrente de um título preconstituído. Ao passo que nas obrigações legais a causa está contida na própria lei; então o que se pede no processo não é apenas a declaração do direito decorrente da lei: é isso e mais, simultâneamente, a constituição do próprio título jurídico de que decorre em concreto o direito demandado.

Pode-se objetar: se a obrigação decorre da lei, a lei é o seu título jurídico, exatamente como o contrato ou o delito são o título jurídico das obrigações ex contracto ou ex delicto: de modo que basta, nas obrigações ex lege como nas outras, que o processo declare o direito existente em função do título preconstituído, que no caso é a lei, como poderia ser o contrato ou o delito.

Mas a verdade é que a lei, sendo necessàriamente uma norma abstrata e genérica, sòmente pode dar lugar ao nascimento de um direito igualmente abstrato e genérico. Para que êsse direito seja suscetível de atuação, ainda é preciso que se concretize em função de uma situação material ou jurídica: porque – com a exceção única dos direitos políticos e dos elementares da personalidade humana – sòmente depois de assim concretizados é que os direitos previstos abstratamente na lei se integram no patrimônio individual em sua condição última de situações jurídicas subjetivas, seja sob a forma ativa de créditos, seja inversamente sob a forma passiva de obrigações.

Tomemos como exemplo, para entrar diretamente na matéria, a sistematização elaborada por NAWIASKY para o processo formativo da obrigação tributária, que pode ser considerada a obrigação ex lege por excelência. Vamos encontrar um escalonamento de três fases conceitualmente sucessivas:

– Uma primeira fase de pura soberania ou poder de império: é a situação abstrata que decorre da simples existência de lei instituindo um tributo sôbre determinada situação material ou jurídica. Desde que uma situação do tipo previsto na lei de modo abstrato se verifique em concreto, o Estado poderá exigir o tributo. Mas até que ela se verifique, o Estado será mero titular de uma situação potencial de expectativa de direito. Não será titular de um direito subjetivo maior que decorre, em qualquer hipótese e em qualquer assunto, da possibilidade de exigir erga omnes a sujeição ao ordenamento jurídico positivo.

– Verificada em concreto a situação material ou jurídica abstratamente prevista na lei como fato gerador do tributo, abre-se a segunda fase: já agora o Estado é titular, não mais de uma simples situação jurídica abstrata decorrente da lei, mas de um direito concreto decorrente da sujeição à lei de um fato gerador determinado. Por isso mesmo êsse direito concreto do Estado, nesta segunda fase do processo formativo da obrigação tributária, já não é mais oponível erga omnes. Sòmente poderá ser exigido contra quem esteja em relação de causa e efeito com o fato gerador que lhe deu origem, ou contra quem seja expressamente designado pela lei como responsável pelo pagamento do tributo. Em suma, o direito concreto do Estado ao tributo só pode ser exercido contra o contribuinte – seja contribuinte por obrigação direta, seja contribuinte por definição legal.

– Mas também por isso é que o direito do Estado ao tributo, mesmo depois de concretizado pelo fato gerador, ainda não é suscetível de atuação: cumpre ainda individualizá-lo, e essa individualização é o objeto da terceira fase do processo formativo da obrigação tributária. Em que consiste essa individualização? Essencialmente na constituição de um título jurídico que defina e delimite materialmente o direito do Estado ao tributo. Definir materialmente o direito do Estado ao tributo significa constatar oficialmente a ocorrência do fato gerador que lhe deu origem. Delimitar materialmente o direito do Estado ao tributo significa efetuar a valoração qualitativa e quantitativa do fato gerador cuja existência simultâneamente se constata: valoração qualitativa no sentido de lhe determinar as características materiais ou jurídicas, inclusive entre estas a sua vinculação à pessoa de determinado contribuinte; valoração quantitativa no sentido de lhe apurar a significação financeira, com base na qual se calculará em seguida o montante do tributo a pagar.

Nesta terceira fase é que se situa o processo fiscal: é então que, por um complexo de atos regrados e ligados entre si por uma relação de causalidade e de finalidade, o Estado, por seus agentes administrativos ou judiciais, constata oficialmente a ocorrência do fato gerador, define suas características materiais ou jurídicas e sua vinculação individual a determinado contribuinte, finalmente calcula o montante do tributo devido em função daquelas características. Todos os atos regrados que objetivam essas providências preliminares tendem para um fim único: a emissão do título formal de declaração do direito do Estado ao tributo, na forma, na medida e na individualização pessoal decorrentes da apreciação do fato gerador.

Essa declaração formal do direito do Estado ao tributo é o ponto de chegada para o qual convergem todos os atos conexos ou conseqüentes cujo complexo constitui o processo fiscal: ela é o próprio objeto do processo fiscal. Formalmente, essa declaração de direito pode assumir aspectos diversos: pode ser uma afirmação da vontade unilateral do Estado através de um ato administrativo – e nesse caso temos o lançamento. Ou pode ser um pronunciamento jurisdicional em sede contenciosa – e nesse caso temos a sentença. Substancialmente, entretanto, não existe diferença entre os dois tipos ou modalidades de declaração do direito. Pelo lançamento, o Estado afirma o seu próprio direito ao tributo, através do pronunciamento de seus órgãos administrativos competentes para promover a atuação da lei. Pela sentença, o Estado declara o seu próprio direito ao tributo, através do pronunciamento de seus órgãos jurisdicionais competentes para promover o contrôle da legalidade na atuação da lei. Mas em um e outro caso a finalidade última visada é a mesma: promover a expedição de um título formal que consagre de maneira vinculativa a aplicação, a uma situação de fato concreta e subjetiva, do regime jurídico abstrato e objetivo contido no ordenamento legal positivo. Em uma palavra: promover em forma vinculativa e obrigatória a atuação da lei no caso concreto.

Por isso dissemos inicialmente que o processo através do qual se promove o cumprimento das obrigações ex lege visa simultâneamente à constituição do título jurídico e à declaração do direito que decorre dêsse título. Isto porque a obrigação ex lege, contida apenas em abstrato e potencialmente na lei, depende essencialmente do processo para adquirir um título jurídico suscetível de atuação concreta. E como êsse título representa – por fôrça mesma da natureza legal da obrigação – o mecanismo de funcionamento da lei no caso particular, é no processo de efetivação da obrigação ex lege – especìficamente, da obrigação tributária – que se demonstra, melhor que em qualquer outra hipótese, a afirmação de CHIOVENDA, de que o processo é um meio de atuação da lei e não um meio de defesa do direito subjetivo.

O processo como meio de atuação da lei

Chegamos assim a uma concepção orgânica e unitária do processo fiscal, que reúne em um mesmo sistema o procedimento administrativo do lançamento e o procedimento jurisdicional do contencioso. Esta conceituação se justifica pela constatação, de certo modo imediatista, de que as fases oficiosa e contenciosa do processo formativo da obrigação tributária visam ambas a uma mesma finalidade única, a saber, a constituição do crédito tributário a favor do Estado, e recìprocamente a constituição da obrigação tributária contra o contribuinte. Mas essa mesma constatação pode ser transportada para um plano mais geral de idéias, onde continuará da mesma forma a emprestar apoio à concepção unitária do processo fiscal.

Assim, podemos recordar a tese exposta por TROTABAS a propósito do caráter objetivo da obrigação tributária, que se resume na afirmativa de que o estatuto pessoal do contribuinte decorre exclusivamente do regime legal positivo e por conseguinte não é suscetível de ensejar o aparecimento de situações jurídicas subjetivas em matéria fiscal, pela simples razão de que situação jurídica subjetiva é sinônimo de direito adquirido e que não pode haver direito adquirido contra o ordenamento jurídico. A tese representa evidentemente uma superfetação do conceito de obrigação ex lege e conduziria, em última análise, à negação do próprio processo fiscal, que ficaria reduzido ao simples ato de autoridade na imposição dos tributos, limitando efetivamente o contrôle jurisdicional de legalidade a pouco mais que a correção do êrro de fato na aplicação da lei.

A tese do caráter objetivo da obrigação tributária recebeu por isso mesmo a crítica de JÈZE, que mostrou em forma concludente que a objetividade se esgota na fase – por assim dizer pré-tributária, – da elaboração da lei, confundindo-se essencialmente com o princípio da igualdade de tratamento legal. Mas desde o momento em que a obrigação tributária se concretiza pela ocorrência material do fato gerador, a sua individualização pelo processo do lançamento já passa a constituir a declaração de uma situação jurídica subjetiva, tanto para o fisco, como para o contribuinte: da ocorrência do fato gerador decorre com efeito um direito adquirido recíproco, para o fisco o direito à percepção do tributo, para o contribuinte o direito a pagar sòmente o tributo correspondente às condições materiais do fato gerador. Por outras palavras, o direito concretizado do fisco ao tributo é o direito de declarar, pelo lançamento, a obrigação correspondente ao fato gerador; o que tem sua recíproca no direito do contribuinte a que a obrigação seja declarada pelo lançamento nos precisos têrmos que correspondam às circunstâncias materiais do fato gerador. O argumento encontra uma confirmação no caráter de retroatividade inerente a todos os atos declaratórios, sejam êles administrativos ou jurisdicionais, e sejam ou não conexos a atos constitutivos.

Esta controvérsia, a propósito do caráter objetivo ou subjetivo da obrigação tributária, relaciona-se com a sistemática do processo fiscal em virtude da demonstração que fornece da identidade substancial existente entre as orientações inspiradoras da atividade jurisdicional e da atividade administrativa: uma e outra visam, com efeito, fazer justiça, entendida a justiça no sentido distributivo – aplicação da lei ao caso concreto – no pressuposto de que a justiça no sentido comutativo – igualdade de tratamento legal – já esteja objetivamente realizada pelo ordenamento jurídico positivo em obediência ao princípio constitucional. Assim entendida a função jurisdicional, elimina-se a aparente contradição em têrmos existente no conceito de CHIOVENDA, de que o objeto do processo é a atuação da lei e não a preservação do direito subjetivo: simplesmente porque não pode existir antagonismo entre o direito subjetivo e o direito objetivo, uma vez que o primeiro só existe em razão do segundo. E se isto é exato quanto à fase jurisdicional ou contenciosa do processo tributário, não o é menos em relação à sua fase administrativa ou oficiosa. É o que demonstra ALLORIO, quando constrói a sua sistemática do processo fiscal partindo da premissa de que o objeto da atividade administrativa não é perseguir o interêsse subjetivo do fisco, mas realizar a finalidade objetiva do ordenamento jurídico através da atuação da lei: premissa que lhe permite tirar a conclusão de que a justiça fiscal que interessa ao jurista é a mesma justiça fiscal que interessa ao economista. Seria inútil, observa ALLORIO, que a lei tributária realizasse objetivamente a repartição eqüitativa dos encargos fiscais, se essa eqüidade fôsse desmentida subjetivamente na aplicação da lei aos casos concretos.

Deixemos, entretanto, o campo das idéias gerais. Passando para o terreno dos conceitos específicos, é fácil demonstrar a unidade substancial do processo fiscal sublinhando a identidade que existe entre a natureza jurídica e o objeto do lançamento – ato administrativo que encerra a fase oficiosa do processo formativo da obrigação tributária – e a sentença, ato jurisdicional que encerra a sua fase contenciosa. Tanto o lançamento como a sentença, com efeito, participam da natureza dos atos decisórios, porquanto em ambos existe uma declaração de vontade baseada na aplicação do direito a uma situação de fato preexistente. E em ambos aquela declaração de vontade é dirigida no sentido de transformar a situação de fato preexistente em situação jurídica subjetiva.

O paralelismo entre o lançamento e a sentença completa-se ainda pela observação de que em ambos êsses atos a declaração de vontade que constitui o seu conteúdo refere-se à atuação do interêsse jurìdicamente protegido do declarante – no caso do lançamento – ou do interêsse jurìdicamente protegido de uma das partes – no caso da sentença. Essas observações permitiram mesmo a JARACH conceituar o lançamento como um ato jurisdicional. Discordamos dessa opinião, por duas razões: a incompatibilidade do conceito de jurisdição com a posição da autoridade administrativa na fase oficiosa do processo de lançamento, e a diversidade conceitual que existe entre o fundamento dos efeitos do ato administrativo e o fundamento dos efeitos do ato jurisdicional – muito embora êsses efeitos sejam, num e no outro caso, essencialmente idênticos em si mesmos.

Seja como fôr, a unidade conceitual do processo fiscal é demonstrada ainda, talvez da maneira mais concludente, pela análise do desenvolvimento daquele processo em suas diversas fases. Se, como já vimos, a ocorrência material do fato gerador previsto em lei não é suficiente para dar origem a uma obrigação tributária suscetível de atuação por parte do fisco sem um prévio processo de constituição de um título jurídico executório – surge naturalmente a questão de saber quais sejam a natureza e o fundamento jurídico da iniciativa do fisco na instauração dêsse processo.

As análises, entretanto, profundas, de JÈZE, quanto à natureza jurídica da obrigação tributária, e de BERLIRI, quanto à conceituação substantiva do processo fiscal, neste ponto não vão além da afirmação, um tanto primária, de que a ocorrência material do fato gerador faz nascer para o fisco o direito de proceder ao lançamento do tributo. Isso é evidentemente exato, mas não é suficiente: porque, se conceituarmos a situação do fisco, conseqüente à ocorrência do fato gerador, como uma simples situação de iniciativa, teríamos de concluir que a ocorrência do fato gerador determina para o fisco um direito meramente potestativo. Ora, esta conclusão é claramente incorreta, uma vez que o processo fiscal visa à atuação concreta de um comando legislativo. As leis tributárias, como leis de ordem pública, são imperativas e, por conseguinte, não são disponíveis pela vontade individual dos titulares dos direitos e obrigações que delas decorrem. Se por um lado o contribuinte é obrigado a pagar o tributo, por outro lado o fisco é obrigado a cobrá-lo. A atividade administrativa, observam CODACCI-PISANELLI, é uma atividade de autocontrôle na aplicação da lei e não uma atividade de autotutela na realização do interêsse da administração. Por conseguinte, ainda que o interêsse fiscal, num caso concreto, fôsse contrário ao direita decorrente da aplicação da lei àquele caso, a falta de aplicação da lei não poderia ser entendida como atuação da vontade do Estado, mas ùnicamente como prevaricação ou falta de exação sob o ponto de vista individual do funcionário competente para aplicá-la.

A conclusão acertada é portanto a de ALLORIO, que inverte os dados do problema e afirma que a ocorrência do fato gerador é, para o fisco, a fonte de uma simples função administrativa obrigatória e vinculada. O exercício dessa função por sua vez se traduz pela prática dos atos tendentes à constituição do título jurídico da obrigação, tributária, isto é, pela instauração do processo fiscal em sua fase oficiosa de lançamento. Desse momento em diante, a marcha do processo fiscal é determinada pela regra de executoriedade dos atos administrativos: como já fôra observado por MORTARA, a executoriedade é uma conseqüência do efeito vinculatório dos atos administrativos sôbre a própria administração que os expediu. Iniciado o processo fiscal, êle segue portanto o seu curso, sem depender de novas iniciativas das partes, ou, para utilizar a expressão de COUTURE, sem necessidade de novos impulsos processuais. Basta para impulsioná-lo o caráter obrigatório e vinculativo da lei tributária, que já havia bastado originàriamente para determinar a iniciativa processual do fisco.

A iniciativa da fase oficiosa do processo fiscal é portanto necessàriamente do fisco: por isso mesmo ela se chama oficiosa, porque é um procedimento de ofício. Isto é exato ainda mesmo no caso dos tributos chamados de autolançamento, em que a lei comete diretamente ao contribuinte a efetivação dos juízos de valoração destinados a definir a incidência, e a prática dos atos tendentes a constituir o crédito e simultâneamente liquidá-lo: é o caso dos impostos de consumo, de sêlo e de vendas e consignações; é ainda o caso do impôsto de renda arrecadado na fonte. Em todos êsses tributos, a verificação posterior, pela administração fiscal, da exatidão dos juízos efetuados e dos atos praticados pelo contribuinte no cumprimento das obrigações acessórias a êle impostas pela lei, é que constitui o lançamento; e a obrigação tributária relativa a tais tributos só se considera extinta a partir do momento em que é efetuado o contrô1e fiscal a posteriori da sua constituição pelo contribuinte, ou a partir do momento em que prescreve o prazo em que pudesse ser efetivado aquêle contrôle. Por isto se pode afirmar que a classificação dos tributos em lançados e não-lançados pode ter uma utilidade meramente administrativa ou burocrática, mas é falha de critério científico. Todos os tributos são, na realidade, lançados, visto que o lançamento constitui uma fase essencial e imprescindível do processo formativo da obrigação tributária referente a qualquer tipo ou categoria de tributo.

Desta mesma premissa decorre ainda uma outra conclusão útil à demonstração do caráter unitário do processo fiscal, através da análise das diversas fases por que êsse processo se desenvolve. É a conclusão de que na fase oficiosa do processo fiscal, que culmina no lançamento, a iniciativa do fisco é unilateral. Ainda nas hipóteses em que o contribuinte, por fôrça de obrigações tributárias acessórias que lhe sejam impostas por lei, colabore no processo de lançamento, essa sua intervenção não lhe confere o caráter de parte, e portanto exclui que se possa atribuir ao processo de lançamento, em sua fase oficiosa, um caráter contencioso, e ao lançamento o caráter de um ato jurisdicional. Com efeito: quando o contribuinte entrega sua declaração de rendimentos, quando se inscreve na repartição arrecadadora, ou quando exibe livros ou presta informações aos agentes fiscais, está simplesmente cumprindo obrigações tributárias acessórias que lhe são impostas por lei no interêsse de assegurar ou facilitar o exercício da atividade administrativa do lançamento por parte das autoridades fiscais.

Por isto mesmo é que VANONI, estudando a natureza jurídica das obrigações tributárias acessórias, pôde negar, com exatidão, o caráter de confissão, e mesmo o de prova preconstituída no sentido processual, às declarações prestadas ao fisco pelo contribuinte na fase oficiosa do processo fiscal. Esta observação é exata em razão da diversa finalidade dos institutos. O objeto da prova produzida em processo contencioso é demonstrar a procedência das alegações formuladas pela parte: ora, no processo oficioso não há parte em sentido processual, e os elementos de fato fornecidos pelo contribuinte não, visam demonstrar alegações, mas tão-sòmente cumprir obrigações legais Independentes e diversas da obrigação tributária pròpriamente dita, que é a obrigação de pagar o tributo – muito embora tais obrigações tributárias acessórias sejam previstas em função dessa obrigação tributária, principal. Em resumo, as obrigações tributárias acessórias representam simplesmente, na expressão de GIULIANI-FONROUGE, atos de exteriorização do fato gerador, cuja prática é prevista obrigatòriamente na lei tributária como elementos auxiliares da ação administrativa oficiosa tendente à expedição do lançamento.

Com a expedição do lançamento encerra-se a fase oficiosa do processo fiscal. O lançamento é, portanto, formalmente, uma declaração unilateral de vontade por meio da qual a administração pública manifesta sua intenção de considerar que a atuação concreta do comando legislativo, no caso particular, se deve expressar pela forma e segundo a medida e a individualização pessoal, resultantes do título de dívida que constitui a exteriorização formal da obrigação tributária acertada pelo próprio lançamento. Marginalmente, êste caráter unilateral do lançamento, decorrente da natureza oficiosa do processo de que decorre, confirma o nosso argumento contrário à teoria que pretende enxergar no lançamento um ato jurisdicional: o caráter jurisdicional só aparece, ao contrário, na fase contenciosa do processo fiscal, que tem o seu momento inicial condicionado ao prévio encerramento da fase oficiosa pela expedição do lançamento.

Fase oficiosa do processo. Processo fiscal contencioso.

A iniciativa da fase contenciosa do processo pertence ao contribuinte – ao contrário da iniciativa da fase oficiosa que, como vimos, pertence exclusivamente ao fisco.

Com efeito: exposta pelo fisco, através do lançamento considerado como título formal do crédito tributário, a sua pretensão jurídica à percepção de determinado tributo, duas atitudes são possíveis ao contribuinte visado por aquela pretensão. A primeira atitude se traduz por uma conformidade com a pretensão fiscal, e ocorre quando o contribuinte paga o tributo e extingue a obrigação contra êle constituída pelo fato gerador e declarada pelo lançamento: neste caso, o processo fiscal terá terminado na fase oficiosa. A segunda atitude possível ao contribuinte é a de inconformidade com a pretensão jurídica formulada pelo fisco através do lançamento: e neste caso o processo fiscal poderá desenvolver-se através da fase contenciosa.

Dizemos que, inconformado o contribuinte, poderá iniciar-se a fase contenciosa do processo fiscal, porque a inconformidade do contribuinte é por sua vez suscetível de manifestar-se através de duas atitudes: uma atitude ativa de contestação, ou uma atitude passiva de resistência. No primeiro caso, a contestação do contribuinte inicia desde logo a fase contenciosa do processo fiscal; no segundo caso, a resistência do contribuinte apenas poderá dar lugar ao início da fase contenciosa, mas poderá eventualmente resolver-se por um simples prolongamento da fase oficiosa.

De fato: se o contribuinte contesta ativamente a pretensão fiscal consubstanciada no lançamento, êle passa, desde êsse momento, a figurar no processo fiscal não mais na simples condição de auxiliar, por fôrça de obrigações a êle impostas pela lei, da atuação administrativa, mas na qualidade processual de parte que alega direito próprio e submete sua alegação a uma decisão jurisdicional em sede contenciosa. A partir dêsse momento, tudo o que o contribuinte aduzir no processo não será mais um simples material informativo destinado a permitir ou facilitar a atividade oficiosa do fisco: será a alegação de um contradireito oposto ao direito invocado pelo fisco através do lançamento, e se destinará a provocar o exercício de uma jurisdição contenciosa, que afinal declarará o direito em face de duas afirmações contraditórias. Em nada altera esta situação o fato da contestação se processar perante a autoridade administrativa ou perante a autoridade judiciária: o caráter contencioso desta segunda fase do processo fiscal será substancialmente o mesmo nas duas hipóteses, uma vez que êsse caráter contencioso decorre da presença de duas alegações opostas em contraditório. Variará apenas, formalmente, a natureza da jurisdição a que estará submetida a controvérsia.

Ao contrário, se o contribuinte resiste passivamente à pretensão fiscal consubstanciada no lançamento, nem por isso êle adquire, pelo simples fato de não solver a obrigação, o caráter de parte em processo contencioso. A falta de cumprimento espontâneo da pretensão jurídica manifestada pelo fisco através do lançamento dará então lugar, em virtude do caráter executório dos atos administrativos, à cobrança por meio do procedimento executivo. Mas êsse procedimento é, essencialmente, uma decorrência necessária e uma continuação natural do processo fiscal oficioso. Tanto assim que, nos países onde a organização do processo fiscal comporta uma separação entre as jurisdições competentes para o juízo de cognição e para o juízo de execução, a efetivação executiva da pretensão jurídica formulada no lançamento é promovida diretamente pela própria administração fiscal. O juízo de cognição, isto é, a discussão sôbre o mérito, verificar-se-á em seguida perante jurisdição diferente – o Poder Judiciário – sob a forma de ação de repetição, ou de ação anulatória se a execução administrativa foi prèviamente suspensa pela garantia da instância. É êsse o andamento do processo fiscal contencioso na França, na Itália, na Alemanha, na Inglaterra, nos Estados Unidos.

Sòmente no Brasil, onde o procedimento executivo não pode ser exercido diretamente pela administração, mas deve ser requisitado por ela ao Poder Judiciário, o processo fiscal contencioso é aparentemente um misto de juízo de cognição e de juízo de execução. Entretanto, essa confusão é, como dissemos, meramente aparente: com efeito, se o contribuinte, depois de resistir passivamente à pretensão jurídica manifestada pelo fisco através do lançamento, não transforma essa sua atitude passiva de resistência numa atitude ativa de contestação, o procedimento executivo, embora formalmente desenvolvido perante a autoridade judiciária, não passará substancialmente de um prolongamento do processo iniciado perante a autoridade administrativa. É fácil demonstrar esta afirmação.

Em primeiro lugar, a administração fiscal, quando remete um processo ao Judiciário para cobrança executiva, não está pedindo o reconhecimento de um direito; por outras palavras, não está solicitando decisão no mérito, ao contrário do particular nas ações de direito privado. Em razão da executoriedade inerente aos atos administrativo, o lançamento é, por si só, suscetível de execução direta: goza do privilégio de certeza e liquidez. Ùnicamente por uma decorrência formal do princípio da separação dos poderes, – decorrência essa que, aliás, não é necessàriamente de natureza constitucional, – a administração não tem poderes para promover, por seus próprios meios, a execução forçada contra o devedor. Êsse poder compete ao Judiciário, e por isso é que a administração lhe solicita o seu exercício; mas êsse exercício do poder executório, justamente em razão da executoriedade do lançamento como ato administrativo, não depende, por parte do Judiciário, de nenhum juízo prévio de mérito: é meramente uma providência de caráter administrativo, cujo fundamento jurídico já está contido no título em que se baseia a pretensão da Fazenda.

Em segundo lugar, todo processo não contestado não é contencioso, mas oficioso. Com a contestação é que se instaura a lide, e com a instauração da lide é que se define a jurisdição. Por conseguinte, no executivo fiscal não contestado, a sentença, embora seja formalmente um ato praticado pelo Poder Judiciário, é substancialmente um ato administrativo oficioso. Não é ato jurisdicional porque, não se tendo instaurado a lide, o processo não adquiriu o caráter contencioso e portanto não se definiu a jurisdição. É, simplesmente, o momento final da executoriedade do ato administrativo do lançamento, que por sua vez é o momento final da fase oficiosa do processo fiscal.

Confirma-se, assim, a nossa afirmativa inicial de que a fase contenciosa do processo fiscal sòmente se instaura pela iniciativa do contribuinte em contestar a pretensão jurídica formulada pelo fisco na fase oficiosa do mesmo processo. Mas, iniciada que seja a fase contenciosa pela contestação do contribuinte, quer essa contestação seja formulada perante a autoridade administrativa em sede jurisdicional, quer seja formulada perante a autoridade judiciária, a situação é a mesma. A pretensão jurídica formulada pelo fisco passa a ser subordinada à autoridade jurisdicional, e será finalmente confirmada, modificada ou eventualmente anulada pelo pronunciamento daquela autoridade, que ponha têrmo à fase contenciosa do processo fiscal. A conclusão é portanto evidente: a fase contenciosa do processo fiscal constitui uma revisão da sua fase oficiosa. Sendo assim, o ato jurisdicional que põe têrmo à fase contenciosa se substitui, em tudo e por tudo, ao ato administrativo que havia pôsto têrmo à fase oficiosa. Em outras palavras, o lançamento contestado fica subordinado à decisão jurisdicional do processo fiscal contencioso, por um efeito suspensivo e devolutivo semelhante ao da sentença sujeita a apelação.

Esta última afirmativa comporta um esclarecimento. O efeito devolutivo da contestação do lançamento é inegável: dêle depende a própria eficácia da contestação. Mas o seu efeito suspensivo está subordinado ao princípio de executoriedade dos atos administrativos, que atribui à Fazenda o privilégio de sòmente enfrentar a discussão no mérito depois de solvida a obrigação, ou, na concepção mitigada dêsse privilégio vigente entre nós, depois de garantida a instância por depósito, caução ou fiança, ou pela penhora em executivo fiscal. Êste aspecto do problema, que como vimos se resolve automàticamente nos países cujo ordenamento jurídico prevê uma dualidade entre a jurisdição competente para o processo de cognição e a competente para o processo de execução, entre nós exige uma análise especial a fim de se apurar da sua compatibilidade com a concepção unitária do processo fiscal, para que tende o endereço das nossas conclusões.

Três teorias foram oferecidas para explicar a natureza e o fundamento do privilégio da Fazenda:

– Por uma primeira teoria, adotada pelos fiscalistas mais antigos, como QUARTA, e retomada pelos processualistas modernos, como SCANDALE e BERLIRI, o privilégio processual da Fazenda teria como natureza o poder de império do Estado e como fundamento a sua finalidade prática de assegurar a arrecadação. Esta concepção, que se ressente do empirismo próprio às obras de tipo exegético em que foi sustentada, tem o defeito de destruir o seu próprio alcance: se se trata de uma imposição exclusivamente decorrente de um ato de autoridade, teria necessàriamente de sofrer interpretação restrita: com isso estaria prejudicada a finalidade prática admitida pela própria teoria como sendo o fundamento único do instituto.

– A segunda teoria explica o privilégio processual da Fazenda por uma decorrência necessária da fôrça vinculatória dos atos administrativos para a própria administração que os expediu – ou seja, como um corolário da executoriedade, de que o próprio privilégio seria uma forma mitigada. É a teoria adotada pelos administrativistas, como CINO VITTA e D’ALESSIO, e entre os fiscalistas por PUGLIESE. A crítica a essa teoria acentua as conseqüências excessivas que dela podem decorrer: se o principio da executoriedade vinculativa fôsse absoluto, chegar-se-ia a concluir, como fez de fato MORTARA, que o Judiciário não pode revogar o ato administrativo ilegal: pode apenas ressarcir o direito individual lesado, o que, em matéria tributária, se traduziria pela repetição do indébito. A conclusão é evidentemente falsa, porque não só restringe o alcance, como altera o próprio conceito do contrôle judicial da legalidade dos atos administrativos.

– A terceira teoria, que reúne a maior parte dos fiscalistas, tendo à frente GIANNINI, justifica o privilégio da Fazenda pela presunção de legalidade dos atos administrativos. Partindo dessa premissa, GIANNINI assimila o privilégio a uma preliminar de incompetência do Judiciário, capaz de sustar o conhecimento do mérito até que, o próprio privilégio seja satisfeito. Mas vai nisso um ilogismo, apontado por JARACH: se o fundamento do privilégio é a presunção de legalidade, então a incompetência do Judiciário seria absoluta e não relativa, porquanto a legalidade do ato constitui o próprio mérito do feito, e êste teria o seu conhecimento obstado pelo privilégio entendido como uma preliminar.

Por criticáveis que sejam as três teorias, entretanto nos parece que cada uma delas contribui com alguma coisa de aproveitável para a justificativa e a conceituação do privilégio da Fazenda. O privilégio da Fazenda seria explicável, por assim dizer, pela soma algébrica dos elementos positivos contidos em cada uma das três teorias. Assim, a executoriedade – fundamento da segunda teoria – é a qualidade que tem o ato administrativo tributário, em razão de sua presunção de legitimidade – fundamento da terceira teoria – de ser munido de meios eficazes de coação para realizar seus efeitos – fundamento da primeira teoria – no caso, para assegurar a arrecadação dos tributos.

Entretanto, a própria fundamentação do privilégio processual da Fazenda indica a sua posição no quadro sistemático do desenvolvimento do processo fiscal. Com efeito: se o privilégio constitui a atuação de uma decorrência necessária do ato administrativo tributário – a executoriedade; se essa decorrência é necessária em razão de uma característica substancial do ato – a legitimidade, e se a finalidade do privilégio é inerente à própria eficácia do ato como executório porque presumidamente, legítimo, é claro que a situação do privilégio da Fazenda no sistema do processo fiscal está definida em um ponto necessário e único do desenvolvimento ordenado daquele processo. O privilégio situa-se na linha divisória entre o processo oficioso e o processo contencioso.

De fato: o processo oficioso tende à expedição do ato administrativo do lançamento e se esgota com a expedição dêsse ato. Antes do lançamento, portanto, não caberia falar no privilégio da Fazenda, uma vez que êsse privilégio é inerente à natureza do lançamento come ato administrativo. Depois do lançamento, surja ou não contra êle a contestação do contribuinte, que dá início à fase contenciosa do processo fiscal, o privilégio da Fazenda, adquire sua razão de ser, que é assegurar a executoriedade, ameaçada ou não reconhecida, do lançamento. Assim, o aparecimento do privilégio da Fazenda só se pode situar no momento final da fase oficiosa do processo: não apenas no momento inicial da fase contenciosa, porque, ainda sem contestação, a sua finalidade de assegurar a continuidade da marcha do processo através da atuação da executoriedade já decorre do próprio lançamento como ato administrativo.

Essa implantação teórica do privilégio da Fazenda por sua vez demonstra uma deficiência sistemática do processo fiscal, tal como se acha atualmente regulado no direito positivo brasileiro, em comparação com o sistema do processo fiscal nas legislações dos países que observam uma distinção de conceito – e não apenas de organização judiciária – entre a jurisdição que profere o juízo de mérito e a jurisdição competente para o processo executivo. Nesses países, com efeito, a característica essencial do processo fiscal reside na possibilidade de execução direta por parte da própria administração – isto é, na atuação do privilégio da Fazenda como simples decorrência formal do encerramento da fase oficiosa do processo pelo ato administrativo do lançamento.

Em nosso direito positivo, ao contrário, o privilégio da Fazenda não está colocado na linha divisória entre a fase oficiosa e a fase contenciosa do processo fiscal – nem mesmo, por assim dizer, da lado de cá dessa linha, isto é, no momento final da fase oficiosa, que é, como vimos, o seu lugar próprio. Pelo contrário, está colocado em um ponto intermediário do desenvolvimento da fase contenciosa. A garantia da instância, com efeito, não é exigida no momento da reclamação administrativa contra o lançamento, que já é fase contenciosa, porque já existe o lançamento e porque já foi formulada contestação contra êle. Em vez disso, o privilégio está colocado no momento do recurso administrativo interposto da decisão da reclamação, isto é, num momento intermediário da marcha do processo em sua fase contenciosa – quando deveria surgir antes do início dessa fase. Sòmente em uma hipótese o privilégio da Fazenda surge, em nosso direito positivo, no momento tècnicamente exato: é na hipótese do executivo fiscal não contestado. Então, como vimos, não havendo contestação, não chega a se abrir a fase contenciosa, de modo que a penhora liminar do executivo representa uma pura e simples atuação oficiosa da executoriedade do lançamento como ato administrativo; mas esta hipótese é marginal.

Esta situação de relativo hibridismo entre a fase oficiosa e a fase contenciosa do processo fiscal no sistema brasileiro, conseqüente a uma defeituosa implantação do privilégio da Fazenda, funciona em via de regra contra a Fazenda – que só pode exigir o seu privilégio no momento do recurso administrativo, isto é, depois do momento em que, sob o ponto de vista sistemático, o privilégio se tornou justificado. Mas isto não quer dizer que o defeito de sistema não possa também funcionar contra o contribuinte. Isto é evidenciado, ao que nos parece, pela jurisprudência relativa ao alcance da garantia da instância: existem decisões judiciais no sentido de que a prévia garantia da instância na ação de anulação de lançamento – fase contenciosa do processo fiscal promovida perante a autoridade judiciária – destina-se apenas a facultar ao contribuinte uma exceção de litispendência preclusiva da propositura concomitante do executivo fiscal pela Fazenda. Segundo essas decisões, portanto, a observância do privilégio processual da Fazenda não seria uma prejudicial do conhecimento da contestação: não vai nessa jurisprudência uma negação da fôrça executória do lançamento, uma vez que se ressalva à Fazenda, na hipótese, o executivo fiscal, que é justamente outra forma de atuação do seu privilégio processual. Ao contrário, enxergamos na jurisprudência analisada um repúdio implícito – talvez até não claramente consciente – de uma possibilidade, que a defeituosa implantação do privilégio permite à Fazenda, de promover até três vêzes no mesmo processo a atuação do privilégio: uma primeira vez sob forma de garantia da instância no recurso administrativo – uma segunda vez sob forma de depósito liminar da ação anulatória do lançamento – uma terceira vez sob forma de penhora no executivo fiscal.

Esta situação demonstra um ponto que temos sustentado desde a primeira vez que escrevemos – em 1943 – sôbre processo fiscal: que o ordenamento do processo fiscal, entre nós, com seu desenvolvimento através de duas jurisdições – administrativa e judiciária – constitui uma simples duplicação de atos e medidas processuais substancialmente idênticas e apenas formalmente diversas e não um ordenamento sistemático de jurisdições, cuja diversidade de funções seja regulada em razão de uma delimitação substantiva de poderes e atribuições. Escolhemos para exemplificar êste ponto a hipótese da atuação do privilégio fiscal, por ser talvez a hipótese mais flagrante – mas a demonstração poderia ser feita em função de quaisquer outros atos ou têrmos processuais – por exemplo, em matéria de provas, assunto no qual o Judiciário aceita o pronunciamento administrativo contencioso sôbre a matéria de fato debatida no processo apenas como um parecer de caráter técnico, portanto de natureza meramente informativa e não conclusiva.

Soluções possíveis

Esta última observação nos permite chegar às conclusões práticas que desejaríamos extrair em matéria de aplicação da nossa concepção unitária e orgânica do processo fiscal no plano de uma possível reforma do ordenamento jurídico positivo.

Seria possível afirmar, com efeito, que só em uma hipótese, aliás, pràticamente excepcional e teòricamente sujeita a controvérsia, a conceituação unitária do processo fiscal é observada em nossa legislação. É no processo perante a Junta de Ajuste de Lucros, em que a contestação do contribuinte, que instaura a fase contenciosa do processo fiscal, é conceituada como reclamação e não como recurso e, por conseguinte, independe de garantia da instância: em razão desta concepção puramente formal, no processo do impôsto de lucros extraordinários ou adicional de rendas, – e sòmente nesse – o privilégio processual da Fazenda não é duplicado na instância administrativa e na instância judicial – muito embora tenha ainda a possibilidade de ser duplicado na instância judicial sob as formas de depósito liminar da ação anulatória e de penhora no executivo. Mas esta hipótese, como dissemos, é marginal sob o ponto de vista prático, porque só abrange um tributo determinado – e é discutível sob o ponto de vista teórico, porque a contestação do contribuinte, formulada na Junta de Ajuste, é sem dúvida um têrmo da fase contenciosa do processo fiscal. Para explicar sistemàticamente essa situação, seria portanto preciso negar ao pronunciamento da Junta de Ajuste o caráter de um ato jurisdicional, a fim de permitir enquadrá-lo na fase oficiosa do processo fiscal.

Essa conceituação não é teòricamente inconcebível, embora o seu fundamento tenha de ser encontrado em opiniões doutrinárias que estão um tanto à margem da doutrina dominante. Ainda assim, em processualistas puros como DAVI LASCANO, ou em processualistas doublés de fiscalistas como ALLORIO, encontra-se a idéia de que os pronunciamentos de órgãos da administração proferidos em sede contenciosa não são pronunciamentos jurisdicionais, porque, embora emitidos em solução de um contraditório, não perdem o seu caráter de pronunciamentos unilaterais de autoridade em razão de sua natureza como atos administrativos. Esta concepção justifica-se de duas maneiras: 1ª) porque os atos administrativos, quer sejam oficiosos quer sejam jurisdicionais, são sempre atos regrados de atuação da lei e não declarações de vontade simplesmente autoritárias; 2ª) porque, como analisamos mais a fundo em nossos escritos sôbre a coisa julgada fiscal, o fundamento da definitividade vinculatória dos atos administrativos, tanto oficiosos como jurisdicionais, é o mesmo e é diverso do fundamento da definitividade vinculatória dos atos judiciais, isto é, diverso da coisa julgada. O fundamento da definitividade dos atos administrativos de qualquer tipo decorre, com efeito, não de um atributo próprio da autoridade que expede o ato (como acontece com a coisa julgada), mas de atributos inerentes ao próprio ato, como a executoriedade, conjugados à natureza dos efeitos do ato sôbre as pessoas por êle afetadas, como a situação jurídica subjetiva declarada pelo ato mesmo. Esta é a conclusão dos administrativistas, que analisam o assunto em campo mais amplo e genérico que o do simples direito fiscal, como se vê nas conclusões apresentadas por TEMÍSTOCLES CAVALCÂNTI ao Congresso da Inter-American Bar Association em 1949.

De qualquer forma, mesmo sem uma justificativa teórica absoluta, cuja ausência pode ser abonada pela observação de que a lei não é um tratado de doutrina em forma de articulado, um ordenamento processual como o do impôsto de lucros extraordinários poderia ser estendido a todos os tributos com base na vantagem, que não é apenas pragmática mas sistemática, de se regular de maneira orgânica e unitária o processo fiscal em suas diversas fases.

Tentativas para se atingir essa unicidade orgânica já foram feitas entre nós. Um exemplo estaria no antigo regimento do Tribunal Marítimo, ensejando recurso direto de suas decisões para o Supremo Tribunal, com o que se visava, claramente, unificar o processo administrativo e o judicial: mas essa tentativa, legislada em 1931, foi considerada inconstitucional com o advento da Constituição de 1934, em nome do principio da separação dos poderes. Não obstante isso, na própria Constituição de 1934 estava contida outra tentativa com o mesmo enderêço, que não chegou a entrar para a legislação ordinária: era o tribunal judiciário da Fazenda, previsto como órgão de recurso judicial direto das decisões jurisdicionais da administração em matéria fiscal. Ainda com idêntico enderêço, entre os esforços feitos para aliviar a crise do Supremo Tribunal, podem-se contar os projetos de atribuição de competência para o julgamento de processos fiscais ao Tribunal de Contas, mediante recurso direto da decisão administrativa de última instância: projetos dêsse tipo foram elaborados por FRANCISCO CAMPOS e por CUNHA MELO. Ainda na mesma ordem de idéias, era previsto um tribunal fiscal no Projeto de Constituição elaborado por SAMPAIO DÓRIA.

A Constituição de 1946 optou pela divisão da competência ordinária do Supremo Tribunal entre êle e um outro órgão, o Tribunal Federal de Recursos. Essa solução não resolveu o problema da crise do Judiciário, apenas o transferiu de um tribunal para outro: mas, exatamente por ser uma solução constitucional, traça os limites do campo aberto às nossas próprias tentativas de solução, inspiradas essencialmente pela idéia da unificação orgânica do processo fiscal.

Para nós, a solução estaria em atribuir o processo fiscal contencioso – isto é, a partir da reclamação do contribuinte contra o lançamento – a órgãos administrativos de julgamento organizados segundo o modêlo da Junta de Ajuste de Lucros e dotados de competência regional, a fim de afastar a centralização atualmente existente, o que nos parece uma vantagem suficientemente reconhecida para não exigir uma justificativa especial. Uma outra vantagem dêste sistema, que consideramos igualmente evidente para dispensar justificativa, seria a de aliviar as autoridades administrativas – diretores de Recebedorias, delegados fiscais e do Impôsto de Renda e inspetores de Alfândegas – da atribuição de julgar processos. O processo perante êsses tribunais administrativos ou Conselhos Regionais, conceituado como processo de reclamação, dispensaria, de acôrdo com a fórmula tradicional do nosso direito, a garantia da instância, – o que, se se quiser insistir numa fundamentação doutrinária, poderia encontrar fundamento na conceituação de seus pronunciamentos como atos de jus imperi ratificativos do lançamento, ou retificativos dêle dentro do escopo de autocontrôle jurídico da própria administração ativa, sem necessidade de se recorrer à ficção da administração judicante.

Uma vez assim ratificado ou retificado o lançamento, caberia então ao contribuinte a iniciativa da fase contenciosa do processo fiscal, desenvolvida exclusivamente perante o Poder Judiciário, e subordinada à observância do privilégio fiscal do solve et repete, em sua forma mitigada de garantia da instância, tradicional em nosso direito – com o que o privilégio da Fazenda ficaria situado em sua implantação processual própria como decorrência da executoriedade do lançamento, e portanto colocado sempre no fecho da fase oficiosa do processo fiscal. Na ausência de iniciativa contenciosa por parte do contribuinte, caberia então ao fisco a propositura do executivo fiscal: mas a êste seria então restituída a sua figura própria de processo monitório de execução, expungido de tudo o que nêle existe hoje de processo de cognição. Por outras palavras, no executivo fiscal, só cabível na ausência de iniciativa contenciosa por parte do contribuinte, ficaria excluída a discussão sôbre o mérito.

Dessa forma, ao processo fiscal executivo ficaria restituída a sua natureza própria de simples decorrência oficiosa da executoriedade não contestada do ato administrativo do lançamento, e reivindicada a observação, já feita pelo velho SOUSA BANDEIRA, de que o debate de mérito no executivo é incompatível com a presunção de certeza e liquidez do crédito fiscal, atributos da sua executoriedade, que por sua vez justifica o próprio processo executivo. Assim se dispôs em leis ordinárias, mesmo depois da Constituição de 1891: não ignoramos que a jurisprudência considerou tais leis inconstitucionais, com fundamento na inexistência ou na abolição do contencioso administrativo, e na competência constitucional do Poder Judiciário para conhecer de tôda lesão de direito individual. Mas não hesitamos em responder – embora contra a autoridade imensa de COSTA MANSO – que a imposição de condições ao exercício do direito constitucional de agir em juízo não é a exclusão dêsse direito, desde que a condição não seja meramente potestativa; e, ainda, que a competência constitucional do Judiciário surge quando a lesão de direito individual seja alegada, isto é, quando o contribuinte exerça a iniciativa processual que abre o processo contencioso: não havendo portanto razão para concedê-la ao contribuinte meramente relapso ou passivamente resistente.

Mandado de segurança

Nenhum estudo sôbre o processo fiscal entre nós seria completo sem uma referência ao mandado de segurança. Tão acentuado tem sido o uso – e porque não dizer o abuso – dêste remédio jurídico, que de excepcional êle tende a transformar-se em processo ordinário, em matéria fiscal. Não é portanto possível ignorá-lo, até mesmo porque é hoje matéria constitucional; mas não é difícil enquadrá-lo na concepção unitária e orgânica do processo fiscal, que sustentamos.

O mandado de segurança está ìntimamente ligado a dois dos aspectos fundamentais do processo fiscal: ao privilégio processual de executoriedade, e à sistemática da definitividade das decisões. Como o primeiro aspecto é na realidade um corolário do segundo, poderemos inverter a ordem da exposição ao empreendermos a análise do problema.

Em trabalho publicado no volume de estudos em honra de CHIOVENDA, o jovem jurisconsulto paulista LUÍS EULÁLIO VIDIGAL anunciou, em tema de mandado de segurança, idéias novas que recentemente desenvolveu na tese com que conquistou com brilho a cátedra de processo na Faculdade de Direito de São Paulo.

O privilégio da Fazenda, diz VIDIGAL, pode resultar na negação do próprio processo fiscal: êle é, em última análise, a possibilidade jurídica, atribuída ao fisco, de fazer valer as próprias razões sem o contrôle do Judiciário. Mas como não existe em nosso sistema jurídico – a frase é de SEABRA FAGUNDES – lugar para decisões administrativas definitivas no sentido de isentas de contrôle de legalidade, justifica-se a existência de um remédio processual tendente a assegurar em todos os casos êsse contrôle através de uma exceção ao privilégio processual da executoriedade.

Entretanto, os próprios têrmos do enunciado da solução indicam os seus limites: cumpre não transformar um remédio processual por forma a lhe atribuir, por si só, o caráter de uma solução do próprio direito substantivo demandado no processo. Os pressupostos do mandado de segurança são a ilegalidade do ato da autoridade e a certeza do direito do particular lesado (abstraindo da liquidez dêsse direito, que, no sentido em que liquidez é aqui empregada, está implícita na certeza). Logo, a sentença proferida no mandado de segurança decide apenas quanto a êsses pressupostos: mas não contém juízo decisório quanto ao mérito. Por outras palavras, a decisão que concede o mandado não é uma sentença: é uma simples ordem judicial, comparável ao interdito possessório, ou seja, uma simples medida cautelar que visa assegurar ao impetrante, dados certos requisitos, a permanência de uma situação de fato até que seja decidida a situação de direito a ela referente. Feito isso, a posição da Fazenda fica invertida no processo: cabe-lhe agora recorrer ao Judiciário para obter a declaração do seu direito, já que a auto-declaração ficou excluída pela concessão do mandado. Em resumo, o mandado de segurança não faz coisa julgada, até mesmo porque não é uma sentença.

A tese comporta uma restrição que parece claramente indicada pelas próprias premissas da conclusão: se um dos pressupostos da concessão do mandado é a certeza do direito do impetrante, a decisão que concede o mandado implìcitamente se pronuncia quanto a essa certeza no sentido afirmativo: isto é, julga o mérito. Mesmo com esta ressalva, entretanto, a tese contém um elemento de verdade no que se refere à inversão da posição processual da Fazenda: de sua posição original de autora, que por sua vez é uma decorrência inerente ao privilégio de executoriedade, a Fazenda passa a figurar no processo como ré.

Assim sendo, os limites do alcance do mandado de segurança deveriam ser indicados apenas pela necessidade de suspender o funcionamento automático do privilégio de executoriedade, quando ponderáveis razões de direito indiquem prima facie a necessidade dessa suspensão a fim de se evitar lesão irreparável ao próprio direito subjetivo debatido. Com êsse alcance, o mandado de segurança poderia ser enquadrado no ordenamento do processo fiscal em sua concepção unitária que sustentamos, com o caráter de uma preliminar da propositura do processo contencioso pelo contribuinte em seguida ao encerramento da fase oficiosa pelo lançamento mantido pelo órgão jurisdicional administrativo. A conseqüência dessa preliminar, se acolhida, seria assim a conseqüência prática efetiva do mandado de segurança: a possibilidade de debate do mérito com suspensão da executoriedade do ato administrativo discutido, até expedição do julgado definitivo sôbre êsse mesmo mérito do direito demandado.

Conclusões práticas

Para concluir estas observações por um enunciado de caráter prático, resumiríamos assim o desenvolvimento do processo fiscal em sua concepção unitária, em um caso concreto qualquer:

1°) Expedido o lançamento após as providências oficiosas preliminares previstas em lei, o contribuinte poderia reclamar contra êle perante uma outra autoridade administrativa, entendida esta reclamação, não como contestação do próprio lançamento visando à instauração de lide contenciosa no sentido processual, mas como simples provocação da atividade de contrôle jurídico da própria administração ativa.

2°) Expedido o pronunciamento da autoridade administrativa – entendido êsse pronunciamento, em consonância com o que foi dito, como exercício, pela administração ativa, da sua atribuição de contrôle jurídico sôbre sua própria atuação – caberia ao contribuinte a iniciativa da fase contenciosa do processo fiscal, atacando o pronunciamento oficioso da administração perante o Poder Judiciário.

3°) Caso o pronunciamento da autoridade administrativa fôsse revogatório ou modificativo do lançamento em prejuízo da Fazenda, a iniciativa processual ficaria neste ponto invertida, cabendo à própria Fazenda recorrer ao Judiciário, não para pleitear a declaração de direito subjetivo, mas para solicitar uma revisão do contrôle jurídico do ato primitivo. Esta concepção da iniciativa processual atribuída à Fazenda não nos parece incompatível, quer com a natureza do próprio ato administrativo em discussão, quer com a própria personalidade jurídica da Fazenda, entendida, já agora, como parte no processo fiscal. Já desenvolvemos êste ponto em outros trabalhos, bastando recordar que o fundamento dessa iniciativa processual da Fazenda seria a promoção do contrôle de legalidade, o que é suficiente, a nosso ver, para demonstrar que tal iniciativa não poderia ser afastada.

4º) Neste momento da marcha do processo, teria sua colocação natural o privilégio processual da Fazenda, entendido no caráter que lhe é próprio, de decorrência inerente ao privilégio de executoriedade; aqui, entretanto, é necessário ressalvar hipóteses concretas diferentes:

a) se a iniciativa processual foi do contribuinte, o privilégio funciona em tôda a sua extensão: a presunção de legitimidade, que o fundamenta, não foi destruída por qualquer pronunciamento ou por qualquer presunção contrária; todavia,

b) alegada que seja pelo contribuinte, como preliminar, a ilegalidade do ato como lesiva de direito certo, essa alegação funcionaria como presunção contrária à presunção de legitimidade, e por conseguinte suspenderia a executoriedade até pronunciamento preliminar da autoridade judiciária que restaurasse aquela presunção ou a suspendesse em definitivo até a sentença final de mérito: êste seria portanto o processo de mandado de segurança enquadrado no processo fiscal unitário; ou então,

c) se a iniciativa processual foi da Fazenda, o privilégio de executoriedade naturalmente não teria aplicação: a presunção de legitimidade, que o fundamenta, teria sido contrariada pelo pronunciamento da própria administração na fase oficiosa do processo, cancelando ou reformando o ato administrativo original.

5°) Finalmente, instaurada a fase contenciosa do processo, com ou sem a suspensão liminar da executoriedade, teria ela o seu prosseguimento normal, por um ordenamento semelhante ao atual; e culminaria na execução, que por sua vez se traduziria pela simples conversão da garantia da instância em renda ordinária, ou pela penhora na hipótese em que a fase contenciosa tivesse sido processada com suspensão liminar da executoriedade; em qualquer caso, porém, a fase executiva não comportaria nova discussão do mérito, em face da coisa julgada decorrente da decisão final proferida na fase contenciosa.

6°) Por último, na hipótese de ausência de iniciativa contenciosa por parte do contribuinte contra o lançamento expedido na fase oficiosa do processo, ficaria simplesmente eliminada a sua fase contenciosa: à fase oficiosa seguir-se-ia imediatamente a fase executiva, igualmente sem discussão do mérito, porque a presunção de legitimidade não teria sido sequer atacada.

*

São estas as idéias que tenho para uma concepção unitária e orgânica do processo fiscal, e que acredito sinceramente possam contribuir, não só para a simplificação formal da marcha dos processos, mas também para uma melhoria substancial na atuação concreta do ideal de justiça tributária. É com êste espírito e nesta convicção que as ofereço aqui à censura dos mais competentes.

__________

Notas:

* N. da R.: Conferência pronunciada em 21 de julho de 1953, por iniciativa do Instituto Brasileiro de Direito Financeiro, Distrito Federal.

Antes de abordar o tema, o orador proferiu as seguintes palavras:

“Quando o Instituto Brasileiro de Direito Financeiro ofereceu-me a oportunidade de proferir esta palestra, agora honrada com a presença do Sr. ministro da Fazenda, do Sr. diretor geral da Fazenda Nacional e do Dr. consultor geral da República, pedi ao seu secretário, meu amigo Dr. Gilberto de Ulhoa Canto, que escolhesse a data e o tema, expedisse os convites e me mandasse a mim mesmo um dêles: então eu estaria prêso de maneira inexorável ao compromisso assumido.

Assim foi feito, de modo que, ao receber pelo Correio o convite para a minha própria conferência, é que tomei conhecimento do tema: “Processo fiscal”. Imagino que tenha sido escolhido no pressuposto de que um homem que já escreveu sôbre um assunto é um entendido nesse assunto. Mas – sem esquecer que a liberdade de expressão pode muito bem contrariar aquêle pressuposto – a verdade é que um homem que já escreveu sôbre um assunto, via de regra já disse o que sabia a respeito dêle.

Por esta razão, a fim de não me limitar a repetir trabalhos que, numa reunião de especialistas, posso ter a veleidade de dar como conhecidos, procurei retomar o assunto em suas linhas gerais, formulando algumas idéias preliminares daquilo que chamarei uma concepção unitária e orgânica do processo fiscal. O que tenho para dizer hoje representa – insisto – apenas idéias preliminares, portanto suscetíveis de maior elaboração e aprofundamento. Ainda assim, entretanto, para não atribuir a esta palestra um caráter puramente teórico, procurarei extrair afinal algumas conclusões de ordem prática, sob forma de sugestões, para uma reforma do ordenamento legal dos procedimentos administrativos e judiciais em matéria fiscal, inspirada na conceituação sistemática que tentarei, inicialmente, expor e justificar”.

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