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Revista Forense
CLÁSSICOS FORENSE
HOMENAGEM
REVISTA FORENSE
Homenagem ao juiz José de Aguiar Dias
Revista Forense
12/07/2022
REVISTA FORENSE – VOLUME 151
JANEIRO-FEVEREIRO DE 1954
Semestral
ISSN 0102-8413
FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO
FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,
Abreviaturas e siglas usadas
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SUMÁRIO REVISTA FORENSE – VOLUME 151
CRÔNICA
DOUTRINA
- Comissões de inquérito – Laudo de Camargo
- Comissões parlamentares de inquérito – João de Oliveira Filho
- Comissões parlamentares de inquérito nos Estados Unidos – Góis de Andrade
- As comissões congressuais de investigação no regime presidencialista – Otacílio Alecrim
- Aperfeiçoamento do Estado Democrático – Ivair Nogueira Itagiba
- Inquéritos parlamentares – Samuel Duarte
- As comissões parlamentares de inquérito na Constituição brasileira de 1946 – Alberico Fraga
- Comissão parlamentar de inquérito e governo de Gabinete – Paulino Jacques
- Comissões parlamentares de inquérito – Rosah Russomano de Mendonça Lima
- Comissões parlamentares de inquérito – Dnar Mendes Ferreira
- Natureza e função política das Comissões Parlamentares de Inquérito – Josaphat Marinho
PARECERES
- Comissão parlamentar de inquérito sôbre as atividades da comissão central de preços – Castilho Cabral
- Instituto de resseguros do Brasil – Autarquias e sociedades de economia mista – Carlos Medeiros Silva
- Governador – Impedimento – Ausência – Substituição temporária – Competência do Poder Legislativo para regulamentar os preceitos constitucionais – Francisco Campos
- Governador – Licença para ausentar-se do Estado – Poderes da Assembléia Legislativa para definir impedimentos – Substituição – Renato Barbosa
- Falência – Compensação de dívidas – Luís Machado Guimarães
NOTAS E COMENTÁRIOS
- Privilégios e imunidades dos organismos internacionais – Hildebrando Accioly
- Responsabilidade civil no Código brasileiro do ar – Prescrição da ação – Euríalo de Lemos Sobral
- Agravo no auto do processo, competência do A QUO — Alcides de Mendonça Lima
- Capacidade para testemunharem o testamento cerrado os membros da administração da instituição ou fábrica legatária – Raul Floriano
- O conceito de parte no processo – Homero Freire
- A revisão judicial e a “Lei Maior” – Edward S. Corwin
- As certidões e as comissões de inquérito – Oto Prazeres
- Homenagem ao juiz José de Aguiar Dias
- Prêmio Teixeira de Freitas
- Discurso de agradecimento do Ministro Carlos Maximiliano
- Banco do Brasil S.A. – Sua transformação em êmpresa pública – Bilac Pinto
JURISPRUDÊNCIA
LEIA:
NOTAS E COMENTÁRIOS
Homenagem ao juiz José de Aguiar Dias
A 21 de janeiro último, no salão nobre do Instituto dos Advogados Brasileiros, numerosíssimos advogados militantes no Distrito Federal prestaram calorosa homenagem ao juiz JOSÉ DE AGUIAR DIAS, oferecendo-lhe custoso pergaminho, em que fizeram inscrever palavras expressantes de sua admiração à firmeza de atitudes, à independência, à bravura moral, à isenção de julgamento e à dedicação ao trabalho do homenageado.
Pelos homenageantes, assim falou o advogado DARIO DE ALMEIDA MAGALHÃES:
Sr. juiz AGUIAR DIAS.
Faço certamente uma declaração ociosa ao assinalar de início que os advogados que aqui se reúnem para entrega do pergaminho, em que consignaram o testemunho de sua admiração pelos vossos atributos de magistrado e pelo vosso procedimento como juiz, não são inclinados à lisonja fácil e aos hábitos louvaminheiros. Se o fôssem, não teriam as condições necessárias para estimar e exaltar na vossa personalidade justamente os traços que nela são mais marcantes, nítidos e incisivos. Porque, em verdade, na vossa figura de homem, de jurista e de magistrado, as prendas que oferecem maior relêvo são a independência, a bravura moral, a intrepidez de atitudes, o ânimo intimorato e inflexível. E êsses dons, tão raros nessa quadra de transigências, fraquezas e capitulações, em que é muito mais fácil vencer pela habilidade e pela astúcia do que pelo esfôrço estrênuo, a resistência e o labor árduo, só podem ter ressonância e despertar aprêço e respeito nas consciências de que as marcas dêsses valores não hajam desaparecido.
A fidelidade que guardais ao feitio moral em que se plasmou o vosso caráter de têmpera tão firme fêz da vossa ascensão na vida uma caminhada áspera, assinalada pelos obstáculos a vencer. Escolhestes deliberadamente sempre a estrada real, fugindo aos atalhos e veredas, mesmo quando as seduções da vitória fácil seriam capazes de quebrar o ânimo mais rijo. Abristes o vosso caminho de cabeça erguida, arrostando embaraços penosos, da origem humilde da qual partistes, para a posição de prestígio e autoridade que usufruis par droit de conquête. Esta é a marca inconfundível das almas fortes e das consciências apoiadas numa vontade endurecida. Para os homens da vossa natureza, a vitória só tem sabor e sentido quando é alcançada como um prêmio merecido, e não como fruto do acaso ou favor do destino.
Vosso prestígio de jurista se alicerça nas vossas sentenças, nos vossos trabalhos de doutrina e principalmente nas duas obras que ilustram a nossa literatura jurídica – “Da responsabilidade civil” e “Cláusulas de não-indenizar”. Em todas as produções, imprimem-se os traços do vosso espírito: a segurança e a limpidez da exposição, a argúcia da crítica, a autonomia mental, a probidade, a precisão da linguagem, que se reveste freqüentemente do tom lapidar, que é o índice mais seguro do pleno domínio do assunto.
O vosso ingresso na magistratura do Distrito Federal se assinalou por um concurso memorável, que só podia surpreender aos que não houvessem seguido a vossa trajetória na advocacia e no debate dos temas jurídicos. No exercício da judicatura, aprimoraram-se, pelo estudo e pela experiência, os vossos recursos e se afirmaram os vossos atributos morais e funcionais. O zelo exemplar no desempenho do vosso ministério, a dedicação integral ao trabalho, a honradez inteiriça e militante, a independência, a energia moral, que multas vêzes se exalta diante da impostura e da esperteza – impuseram a vossa personalidade ao respeito e à admiração de todos os que acompanham a nossa vida forense, projetando a um plano superior o vosso nome, como jurista e como magistrado.
O JUIZ E A CRÍTICA
Sem dúvida essas qualidades, que tornam excepcional a vossa fama, haveriam de provocar reações num meio e numa época em que dominam a mediocridade, o conformismo e a submissão. E, certamente, tais reações não vos surpreenderam, porque despertá-las é o destino das individualidades fortes, que se elevam acima da craveira comum e da bitola ordinária. A crítica em tais circunstâncias, mesmo quando assume caráter negativista, é a contraprova de que a figura por ela visada se alçou a um nível que excede da mediania incolor sufocada pelo contraste.
Ser alvo de tais críticas não é desprimoroso; muito ao contrário: é lisonjeador. Nem o juiz, que é um servidor público, nos regimes de livre opinião, pode gozar do privilégio de delas estar isento. Já o dizia, em 1898, o Justice BREWER, numa observação sempre reproduzida pelos historiadores da Suprema Côrte americana:
“É um engano supor que a Suprema Côrte é honrada ou ajudada por ser colocada acima da crítica. Ao contrário, a vida e o caráter dos seus juízes devem ser objeto da constante vigilância de todos, e os seus julgamentos sujeitos à mais livre crítica. Já passou o tempo na história do mundo em que qualquer homem vivo ou corporação de homens pudessem ser postos sobre um pedestal e envolvidos de um halo. Na verdade, muitas críticas podem ser, como os seus autores, destituídas de bom gôsto; é porém melhor qualquer espécie de crítica que nenhuma crítica. As águas que se movem são cheias de vida e saúde; sòmente nas águas quietas há estagnação e morte”.
Mesmo um tribunal do prestígio da Suprema Côrte só deveria merecer reverência pelo teste da verdade, dizia o grande juiz HOLMES.
Um temperamento como o vosso, viril, incisivo, afirmativo, e não raro contundente, é pelo seu feitio destinado a suscitar controvérsias, contradições e polêmicas. Vós bem o percebeis, e aceitais como legítima a censura dos vossos atos e das vossas decisões. E certamente essa censura quem a exercita da maneira mais constante somos os advogados que hoje vos homenageamos. Mas o que não podeis tolerar, como homem de honra e juiz de dignidade acima de qualquer restrição, é a crítica malévola, leviana, de inspiração subalterna, como a que, há pouco tempo, foi ruidosamente promovida através da imprensa, com o objetivo rasteiro de comprometer a vossa reputação. Nessa oportunidade, destes mais uma vez a medida da vossa bravura e da vossa intrepidez de homem e de magistrado, sem temores e sem receios. Saístes a campo com o maior entono e vigor, para desmascarar a obra insidiosa dos difamadores, defendendo a vossa autoridade funcional e demonstrando cabalmente a correção dos vossos atos.
O conflito de interêsses em que fôstes envolvido, ao conceder o amparo da justiça aos que se queixavam de procedimentos arbitrários de autoridades públicas, exacerbou o ânimo destas, inconformadas ao verem um juiz impedir-lhes a prática de atos infringentes da lei.
CONSPIRAÇÃO CONTRA O PODER JUDICIÁRIO
A vossa resistência impávida em defesa da missão inerente à vossa investidura fêz com que o choque ganhasse em extensão, e logo se caracterizasse um movimento de sentido mais largo, que denunciastes corajosamente, e sem qualquer exagêro, como uma conspiração em marcha para golpear a autoridade do Poder Judiciário, a fim de remover o empecilho à livre expansão do arbítrio das autoridades submetidas ao seu contrôle.
O objetivo da manobra era forçar o recuo da justiça, sob alegação de que estaria usurpando atribuições do Executivo, e excedendo a sua missão constitucional.
CAMPANHA DE DESMORALIZAÇÃO DO MANDADO DE SEGURANÇA
Um dos reflexos dessa indisposição, ou mal velada hostilidade ao Poder Judiciário, se encontra nitidamente na campanha de desmoralização que de certos quadrantes se move contra o instituto do mandado de segurança, como fielmente assinalastes numa das vossas vigorosas conferências.
Em verdade, o que claramente se identifica nesse movimento é apenas a insubmissão do arbítrio ao regime da legalidade. Como explicar-se de outro modo essa guerra insidiosa contra uma garantia constitucional dos direitos individuais a mais democrática e a mais eficiente que se encontra na lei fundamental, completando a do habeas corpus, circunscrita ao resguardo da liberdade de locomoção?
RAZÕES DO VOLUME CRESCENTE DE PROCESSOS DE MANDADO DE SEGURANÇA
Se a análise da nossa vida jurídica se fizesse com olhos desanuviados de preconceitos e de ânimo menos obumbrado pelos hábitos viciosos, adquiridos no interregno do poder sem contrôle, verificar-se-ia que o volume crescente de processos de mandados de segurança levados ao exame do Judiciário tem explicação normal em outros fatôres e circunstâncias, que afastam as conclusões sombrias dos que propugnam a mutilação ou a castração do instituto benemérito.
De um lado, aumentam os requerimentos de segurança pelo simples motivo de que cresce a nossa população, a vida social se torna mais complexa, intensificam-se os negócios e as relações jurídicas, e proliferam, em conseqüência, os pleitos e processos, enquanto o aparelho judiciário não se modifica no mesmo rítmo, habilitando-se para fazer face ao volume das demandas que vão desaguar no fôro. A crise crônica do congestionamento dos juízes e dos tribunais não pode encontrar seu bode expiatório nos mandados de segurança. Cada pedido de segurança exclui, quase sempre, a propositura de uma ação ordinária; e o processo daquele, simplificado ao extremo, em função de sua finalidade, atravanca muito menos a máquina forense e rouba aos juízes tempo mais reduzido do que o processo comum, sobretudo depois que o misoneismo sufocou e inutilizou todo o esfôrço de reforma do Cód. Processual, no sentido da simplificação, da economia e da rapidez no andamento e decisão dos feitos.
De outro lado, passamos do domínio de um Estado discreto, quase negativo, circunscrito ao campo político, para o de um Estado agudamente positivo, possesso de ânimo intervencionista tentacular. Expandiu-se ao extremo a ação fiscalizadora, disciplinadora e dirigista do poder público. Minguou-se a limites residuais a área da atividade individual, em que esta ainda pode mover-se com um mínimo de liberdade precária. Fomentou-se o mêdo pânico à liberdade. Fizemos o trânsito de um sombrio e prolongado período ditatorial para o regime de franquias e garantias constitucionais sem que se desmontasse a onerosa e pesada máquina estatal, através da qual o poder teceu a rêde sufocante do seu intervencionismo direto, e, de outro lado, deixando-se quase intacto o volumoso arsenal de regulamentação, difuso, desordenado e contraditório, de que se munira o govêrno despótico, para que nada escapasse à sua vigilância e ao seu arbítrio. Multiplicaram-se os entes públicos, as autarquias, as sociedades de economia mista, as agências governamentais, dominando setores básicos da vida coletiva, manipulando orçamentos imensos, arrogando-se atribuições e funções legislativas e quase-judiciais, e fazendo incidir a sua ação; de forma direta e imediata, sôbre todos os membros da comunidade, cujo trabalho, patrimônio, tranqüilidade e destino se expõem, cada dia e cada hora, à ação dessa avalanche de órgãos e de administradores, que operam a coberto de qualquer fiscalização eficaz dos poderes que representam legitimamente a vontade popular e os interêsses públicos.
A conseqüência inelutável dêsse estado de coisas, em que se estiola a nossa economia, se destrói o sentimento de estabilidade e de segurança, se açula o espírito de especulação e aventurismo, e proliferam os peculatos impunes, é a multiplicação das oportunidades dos conflitos e choques entre as agências e administradores, que manobram as alavancas de comando da vida da comunidade, e os cidadãos, submetidos a cada instante às suas deliberações, que incidem sôbre os seus direitos, o seu labor, a sua profissão, os seus interêsses patrimoniais, a sua atividade de todo dia.
Se a intervenção estatal é, assim, onímoda, e se exerce quase sempre por métodos diretos e segundo critérios ocasionais ou pessoais (o que lhe agrava o caráter opressivo), e se se ampliam as oportunidades de colisão entre administradores e administrados, por que estranhar que êstes se socorram, como se dá em qualquer sociedade juridicamente organizada, do meio processual mais idôneo e pronto, para provocar a intervenção da autoridade judiciária, a fim de que ampare e resguarde o seu direito ameaçado ou violado pelo ato havido como ilegal ou abusivo? Que tenebrosa calamidade poderá resultar dêsse procedimento legítimo, prudente, criterioso, irreprochável?
PROVA DE FÉ NA JUSTIÇA
Do ponto de vista do juiz, do jurista e dos homens públicos esclarecidos, nesse comportamento só se poderá ver um fenômeno salutar, dignificante e fecundo, testemunho de uma consciência cívica mais evoluída e vigilante, e do eficiente funcionamento do regime constitucional. Ao mesmo tempo se apura que o cidadão, em vez de se conservar inerte, submisso, complacente, diante da espoliação do seu direito e da violação das leis, coopera ativamente na defesa do sistema legal, lançando mão dos meios próprios que êste lhe faculta; e assim fazendo dá prova de sua fé na Justiça, prestigia-a, fortalece-a, convocando-a ao exercício de sua missão tutelar da ordem jurídica e da paz social. Se os magistrados, acudindo à provocação, reconhecem a ilegalidade e contra ela protegem o direito reivindicado, reprimindo o abuso do agente do poder que se excedeu, ou, se, de qualquer forma, mesmo não deferindo a pretensão postulada, cumprem corretamente a sua tarefa judicante, a experiência será benéfica ao fortalecimento da consciência cívica do cidadão e da coletividade, porque serve para afervorar o amor às instituições jurídicas, a confiança, a estima e o respeito pelo regime legal sentimentos que devemos estimular zelosamente, num esfôrço de reeducação ainda agora tão necessário, depois do longo eclipse em que dominou e se aprofundou o sentimento oposto, pela destruição de todo o sistema de proteção e de garantia de direitos, e, portanto, do enfraquecimento da própria consciência da dignidade inerente à cidadania nos regimes livres. Porque é preciso reconhecer e proclamar, leal e honestamente, que o nosso homem comum é ainda um descrente na proteção da justiça, sobretudo quando está em jôgo o exame de ato de autoridade poderosa. É um estado de espírito radicado, que conduz a um perigosa ceticismo, à renúncia ao abandono e à capitulação, e que aos advogados, e sobretudo aos juízes, cabe vencer e destruir, implantando no homem do povo a convicção de que, nos pretórios, grandes e pequenos, fortes e fracos, governantes e governados, encontram igual tratamento, e a magistratura não decide por outras razões senão as que se escrevem nos autos e as que se inspiram na verdade jurídica.
INSTRUMENTO DE JUSTIÇA DEMOCRÁTICA
Se os órgãos da administração pública têm ampliado os seus poderes, sobretudo no que diz respeito à vida econômica e, à atividade cotidiana dos membros da coletividade, se êstes, de seu lado, não contarem com um meto eficaz de proteção contra os abusos e excessos cometidos, o que se estará armando será a Infraestrutura de uma ditadura totalitária, sob a qual se transformará em puro engôdo todo o sistema de direitos e garantias tão imponentemente inscrito na Constituição. Traduz verdade banal que a experiência de nossos dias impõe à compreensão de todos a advertência de HILAIRE BELLOC: começa-se por dirigir as coisas e os interêsses e acaba-se por dirigir as consciências e as vontades. E é exatamente o homem comum, o homem da rua, que muito raramente faz uso de seus direitos políticos; o mais diretamente atingido por esta ação paternalista opressiva, que recai de maneira imediata sôbre os seus interêsses, o seu trabalho, a sua vida normal de todos os dias.
Se contra essa rêde de constrangimentos não se armar o cidadão de um instrumento adequado de amparo e defesa, apto a resolver os conflitos com rapidez e eficácia, a opção será entre a apatia e a submissão, ou a revolta e o desespêro, ou a corrupção, com o aniquilamento do mínimo de confiança, sem a qual não dura qualquer sistema de govêrno livre.
Entre nós, depois de tantas aspirações, tentativas e malogros, como o melhor fruto da nossa cultura jurídica, o meio próprio que se criou para essa proteção do indivíduo contra o estado intervencionista e expansionista é o mandado de segurança.
É êle, ao lado do habeas corpus, o instrumento por excelência da justiça democrática. Não há outro que atenda ao ideal do procedimento rápido e barato, tornando-se acessível ao cidadão mais modesto. Este compreende que o princípio cardeal de que todos são iguais perante a lei não é meramente ornamental, quando sabe que lhe é lícito chamar, pessoalmente à barra de um tribunal, o presidente da República, um governador ou um ministro de Estado, para que seja obrigado a desfazer ou a praticar ato, com o efeito de reconhecer ou restaurar direito postergado, ilegal ou abusivamente. Ai então tem o homem da rua a sensação de que vive numa república sem privilégios, em que todos devem obediência às normais legais. Que outro mais poderoso e fecundo elemento, de educação cívica e política, se poderia engendrar do que êste, que uma inspiração funesta pretende reduzir na sua eficácia, mutilar no seu alcance e enfraquecer no seu prestígio?
É claro que esta garantia constitucional tem um gôsto amargo, um sabor insuportável para o paladar dos administradores viciados nos hábitos da prepotência, e que pretendem ter as mãos livres para agirem desenvoltamente, sem peia nem embaraços, sem a ninguém dar contas dos seus atos. Para êstes, o mandado de segurança é qualquer coisa de insólito e de anárquico, e a intervenção da Justiça suscitada através dêle sempre impertinente, usurpadora e calamitosa. Não foi por mero esquecimento involuntário que o instituto protetor não apareceu na Carta de 37, na qual êle não teria sentido; e a sua hipócrita inscrição, com alcance subalterno, na movediça legislação ordinária sob a ditadura a ninguém iludiu, num regime em que tôdas as garantias eram falazes e as próprias decisões da Justiça passíveis de emenda e correção pela simples vontade do detentor do govêrno absoluto.
Aos agentes do poder público acostumados a impor a sua vontade, é incompreensível que se haja criado um processo diabólico pelo qual o juiz lhes possa ditar a prática de um ato preciso ou o desfazimento de outro, determinando-lhes o cumprimento in natura do dever resultante da lei, para proteger o simples direito de um modesto cidadão. Convenhamos em que esta autêntica revolução legal é realmente inconcebível e chocante para as que se habituaram a agir de legibus solutos. Antes dessa sinistra invenção do mandado de segurança, o gôzo das posições de mando era muito mais tranqüilo. Os que as desfrutavam podiam realizar os seus caprichos e atender aos seus interêsses e aos dos amigos com muito maior proveito. Praticavam-se as ilegalidades e os abusos; sacrificavam-se os direitos mais legítimos. Os excessos e as arbitrariedades ficavam de pé, produziam todos os seus efeitos; a autoridade do administrador não sofria a menor restrição. As vítimas, sacrificadas nos seus direitos, que fôssem ao Judiciário para obter as preparações pecuniárias cabíveis. Os cofres públicos eram então duramente sangrados para o pagamento das indenizações; mas os responsáveis pêlos atos ilegais e abusivos nada sofriam; e haviam colhido plenamente os frutos do seu procedimento infringente da lei.
INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO AO ERÁRIO
Foi precisamente para acabar com êsse regime deplorável de irresponsabilidade e de sacrifício do erário que se introduziu na nossa legislação, com lastimável atraso, o instituto benemérito, que tão justa ojeriza provoca da parte dos administradores atrabiliários. A êstes, pouco importaria que a União, os Estados, as prefeituras, as autarquias que dirigem continuassem a pagar milhões e milhões de cruzeiros, em reparação dos direitos e interêsses sacrificados pelos seus abusos. O que não toleram é poder um juiz ou tribunal, em nome da Constituição ou da lei, impedir que êles se desviem do cumprimento do dever que as normas legais lhes traçam.
Os que de boa-fé entoam no côro dos adversários da garantia constitucional, deveriam, antes, fazer uma estatística, para apurar, mesmo aproximadamente, a imensa soma de dinheiro que os mandados de segurança concedidos pouparam aos cofres públicos, pelas indenizações que seriam fatalmente pagas, se não houvesse o instrumento adequado para a pronta remoção da ilegalidade ou do abuso, e a imposição do cumprimento especifico da obrigação legal.
Ver-se-ia, então, sem dúvida, que o instituto, ao mesmo tempo que protege o cidadão, protege igualmente o erário, evitando a sua dilapidação pelos desmandos dos administradores desastrosos e irresponsáveis. É êste efeito benéfico dos writs há de ter inspirado a sua adoção pelos anglo-saxões, que tantas vêzes conciliam o idealismo com o espírito prático e comercial.
MEIO DE EDUCAÇÃO DOS AGENTES DO PODER PÚBLICO
Sem dúvida que êste instrumento de defesa da ordem jurídica é extremamente incômodo, porque obriga, sob vigilância severa, os administradores a agirem dentro da lei. Mas esta é mais uma das suas virtudes capitais, qual seja a de educar os agentes do poder público nos hábitos da legalidade. Debalde as autoridades atrabiliárias procurarão fugir ao dever de obediência à lei, como soem fazer, invocando vagamente superiores interêsses da Nação. O argumento ad terrorem, tão profusamente usado, em todos os tons e escalas, já se desacreditou. Não há interêsse maior e mais duradouro que o do respeito à legalidade e à segurança jurídica. Assim o entendeu a Constituição vigente, estabelecendo na maior amplitude o rule of law, e pondo-o inteiramente sob a guarda do Judiciário, a cujo exame, por cláusula expressa, não se pode subtrair qualquer lesão de direito. O exercício das altas funções públicas exige competência, honradez, boa-fé, amor ao interêsse coletivo e respeito às instituições constitucionais e legais. Quem não estiver habilitado para o desempenho delas, nessas condições, que não as aceite, ou a elas renuncie. O que não se tolera é que procure acobertar a sua inépcia, a sua irresponsabilidade, os seus interêsses subalternos, os seus erros e as suas manobras sob a capa de um suposto interêsse público, para escusar-se à violação da lei, que é inadmissível em qualquer caso.
Os nossos pequenos déspotas administrativos, na alta e baixa escala do poder público, antes de encontrar na justiça o scape goat de seus fracassos, deveriam meditar sôbre êste exemplo recente em que estêve envolvido o mais poderoso chefe de govêrno das nações livres. O presidente TRUMAN, como todos se lembram, para evitar que um conflito aberto entre patrões e operários, a propósito de salários, resultasse em greve que paralisaria tôdas as usinas de aço dos Estados Unidos, resolveu intervir e avocar para o govêrno a administração direta daquelas usinas, até que se encontrasse solução para o dissídio. As emprêsas interessadas não se conformaram com a iniciativa governamental, e levaram o caso ao exame da Justiça, através de um writ, que subiu à apreciação da Suprema Côrte. Foi talvez o maior e o mais grave dos pleitos, sob o ponto de vista econômico e político, travados neste século naquele grande tribunal. Em prazo curto, cêrca de três meses, a Suprema Côrte proferiu o seu pronunciamento, considerando, por seis votos contra três, sem base legal o procedimento da Administração, e determinando, em conseqüência, que devolvesse as usinas às emprêsas proprietárias. O empenho do govêrno na questão foi o maior possível; e as razões de defesa do ato de TRUMAN eram de suma relevância e fôrça persuasiva: os Estados Unidos estavam empenhados numa guerra; o momento internacional era o mais grave; havia tratados com outros países aprovados pelo Senado, pelos quais se criavam obrigações de assistência militar, inclusive fornecimento de armas e equipamentos bélicos; e a greve na indústria de aço, além de gerar séria crise social interna, iria determinar a paralisação da produção de armamentos para os Estados Unidos e as nações aliadas. Apesar do pêso de tais argumentos, a Suprema Côrte, considerando que o ato de TRUMAN não se apoiava em lei do Congresso, nem em qualquer prerrogativa constitucional, declarou-o inválido, e determinou a restituição das usinas aos seus administradores. E note-se que formaram na corrente majoritária os juizes mais compreensivos do tribunal FRANKFURTER e JACKSON – que sustentaram o ponto de vista de que a Constituição provara a sua excelência justamente porque devia ser obedecida mesmo nas emergências extraordinárias. E, o que é mais digno de menção para os nossos arrogantes burocratas é que TRUMAN – o mais poderoso homem da terra naquele momento – cumpriu, no mesmo dia, a decisão da Suprema Côrte, determinando por carta ao secretário do Comércio que restituísse imediatamente as usinas aos seus proprietários.
Entre nós, nos dias que correm, considera-se ameaçada a ordem pública e se anunciam cataclismos sociais e econômicos, porque um simples padre missionário estrangeiro pretende ingressar no território nacional, para cumprir a sua missão piedosa, com o seu velho Ford, que não custara um dólar sequer das reservas de divisas, malbaratadas sem critério e sem honestidade. O pobre reverendo teve que impetrar mandado de segurança para não fazer as suas peregrinações a pé, e subiu até o pináculo do Supremo Tribunal, sem lograr acolhimento à sua modesta pretensão.
O “ABUSO” DOS MANDADOS DE SEGURANÇA
A arma terrorista de intimidação da justiça e de desmoralização do instituto continua, porém, a ser brandida como um refrão: é a do abuso dos mandados de segurança. Esquecem-se os adversários da garantia constitucional que o número de mandados de segurança requeridos há de estar em proporção direta com o dos atos ilegais e abusivos. Se as autoridades se contiverem e forem mais zelosas no exercício de seus poderes, cairá o volume de pedidos de segurança; não haverá matéria-prima que alimente os pleitos dessa natureza. Quando um homem de govêrno se educou nos bons hábitos e tem consciência de que é feio crime conculcar conscientemente um direito, não corre o risco de ver deferidos requerimentos de segurança contra atos seus. Investigue-se, por exemplo, quantos pedidos de segurança foram formulados contra atos do honrado governador MILTON CAMPOS, e quantos foram deferidos, por um tribunal como o de Minas, conhecido pela sua independência e correção. Verificar-se-á que naquele Estado, naquela quadra, seus sete milhões de habitantes não compreenderiam como se pudesse falar em abuso de uma instituição, cujo funcionamento ali se tornara raro, sob uma administração que adotara o lema do grande juiz americano: “govêrno mais das leis do que dos homens”.
Os abusos dos juízes, que, acaso, se verifiquem, são, apesar de tudo, os menos temíveis, porque os seus despachos e decisões são suscetíveis de emenda através dos recursos que a lei cautelosamente multiplica. Os abusos dos administradores prepotentes, que pretendem agir à margem e acima das normas legais, é que não encontram outro corretivo, no nosso regime, senão na ação vigilante e inflexível do Judiciário.
DESTRUIÇÃO DA CEXIM
Os que não têm a visão vesga, e percebem todo o quadro, e não apenas o seu reverso, em abono do instituto, do seu emprêgo benemérito e do extraordinário efeito que lhe souberam emprestar advogados e juizes (e entre êstes vosso nome surge em posição dominadora, Sr. AGUIAR DIAS), identificariam o imenso serviço por êle prestado ao País, na destruição da famigerada Cexim.
Foi o mandado de segurança a arma que permitiu o ataque frontal a essa cidadela inexpugnável do arbítrio, da irresponsabilidade, do favoritismo e da corrupção. Quando os interessados começaram a reagir contra os critérios personalistas e discriminatórios, estabelecidos à margem da lei, contra os abusos inomináveis dessa poderosa agência do intervencionismo econômico, e a justiça compreendeu e apurou o que ali se praticava, selou-se a sentença de morte daquela nefasta instituição. Foi o mandado de segurança que alertou o País contra o que se passava naquele antro, surpreendido através das résteas de luz que se infiltravam no ambiente tenebroso e escuso em que se desenvolviam as suas operações. Se não fôsse êste extraordinário instrumento de contrôle e vigilância, a Cexim não teria limites nos seus desmandos; se a Justiça não pudesse ser provocada a intervir por êste meio direto, jamais se teria revelado o que ali se verificava. O mandado de segurança, com o amparo de juízes intrépidos da vossa qualidade, Sr. AGUIAR DIAS, é que pôs abaixo os contrafortes daquela fortaleza do autoritarismo e da venalidade. Quando a Comissão de Inquérito da Câmara se instituiu já foi para fazer a autópsia de uma entidade morta, porque a sua sobrevivência se manifestara incompatível com o regime de legalidade e de moralidade, pôsto sob a guarda da Justiça. Bastaria êste serviço inestimável, por si só, para impedir que se toque no instituto do mandado de segurança com o fito de lhe diminuir a eficácia ou de lhe restringir os efeitos, sob qualquer pretexto menos legítimo.
ATO DE CONFIANÇA E SOLIDARIEDADE
Sr. AGUIAR DIAS. As digressões em que me perdi, seduzido pelo tema que, pelo seu significado, constitui entre nós problema capital da defesa da ordem jurídica na hora presente, são apenas o eco apagado de conceitos e afirmações, a que emprestáteis o apoio da vossa autoridade de jurista e de magistrado de uma democracia. Será, sem dúvida, grato ao vosso espírito e à vossa sensibilidade verificar que as vossas atitudes e palavras encontram fecunda ressonância no seio dos profissionais, que podem julgar o vosso procedimento sem indulgência.
A campanha de intimidação do Judiciário não vingará enquanto ao serviço da Justiça se encontrarem juízes da vossa têmpera. Não vos trazemos, assim, uma palavra de estímulo, que desta não tendes precisão; mas apenas vos significamos a nossa confiança e solidariedade.
Os conflitos que se armam no fôro através dos pleitos entre a Justiça e os agentes do poder público são inerentes ao sistema que adotamos, e que conferiu àquela a tarefa de dizer a palavra conclusiva sempre que se reclamar a proteção da lei contra os que sôbre ela tripudiarem. A confiança do País se reafirmou neste sistema pelo voto dos constituintes de 46, que lhe acentuaram a índole judiciarista. À supremacia do Judiciário que tanta hostilidade provoca das vocações totalitárias sufocadas, não tem outro sentido senão o da supremacia da Constituição e das leis, de que lhe cabe ser guarda vigilante. Exercendo a missão que lhe toca, não desfruta êle de qualquer privilégio. Pelo mecanismo de freios e contrapesos, de que a justiça é a mola central, a esta cabe sòmente impedir que qualquer autoridade se arrogue o privilégio inadmissível de violar e desconhecer impunemente as leis.
Dos que se investem da missão de distribuir justiça, o que se exige, antes de tudo, é rigorosa independência. Para resguardá-la cerca a Constituição os juízes de garantias cabais. A tibieza e a demissão da parte dêles equivalem, por isso, à traição ao dever elementar. E quando esta desgraça acontece, não há salvação no naufrágio em que se perde o regime.
Marcais com o vosso exemplo de intrepidez e energia moral a compreensão que tendes das vossas responsabilidades; e para honra da nossa magistratura, anima-nos a certeza de que no seio dela não representais uma posição solitária, nem sois uma sentinela perdida.
Sois, sem dúvida, porém, um expoente e uma segurança, numa quadra de perigos em que é preciso relembrar o aforismo de BACON: A lei garante o cidadão e o magistrado garante a lei”.
Agradecendo, proferiu o juiz AGUIAR DIAS a seguinte oração:
“Só por suspeitar que o não leveis a sério, deixo de propor; neste ato de confiança que me prestais, com as galas de uma consagração que, pretendendo exaltar-me, por excesso de generosidade, me infunde maior temor de mim mesmo, só por êsse temor deixo de propor-vos merecido voto de gratidão à calúnia, à injúria, à ignorância despeitada, à torpeza, à deslealdade que, assanhadas ao delírio e, para maior malefício, organizadas em côro, arremeteram contra o meu patrimônio moral de juiz.
CAMPANHA DE INTIMIDAÇÃO DO JUDICIÁRIO
Contritamente vos confesso que, se não me tirou noite de sono, proporcionado, tanto pela fadiga do trabalho cotidiano, realizado sob o dilema – esgotar-se na tarefa ou vê-la multiplicar-se a proporções de calamidade, a malignidade me preocupou. Não era por mim, que em nenhum momento perdi o respeito de mim mesmo, não só porque sempre decidi sob a inspiração dessa suprema exigência da dignidade, mas também porque conhecia a origem e a explicação, o sentido e os propósito da onda de lôdo em que se desfazia, como que dando e expondo tôda a sua miséria constitucional, em exibição teratológIca, o ódio impotente de falsificadores de opinião.
Preocupava-me o silêncio dos que presam a Justiça e, no seu vilipêndio, deviam ver o ataque insidioso às instituições democráticas. Jamais identifiquei a manifestação de hostilidade pessoal, mesmo perversa, com a afronta à corporação em que sirvo, com honestidade, dedicação e consciência, em recurso pouco digno para transferir-lhe meus dissabores e forçar solidariedade a que não tivesse direito. Mas arremetidas sistemáticas, não aos meus defeitos, que alimentariam folhetins de escândalos, mas, precisamente, ao pouco em que, por se tratar de opção de alma e de vontade, eu estava exercendo virtudes essenciais, e por elas defendendo o nome da magistratura – isenção de julgamento, sem atenção à qualidade ou ao poder das partes, coragem de sustentar o que me parecia acertado, independência ante conceitos assentados, firmeza de atitude, aprêço à opinião contrária, respeito à lei e aos princípios, de preferência a cortejar os a quem êles incomodam – não podiam ser interpretadas como desencontro de idéias, nem como censura pessoal a juiz transviado. Era tentativa metódica de demolição da respeitabilidade do Judiciário, dos remédios constitucionais contra o arbítrio e a opressão, servindo à progressiva, lenta, mais inexorável degradação política do País, em que o cidadão, ainda os que aplaudem, por defeito de informação, a injúria, a calúnia e a deturpação do sentido das decisões judiciais, não se manteriam nem mais um dia como homem livre, se não contasse com essa garantia. Preocupava-me, pois, que tão descoberta e acintosa campanha de descrédito, em que o indivíduo direta e imediatamente visado nenhuma importância apresentava, não fôsse desmascarada, para prevenção dos que mantêm sua fidelidade à República.
A demonstração que ora recebo me convence da injustiça de meus receios. E, assim como era apenas pretexto, naquela ostentosa parada de infâmia, peço licença humilde para também ser só depositário de vossa distinção à Justiça, em definição de vossa lealdade ao regime democrático, em que ela é viga-mestra intocável. A calúnia, como bem dizia RUI, tem, paradoxalmente, um papel de glorificação, pelo contraste que cedo ou tarde lhe opõe o julgamento honesto da conduta do operário do dever público, mais laborioso e menos hábil na arte fácil de converter em flôres baratas os espinhos do poder.
Sois responsáveis, como o Judiciário, pela preservação das instituições. Não vos entorpece a prática dos deveres, que essa responsabilidade encerra, a discrição imposta ao magistrado, como ornamento do seu ofício, virtude que, como a prudência, se costuma exagerar por pura pavidez, para contornar definições, evitar choques desagradáveis e conservar duvidosa reputação de falsa serenidade, que, no fundo, é só uma pobre mostra de ambição, com preço de concessões bem à vista.
MISSÃO DO JUIZ
Somos responsáveis por uma política. Escusado ressalvar que nossa política não é a da conquista eleitoral, como não é a da orientação administrativa do País. Já o disse e quero repeti-lo. Também não fazemos política – não podemos fazer política – no sentido em que se entende a política dos juízes nos regimes totalitários. Sob o disfarce de vontade do Estado, o que ai se sustenta é a vontade dos eventuais detentores do poder. Adequado ao nosso regime, às nossas convicções e à nossa formação é a concepção inglêsa. Com efeito, assinala COUTURE, “a Inglaterra considerou que justiça era política desde os primeiros anos de sua história. Não política de govêrno, mas política da liberdade, do respeito à condição do homem, da autoridade dos juízes para impor o direito e dar a cada um a paz de que necessita, no gôzo de seus bens e na segurança de sua dignidade”.
A obra de política atribuída ao juiz compreende, então, responsabilidade muito maior do que a de simples descrição da norma em seu aspecto material, raciocínio vazio e medroso, concatenação pedante de silogismos fáceis. E atrevido desdobramento da imaginação que, nos trabalhos mais austeros, conforme mostra PIERRE NOAILLES, constitui o motor secreto que vivifica os fatos secos e sem côr, pacientemente reunidos.
E ainda êsse mestre que indica a justa medida em que o critério se mantém sobranceiro a críticas: “Quanto mais audaciosa seja a imaginação, mais se deve submeter à estreita disciplina do método e da experiência… A êsse prêço, a imaginação se pode permitir tôdas as audácias”.
Lição tanto mais certa porque, na formosa síntese de LÉON HUSSON, o segrêdo do Direito não pode ser revelado senão através da idéia jurídica que a formula; mas êle se acha para além dessa fórmula, para além, até, da própria natureza psicológica e social na qual tem sido, freqüentemente, procurada, isto é, na ordem biológica, em que essa natureza se insere, e na ordem metafísica, em que a vida tem a sua fonte”,
E tão sábio entendimento que, ainda, assegura função relevante à eqüidade, na interpretação da lei. “Não se resolve o problema do direito”, diz CARNELUTTI, “se nêle não encontra lugar a eqüidade”, até agora, mais ou menos conscientemente, a adoração da lei tem expulsado a eqüidade do direito, colocada, ademais, em posição subordinada à lei. O ensinamento de Jesus inverte essa posição: uma vez que a lei é insuficiente, é necessário algo do próprio direito para corrigir seus erros. A lei que se converte em instrumento de injustiça, por interpretação servil, tem que sofrer êsse penoso mas necessário processo de recondução ao seu fim, que não pode ter sido êsse que aparenta. Trabalho último da aplicação da lei é o que cabe ao juiz. Não pode êste, a pretexto de obediência, trair a função a que a lei deve servir, função essa que, como a do magistrado, é assegurar a harmonia social, no sistema político vigente, como de presumível aceitação dos cidadãos. Cabe, com relação à lei, que o juiz adote a serena, mas enérgica orientação de Dorotéia ao seu senhor, como a expressou CERVANTES: “Tu vasalla soy, pero no tu esclava”.
A liberdade, que se permite, assim, ao juiz, é necessária para melhorar a lei em suas deficiências, adequá-la ao seu próprio objetivo social e conformá-la aos princípios, porque “as leis”, diz DE PAGE, “não são mais que expressão imperfeita e fragmentária de um grande fundo de idéias peculiares à civilização greco-latina, que continuam a viver sob a forma obscura da tradição e dos costumes, vida incomparàvelmente mais profunda e tenaz que aquela, tôda artificial, da legislação. Separar as leis de sua terra nutriz é criar no real uma cisão que nada justifica. Eis por que, acima das leis, existe o direito e é êste que os juízes devem aplicar, se querem dar às leis seu verdadeiro e completo valor”.
Não é, pois, a liberdade para desconhecer a lei, sob pretexto de que a solução, que ela importa, é, por exemplo, onerosa. O juiz não tem por missão retificar conseqüências de excessos de outros poderes, mormente quando constituam abuso ilícito, prejudicial ao cidadão. A prática que, porventura, acarrete condenação do erário, se traduz em violação de dever, de traição ao fim do Estado, que não pode desvelar-se na contemplação de uns e condenar à indigência outros cidadãos, colocados na mesma situação, como não é sua função praticar aquilo que a moral dominante e a sua própria moralidade de govêrno, expressa nas leis, condena como crime.
Tal solução de atenuação, além de não ser própria dos juízes, é indigna dêles, porque estimula a violação dos direitos, de cuja guarda estão precìpuamente incumbidos. Malitia non est indulgendum. Esta reafirmação de fé nos princípios superiores do Direito, de lealdade à Constituição, de obediência às leis, a tal ponto que não se meça esfôrço para que, aplicadas, sirvam, realmente, à harmonia entre os homens, é a razão desta festa, que recebo, como adiantei, na qualidade de simples depositário, expressiva que é da vossa confiança na magistratura do Distrito Federal, espelho da Justiça de todo o Brasil. Quanto a mim, pessoalmente, ela completa apenas – e é, assim entendida, um prêmio excelso – completa o meu patrimônio de juiz. Como o Dr. Stockmnn, do drama de IBSEN, apedrejado pela multidão inconsciente, quero, não abalado pela perversidade das baixas paixões, recolher como relíquias as pedras que me atiraram. Serão mostradas, como relíquias, aos meus filhos. Tenho mais sorte que o proscrito do “Inimigo do Povo”: êles terão, também, as flôres que generosamente recebo dos advogados do Distrito Federal, em solene reconhecimento de que somos, vós e eu, servidores da liberdade, assim como a entendia o magnífico louco de CERVANTES: “a liberdade, Sancho, é um dos mais preciosos bens que os céus deram aos homens; com ela não podem igualar-se os tesouros que a terra guarda, e o mar encobre: pela liberdade, assim como pela honra, se pode e se deve aventurar a vida”.
Não há outra maneira digna de ser advogado ou juiz”.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
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