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ADMINISTRATIVO

CLÁSSICOS FORENSE

REVISTA FORENSE

Ato administrativo – Autorização ou licença – Revogação

AUTORIZAÇÃO

LICENÇA

REVISTA FORENSE

REVISTA FORENSE 152

Revista Forense

Revista Forense

09/08/2022

REVISTA FORENSE – VOLUME 152
MARÇO-ABRIL DE 1954
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICARevista Forense 152

DOUTRINA

PARECERES

NOTAS E COMENTÁRIOS

  • A prescritibilidade da ação investigatória de filiação natural – Alcides de Mendonça Lima
  • Inviolabilidade do lar – Sanelva de Rohan
  • Os aumentos de capital e o direito dos portadores de ações preferenciais – Egberto Lacerda Teixeira
  • As sociedade de economia mista e as emprêsas públicas no direito comparado – Arnold Wald
  • Locação total e locação parcial – Eduardo Correia
  • Conceituação do arrebatamento como crime contra o patrimônio – Valdir de Abreu
  • Os quadros de carreira e a equiparação salarial – Mozart Vítor Russomano
  • A situação dos parlamentares que se afastam de seus partidos – Nestor Massena

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

LEGISLAÇÃO

Sobre o autor

J. Guimarães Menegale, advogado no Distrito Federal.

PARECERES

Ato administrativo – Autorização ou licença – Revogação

– A autorização não atribui direito novo, mas subentende direito preexistente, a cujo exercício, apenas, o beneficiado, por intermédio dela, se habilita.

– A revogação da autorização deve ser motivada e ao juiz se permite apreciar os motivos que a determinaram.

CONSULTA

Antonini S.A. pediu autorização à Carteira de Exportação e Importação do Banco do Brasil, a fim de exportar para a Itália manteiga de cacau, no valor de US$ 550,000.00, vinculada à importação de gêneros alimentícios, até o mesmo valor.

A CEXIM concedeu a autorização, a tornar-se efetiva mediante duas condições, satisfeitas pela firma, que abriu o necessário crédito irrevogável e apresentou, no prazo determinado, os pedidos relativos ao ajuste.

Como a CEXIM procrastinasse quase um ano a expedição das licenças, a que se obrigara, a firma propôs-lhe pequenas alterações nas quantidades e, na espécie dos produtos antes autorizados, quanto à importação; bem assim, modificação nas quantidades a exportar, em vista das alterações na cotação do primeiro produto a ser exportado, como conseqüência do atraso verificado por culpa da CEXIM. Em face do silêncio desta, apesar de reiterados pedidos, a firma consulente, que agira com fundamento no próprio aviso nº 218, em que se possibilitava à CEXIM “alterar as condições originais estabelecidas, desde que devidamente justificadas”, insistiu no pedido anterior, no sentido simplesmente de lhe serem expedidas as licenças.

Como resposta, declarou-lhe, enfim, aquêle órgão que não podia atender por se tratar de “operações encerradas”.

Consulta-se:

1. A autorização concedida importa obrigação para a CEXIM de expedir a licença, desde que se verifique o implemento das condições impostas à requerente?

2. Podia a CEXIM “encerrar a operação”, para tornar sem efeito a autorização concedida?

3. O fato de haver procrastinado a expedição da licença não acarreta responsabilidade à CEXIM, por não se ter efetivado a operação?

4. A autorização constitui ato arbitrário ou discricionário, desfazível ad libitum da CEXIM, ou, pelo contrário, representa ato vinculado, obrigatório para o órgão que a concedeu, desde que nenhum fato novo justifique a revogação, de acôrdo com a lei?

5. Essa autorização não constituiu, para a firma requerente, um direito subjetivo, oponível à CEXIM, e sua lesão não enseja mandado de segurança?

PARECER

1. No dissídio em que se desavêm Antonini S.A. e a Carteira de Importação e Exportação, o ponto nodal, a desfazer-se, é o da adequação do instituto da autorização administrativa, sua índole, seu alcance, seus efeitos.

2. Tornou-se pacífico entre os administrativistas que a autorização equivale à remoção de óbice jurídico e à restauração da liberdade material do indivíduo, cujo exercício, em cada caso, a norma legal, adstrinja. Consignemos, de passo, que autorização e licença exprimem variação terminológica, pois substancialmente se equivalem.

Considerada, nestes têrmos, como “a condição de conformidade, ao direito de cada um, dos atos de exercício de uma faculdade que já pertencia ao indivíduo”, figurou-se, para lhe caracterizar os efeitos, que “o indivíduo pode fazer, após a autorização, aquilo que antes dela o direito não lhe permitia fazer”. A nosso parecer, essa formulação empírica da eficácia de autorização só é aceitável coma notação do fenômeno, sem, todavia, subentender que o ato da autoridade origine direito até então, portanto, inexistente.

Autorização X direito

3. Pelo contrário, não pode ocorrer autorização se não a precede a existência do direito, cuja prática o ato da autoridade vem a desimpedir. Importa, a êste propósito, frisar que a autorização, em vez de fundar direito, só o que faz, em verdade, é desembaraçar-lhe o exercício, peado, caso por caso, em razão de interêsse de ordem geral. Mais consentâneo, pois, será afirmar que o indivíduo só pode fazer após a autorização aquilo que antes dêle o direito já lhe permitia fazer.

Não custa exemplificar. “A publicação de livros e periódicos – preceitua a Constituição, art. 141, § 5° – não dependerá de licença do poder público”. Prescreve o § 14: “É livre o exercício de qualquer profissão, observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer”. Não há discernir quanto à virtualidade de um e outro direito; potencialmente, igualam-se em cada indivíduo, que os detém desde que nasce, só pelo fato de se achar sujeito à Constituição.

No tocante, porém, ao direito de profissão, à sua efetividade se opõe limite, a saber, a observância das condições de capacidade estabelecidas em lei. Subordinado o exercício da profissão ao preenchimento delas, a autoridade expedirá autorização ou licença, com o efeito de lhe afastar o obstáculo, realmente provisório ou condicional.

4. Porque não se obtempere tratar-se de concepção cerebrina ou supositícia, invocaremos RANELLETTI, “Le Guarentigie della Giustizia nella Pubblica Amministrazione”, 4ª ed., pág. 118:

“L’autorizzazione conferisce al titolare di un diritto la facoltà dell’esercizio del medesimo”.

“A autorização confere ao titular de um poder ou de um direito o exercício dêle”.

CINO VITTA, “Diritto Amministrativo”, 3ª ed., I, nº 78, explica:

“Nel caso di autorizzazione il diritto subbiettivo preesiste e normalmente si svolge in tutte le direzioni lecite e possibile, tranne in quelle per le qualle le norme hanno voluto il previo assenso della p. a.”.

“No caso da autorização, o direito subjetivo preexiste e normalmente se desenvolve em tôdas as direções lícitas e possíveis, exceto naquelas para as quais as normas exigem o prévio assentimento da administração pública”.

SANTI ROMANO, “Corso di Diritto Amministrativo”, 3ª ed., I, pág. 240, corrobora:

“L’amministrazione autorizzante dà facoltà al soggetto autorizzato di esercitare un proprio potere o diritto, che preesiste all’autorizzazione”.

“A administração que autoriza confere ao autorizado a faculdade de exercer um poder ou direito que lhe é próprio, preexistente à autorização”.

D’ALESSIO, “Istituzioni di Diritto Amministrativo Italiano”, ed. 1934, I, nº 437, confirma:

“Nella autorizzazione, in somma, non si trasferisce al subbietto estraneo alcun diritto che esso non avesse; non si stabilisce alcun rapporto di sucessione fra il medesimo e la pubblica amministrazione: solo gli si permette l’esercizio di un diritto che già ad esso apparteneva”.

“Com a autorização, em suma, não se transfere ao sujeito estranho direito algum que êle ainda não detivesse; não se estabelece nenhuma relação de sucessão entre êle e a administração pública: apenas se lhe permite o exercício de um direito que já lhe pertencia”.

ZANOBINI, por sua vez, “Corso di Diritto Amministrativo”, 4ª ed., I, pág. 241, sustenta, quanto às autorizações:

“Anch’esse aumentano le facoltà dei soggetti a cui sono dirette: pero, a differenza delle concessioni, non determinano in essi il sorgere di un diritto nuovo, ma solo rendono possibile l’esercizio di un diritto o di un potere che già loro appartiene”.

“Também essas acrescem as faculdades dos indivíduos a que se endereçam; ao revés, porém, das concessões, não determinam nêles o nascimento de um direito novo, mas apenas tornam possível o exercício de um direito ou de um poder que já era dêles”.

LENTINI, “Istituzione di Diritto Amministrativo”, ed. 1939, I, pág. 189, repete SANTI ROMANO:

“Le autorizzazioni sono atti amministrativi unilaterali. A differenza delle concessioni, non creano un nuovo diritto, ma rendono soltanto possibile d’esercizio di un diritto o di un potere già esistente”.

“As autorizações são atos administrativos unilaterais. Ao contrário das concessões, não criam novo direito, senão ùnicamente tornam possível o exercício de direito ou poder já existente”.

5. Prefigura-se, por conseguinte, em qualquer exemplo como os que indicamos, o direito do indivíduo que a autorização bafeja, e tanto que, observadas as condições da lei, à autoridade impenderá, sem alternativa, emiti-Ia.

A obrigação preliminar da autoridade – na hipótese, a CEXIM – consistia, logo, em deferir a licença pleiteada, desde que Antonini S.A., para obtê-la, atendeu às exigências legais. Efetivado, por êsse modo, o direito que em potencial já lhe assistia, tornou-se exigível o ato de autorização, de que o pleiteante se fêz credor.

6. De feito, êsse não se insere na categoria dos atos discricionários; aliás, contradiria a natureza da autorização, quando supõe a ocorrência prévia do direito, cujo exercitamento não faz senão desembaraçar. Se a autorização, como neste caso, tam por efeito, verificados certos pressupostos da lei, liberar o gôzo do direito originário, claro está que se subtrai ao arbítrio da administração desaçaimá-lo ou coarctá-lo, quando o interessado se habilitou ao uso dêle, pois que é defeso à autoridade negar-lhe o direito, senão só inibir-lhe o uso, entre certos limites legais ou regulamentares.

Sempre fiel à teoria de SANTI ROMANO, observa a êsse respeito LENTINI, loc. cit., não dever-se depreender do fato de que a autoridade, por meio da autorização, remove de caso em caso as esclusas legais ao exercício do direito, que êsse ato da administração tenha caráter “absolutamente discricionário”, porque – acrescenta – “casos existem em que, sobrevindo determinadas condições previstas pela lei, a autorização deve ser concedida”.

Discricionários, em verdade, são só os atos administrativos em cuja execução a autoridade dispõe de certo poder de determinação, na medida em que o ordenamento legal lhe confia mais ou menos intensa possibilidade de escolha quanto à ação, escolha que pode acudir, de vez em vez, à possibilidade de agir, ao modo, ao momento da ação… Ainda aí – opina SANDULLI, “Diritto Amministrativo”, ed. 1952, pág. 194 – uma vez que permanece, de qualquer forma, condicionada à necessidade de realizar o interêsse público genérico e específico, a ação administrativa recebe, em tais hipóteses, o qualificativo de discricionária, mas não livre.

Discricionariedade

7. Para adentrar a significação da discricionariedade, basta retomar a noção de que o ato discretivo não comporta a investigação de legitimidade, por só admissível a do mérito. Da primeira se exclui qualquer aspecto da atividade administrativa sem que se relegue ao agente uma possibilidade de apreciação isenta de normas jurídicas. Apropria-se, por outra parte, à esfera da legitimidade, ou seja, à conformidade com as normas jurídicas, o exame daqueles atos ou medidas com que a autoridade reconhece o concurso das condições necessárias, de acôrdo com as leis e regulamentos, a que a administração adote, em determinado caso, os meios de ação, inclusive as medidas ou atos destinados, simplesmente, a fundamentar em condições de ordem técnica a ação administrativa. Ilegítimo, v. g., será o ato proibitivo de funcionamento de um teatro por defeito de construção, se esta condição não ficar provada.

8. Com esta alusão aos caracteres do ato discricionário, ou de pura administração, faz-amos concessão a uma teoria, que parece fadada a transmudar-se inteiramente, senão a eclipsar-se. Tal é a advertência, entre outros, de ALIBERT, “Le Contrôle Jurisdictionnel de l’Administration”, ed. 1928, pág. 84.

Qualquer que seja a natureza do ato administrativo., mesmo que sua validade não w condicione a uma regra formal, dois motivos, pelo menos, podem justificar-lhe a revisão judicial e, por conseqüência, a anulação: a distorção de poder e o êrro de direito. Certo, mantém-se, ainda, fora da apreciação do juiz a oportunidade dos atos, a que habitualmente se empresta a denominação de discricionários. Tal proibição, não obstante, é extensiva a todos os atos administrativos e não abona, por conseguinte, a exceção que se pretendeu abrir para aquêles. Com essa ressalva, todos os atos de administração são suscetíveis de vícios que os nulifiquem e sujeitos, de tal sorte, à análise do Poder Judiciário. Conquanto oportunos a critério da autoridade, podem os atos conduzir à ilegalidade nos motivos em que a administração se inspirou; sob êste prisma, a intromissão do Poder Judiciário só se esgotará na verificação dos motivos determinantes do ato, a ver se são ou não são legítimos. A idéia geral da teoria dos motivos determinantes; como a sumaria JÉZE, “Principios Generales del Derecho Administrativo”, ed. 1949, IV, pág. 148, é, em direito privado e em direito público, a de que os motivos podem influir sôbre o valor jurídico de uma manifestação unilateral de vontade ou de um acôrdo bilateral de vontades, se foram determinantes da vontade de realizar um ato jurídico. Se o motivo determinante não existe de fato, se é ilícito ou imoral, a manifestação unilateral de vontade ou o acôrdo bilateral de vontades são irregulares.

Bem precária, pois, é a discricionariedade dos atos de pura administração, só encontradiça, deveras, no elemento de oportunidade, nem êste, contudo, isento de investigação judicial no respeitante aos motivos que o explicam.

8. O poder discricionário obedece a um critério que não é de mero arbítrio, e BONNARD, “Droit Administratif”, edição 1945, pág. 87, firma-o objetivamente.

Sabido que o poder discretivo é um poder de livre apreciação deixado pela lei ou pelo regulamento à administração, “quanto ao objeto de suas decisões”, cumpre – para verificar quanto e em que extensão opera êsse poder – estabelecer como se reconhece que a lei ou o regulamento o ensejaram à administração ou quando entenderam de retirar-lho. Ora, deve-se concluir que a existência de uma, obrigação jurídica da administração e a de uma competência vinculada se reconhecem pelo fato de que a lei ou o regulamento fixaram os motivos do ato administrativo que se tem em vista. Mas essa teoria do enunciado legal, a que se reduz a de BONNARD, sem embargo de sua utilidade, tanto mais quanto coincide com a dos motivos determinantes, não elimina o antigo princípio, reinsuflado hoje pela jurisprudência do Conselho de Estado, de que o poder discricionário da administração se impõe naqueles casos em que o particular “não tenha nenhum direito a alegar”.

Não é a hipótese da autorização, à qual se inere o direito originário, oponível, sempre, quando, por amor de exercitá-lo, seu titular potencial correspondeu às suposições da lei. Ora, a licença prévia não constitui ato discricionário, a deferir-se tão apenas sob o critério da oportunidade, porque, ao contrário, bitola-o a norma legal: os motivos de sua concessão não dependem do alvedrio do administrador, antes a lei antecipadamente os fixou. Cuida-se, enfim, de ato vinculado. Na faixa de arbítrio, bem angusta, que resta à autoridade, os motivos legais balizam-lhe a discrição, e a denegação da licença prévia fundada em motivo inexistente, ilegal ou imoral, acarreta-lhe nulidade, porquanto ao juiz é dado esquadrinhar nos motivos o defeito da inexistência, ilegalidade ou imoralidade.

O uso do poder discricionário, de mais em mais restrito à seleção dos meios de agir, não deve importar estímulo ou incremento ao arbítrio da administração, já de si inclinada, por compreensível dinamismo, ao abuso e ao excesso, não deve ignorar a preponderância dos direitos individuais, sobretudo a liberdade e a propriedade, e não deve desarmar o Poder Judiciário, nem entibiar os juízes ou os tribunais, em país como o nosso, em que a instituição do direito – postulado pela formação ou pelo instinto dos administrados, ratinhado pela imaturidade jurídica da administração – assume significado polêmico, de que a justiça togada tem de ser o fator de retificação, equilíbrio e evolução.

Pedido de autorização ou licença

9. Concedamos (só para raciocinar que de outra forma não se pode conceder), aquiesçamos em que, ao considerar-se o pedido de autorização ou licença, interfira êsse poder de disposição reservado à autoridade administrativa, mediante o qual se lhe outorga o arbítrio de deferi-la ou denegá-la, em atenção ao interêsse público; ainda aí fôra despropósito julgá-lo fôrro de todo aos liames legais, a tal extremo que, empregado, hoje, em sentido afirmativo, nada lhe obsta cambiar, amanhã, em sentido negativo, com referência à mesma hipótese, aos mesmos sujeitos, ao mesmo objeto de sua decisão.

Não: o ato consumado, em harmonia com a lei, pela autoridade, obriga a administração, independente da natureza do provimento, se discricionário, se vinculado, desde que produza, em relação ao indivíduo, direito subjetivo ou interêsse legítimo. Na elaboração do ato caberá ao interêsse público ingerir sob a forma de livre opção da autoridade; acabado que seja, mesmo que se trate de ato discricionário, vincula a administração quanto a seus efeitos individuais.

10. Essa é a distância a que nos impele o princípio geral de direito, dominante na teoria da revogabilidade, a saber, o princípio da intangibilidade dos efeitos individuais dos atos administrativos.

Não se pode suprimir o ato administrativo quando gerou direitos para o indivíduo a que visa. Ora, todos os atos administrativos individuais engendram situações jurídicas e são, portanto, criadores de direitos. Só não os criam, só não se qualificam de criadores de direito – relembra LAUBADÈRE, “Droit Administratif”, ed. 1953, pág. 185 – os atos graciosos e os provisórios. Convém, por evitar equívocos, esclarecer que são provisórios os atos cujos efeitos se subordinam ao cumprimento de outros atos posteriores, oriundos da mesma autoridade, o que não se confunde, está visto, com a autorização: já expedida, a executar-se depois que o indivíduo autorizado atender a certos requisitos, só exigíveis depois que se expediu a autorização.

Por certo, a situação decorrente de ato regular não se torna “definitivamente imutável”, mas, para aboli-la, mister será novo ato administrativo, da mesma categoria, necessàriamente praticado com obediência a todos os processos e formas que a lei impuser. Ou seja: o autor do ato com efeitos individuais não dispõe de poder discricionário para voltar atrás da decisão que adotou. Simplesmente, poderá dispor – se fôr o caso – de competência regulamentar para tomar decisão contrária à primeira. Quer dizer: se a lei consagra ao administrador, que praticou o ato supresso, competência para praticar o “ato contrário”, a própria fonte da competência tinge-a do colorido de competência vinculada, sujeita à revisão do juiz, e jamais discricionária.

A jurisprudência do Conselho de Estado, constante a êsse propósito, incluí o ato de supressão, nas condições previstas em lei, de um visto de censura “tornado contrário ao interêsse nacional” (5 de dezembro de 1947); reviu-se a decisão que revogara decreto de naturalização nas condições do art. 111 do Cód. de Naturalização (23 de dezembro de 1950). Em conclusão: a revogação dos atos administrativos de efeitos individuais tem de ser motivada, e isto a fim de que o juiz lhe investigue os motivos determinantes para a aprovar, ou desaprovar.

Limite da autorização

11. A verdade é que a autorização não encerra, apenas, eficácia declaratória de certas condições ou circunstâncias, favoráveis à pretensão do administrado: seus efeitos são constitutivos, vale dizer, o ato estabelece, a benefício de quem o requer, uma situação jurídica individual, insuprimível ad arbitrio da administração.

Ora, conforme testemunha RESTA, “Lá Revoca degli Atti Amministrativi”, ed. 1939, pág. 124, vale como dogma que, se o ato discricionário criou direitos ao destinatário (direitos subjetivos perfeitos), em irrevogável se converte. Nem mesmo, portanto, a qualificação de discricionário imposta a um ato como a licença de importação, pronta a formalizar-se pela consumação de seus atos preparatórios, nem mesmo êsse qualificativo a um ato, em cuja elaboração a autoridade administrativa não estava livre de optar por outros meios de agir que não os previstos na lei, nem mesmo aí se poderá asseverar que restava ao agente da administração a faculdade de revogar a ordem já emanada.

Que um ato discricionário – é oportuno prevenir – seja apto a originar direitos subjetivos perfeitos para o destinatário, não há duvidar. Essa possibilidade não é absoluta e fatal; mas ocorre. Enumeram-se entre os atos discricionários irrevogáveis os de conteúdo vinculado à norma legal, a saber, aquêles – a exemplo da licença de importação – com respeito aos quais o interêsse público só se considere no momento de sua expedição e não mais se aprecie nos momentos conseqüentes, quando o conteúdo se desenvolverá, por fôrça, ao sabor da regra que a norma vinculativa contiver.

A irrevogabilidade concernente a essa hipótese, observa RESTA, ob. cit., pág. 126, não se deve diretamente à existência do direito inerente ao ato, senão à impossibilidade de reação ulterior do interêsse público, só apreciável onde e até onde opere o poder desvinculado.

13. Não será de mais avigorar essa tese, vitoriosa entre os publicistas e na jurisprudência dos tribunais europeus, com a condensação de seus princípios por ALIBERT, ob. cit., págs. 319 usque 328.

A jurisprudência perfilhou, para a revogação dos atos individuais, solução inversa à que prevalece para a das regulamentações. Uma decisão de alcance individual regularmente proferida dá origem a uma situação jurídica, produtiva de efeitos em conformidade com o direito em vigor: essa situação produz direitos e não pode desaparecer senão por via de processo apropriado; a revogação dela, pura e simples, equivaleria, por conseguinte, a excesso de poder.

Entre as quatro hipóteses a encarar, com relação a êsse princípio, conta-se a da revogação dos atos que conferem aos indivíduos certas faculdades ou certas autorizações, Uma vez concedida a autorização ou licença de agir, o interessado tem direito adquirido a mantê-la. Reconheceu a autoridade que o interêsse a seu cargo não mais opõe barreira ao exercício de determinada faculdade, que se torna livre nas condições da autorização, e a revogação do ato que lhe restituiu essa liberdade sa inquinaria, via geral, de excesso de poder.

Se êsse princípio não acarreta a imutabilidade do ato da autorização ou a perpetuidade do direito adquirido, significa, todavia, que não se poderá revogar o ato a não ser por motivos conformes ao direito, isto é, por motivos que, do ponto de vista jurídico, exalçam o retrocesso acima do direito de mantê-lo. Compete, em todo caso, ao juiz do excesso de poder, aquilatar a legalidade dos motivos invocados em apoio à revogação, e pesquisar, por conseqüência, se, nesse interregno, se rompeu, a favor do interêsse público, o equilíbrio jurídico.

14. Patentemente, configura-se a hipótese de que nos informa a consulta com os traços doutrinários da autorização, como os delineamos.

A lei da licença prévia rege o sistema de importação e exportação de produtos agrícolas, comerciais e industriais; como é óbvio, têm de pautar-se nela os atos, portarias, ordens ou resoluções do órgão que a executa, a Carteira de Exportação e Importação. Satisfeitos os requisitos que a lei antecipou para a obtenção da licença, fica a êsse órgão ùnicamente a possibilidade de expedi-Ia, sob pena de incorrer na pecha de insuportável arbítrio, com violação da regra legal. Concedida, e a menos que hajam variado as condições objetivas e subjetivas, sem as quais a licença não se expediria, não assiste a êsse órgão a liberdade de se retratar.

A fim de que o adquirente da licença, titular, a essa altura, de direito subjetivo perfeito, não se exponha às conseqüências de um excesso de poder, impõe-se à CEXIM, em caso de retirada da autorização, enunciar no despacho os motivos por que o faz, ainda que a lei não a obrigue expressamente a isso. Dispositivo em têrmos tais é desnecessário, porquanto a autoridade, na espécie, não atribui um direito ao requerente, mas simplesmente confere a pretensão dêle com as prenotações da lei e, se o requerente atende a essas, torna-se efetivo para êle o direito que na lei está incluso, à sua disposição. Logo, se algum motivo sobrevém, capaz de modificar essa coincidência do pretendido pelo requerente com os requisitos legais, se, após a autorização, o requerente deu causa a essa modificação, contravindo a um dos requisitos legais, a que já atendera, então, sim, corresponderá à CEXIM cancelar a autorização, expressamente fundada no incorrimento do interessado em qualquer de semelhantes motivos.

Ora, a CEXIM, com reconhecer a existência de motivos objetivos que justificavam a expedição da licença, concedeu-a, exigindo para formalizá-la a demonstração de certos motivos subjetivos. Dêsses deu conta o interessado: apresentou pedidos de exportação e abriu o crédito irrevogável, necessário à sua cobertura. Assim, a autorização, já concedida, e insuscetível de se revogar, obriga a administração, de que, nesse particular, o requerente passou a credor.

15. É fora de dúvida que Antonini S.A. tem acesso ao pretório judicial, por via de mandado de segurança, para curar-se da lesão que a seu direito líquido e certo infligiu o ato da Carteira de Exportação e Importação, ao desefetivar a licença regularmente deferida antes, em consonância com a norma legal.

Surpreendidos com a projeção do mandado assecuratório, insculpido já na Constituição de 1946 como instrumento de reação a que se infundiram, para defesa de direitos individuais, rapidez e flexibilidade comparáveis, pelo menos, às da ação ilegal com que a autoridade os atinge, os cesaristas de todos os naipes, os pretorianos de ofício ou de adesão, no seio da administração e da justiça, mostram-se arrepiados com a multiplicidade dos apelos a essa medida de proteção aos direitos individuais, só explicável, no entanto, pela repetição, cada dia mais amiudada, dos abusos de poder. Se cotejarmos, todavia, as garantias aos direitos civis com as outorgadas aos direitos individuais mais direta e estreitamente vinculados à norma constitucional, coligiremos que o desrespeito à Lei das Leis, por obra do Poder Executivo, é aquêle que, judicialmente, com maior dificuldade se reprime.

A versão, que se vai tornando perigosa, à potência do mandado de segurança como meio de contrastar e repelir a infração da norma legal ou constitucional e preservar de seus malignos efeitos o titular do direito subjetivo público ou privado, não traduz mais que êsse refluxo da animosidade das administrações, sobretudo no exercício do poder de polícia ou do poder fiscal, quando contidas por novas conquistas do direito liberal, no sentido de instituição de novas garantias aos direitos individuais. Daí que o mandado de segurança manifeste, na consciência dos cidadãos, mais esclarecida a robusta noção de seus direitos e franquias, ou (se a administração não quiser admitir êsse progresso) maior reiteração dos agentes do poder na prática de atos ilegais ou abusivos. Em resultado, atribui-se a êsse instituto constitucional a relevância de fator de correção da atividade administrativa, na medida em que esta repercute a violência das autoridades sôbre direitos e interêsses dos administrados.

Basta, para justificar-lhe o deferimento, que o direito violentado ou ameaçado se revele com as características de liquidez e certeza. Aí, à premência da ação lesiva tem de corresponder a urgência da preservação, tal, a propósito do direito de ir e vir, a concessão do habeas corpus. Não se há de exigir do magistrado, para identificar o direito, diagnosticar a lesão e dispensar o writ protetor, que se enovele, da cabeça aos pés, como já se reclamou algures, nos intricados meandros das ciências econômicas e financeiras, cujos princípios elementares, pelo menos, apreendeu no curso jurídico. A questão aí, ainda quando os efeitos do mandado propendam a incidir nos planos econômicos ou financeiros do govêrno, é estritamente, é visceralmente, é medularmente jurídica, – legal ou constitucional. Com êsse objetivo, isto é, o de encouraçar os direitos individuais, é que a Constituição solidou essa garantia, sem que outro preceito, nela inserto, a corrija ou delimite, sequer preceito que autorize, na prática, êsse malôgro do instituto, consistente na suspensão da medida liminar por arbítrio de outro juiz, diverso daquele a quem se formulou o pedido de amparo.

No único âmbito de sua cognição, em quanto diz respeito à apreciação do ato administrativo, como inçado de ilegalidade ou abuso de poder, ao juiz incumbe, só e só, averiguar se o direito, de cuja lesão se queixa o impetrante, é líquido e certo, independente de qualquer contraste com circunstância de ordem econômica ou social, que lhe sejam alheias.

O ato da Carteira de Exportação e Importação ofendeu direito líquido e certo de Antonini S.A.; essa convicção não carreia a necessidade de provas, que, em tese, o processo comportaria; em conseqüência, aproveita a Antonini S.A. a garantia instituída no art. 141, § 24, da Constituição.

Conclusão

16. Em suma:

a) a autorização não atribui direito novo; mas subentende direito preexistente, a cujo exercício, apenas, o beneficiado, por intermédio dela, se habilita;

b) não se insere a autorização entre os atos discricionários, desde que, para emiti-la, tem a autoridade de cingir-se à lei;

c) pôsto que devêssemos considerá-la tal, sua revogação seria ato vinculado e torna-se impraticável, quando afete direito individual pela própria autorização constituído;

d) demais, a revogação tem de ser motivada e ao juiz se permite apreciar os motivos que a determinaram;

e) conseguintemente, a revogação da licença, principalmente imotivada, lesa direito subjetivo de quem a recebera;

f) franqueia-se, por conseqüência, ao lesado o apêlo ao mandado de segurança.

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  2. Os trabalhos podem ser submetidos em português, inglês, francês, italiano e espanhol;
  3. Devem apresentar o título, o resumo e as palavras-chave, obrigatoriamente em português (ou inglês, francês, italiano e espanhol) e inglês, com o objetivo de permitir a divulgação dos trabalhos em indexadores e base de dados estrangeiros;
  4. A folha de rosto do arquivo deve conter o título do trabalho (em português – ou inglês, francês, italiano e espanhol) e os dados do(s) autor(es): nome completo, formação acadêmica, vínculo institucional, telefone e endereço eletrônico;
  5. O(s) nome(s) do(s) autor(es) e sua qualificação devem estar no arquivo do texto, abaixo do título;
  6. As notas de rodapé devem ser colocadas no corpo do texto.

II) Normas Editoriais

Todas as colaborações devem ser enviadas, exclusivamente por meio eletrônico, para o endereço: revista.forense@grupogen.com.br

Os artigos devem ser inéditos (os artigos submetidos não podem ter sido publicados em nenhum outro lugar). Não devem ser submetidos, simultaneamente, a mais do que uma publicação.

Devem ser originais (qualquer trabalho ou palavras provenientes de outros autores ou fontes devem ter sido devidamente acreditados e referenciados).

Serão aceitos artigos em português, inglês, francês, italiano e espanhol.

Os textos serão avaliados previamente pela Comissão Editorial da Revista Forense, que verificará a compatibilidade do conteúdo com a proposta da publicação, bem como a adequação quanto às normas técnicas para a formatação do trabalho. Os artigos que não estiverem de acordo com o regulamento serão devolvidos, com possibilidade de reapresentação nas próximas edições.

Os artigos aprovados na primeira etapa serão apreciados pelos membros da Equipe Editorial da Revista Forense, com sistema de avaliação Double Blind Peer Review, preservando a identidade de autores e avaliadores e garantindo a impessoalidade e o rigor científico necessários para a avaliação de um artigo.

Os membros da Equipe Editorial opinarão pela aceitação, com ou sem ressalvas, ou rejeição do artigo e observarão os seguintes critérios:

  1. adequação à linha editorial;
  2. contribuição do trabalho para o conhecimento científico;
  3. qualidade da abordagem;
  4. qualidade do texto;
  5. qualidade da pesquisa;
  6. consistência dos resultados e conclusões apresentadas no artigo;
  7. caráter inovador do artigo científico apresentado.

Observações gerais:

  1. A Revista Forense se reserva o direito de efetuar, nos originais, alterações de ordem normativa, ortográfica e gramatical, com vistas a manter o padrão culto da língua, respeitando, porém, o estilo dos autores.
  2. Os autores assumem a responsabilidade das informações e dos dados apresentados nos manuscritos.
  3. As opiniões emitidas pelos autores dos artigos são de sua exclusiva responsabilidade.
  4. Uma vez aprovados os artigos, a Revista Forense fica autorizada a proceder à publicação. Para tanto, os autores cedem, a título gratuito e em caráter definitivo, os direitos autorais patrimoniais decorrentes da publicação.
  5. Em caso de negativa de publicação, a Revista Forense enviará uma carta aos autores, explicando os motivos da rejeição.
  6. A Comissão Editorial da Revista Forense não se compromete a devolver as colaborações recebidas.

III) Política de Privacidade

Os nomes e endereços informados nesta revista serão usados exclusivamente para os serviços prestados por esta publicação, não sendo disponibilizados para outras finalidades ou a terceiros.


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