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Marcus Abraham

Marcus Abraham

16/04/2020

A pandemia da Covid-19 que vem afligindo toda a humanidade tem afetado severamente o mercado global e o interno brasileiro, por uma forte desaceleração da economia devido à redução da produção, do consumo e das exportações, ocasionada pelo isolamento social e pelo fechamento de estabelecimentos não essenciais.

Como consequência, na área fiscal, temos uma queda drástica na arrecadação de tributos, além da brusca desvalorização do preço do petróleo pela menor demanda da commodity, reduzindo importante fonte de recursos financeiros para o país, que são as receitas de royalties.

Mas como se não bastassem os inesperados e vultosos gastos na área da saúde para o imperioso e urgente enfrentamento da doença causada pelo novo coronavírus, juntamente com a diminuição nas receitas públicas, os governos, sobretudo o federal, enfrentam outro desafio: prover meios necessários e suficientes para a manutenção dos empregos, o reaquecimento da economia e, principalmente, para garantir um mínimo de renda imprescindível para os mais necessitados e vulneráveis, sobretudo àqueles que pertencem à economia informal.

No seguimento da decretação de calamidade pública federal, através do Decreto Legislativo nº 06/2020, cuja finalidade era obter os benefícios do art. 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal – a saber, a dispensa do atingimento de resultados fiscais previstos na LDO e a suspensão do mecanismo da limitação de empenho (tema tratado na última Coluna Fiscal de 23/03/2020) –, viu-se, recentemente, o Supremo Tribunal Federal sendo acionado para afastar outras exigências previstas na LRF.

Assim foi que, em decisão monocrática datada de 29/03/2020, na Medida Cautelar na ADI nº 6.357-DF, o Ministro Alexandre de Moraes, embora entendendo e registrando que “a responsabilidade fiscal é um conceito indispensável”, ressalvou que a pandemia representa uma condição superveniente absolutamente imprevisível e de consequências gravíssimas, exigindo atuação urgente, duradoura e coordenada de todas as autoridades federais, estaduais e municipais em defesa da vida, da saúde e da própria subsistência econômica, tornando impossível o cumprimento de determinados requisitos legais compatíveis com momentos de normalidade, sob pena de violação da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), da garantia do direito à saúde (arts. 6º, caput, e 196, CF) e dos valores sociais do trabalho e da garantia da ordem econômica (arts. 1º, inciso I; 6º, caput; 170, caput; e 193). Por isso, deferiu medida cautelar, ad referendum do Plenário, para:

Com esta decisão, todas as medidas financeiras que se relacionarem com o combate ao vírus da Covid-19 ficam dispensadas de: 1) demonstração de que os gastos não afetarão as metas de resultados fiscais previstas na LDO; 2) necessidade de compensação por meio de redução de outras despesas ou pela criação ou majoração de tributos ou fonte de arrecadação; 3) apresentar a estimativa do impacto orçamentário-financeiro e a declaração do ordenador da despesa de que aqueles gastos têm adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.

Mas isso não era suficiente. Havia ainda outras travas administrativas e fiscais, em especial aquela que veda a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, sendo que o endividamento seria o remédio financeiro mais indicado no momento pelos economistas para custear as novas despesas.

Justifica-se: uma eventual majoração tributária atingiria a disponibilidade financeira das pessoas e empresas, e a consequência natural de qualquer aumento da carga fiscal é a redução do consumo e aumento do desemprego, exatamente o que não se quer agora.

Essa, aliás, foi a razão de este subscritor ter recentemente se manifestado alhures no sentido da criação de um empréstimo compulsório (tributo temporário e restituível), a incidir sobre o patrimônio de maneira progressiva (com alíquotas majoradas conforme a dimensão patrimonial), atingindo sobretudo os mais ricos e super-ricos, como uma espécie de imposto sobre grandes fortunas passageiro.

Afinal, sobre eles, esta tributação não causaria significativa redução de disponibilidade financeira que pudesse afetar o consumo imediato. Além de que a rejeição social a esta exação seria menor do que a de um tributo comum, já que o empréstimo compulsório, pela sua própria natureza, deve ser devolvido, tempos depois, e devidamente corrigido.

Portanto, sendo a dívida pública o mecanismo supostamente adequado a financiar os novos gastos para o enfrentamento da pandemia da Covid-19, a solução que está a se delinear advém da proposta de autoria do Deputado Federal Rodrigo Maia (DEM/RJ), Presidente da Câmara dos Deputados, com apoio do Ministério da Economia, consubstanciada na PEC nº 10/2020, conhecida por “PEC do Orçamento de Guerra”, que, ao incluir o novo artigo 115 ao ADCT da Constituição Federal de 1988, cria uma estrutura orçamentária mais “flexível”, paralela ao orçamento geral que temos.

Até o momento, a proposta já foi votada e aprovada na Câmara dos Deputados. Noticia-se que a PEC será apreciada logo no início da próxima semana no Senado Federal. Sendo votada e aprovada em dois turnos naquela Casa Legislativa sem alterações, provavelmente teremos em breve a Emenda Constitucional nº 106/2020.

Nos termos em que se encontra a referida PEC, a nova emenda constitucional virá para instituir o regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações, a fim de enfrentar a calamidade pública nacional decorrente da pandemia da Covid-19, e o novel artigo 115 do ADCT afasta a aplicabilidade da conhecida “regra de ouro” prevista no inciso III do artigo 167 da Constituição – que veda o endividamento para o pagamento de despesas correntes – durante o exercício financeiro em que vigore a calamidade pública; permite que operações de crédito realizadas para o refinanciamento da dívida mobiliária possam ser utilizadas também para o pagamento de seus juros e encargos; e dispensa o cumprimento das restrições constitucionais e legais quanto à criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa e a concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita, desde que não se trate de despesa permanente, que tenha o propósito exclusivo de enfrentamento do contexto da calamidade e seus efeitos sociais e econômicos, com vigência e efeitos restritos ao período de duração desta.

Criará, também, o Comitê de Gestão da Crise, com a competência de fixar a orientação geral e aprovar as ações que integrarão o escopo do regime emergencial.

Estabelece, ainda, que os conflitos federativos decorrentes de atos normativos do Poder Executivo relacionados à calamidade pública serão resolvidos exclusivamente pelo Supremo Tribunal Federal, e que as ações judiciais contra decisões do Comitê de Gestão da Crise serão da competência do Superior Tribunal de Justiça, ressalvadas as competências originárias do STF, TST, TSE e STM.

Ademais, autoriza o Banco Central do Brasil a comprar e vender títulos de emissão do Tesouro Nacional, nos mercados secundários local e internacional, e direito creditório e títulos privados de crédito em mercados secundários, no âmbito de mercados financeiros, de capitais e de pagamentos, sempre limitado ao enfrentamento da referida calamidade.

Assim, um dos principais motivos que originaram a PEC do orçamento de guerra foi a necessidade de ampliação de gastos para o enfrentamento da pandemia da Covid-19 sem as condicionantes legais orçamentárias que são impostas pela Constituição Federal de 1988 e pela LRF aos gastos ordinários, sobretudo no que se refere ao uso de endividamento para despesas correntes.

Pretende-se permitir, portanto, a criação de um “orçamento paralelo” mais flexível e que facilite as contratações, o aumento de despesas públicas e de endividamento, tudo de maneira mais transparente e juridicamente seguro a possibilitar o controle dos gastos. Através das novas regras, também não será mais necessário indicar a fonte de financiamento dos gastos, que poderão ser custeados pela emissão de dívida pública.

Fala-se em despesas da monta de quase 10% do PIB (cerca de R$ 600 bilhões) para este orçamento extraordinário e desvinculado da LOA em vigor. E o déficit nas contas públicas da União, estados e municípios deve atingir R$ 500 bilhões neste ano.

Inequivocamente, trata-se de uma situação extraordinária a exigir medidas extremas, não apenas para movimentar a economia, mas principalmente para salvar vidas. Todavia, a conta deste orçamento extraordinário será paga no futuro, quando da quitação das dívidas públicas contraídas, o que de alguma maneira afeta o princípio fundamental da equidade intergeracional, ao transferir para gerações vindouras o custo financeiro do presente.

Esta despesa temporária tem um alvo certo e determinado, e não pode se transformar em permanente. Mas se for para termos outro “orçamento de guerra” nos próximos anos, que seja para o Brasil enfrentar dois grandes desafios: oferecer educação e saneamento básico para esta e para as próximas gerações.

FONTE: JOTA

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