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Os aumentos de capital e o direito dos portadores de ações preferenciais

AÇÕES

AUMENTOS DE CAPITAL

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REVISTA FORENSE 152

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12/08/2022

REVISTA FORENSE – VOLUME 152
MARÇO-ABRIL DE 1954
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICARevista Forense 152

DOUTRINA

PARECERES

NOTAS E COMENTÁRIOS

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

LEGISLAÇÃO

SUMÁRIO: Ações preferenciais. Dividendos fixos e cumulativos. Aumento de capital com entrada de valores novos. Subscrição integral de capital social. Limites do direito de preferência. Cessão de direito. Utilização de reservas e lucros em suspenso. Ação anulatória.

Sobre o autor

Egberto Lacerda Teixeira, advogado em São Paulo.

NOTAS E COMENTÁRIOS

Os aumentos de capital e o direito dos portadores de ações preferenciais

1. A promulgação da lei nº 1.474, de 26 de novembro de 1951, recentemente completada pela de nº 1.772, de 18 de dezembro de 1952, com vigência prevista até 30 de junho de 1953, determinou, como se esperava, acentuada corrida no sentido do aumento de capital das sociedades comerciais. Viram, então, as sociedades anônimas, cujo capital é constituído em parte de ações ordinárias e em parte de ações preferenciais, aflorar à tona aquilo que era latente na sua organização interna: o problema da demarcação dos direitos assegurados, por lei ou pelos estatutos, aos titulares de ações preferenciais. A organização ainda incipiente de nosso mercado de capitais mobiliários, a falta de casuística esclarecedora, a quase nenhuma elaboração doutrinária de nossos mestres e tratadistas sôbre certas aspectos do delicado assunto, ainda incompletamente versado pelo legislador de 1940, são elementos que contribuem, decisivamente, para a maior complexidade da matéria.

Conquanto a lei nº 1.474, de 26 de novembro de 1951, tenha limitado os benefícios fiscais aos aumentas de capital realizados mediante reavaliação do ativo imobilizado ou incorporação de reservas, é certo que as sociedades anônimas, por razões de economia interna, estão recorrendo a consideráveis aumentos.

Procuraremos, assim, examinar, em cada modalidade específica de aumento de capital certos aspectos do relevante problema jurídico criado pela presença, na sociedade, de acionistas portadores de ações preferenciais.

Ações preferenciais

Conquanto conhecidas na prática, as ações preferenciais só obtiveram sanção legislativa, no Brasil, com a promulgação do dec. nº 21.536, de 15 de junho de 1932. Encontram-se hoje os dispositivos do dec. nº 21.536 inteiramente absorvidos pela Lei das Sociedades Anônimas que, em seu art. 9º, parág. único, teve a cautela de, inovando o direito anterior, limitar a emissão de ações preferenciais, sem direito de voto, à metade do capital da companhia. Vedado o voto plural, temos que, no Brasil, as ações preferenciais gozam, apenas, de vantagens pecuniárias.

“A preferência” – diz o art. 10 do dec.-lei nº 2.627, de 1940 – “pode consistir: a) em prioridade na distribuição de “dividendos, mesmo fixos e cumulativos: b) em prioridade no reembôlso do capital, com prêmio ou sem êle; c) na “acumulação das vantagens acima enumeradas”.

Parte integrante do capital social, as ações preferenciais, por isso mesmo, distinguem-se das debêntures e das partes beneficiárias. Aquelas conferem o status de sócio, ao passo que estas, apenas, representam títulos de crédito contra a sociedade. É de reconhecer-se, todavia, que, dada a extrema variedade de combinações a que podem chegar as emissões de ações preferenciais, alguns dos seus problemas apresentam grande afinidade com os que defrontam os portadores de debêntures e, principalmente, os titulares de partes beneficiárias.

Dividendos fixos e cumulativos

Múltiplas podem ser, dentro da tricotomia legal, as vantagens, ou combinações de vantagens, asseguradas aos titulares de ações preferenciais. Enumeraremos, apenas, algumas: a) ações com dividendo fixo não cumulativo calculado sôbre o seu valor nominal; b) ações com dividendo fixo e cumulativo sôbre o seu valor nominal; c) ações que, além de um primeiro dividendo fixo, cumulativo ou não, sôbre o seu valor nominal, asseguram uma participação adicional nos lucros em igualdade de condições, ou não, com as ações ordinárias; d) ações com preferência de reembôlso em caso de liquidação da sociedade, com prêmio ou sem êle, isto é, podendo o reembôlso fazer-se, por exemplo, pelo valor nominal, apenas, ou pelo valor nominal mais uma percentagem.

4. Surge, logo de início, a indagação: serão os dividendos das ações preferenciais necessàriamente fixos e cumulativos, ou poderão ser fixos e não-cumulativos?

Em face do disposto no art. 10, combinado com o parág. único do art. 81 da Lei das Sociedades Anônimas, neste passo repetindo o disposto nos arts. 1º e 3º do dec. nº 21.536, de 1932, os estatutos podem criar, indiferentemente, ações preferenciais com direito a dividendo fixo e cumulativo; ou fixo e não-cumulativo. Com efeito, o citado parág. único do art. 81 dispõe que “as ações preferenciais adquirirão o direito de voto, de que não gozarem em virtude dos estatutos, quando, pelo prazo nêles fixado, que não será superior a três anos, deixarem de ser pagos os respectivos dividendos fixos, direito que conservarão até o pagamento, se tais dividendos não forem cumulativos, ou até que sejam pagos os cumulativos em atraso” (cf. TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE, “Sociedades por Ações”, 1941, vol. I, nº 78, págs. 92-93; ERNESTO LEME, “Ações Preferenciais”, 1933, págs. 25 e 124; A. P. CESARINO JÚNIOR, in “Rev. dos Tribunais”, vol. 93, páginas 279 e 282; JEAN ESCARRA, “Manuel de Droit Commercial”, 1947, n° 762, página 426; M. GASPERONI, “Las acciones de las Sociedades Anónimas”, 1950, Madri, pág. 168, nota; GUDESTEU PIRES, “Manual das Sociedades Anônimas”, 1942, nº 96, pág. 150).

Entendemos, assim, em face da sistemática legal e do princípio da anuidade e independência dos exercícios financeiros, que a acumulação dos dividendos fixos não deve presumir-se diante do silêncio dos estatutos. Em outras palavras, somos de opinião que os dividendos fixos não são necessàriamente cumulativos.

5. Nítida é, também, a diferença de interêsse econômico do portador de ação preferencial garantidora de mero dividendo fixo não cumulativo, calculado sôbre o seu valor nominal e o do portador de ação preferencial em que se assegure simultâneamente a percepção de um primeiro dividendo fixo e cumulativo e o direito de ainda participar, em igualdade de condições com as ordinárias, no remanescente dos lucros do exercício e do acervo social, em caso de liquidação. As leis, em geral, não distinguem entre uma modalidade e outra. Disciplinam os direitos e as obrigações das ações preferenciais em têrmos amplos e igualitários sem ter em conta as particularidades características de cada classe de ações preferenciais.

Criam-se, assim, na prática, sérios conflitos de interêsse entre os titulares de ações ordinárias e de ações preferenciais que não chegaram talvez a ser previstos nem sequer suspeitados pelos subscritores do capital social. É o que ocorre, por exemplo, nos aumentos de capital de sociedades anônimas cujo capital seja constituído de ações ordinárias e preferenciais. Generalizada a crença, nos meios comerciais e industriais, de que os titulares de ações preferenciais destituídas do direito de voto são simplesmente credores de um dividendo ou juro fixo – surpreendem-se, e em certos casos com boas razões, os portadores de ações ordinárias ao verificaram que a lei, em têrmos genéricos, assegura aos “credores preferenciais” direitos tão amplos que chegam a representar grande e inesperado sacrifício dos seus interêsses pecuniários (GUDESTEU PIres, ob. cit., pág. 149, considera as ações preferenciais como “títulos de crédito”, e não títulos corporativos). Examinaremos, a seguir, as modalidades principais de aumento de capital em face da nossa lei.

Aumento de capital com entrada de valores novos

Aumento de capital com entrada de valores novos – Não cabe distinguir aqui entre subscrição pública ou particular. Variando no processo realizador, é certo que, tanto em uma como em outra modalidade, a sociedade alarga, efetivamente, seu patrimônio pela entrada de dinheiro novo ou de novos bens.

“Depois de integralmente realizado o capital social” – di-lo o art. 108 do decreto-lei nº 2.627, de 1940, – “é lícito à assembléia geral aumentá-lo”. Obedece o aumento, em linhas gerais, às formalidades exigidas para a constituição da sociedade, notadamente, à subscrição integral do novo capital e ao depósito, em estabelecimento bancário, da décima parte do capital subscrito em dinheiro (arts. 109, 110, 112, parág. único, combinados com os artigos 38, ns. 2 e 3, 40 e 43).

Subscrição integral de capital social

Repete a lei, com a insistência de um leit-motiv, o requisito da subscrição integral do capital social para que a sociedade se considere constituída ou o aumento verificado. Compreende-se a razão de ser do preceito: os subscritores assumiram compromisso de realizar a sua parte sob a condição tàcitamente admitida de que o capital social atingisse à cifra projetada. O subscritor promete sua prestação tendo em vista a viabilidade do empreendimento em determinadas bases, das quais o capital figura como elemento chave. Se o capital não é realizado integralmente, os subscritores estão liberados de sua obrigação e sòmente por unanimidade se poderia constituir a sociedade com capital menor. Em falta de unanimidade, portanto, a sociedade deixa, necessàriamente, de existir ou o aumento de verificar-se por falta de um dos seus pressupostos elementares.

Esta a doutrina prevalecente no chamado “direito continental europeu” (do qual o nosso é parte) em oposição ao “direito anglo-americano”, onde sempre se admitiu a distinção entre capital autorizado e capital realizado. A solução “continental” rígida, levada às suas extremas conseqüências, tem – sido, felizmente, abrandada pelo trabalho construtivo da doutrina, da jurisprudência e da legislação.

É assim que, em França, os autores e os tribunais admitem a validade da cláusula constitutiva ou da deliberação coletiva, pela qual, em falta de subscrição integral do capital, a assembléia poderá limita-lo à parte efetivamente subscrita. Acrescentam os autores, judiciosamente, que a validade dessa deliberação deveria estar subordinada à enunciação de um capital alternativo mínimo, a fim de garantir a seriedade e a viabilidade do empreendimento (JEAN ESCARRA, ob. cit, nº 706, pág. 389; G. RIPERT, “Traité Elémentaire”, 1948, nº 958, pág. 368; PAUL PIC et JEAN KREHER, “Sociétés Commerciales”, 1948, vol. II, nº 886, págs. 234 a 236).

Na Itália, a matéria encontrou agasalho no art. 2.439 do Cód. Civil de 1942; salvo disposição expressa em contrário, os subscritores do aumento do capital social não se consideram liberados pelo fato de o aumento não ter sido integralmente subscrito (FERRARA JÚNIOR, “Gli Imprenditori e le Società”, 1946, nº 218, página 216; A. BRUNETTI, “Trattato del Diritto della Società”, 1948, vol. II, nº 772, pág. 517).

E no Brasil? A lei, em vários passos, direta ou indiretamente, menciona a subscrição integral do capital como condição para a constituição da sociedade e, em via de conseqüência, para a validade do aumento. Assim, os arts. 38, nº 1, 43 e 112 do dec.-lei nº 2.627, de 1940. Resultará, então, de nossa sistemática legal, ilícita e ineficaz a deliberação da assembléia geral extraordinária que, ao propor o aumento do capital para determinada cifra, esclarecesse que uma vez não subscrito integralmente o aumento considerar-se-ia êste limitado às somas efetivamente subscritas? Cuidamos que tal resolução nada teria de ilícita ou de ineficaz em face de nossa lei se, para maior proteção dos interessados, fôsse desde logo estabelecido um mínimo irredutível para as subscrições. Cientificados, de antemão, das condições do aumento de capital, os subscritores não seriam prejudicados, porque a segunda assembléia geral só poderia declarar verificado o aumento se as cláusulas e requisitos votados por ocasião da primeira assembléia tivessem sido rigorosamente observados. Como se verifica, através da doutrina e da jurisprudência, nacional ou estrangeira, a exigência da subscrição integral do capital social obedece à finalidade de assegurar à sociedade os meios necessários ao bom êxito do empreendimento e, ao mesmo tempo, de acautelar os interêsses dos subscritores contra reduções arbitrárias e maliciosas do capital social. Se, todavia, ao subscrever o aumento, os subscritores, através da proposta da diretoria e do parecer do conselho fiscal, já sabem da possibilidade de o aumento ficar limitado a certo mínimo, irredutível, não vemos por que deva tal procedimento ser considerado ilícito ou ineficaz. Pelo contrário, consegue-se, com maior rapidez e menor dispêndio de tempo e de dinheiro, e sem sacrifício do direito dos subscritores, o que se obteria por intermédio da anulação da primeira subscrição e de nova proposta de aumento com alvo reduzido.

Direito de preferência

A lei brasileira das sociedades anônimas inscreveu o direito de preferência à subscrição de ações, no caso de aumento de capital, entre os chamados “direitos individuais”, ou inderrogáveis, do acionista (art. 78, d). A justificação teórica e prática do direito de preferência é de universal aceitação: garantir aos antigos acionistas a oportunidade de continuar participando dos lucros sociais na proporção anterior e, ao mesmo tempo, impedir que parte das reservas, aparentes ou ocultas, acumuladas no passado, venham a ser atribuídas indiretamente aos novos acionistas em detrimento dos acionistas fundadores. Completando a defesa dos antigos acionistas, vemos difundir-se, paralelamente à defesa do direito de preferência, a praxe de emitir as novas ações com ágio ou sobrepreço (ASCARELLI, in “REVISTA FORENSE”, vol. 98, pág. 278, chega a sustentar que o direito de preferência não exclui a idéia do ágio e que êste pode ser cobrado até dos acionistas anteriores ao aumento).

10. O preceito contido na letra d do art. 78 da Lei das Sociedades Anônimas é amplíssimo:

“Nem os estatutos nem a assembléia geral poderão privar qualquer acionista do direito de preferência para a subscrição de ações no caso de aumento do capital”.

Completa-o o art. 111:

“Na proporção do número de ações que possuírem, terão os acionistas preferência para a subscrição do aumento de capital”.

11. Infere-se do mandamento legal que em todo e qualquer aumento terão os acionistas direito inderrogável de subscrever novas ações na proporção das que já possuíam?

TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE, autorizado comentador da lei de 1940, afirma: “É fora de dúvida que o direito de preferência só vige quando o aumento se faz pela entrada de dinheiro para o patrimônio social. O acionista, com efeito, se a assembléia resolvesse aumentar o capital mediante a incorporação de bens pertencentes a terceiros, ou mesmo a um ou mais acionistas, não poderia pretender exercer o direito de preferência” (“Sociedade por Ações”, 1941, volume I, ns. 575 e 576, págs. 563 e 564).

“Inadmissível”, – diz VALDEMAR FERREIRA, – “é a privação, pelos estatutos ou pela assembléia geral, do direito de preferência do acionista para a subscrição de ações, no caso de aumento de capital, quando se dê pela transfusão de capital novo, de dinheiro novo, no organismo social. Nesse caso, o direito é de preferência para a subscrição. No do aumento com a incorporação de reservas facultativas, ou de fundos disponíveis, é de propriedade (“Tratado de Sociedades Mercantis”, 1952, vol. II, pág. 352. Mais adiante, pág. 485, o eminente mestre amplia o seu pensamento: “Assiste aos acionistas direito de preferência para subscreverem o aumento do capital, seja qual a forma por que, se realize…”).

12. Limita, igualmente, o Cód. Civil italiano (1942), em seu art. 2.441, o direito de preferência dos acionistas à hipótese de subscrição de novas ações ordinárias em dinheiro. Se a assembléia, por conseguinte, deliberar que se proceda ao aumento de capital mediante incorporação de bens de terceiros, ou dos próprios acionistas, não haverá lugar para o exercício do direito de preferência (BRUNETTI, “Trattato de la Società”, 1948, vol. II, número 680, pág. 426; GIANCARLO FRÉ, “Società per Azioni”, 1951, págs. 583 e 586).

13. Outra não é a lição da lei francesa de 8 de agôsto de 1935, que circunscreve o direito de preferência à subscrição de novas ações de numerário (JEAN ESCARRA, “Manuel de Droit Commercial”, 1947, nº 861, pág. 492; G. RIPERT, “Traité Elémentaire”, 1948, nº 1.389, pág. 521).

14. Temos, assim, na opinião dos doutos, que o direito individual, inderrogável, do acionista à subscrição preferencial de ações no caso de aumento de capital, se restringe aos aumentos realizados mediante subscrição para pagamento em dinheiro. Donde, lògicamente, não haver lugar para o exercício de direito de preferência: a) no aumento de capital resultante da incorporação de reservas, porque a distribuição proporcional se fará, automàticamente, na forma do art. 113 da lei brasileira e dos dispositivos correspondentes nas legislações estrangeiras; b) no aumento proveniente da incorporação do patrimônio líquido de outra sociedade (artigo 152 do dec.-lei nº 2.627, de 1940); pois que as novas ações terão, necessàriamente, de ser atribuídas aos acionistas da sociedade incorporada; c) aumento de capital efetuado através da conferência de bens de terceiros ou do próprio acionista.

Atingimos, neste ponto, ao cerne da questão. Se é lícito, como sustentam, explicita ou implicitamente, os autores nacionais citados, que, se a assembléia resolvesse aumentar o capital mediante a incorporação de bens pertencentes a terceiros, ou mesmo a um ou mais acionistas, não poderia (o acionista) exercer o direito de preferência”, é forçoso convir que o chamado direito “individual” ou “inderrogável” de o acionista preservar a sua participação nos lucros futuros e nas reservas acumuladas da sociedade perde algo de sua majestade e importância. Com efeito. Seria muito fácil à maioria quebrar a proporcionalidade existente. Bastaria à assembléia determinar que o aumento fôsse coberto pela conferência de bens móveis ou imóveis pertencentes a um ou alguns dos acionistas… (Deixamos de lado a hipótese da incorporação do patrimônio líquido de outra sociedade, art. 152, que também resulta em prejuízo do direito de preferência dos acionistas antigos da sociedade incorporadora, porque a lei, coerente e sàbiamente, lhes assegurou o direito de recesso no art. 107).

Chegamos, assim, a esta conclusão preliminar: ou a lei e a doutrina brasileiras merecem censura quando restringem o direito de preferência do acionista antigo ao caso de aumento de capital social por subscrição em dinheiro, ou o direito de preferência assegurado aos antigos acionistas não é tão amplo, rígido e inderrogável como comumente se proclama… Não é de estranhar, pois, que na França e na Itália a lei autorize, expressamente, a assembléia geral a abolir, total ou parcialmente, o direito de preferência dos acionistas quando o exijam os superiores interêsses da sociedade (França, arts. 5, 6 e 7 da lei de 1935; Itália, artigo 2.441, 3ª alínea, do Cód. Civil).

15. Insuficiente, também, a disciplina legislativa brasileira no concernente ao destino das “sobras” na subscrição do aumento de capital. Segundo o art. 111 do dec.-lei nº 2.627, de 1940, “na proporção do número de ações que possuírem, terão os acionistas preferência para a subscrição do aumento de capital”. Ora, devendo os acionistas exercer êsse direito dentro em 30 dias, têm entendido os nossos juristas que o exercício do direito de preferência do acionista individualmente, considerado se esgota com a subscrição de tantas ações quantas forem necessárias para manter, em relação à nova cifra do capital social, a mesma proporção anterior. Não existe, na lei brasileira, a garantia de um direito de acrescer quanto às ações não-subscritas. A subpreferência só pode resultar dos estatutos ou da deliberação da assembléia geral que votar o aumento (TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE, ob. cit., nº 577, pág. 565; TULLIO ASCARELLI, in “REVISTA FORENSE”, volume 106, pág. 45; SAN TIAGO DANTAS, in “REVISTA FORENSE”, vol. 122, pág. 39; ANTÃO DE MORAIS, “Problemas e Negócios Jurídicos”, vol. II; “Supremo Tribunal Federal”, in “Rev. dos Tribunais”, volume 191, pág. 430).

Diferente é a lição francesa, onde a lei de 8 de agôsto de 1935 assegura aos antigos acionistas, que em tempo hábil exerceram o direito de preferência, o privilégio de subscreverem as ações não subscritas pelos demais acionistas. Dai a praxe generalizada, na França, de serem organizadas duas listas de subscrição: na primeira, o acionista exerce o seu direito de preferência pròpriamente dito, de sorte que a sua subscrição é a título irredutível; na segunda, de caráter condicional a título redutível; a preferência do acionista está na dependência de os outros acionistas não subscreverem integralmente as: ações a que fazem jus.

16. A preferência reconhecida aos antigos acionistas tem valor econômico ponderável. Acontece que nem sempre o acionista dispõe de meios suficientes para fazer face ao novo encargo. Daí reconhecer-lhe a lei, no § 3º do art. 111, o direito da ceder a outro acionista, ou a terceiro, o seu direito de preferência. Entende-seque a cessão deve ser feita e a preferência manifestada dentro do prazo legal de decadência. Discutiu-se, acaloradamente, entre nós, em autêntico leading case, se os estatutos ou a assembléia geral poderiam vedar a cessão do direito de preferência (“REVISTA FORENSE”, vol. 110, pág. 155).

O assunto permanece controvertido. Se, por um lado, a lei conferiu ao direito de preferência a chancela de direito inderrogável pelos estatutos ou pela assembléia e assegurou ao acionista o direito de cedê-lo a outro acionista ou a terceiro, tornar-se-ia ilusória a garantia legal se os estatutos ou a assembléia pudessem proibir tal cessão (VALDEMAR FERREIRA, “Tratado das Sociedades Mercantis”, 1952, vol. II, pág. 355; acórdão da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, in “REVISTA FORENSE”, vol. 110, pág. 155; GUDESTEU PIRES, ob. cit., número 76, pág. 117).

Sustenta-se, por outro lado, que não se confundem o direito de preferência à subscrição, que é de fato inderrogável, e a cessão dêsse direito a outros acionistas ou a terceiro, máxime quando se considera que a lei tolera restrição à livre negociabilidade das ações (art. 27, § 2º). A tese foi sustentada por SÍLVIO PORTUGAL, ANTÔNIO MENDONÇA, COSTA MANSO e SOARES DE FARIA (“REVISTA FORENSE”, vol. 110, pág. 155) e ANTÃO DE MORAIS (ob. cit., pág. 180).

17. Consideramos, até aqui, vários aspectos controvertidos de aumentos de capital, em que êste se encontra constituído inteiramente de ações ordinárias. As dificuldades serão maiores, a nosso ver, em relação às sociedades anônimas cujo capital se acha distribuído em ações ordinárias e preferenciais. A ausência completa de precedentes judiciários e o silêncio compacto da doutrina tornam o assunto assaz curioso, porém extremamente perigoso…

O assento legal da matéria, no Brasil, está no § 1º do art. 111 do dec.-lei número 2.627, de 1940:

“Se o capital já fôr dividido em ações comuns e preferenciais e o aumento fôr feito por emissão de ações dessas duas espécies, o direito de preferência dos acionistas será exercido sôbre ações de espécie idêntica às de que eram possuidores, só se estendendo às demais se aquelas forem insuficientes para lhes assegurar, relativamente ao aumento, a proporção que tinham êles sôbre o capital primitivo”.

Duas hipóteses principais podem ser formuladas à luz do preceito legal: a) o capital social de Cr$ 10.000.000,00 é constituído, digamos, 50% de ações ordinárias e 50% de ações preferenciais. Resolve-se o aumento do capital social de Cr$ 10.000.000,00 para Cr$ 20.000.000,00, por subscrição em dinheiro de 10.000 novas ações, sendo metade ordinárias e metade preferenciais. É evidente que o equilíbrio, a proporção, foi mantida. Não há choque de interêsses entre os portadores de ações de uma e de outra classe; b) o capital social de Cr$ 10.000.000,00 é dividido, metade a metade, em ações preferenciais e ordinárias, como no exemplo anterior. Resolve-se, todavia, que o aumento de Cr$ 10.000.000,00 para Cr$ 20.000.000,00, por subscrição em dinheiro, seja coberto pela emissão, digamos, de 6.000 ações ordinárias e 4.000 preferenciais. É evidente que o equilíbrio primitivo foi rompido em detrimento das ações preferenciais, que antes participavam em 50%, agora vão participar de 40%. Enseja-se, então, a aplicação da segunda hipótese prevista pelo legislador: a extensão dos direitos de uma classe à subscrição de ações da outra “se aquelas (ações novas) forem insuficientes para lhes assegurar, relativamente ao aumento, a proporção que tinham êles (acionistas) sôbre o capital primitivo”. Impõe-se, por conseguinte, reconhecer aos titulares de ações preferenciais o direito de participar, em igualdade de condições com os titulares de ações ordinárias, na subscrição do excedente de 20% reservado às ações ordinárias. A argumentação é procedente, quer o rompimento de equilíbrio se verifique em detrimento dos titulares de ações ordinárias, quer de preferenciais.

Advirta-se que o aumento de capital com a emissão total de ações de uma só classe é simples variante da hipótese sub judice, pois que os portadores de ações de classe não desdobrada irão, na proporção primitiva, concorrer com os portadores de ações cujo número foi majorado.

18. Imagine-se, agora, para maior complexidade do problema, que as ações novas, de uma das classes, ou mesmo de ambas, não sejam integralmente subscritas pelos antigos acionistas. Escudados no dogma da “subscrição integral” do capital social como condição sine qua non da validade do aumento, dirão alguns que êste estará irremediàvelmente prejudicado. Não hesitaríamos em concordar com a solução. Desejamos, apenas, em harmonia com o que dissemos linhas atrás (itens 7 e 8), opinar que os inconvenientes, econômicos e jurídicos, dessa solução rígida podem ser suavemente elididos pelos estatutos ou pela resolução da assembléia geral extraordinária que considerasse realizado o aumento até a concorrência das subscrições efetivamente feitas, desde que estas ficassem acima do mínimo irredutível prèviamente fixado. O conhecimento antecipado das condições do aumento, a realização de duas assembléias gerais (uma para propor, a outra para declarar efetivado o aumento), a oportunidade ampla que se concedeu a todos os acionistas de subscrever as novas ações e assim conservar a proporção anterior, tudo isto parece justificar a tese da validade e plena eficácia do aumento de capital limitado às somas efetivamente subscritas, uma vez atingido o mínimo prestabelecido.

Não importa que a subscrição apresente, como resultado, a quebra da proporção primitiva entre acionistas ordinários e preferenciais. A lei não quis, e não poderia pretender, que a proporção inicialmente estabelecida permanecesse inalterada até a dissolução e liquidação da sociedade. O que a lei impõe é que aos antigos acionistas se garanta, em prioridade irrenunciável, o direito de preferência na subscrição das ações correspondentes ao aumento. Não exercido êsse direito, dentro das condições fixadas em lei, nos estatutos ou na deliberação da assembléia geral, entende-se que o acionista renunciou ao seu interêsse na preservação do statu quo ante. Daí para frente, a sociedade recupera a sua inteira liberdade de ação. Não fôra assim, a vida criadora das sociedades anônimas, poderoso instrumento do progresso econômico dos povos, estaria inglòriamente sacrificada em holocausto apuros dogmas, divorciados da realidade social.

19. Cumpre examinar certos aspectos do aumento de capital pela utilização de reservas ou fundos disponíveis e pela valorização do ativo social. Nas sociedades cujo capital é inteiramente composto de ações ordinárias, não há dificuldades de maior calibre a considerar. Aplica-se, simplesmente, o preceito do art. 113 do decreto-lei nº 2.627, de 1940:

“O aumento de capital pela incorporação de reservas facultativas ou de fundos disponíveis da sociedade, ou, pela valorização ou por outra avaliação do seu ativo móvel ou imóvel, determinará a distribuição das ações novas, correspondentes ao aumento, entre os acionistas, na proporção do número de ações que possuírem”.

Trata-se, então, de mera operação contábil que dispensa o exercício do direito de preferência, porque a distribuição é feita, automàticamente, de acôrdo com a proporção já existente.

Utilização de reservas e lucros em suspenso

Problemática, todavia, a operação contábil quando o capital social é constituído de ações ordinárias e preferenciais. Terão estas direito incontestável às reservas e fundos disponíveis? Será tal direito porventura igual ao que se reconhece aos portadores de ações ordinárias? Que dizer dos chamados “lucros em suspenso”, que as assembléias criam, alimentam e exaurem com tanta liberdade?

A lei, a doutrina e a jurisprudência no Brasil são quase silentes a respeito. Temos, então, que a interpretação literal do art. 113 nos levaria, inapelàvelmente, a afirmar que as novas ações, resultantes do aumento de capital pela incorporação de reservas facultativas, fundos disponíveis, lucros suspensos ou valorização do ativo social, devem ser distribuídas a todos os acionistas antigos, quer ordinários, quer preferenciais, na proporção das ações que possuírem. Reconheçamos ademais que na maioria absoluta dos casos tal solução será justa e eqüitativa. Mas sê-lo-á em todos os casos?

21. Voltamos, então, a certos conceitos básicos já mencionados no pórtico dêste trabalho. A lei agasalha, sob a denominação ampla de “ações preferenciais”, títulos de participação social da mais variada espécie, desde a simples preferência na percepção de um dividendo fixo anual, não cumulativo, e da prioridade no reembôlso do seu valor nominal, sem prêmio, na época da liquidação, até à larga e generosa percepção de um primeiro dividendo fixo e cumulativo, acrescida da participação adicional nos lucros do exercício ou nos proventos da liquidação em pé de igualdade com os titulares de ações ordinárias!… Ora, a diferença que vai entre uma ação preferencial do primeiro tipo e uma ação preferencial do segundo tipo é consideràvelmente maior que a diferença normalmente existente entre uma ação ordinária e uma ação preferencial de participação reduzida…

Êste fato, de existência notória, só por si justifica a elaboração de estudos mais aprofundados sôbre a participação das ações preferenciais na distribuição das reservas ou dos fundos disponíveis da sociedade.

Não define a lei brasileira as reservas. Estabelece, apenas, no art. 130, a forma de alimentar o fundo de reserva legal “destinado a assegurar a integridade do capital” e confere aos estatutos a faculdade de criarem fundos de reserva especiais.

22. “As reservas”, comenta TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE, “não são frutos civis, mas capitais, que aumentam o patrimônio da sociedade” (ob. citada, nº 672, pág. 88). “Pertencem, teòricamente, a todos os acionistas: sòmente quando distribuídas, na forma de aumento de capital, é que os acionistas conseguem, pràticamente, mobilizar o seu direito teórico às reservas” (G. RIPERT, ob. citada, nº 1.402, pág. 526).

Por fazerem as reservas parte integrante do patrimônio social, adverte SUSSINI, a sua distribuição deve obedecer às regras da repartição do ativo social e não às regras disciplinadoras da divisão dos lucros de exercício, salvo disposição estatutária em contrário (M. SUSSINI, “Los dividendos de las sociedades anónimas”, Buenos Aires, 1951, págs. 120-121).

Se a distribuição das reservas pròpriamente ditas se inspira nos preceitos da divisão do ativo social, poder-se-ia afirmar que os portadores de ações preferenciais têm direito a elas e, conseqüentemente, por ocasião do aumento de capital devem ser aquinhoados com novas ações na proporção das que anteriormente possuíam.

É de observar-se que a regra acima pode representar para as ações preferenciais um benefício que seus titulares nem sempre esperam… Efetivamente. Se a preferência consistir na percepção de um dividendo fixo sôbre o seu valor nominal e os estatutos prefixarem, em importância certa, o valor de resgate das ações preferenciais, é muito provável que os acionistas privilegiados jamais participariam das reservas, não fôsse a circunstância inesperada do aumento de capital… O problema, ainda que menos agudo, pode surgir também com relação aos portadores de partes beneficiárias. Embora não sendo acionistas na compreensão técnica do têrmo, têm êles direito incontestável a não verem reduzidos os seus quinhões nos lucros sociais (G. RIPERT, ob. cit., nº 1.399, pág. 525; JEAN RAULT, “Traité Théorique et Pratique des Parts de Fondateur”, 1930, pág. 81).

23. Ao lado das reservas pròpriamente ditas, encontramos em quase tôdas as sociedades a conta, de lucros acumulados ou lucros em suspenso. A presença dessa conta nos balanços sociais não suscita maiores indagações quando tôdas as ações são da mesma classe, a dizer, ordinárias. A igualdade dos direitos societários corporificada nas ações liga a sorte de umas à sorte das outras. Quid se a sociedade possuir ações preferenciais? Aqui nos vemos, outra vez, a braços com a mesma dificuldade. A lei não desceu a pormenores, não distinguiu entre as diversas modalidades de ações preferenciais já apontadas. Seria justo, eqüitativo, colocá-las em planos rigorosamente uniformes? Parece-nos que não.

Entendemos que, salvo disposição estatutária ou deliberação expressa da assembléia geral em contrário – os “lucros em suspenso” não se confundem com as reservas pròpriamente ditas.

24. “A reserva”, diz TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE, “formada que é de, parte dos lucros líquidos, que de ano a ano se acumulam até o limite fixado na lei ou nos estatutos, constitui sempre um aumento de patrimônio. As reservas diferem, assim, das amortizações… Também aos fundos ou contas de reserva não devem ser equiparados os fundos de previsão, destinados a amparar situações indecisas ou pendentes, que passam de um exercício para outro. Os fundos de reserva têm um caráter permanente; os fundos de previsão, um caráter temporário… Tampouco são reservas os restos dos lucros não distribuídos e que continuam em conta especial, geralmente sob os títulos – lucros suspensos – ou – lucros acumulados – à disposição da assembléia geral” (ob. cit., ns. 674 e 676, págs. 89-91). “O caráter provisório dêsse fundo é que o diferencia dos fundos de reserva pròpriamente ditos. Os lucros acumulados ou suspensos não se transformam em capital produtivo de renda. Continuam a ser lucros ano empregados” (ob. cit., n° 684, pág. 98).

“Contabilìsticamente costuma-se distinguir”, ensina, TULLIO ASCARELLI, reservas e lucros em suspenso. Econômica e jurìdicamente, os lucros em suspenso desempenham uma função análoga à das reservas criadas pela própria assembléia, embora (diversamente das reservas) se trate de uma conta de caráter transitório; diversamente das reservas assembleiais, portanto, para que os lucros fiquem em suspenso, será necessária, em cada exercício, uma deliberação, em boca implícita, da assembléia; anàlogamente às reservas, trata-se, entretanto, de fundos que aumentam o patrimônio líquido da sociedade” (“Problemas das Sociedades Anônimas”, 1945, pág. 448, fine).

Como ASCARELLI também CARVALHO DE MENDONÇA (“Pareceres”, volume II, pág. 258) acentua a analogia entre os “lucros acumulados e as reservas, no sentido de que aquêles aumentam o patrimônio líquido da sociedade”.

25. Na legislação estrangeira, notadamente na França, onde o decreto de 5 de fevereiro de 1946 considera reservas “tous les bénéfices conservés à la disposition de l’entreprise et ne faisant pas partie du capital”, testemunhamos o esfôrço da doutrina para dispensar aos “lucros em suspenso” tratamento especial, diferente do aplicável às reservas pròpriamente ditas (ESCARRA, “Manuel”, 1947, nº 848, pág. 481, nota 1).

“El fondo… sobrante de ejercicio… no es ni capital ni rédito. Son sumas cuja imputación ha sido aplazada provisoriamente y cuya verdadera naturaleza resultará, en todo caso, del destino que quiera darle la asamblea” (SUSSINI, ob. cit., página 122).

26. Verifica-se, da transcrição dos pareceres acima mencionados, que os “lucros em suspenso” participam da natureza das reservas, mas não se confundem com as reservas pròpriamente ditas. Fortes razões de direito e de eqüidade assim o exigem. Ilustremos a aplicação do princípio com um caso concreto. O capital social é dividido em ações ordinárias e preferenciais. Metade a metade. Os estatutos reconhecem às ações preferenciais, prioridade na distribuição de um dividendo fixo de 10% sôbre o seu valor nominal sem qualquer outro direito de participar nos lucros do exercício. Pago o dividendo de 10%, estão satisfeitos os acionistas privilegiados. Podem os acionistas ordinários distribuir entre si a totalidade do remanescente, na forma dos estatutos. Decidem, todavia, receber parte agora, deixando a outra parte acumulada na conta “lucros em suspenso” para distribuição daí a crases. Dir-se-á, porventura, que os lucros em suspenso, assim temporária e transitòriamente indistribuídos, passam a integrar o ativo social, de tal sorte que os próprios acionistas privilegiados devam participar de sua distribuição? Cremos que essa conclusão não se justifica no exemplo figurado. Se os estatutos reservaram aos titulares de ações preferenciais apenas uma participação fixa anual; se esta participação foi assegurada; se os acionistas ordinários poderiam ter distribuído entre si a totalidade do remanescente, parece-nos óbvio que o fato de terem optado por conservar temporàriamente nos cofres da sociedade, a título de “lucros em suspenso”, parte dêsses lucros, não justifica a modificação do destino natural do dividendo. Caso contrário, estaríamos ampliando a preferência, interpretando extensivamente o privilégio que os acionistas quiseram restrito, perturbando o próprio equilíbrio econômico da emprêsa. No dia em que os “lucros em suspenso” (na hipótese imaginada, frisamos), pertencentes aos acionistas ordinários, se transfigurassem, automàticamente, em lucros de acionistas com prioridade restrita a um dividendo fixo, estaríamos encorajando o rápido depauperamento das sociedades. Deixariam as assembléias, constituídas de acionistas ordinários, de criar reservas e fundos de provisão, e, principalmente, de recorrer ao salutar “auto-financiamento” propiciado pela retenção parcial, moderada e transitória de lucros em suspenso.

Cremos, em síntese, que as ações preferenciais de participação restrita, salvo disposição estatutária expressa, não têm direito adquirido à distribuição dos chamados “lucros em suspenso”. Somos, assim, de opinião que tais acionistas não podem, por conseguinte, nos aumentos de capital em que se utilizarem “lucros em suspenso” (assimiláveis, para exemplificação, com os créditos em conta-corrente), concorrer com os acionistas ordinários ou mesmo com os preferenciais de participação ampla no desdobramento das correspondentes ações.

27. Cumpre apenas à doutrina, à jurisprudência e à legislação, quiçá, estabelecer os justos temperamentos à teoria do direito absoluto de preferência na subscrição dos aumentos de capital. Vemos na França a possibilidade de a assembléia geral suspender, no todo ou em parte, o exercício dêsse direito quando o interêsse social o exigir. Na Itália, além de idêntico poder reconhecido às assembléias, a lei expressamente restringiu o direito de preferência à subscrição de ações ordinárias, sustentando BRUNETTI que aos portadores de ações preferenciais não assiste sequer o direito de reclamar prioridade na subscrição das novas ações ordinárias (ob. cit., nº 774, pág. 519). No Brasil, pode desde já o direito de preferência sofrer limitações; em primeiro lugar, porque a lei não disciplinou a questão das sobras, ou das ações não subscritas; em segundo lugar, porque, sendo a ação indivisível em relação à sociedade, é provável que os antigos acionistas, contemplados, no aumento, com frações de ações, não cheguem a concretizar o seu direito de preferência, e, finalmente, em terceiro lugar, porque se sustenta geralmente que o direito de preferência é limitado, apenas, aos aumentos em que houver subscrição em dinheiro.

 Ação anulatória

Considerando a natureza plástica das instituições mercantis, sempre renováveis e renovadas ao influxo das exigências da vida moderna, entendemos que os problemas suscitados pelos aumentos de capital, em confronto com o direito de preferência assegurado aos portadores de ações preferenciais, devem ser resolvidos tanto quanto possível à luz dos casos concretos, evitando-se o perigo de generalizações opressivas. Há situações em que o aparente sacrifício do direito de preferência reconhecido, em tese, aos acionistas privilegiados, não lhes causa nenhum prejuízo em relação às normas estatutárias aceitas por todos os acionistas.

Daí, sem dúvida, o fato de a Junta Comercial do Estado ter aceito em alguns casos, e recusado em outros (segundo estamos informados), o arquivamento de atas de assembléias gerais em que a utilização de lucros em suspenso, ou outros fundos disponíveis para efeitos de aumento de capital, só beneficiou aos acionistas ordinários.

Não faz o arquivamento na Junta Comercial coisa julgada. Poderiam os acionistas preferenciais recorrer às vias judiciárias para pleitear a anulação da deliberação coletiva. Dada a tendência da processualística moderna de não decretar a nulidade dos atos jurídicos complexos quando, pela composição de perdas e danos, fôr possível reparar satisfatoriamente o dano causado ao autor, é de esperar-se que em certos casos extremos, previstos linhas atrás, o aumento de capital subsistirá e o acionista-litigante receberá ùnicamente simbólica satisfação moral…

Pondo remate ao presente trabalho, queremos ressaltar o espírito em que o preparamos. Não pretendemos encontrar soluções definitivas para as múltiplas questões que podem surgir nos aumentos de capital em que haja interêsse de acionistas privilegiados a ponderar. Desejamos, tão-somente, encarar o problema em conjunto, dentro do sistema geral do anonimato, libertando-o de soluções parciais, unilaterais, fundadas na interpretação isolada de preceitos de lei.

Oxalá a pressão dos novos aumentos de capital, com a sua inseparável coorte de conflitos e entre-choques de interêsses, produza o sadio resultado de desenvolver e aperfeiçoar a nossa incipiente casuística neste ramo do direito comercial.

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