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Suposta inconstitucionalidade material das Medidas Provisórias n. 927/2020 e 936/2020

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Suposta inconstitucionalidade material das Medidas Provisórias n. 927/2020 e 936/2020

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MEDIDAS PROVISÓRIAS

MP 927/2020

MP 936/2020

TEORIA DA IMPREVISÃO

Enoque Ribeiro dos Santos

Enoque Ribeiro dos Santos

13/04/2020

O Presidente da República editou as Medidas Provisórias ns. 927/2020 e 936/2020, que impactam diretamente as relações de trabalho, uma promovendo a inversão das fontes normativas do Direito do Trabalho, com prevalência do acordo individual entre empregado e empregador sobre a negociação coletiva e as leis de regência, e a outra estabelecendo a possibilidade de redução de salários e jornadas, bem como de suspensão coletiva do contrato de trabalho.

Temática tão importante está suscitando discussões profundas na sociedade bem como insegurança jurídica entre os atores sociais, diante da possibilidade da anulação de pactos individuais já celebrados, já que o Supremo Tribunal Federal foi  chamado a intervir e dar a última palavra no sentido de mediar este conflito coletivo de trabalho e trazer de volta a tão sonhada paz social.

AS MEDIDAS PROVISÓRIAS ns. 927/2020 e 936/2020

A Medida Provisória n. 927/2020, editada em 23/3/2020 promoveu a inversão das fontes normativas do trabalho, de modo que seu artigo 2º dispõe no sentido de que os acordos individuais entre empregado e empregador têm prevalência sobre a negociação coletiva e as leis de regência.

Por seu turno, a Medida Provisória n. 936/2020 veio ratificar a prevalência do acordo individual entre patrão e empregado, especialmente nas camadas de renda inferiores a três salários mínimos (R$ 3.135,00) e para aqueles trabalhadores cuja remuneração seja superior a duas vezes o teto da Previdência social (R$ 12.2020,02).

Sabemos que o diálogo social preconizado pela OIT – Organização Internacional do Trabalho, neste momento, é imprescindível para diminuir a segurança jurídica e por meio da divulgação das informações e da negociação coletiva de trabalho estabelecer um novo reequilíbrio entre as relações entre capital e trabalho.

Certamente, no Brasil, o diálogo social deve evoluir para seguirmos o exemplo de países de economia avançada (Inglaterra, Estados Unidos da América, França, Espanha e países escandinavos) que estão um passo à frente, não apenas na proteção à saúde e à vida das pessoas, como também das empresas e dos empregos, subsidiando eficazmente  as pequenas e médias empresas para que mantenham os empregos, bem como, por meio de políticas públicas, amparando minorias vulneráveis, que carecem de proteção diante da pandemia do coronavírus.

INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL E INCONVENCIONALIDADE DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS NS. 927/2020 e 936/2020

Muito se fala sobre a inconstitucionalidade das Medidas Provisórias ns. 927/2020 e 936/2020.

Em relação à primeira, assim se posicionou, liminarmente, o Supremo Tribunal Federal:

O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), indeferiu pedido de medida liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6344, ajuizada pelo partido Rede Solidariedade contra dispositivos da Medida Provisória (MP) 927/2020 que autorizam medidas excepcionais, como a redução de salários, em razão do estado de calamidade pública declarado em razão da pandemia do novo coronavírus. A decisão será submetida a referendo pelo Plenário do STF. O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), indeferiu pedido de medida liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6344, ajuizada pelo partido Rede Solidariedade contra dispositivos da Medida Provisória (MP) 927/2020 que autorizam medidas excepcionais, como a redução de salários, em razão do estado de calamidade pública declarado em razão da pandemia do novo coronavírus. A decisão será submetida a referendo pelo Plenário do STF. Na ADI, a Rede sustenta que a permissão para a redução de até 25% do salário mediante acordo individual é incompatível com o direito constitucional à irredutibilidade salarial, a não ser quando respaldada em negociação coletiva. O partido pede também a suspensão do dispositivo que permite a antecipação do gozo de feriados não religiosos nacionais e locais com antecedência mínima de 48 horas. Outro ponto impugnado é a autorização para a prorrogação por 90 dias de acordos e convenções coletivas vencidos ou a vencer nos próximos 180 dias. Manutenção do emprego. Em sua decisão, o ministro Marco Aurélio observou que vários pontos questionados pela Rede, como a permissão para que acordos individuais se sobreponham a acordos coletivos, foram indeferidos na ADI 6342, ajuizada pelo PDT contra a MP 927. Segundo ele, as normas, editadas com o objetivo de permitir que empregado e empregador possam estabelecer parâmetros para a manutenção do vínculo de emprego, estão de acordo com as regras da CLT e com os limites estabelecidos pela Constituição Federal. Isolamento. O ministro observa que, no quadro de pandemia, não se pode cogitar de imprevidência do empregador e frisa a necessidade de reconhecer que as medidas de isolamento social repercutem na situação econômica e financeira das empresas. Sob esse aspecto, ele considera razoável a antecipação de feriados, pois preserva a fonte de renda dos empregados e reduz o ônus dos empregadores. Em relação à prorrogação de acordos e convenções, o ministro entende que a medida dá segurança jurídica à relação trabalhista, pois não seria adequado, diante do regime de isolamento, que sindicatos promovam reuniões para deliberar sobre o tema. Metalúrgicos. O ministro Marco Aurélio também indeferiu pedido de liminar formulado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM) na ADI 6346 contra a íntegra da MP 927. Em seu entendimento, a MP buscou apenas preservar empregos e é necessário esperar que o Congresso Nacional analise a norma, para não aprofundar “a crise aguda que maltrata o país e afeta a produção, o abastecimento e os empregos. “Há de se somar esforços objetivando não apenas mitigar os efeitos nefastos do estado de calamidade pública, mas também preservar a segurança jurídica, sem exacerbações, sem acirramentos”, concluiu”.

Já em relação à Medida Provisória n. 936/2020, o ministro Ricardo Lewandoski, assim se pronunciou, em sede de liminar:

Após a publicação em 1º de abril de 2020 da Medida Provisória 936/20 (“MP 936/20”), o Partido Rede Sustentabilidade interpôs, em 02 de abril de 2020, Ação Direita de Inconstitucionalidade (“ADIN”) em face da referida medida. A ADIN, distribuída ao Ministro Lewandowski do Supremo Tribunal Federal (“STF”), continha pedido de liminar para suspender os efeitos da MP 936/2020, no que diz respeito à negociação direta sem a participação do Sindicato, sob o argumento de que isso violaria a Constituição Federal, que impõe obrigatória da participação dos sindicatos nas negociações que tratam de redução de salário e jornada dos empregados. Em análise do pedido de liminar, em 06 de abril de 2020, o Ministro Lewandowski defendeu a necessidade do envolvimento sindical para implementação de medidas de redução salarial e suspensão de contratos. O Ministro fundamentou sua decisão com base na (i) nota pública da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATR; (ii) manifestação da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho – ANPT, com preocupações e críticas à referida MP 936/2020, bem como (iii) orientação da Organização Internacional do Trabalho (“OIT”). Ao deferir a liminar, o Ministro Lewandowski sustentou que a mera comunicação dos acordos aos respectivos sindicatos não supriria a inconstitucionalidade da MP 936/2020, já que o sindicato deveria poder se manifestar sobre o acordado. Com esse entendimento, os acordos individuais de redução de jornada de trabalho/salário, bem como de suspensão temporária de contrato de trabalho, só terão efeitos plenos após a devida comunicação aos sindicatos dos empregados, no prazo de 10 dias, possibilitando a manifestação do ente sindical. Caso não haja manifestação do ente sindical no prazo previsto, torna-se válida a negociação individual”.

Analisando a letra fria da lei, e cotejando a Constituição Federal de 1998, em seus artigos 7º, caput, incisos VI e XXVI e art. 8,VI,  com o art. 2º da Medida Provisória n. 927/2020, que promove a inversão das fontes normativas do Direito do Trabalho, com a supremacia do acordo individual de trabalho entre empregado e empregador sobre a negociação coletiva e as leis de regência, em situação de normalidade econômica, política e social, poderíamos dizer que a decisão liminar do Ministro Lewandowski se configura técnica e juridicamente conforme a Constituição, no sentido de chamar o sindicato profissional ao diálogo social, conforme preconiza a própria OIT – Organização Internacional do Trabalho, para evitar a pecha de inconstitucionalidade material e convencional.

Isto porque a Medida Provisória n. 936/2020 como posta colide frontalmente com os artigos acima mencionados da CF/88, notadamente os arts. 7º., VI e XXVI e art. 8º., VI,   bem como com as Convenções Internacionais nos. 98, 151 e 154, da OIT, ratificadas pelo Brasil, em exame de convencionalidade.

Não obstante, respeitando todas as opiniões em contrário, situações de estado de calamidade pública, como o presente momento em que vivemos, estabelecido por Decreto do Poder Executivo, de forma temporária, vigendo de 22 de março a 31/12/2020, tendo o Estado sido levado a intervir fortemente na economia e no mercado de trabalho, exigindo a quarentena de grande parte dos trabalhadores/empregadores, por meio de confinamento e  distanciamento social, ao lado de medidas protetivas à vida e à preservação da saúde, bem como dando guarida temporária a trabalhadores informais e às minorias vulneráveis (sem teto, ambulantes, etc), por meio de um orçamento especial, devidamente aprovado a toque de caixa pelo Congresso Nacional,  demanda uma diferente interpretação jurídica. Vejamos:

Pode-se dizer que estão presentes fatores de ordem pública, de imperatividade absoluta relacionados à proteção à vida devido a este fato jurídico histórico, totalmente inesperado, de absoluta imprevisibilidade, jamais ocorrido nas últimas décadas, no domínio da Teoria da Imprevisão (Teoria do Rebus Sic Stantibus), que levou a um profundo desequilíbrio, virtualmente na grande maioria dos negócios jurídicos, seja no direito civil, direito comercial, direito consumerista, com impactos mais profundos ainda no Direito do Trabalho.

O Estado, em todo o planeta, não teve opção, a não ser mais uma vez, se metamorfosear em Estado Providência (uma versão contemporânea de  “Welfare State” ou Estado do Bem Estar Social), pelo menos temporária e precariamente,  por dois meses, no caso da suspensão coletiva de trabalho e por três meses na redução da jornada e salário, esta última inclusive já prevista constitucionalmente (art. 7º XXIII, CF/88).

Diante deste quadro, empregados e empregadores estão vivenciando um estado de completa insegurança jurídica, quanto à celebração de acordos individuais que poderão ser futuramente anulados.

Daí, a decisão da Corte Suprema sobre estas duas MPs constituirá um verdadeiro divisor de águas, quanto à reordenação normativa e convalidação da multidão de contratos individuais celebrados entre patrão e empregado.

Diante da situação totalmente atípica, imprevisível deste acontecimento, robustecida pela enorme intervenção do Estado na vida econômica e social, in mellius, não haverá surpresa se a leitura jurídica do Supremo Tribunal Federal sobre temas tão relevantes, como inconstitucionalidade material e inconvencionalidade das MPs. Ns. 927/2020 e 936/2020,  caminhar no sentido de uma interpretação sistemática conforme a  Constituição Federal, com base na proporcionalidade e razoabilidade, dando prevalência aos princípios imanentes à função social da propriedade e dos contratos, redução das desigualdades, pleno emprego (art. 170 da CF/88), em conjunto com o valor social do trabalho (art. 1º., IV), da dignidade da pessoa humana (art. 1º., III) e da ordem social, fundada na justiça social (art. 193), que interpretados em conjunto com o art. 7º., VI e XXVI, da CF/88 dão guarida à tese da constitucionalidade conforme e mesmo convencionalidade, especialmente porque o Estado adotou uma postura pró-ativa, jamais vista,  na proteção não apenas das empresas, mas especialmente da vida das pessoas, acoplada ao enorme esforço orçamentário para a  manutenção do emprego e da renda.

Note-se, que justamente neste sentido foi editada a MP n. 946/2020, que extingue o PIS/PASEP e remete tais fundos para o FGTS, propiciando adicional liberação de recursos para os trabalhadores.

Havendo negociação coletiva de trabalho,  o empregado, como titular de seus direitos materiais, deve manifestar sua vontade expressa, por qualquer meio virtual/remoto ao sindicato da categoria profissional, na assembleia geral especialmente convocada para manifestação de sua adesão/recusa.

Em caso de celebração de ajustes individuais,  recomendável que os empregadores, no prazo de 4 dias informem o sindicato da categoria profissional e lhes remetam cópias dos contratos individuais de trabalho celebrados diretamente com os empregados, para convalidação.  De notar, ainda,  que os sindicatos, assim como o Ministério Público do Trabalho, como legitimados e autores ideológicos que são na defesa dos direitos fundamentais dos trabalhadores, poderão atual a qualquer tempo e manejar quaisquer instrumentos jurídicos necessários a tal proteção, por meio das ações de nulidade de cláusula ou de acordo ou convenção coletiva, ou até mesmo de um somatório de contratos individuais eivados de ilicitudes.

Neste contexto, também não causará estranheza se emanar do julgamento da  Suprema Corte, no que respeita à exegese jurídica das MPS 927/2020 e 936/2020, como em decisões anteriores daquela Corte,  a modulação dos efeitos de sua decisão, em sentido ex-nunc (ou seja, somente produzirá efeitos a partir do momento de sua prolação/publicação), e não ex-tunc (retroativamente), de modo a convalidar acordos individuais celebrados dentro da legalidade até aquele momento, desde que não possuam vícios insanáveis.

CONCLUSÕES

Vivemos momentos de profunda reflexão, em que um ato da natureza retirou de circulação econômica e do convívio social virtualmente a metade da população global, estabelecendo uma guerra planetária contra um inimigo invisível, ainda desconhecido até para os  célebres e experimentados cientistas, como para cumprir o adágio de que “God traps the wise in their cleverness”. Não existe coincidência.

Assim sendo, o momento é de preocupação, mas também de solidariedade e atenção com o outro, notadamente com os mais vulneráveis, de sorte que as ações sociais empreendidas hoje de forma precária pelo Estado (renda mínima, retirada de minorias vulneráveis das ruas (sem teto) etc.) sejam objeto de futuras políticas públicas permanentes, definitivas, e não tenham repercussão apenas  em tempos de coronavírus.


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