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CLÁSSICOS FORENSE
REVISTA FORENSE
Prêmio Teixeira de Freitas
Revista Forense
13/07/2022
REVISTA FORENSE – VOLUME 151
JANEIRO-FEVEREIRO DE 1954
Semestral
ISSN 0102-8413
FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO
FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,
Abreviaturas e siglas usadas
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SUMÁRIO REVISTA FORENSE – VOLUME 151
CRÔNICA
DOUTRINA
- Comissões de inquérito – Laudo de Camargo
- Comissões parlamentares de inquérito – João de Oliveira Filho
- Comissões parlamentares de inquérito nos Estados Unidos – Góis de Andrade
- As comissões congressuais de investigação no regime presidencialista – Otacílio Alecrim
- Aperfeiçoamento do Estado Democrático – Ivair Nogueira Itagiba
- Inquéritos parlamentares – Samuel Duarte
- As comissões parlamentares de inquérito na Constituição brasileira de 1946 – Alberico Fraga
- Comissão parlamentar de inquérito e governo de Gabinete – Paulino Jacques
- Comissões parlamentares de inquérito – Rosah Russomano de Mendonça Lima
- Comissões parlamentares de inquérito – Dnar Mendes Ferreira
- Natureza e função política das Comissões Parlamentares de Inquérito – Josaphat Marinho
PARECERES
- Comissão parlamentar de inquérito sôbre as atividades da comissão central de preços – Castilho Cabral
- Instituto de resseguros do Brasil – Autarquias e sociedades de economia mista – Carlos Medeiros Silva
- Governador – Impedimento – Ausência – Substituição temporária – Competência do Poder Legislativo para regulamentar os preceitos constitucionais – Francisco Campos
- Governador – Licença para ausentar-se do Estado – Poderes da Assembléia Legislativa para definir impedimentos – Substituição – Renato Barbosa
- Falência – Compensação de dívidas – Luís Machado Guimarães
NOTAS E COMENTÁRIOS
- Privilégios e imunidades dos organismos internacionais – Hildebrando Accioly
- Responsabilidade civil no Código brasileiro do ar – Prescrição da ação – Euríalo de Lemos Sobral
- Agravo no auto do processo, competência do A QUO — Alcides de Mendonça Lima
- Capacidade para testemunharem o testamento cerrado os membros da administração da instituição ou fábrica legatária – Raul Floriano
- O conceito de parte no processo – Homero Freire
- A revisão judicial e a “Lei Maior” – Edward S. Corwin
- As certidões e as comissões de inquérito – Oto Prazeres
- Homenagem ao juiz José de Aguiar Dias
- Prêmio Teixeira de Freitas
- Discurso de agradecimento do Ministro Carlos Maximiliano
- Banco do Brasil S.A. – Sua transformação em êmpresa pública – Bilac Pinto
JURISPRUDÊNCIA
LEIA:
NOTAS E COMENTÁRIOS
Prêmio Teixeira de Freitas
O Instituto dos Advogados Brasileiros outorgou o “Prêmio Teixeira de Freitas”, instituído a fim de honrar a mais alta cultura jurídica do País, em 1952, ao Sr. desembargador M. SEABRA FAGUNDES, e, em 1953, ao Sr. ministro CARLOS MAXIMILIANO, proclamado, assim, pùblicamente os méritos dêsses insignes juristas.
Por ocasião da solenidade de entrega desses prêmios, foram pronunciados os seguintes discursos:
ORAÇÃO DO DR. PRADO KELLY EM NOME DO INSTITUTO
Senhores. Entre as efusões de alegria, com que inauguramos esta sede, mal advertimos nos contrastes de que se compõe a existência. A vida, para perdurar, aspira à mudança; e os sinais de progresso, nas grandes ou nas humildes concentrações humanas, contam-se pelas transformações de métodos ou de hábitos, das quais esperamos, otimistas, os benefícios do futuro. A casa nova convida à renovação das esperanças: menos em nós, operários do direito, do que no valimento da ciência professada, no prestígio dos seus cultores, na clarividência dos intérpretes, na soberania universal da Justiça. De um mirante novo acenamos, confiantes, para o que o tempo nos reserva, como o espectador que pressente e aguarda, nas manhãs de bruma, os primeiros raios do sol. Escravos de uma civilização que se modifica, sondamos o horizonte, mais apreensivos que os navegantes; mas, para a aventura do mar alto, possuímos apenas o material legada pelos que nos antecederam, a bússola e o sextante que serviram, antes de nós, ao traçado das rotas no oceano traiçoeiro. E, afinal, o nexo com o passado que nos encoraja, pela fôrça vital da experiência. E, enquanto a imaginação acena para as conquistas incertas da evolução, inspira-nos a certeza de que a história é ainda, como disse MICHELET, a mestra da vida e que cumpriremos a nossa obrigação, permanecendo fiéis aos fins superiores que reuniram os juristas há mais de um século nesta casa de estudos e de vigílias.
Na intimidade de nossa convivência, persistem os exemplos, as datas, os símbolos que emergem da formação jurídica nacional. Há mais de cem anos o Instituto, acompanha os sucessos sociais e políticos, atento às aparências e à substância das reformas, para avaliar até onde afetam os princípios incorporados à nossa cultura ou realizam os princípios para que tende o ideal científico. Se as normas estão sujeitas a um fluxo contínuo, porque são, acima de tudo, um produto do espírito humano, há elementos constantes, que se perpetuam, como diz DEL VECCHIO, através da variação dos fenômenos e que, inerentes à nossa natureza, se compreendem na própria noção lógica do direito. Assim, por exemplo, o respeito da personalidade e a disciplina da liberdade individual. Em todos os estágios da evolução, por efeito de causas extrínsecas – as das relações entre os povos – e de causas intrínsecas – as da humanização dos institutos – ascendemos: dos motivos psicológicos inferiores aos motivos superiores. E esta convicção nos defende, como um escudo, das teorias contemporâneas que tentam caracterizar o direito como superestrutura ou apêndice da economia, esquecidas de que o fator econômico tem uma raiz psíquica e se funda em elementos essencialmente subjetivos.
Eis por que nos convertemos insensivelmente em adeptos de uma religião sem mistérios: a do aperfeiçoamento dos indivíduos e da sociedade pelos padrões éticos que o direito ajuda a erigir. Reconhecidos a quantos iluminaram êsses caminhos difíceis, guardamos-lhes os nomes e a memória; e um modo de celebrá-los consiste em dedicar-lhes os dias fastos, como o de hoje, quando satisfazemos o desejo de dar instalação condigna ao plenário, à secretaria e à biblioteca da Casa. A inauguração da sede coincide com o centésimo quarto aniversário do maior dos nossos jurisconsultos, cuja inexcedida ilustração só encontrava rival na grandeza dos sentimentos liberais. Não preciso designá-lo à reverência e à gratidão dos advogados; pois, nas proporções da sua obra e na contribuição ao florescimento do regime democrático, êle vitalizou, por meio século, as instituições republicanas.
Em data, assim, de felizes augúrios, cedemos a um dever honroso, proclamando pùblicamente os altos méritos de dois juristas insignes. Os prêmios do Instituto não são de incentivo e sim de consagração. As medalhas, que fazemos cunhar, testemunham o esfôrço triunfante; e nisso se parecem àquelas outras, nimbadas de glória, que traduzem o agradecimento dos povos à bravura dos combatentes. Insignias mais caras e justas hão de ser as que atestam os labôres da paz e saem, ainda quentes, da forja espiritual em que se modela a cultura de uma nação.
A obra de SEABRA FAGUNDES repercutiu nos meios jurídicos pela seriedade do ensino e pela clareza, método, informação do texto. Em cinco anos – de 1941 a 1946 – os seus três livros básicos construíram uma reputação vitoriosa. O escritor, que aparecia em nossas letras, apresentava-se, no primeiro instante, avisado e seguro, sem as imperfeições costumeiras da estréia, antes realizando cabalmente os fins propostos, de tal modo que os tomos editados desde logo se tornaram indispensáveis aos que lidam no fôro. Em menos de um qüinqüênio, o jovem desembargador do Rio Grande do Norte alcançava merecidamente o título e o prestígio de um mestre sem cátedra. Contava pouco mais de 30 anos, quando conquistou, entre os colegas, uma preeminência que a vida regateia aos mais experimentados e idosos.
Contrôle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário
O primeiro daqueles volumes – “Contrôle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário” – vinha cobrir um claro em nossa literatura jurídica. Pelo interesse teórico e prático do tema, custava crer que, abundando em outros países as monografias e obras especializadas, se houvessem descurado de versá-lo os nossos autores de direito administrativo. Só escasamente e de passagem se referiram a alguns dos seus aspectos escritores ilustres, como PRATES DA FONSECA, TEMÍSTOCLES CAVALCANTI, MATOS DE VASCONCELOS. E a matéria exigia apuro no trato e, até certo ponto, prudência e moderação no exame das teses; poucas mais do que elas refletiam tanto a crise do Estado moderno. O campo demarcado era extenso e fértil: as relações entre a administração pública e o administrado e as situações contenciosas que se podem originar delas.
Muitas vêzes o sulcara a jurisprudência e vários ensaios se enfileiram em nossas revistas; não há como contestar-lhe a importância doutrinária e prática. Na Itália e na França, mais ainda que nos países anglo-saxônicos, se deparava um material copioso e erudito, para seleção e adaptação ao meio brasileiro; mas até o traspasse dessas noções reclamava cautela e ponderação, dada a índole do nosso sistema tradicional de repulsa ao Contencioso Administrativo e dado o rigor com que implantamos o judiciarismo norte-americano. Também não era propícia a época a especulações de tal natureza principalmente quanto aos direitos públicos subjetivos do indivíduo, desde que a autonomia da Justiça se achava cerceada por um govêrno unipessoal e centralizador. Mas tais considerações não influíram na isenção com que foram tratadas as matérias do livro, desde a síntese do primeiro capítulo as “Funções do Estado”, até a parte adjetiva – os remédios processuais utilizáveis. A mais valiosa qualidade da obra é, contudo, a sua “sistematização”, revelando os atributos que as outras obras confirmariam, de exposição sucinta e proporcionada e permitindo dispor e aprofundar o essencial em cada capítulo, sem desbordos desnecessários e fatigantes, que comprometeriam a unidade de concepção e a lógica do ensaio.
Da Desapropriação no Direito Brasileiro
O segundo volume – “Da Desapropriação no Direito Brasileiro” – completou e desenvolveu uma das partes do antecedente, destinada à conceituação do processo expropriatório. Duas razões – uma de sentimento, outra de conveniência, apressaram a edição. A razão de sentimento exprimiu-se no desejo de cooperar o autor para as comemorações do cinqüentenário do tribunal a que pertencia. A razão de conveniência consistiu na falta de comentário adequado à nova lei de desapropriações, que modificara profundamente o regime anterior. O decreto de 1941 era, por vários prismas, retrógrado. Basta lembrar o art. 9º, que estabelecia restrição anômala às funções indeclináveis do Judiciário, vedando-lhe decidir da existência, ou não, em cada processo, submetido ao seu exame, das condições pressupostas de utilidade pública. Embora não houvesse meio de os juízes defenderem a sua autoridade e tivessem os tribunais cedido coatamante à própria mutilação, SEABRA FAGUNDES não deixou de recordar a tradição brasileira em contrário, no ensinamento que RUI BARBOSA tomara aos constitucionalistas norte-americanos e que havia enunciado em térreos enérgicos; e, contornando as dificuldades políticas sobrevindas, não se esquivou, do mesmo passo, a lembrar, embora discretamente, um meio de obviar à proibição vexatória: a discussão da matéria, não no feito desapropriativo, e sim em ação distinta, aplicando-se ao caso os conceitos correntes acêrca da “especialização das ações”. Com malícia florentina, criticou o critério da “indenização única”. Vêde o modo por que, diante de um artifício legal lesivo aos cidadãos, logrou censurá-lo, sem incorrer na prevenção dos que tudo podiam: “É o critério de expropriar mais e pagar menos, adotado por algumas leis fascistas e tão combatido pelos juristas italianos. Mas essa intenção não a teve, de certo, o nosso legislador…”. Com a mesma simplicidade aparente, silenciou sôbre os objetivos da lei, na fixação do quantum em função do impôsto predial, contra a regra predominante do “valor justo”, e deu todo o desenvolvimento, onde cabia, ao princípio da “real equivalência”, fundamental em nosso direito.
Se a finalidade dêsses dois livros pôs em relêvo os direitos dos cidadãos, quando em contenda com o poder público, a técnica de ambos os estudos revelou as qualidades primaciais do processualista, que iriam acrisolar-se no terceiro volume – “Dos recursos ordinários em matéria civil”. Aqui a técnica é, por definição e pressuposto, mais acurada e exigente, como requisito de uma ciência formal; e os dotes do escritor se confirmam na exatidão dos conceitos e na límpida concisão dos períodos. Nas primeiras páginas dos “Princípios”, lamentou CHIOVENDA lhes faltasse “proporção”; julgava difícil observar a relação justa entre os diversos temas que perlustrara. Dêsse defeito – explicável pela desnecessidade de ampliar a matéria bem cuidada dos predecessores e pela conveniência de desenvolver questões de ângulo novo – não padece a obra de SEABRA FAGUNDES, cujo senso de medida, na distribuição da doutrina, das regras legais e da jurisprudência, está presente em tôdas as fôlhas, desde o delineamento inicial. A decretação do nosso Código suscitou uma revisão análoga à da processualística italiana e alemã: e urgia atualizar ou corrigir as lições de PAULA BATISTA, de JOÃO MONTEIRO, de JOÃO MENDES. Era essa uma das partes do direito judiciário mais precisada de um fluído criador e pragmático; pois são os recursos, desde as origens do processo, os réus mais acusados da delonga forense. JEAN PLÉMEUR, nos “Juízes e processos de outrora”, lembrava o tempo em que um escrivão dispunha de 10 meses para enviar à segunda instância, por intermédio de mensageiros juramentados, os sacos que continham as peças da demanda; e muitas vêzes se aguardava 12 anos um aresto provisório. De outro lado, o reexame dos órgãos jurisdicionais, segundo o Estado e o regime, apresentava ao estudioso um domínio menos explorado e de melhor horizonte, para a valia da prestação judiciária e para a segurança presumida na reiteração dos julgamentos. A obra saiu de mãos competentes escorreita e lúcida; pena é que não se completasse o, sistema dos recursos no cível, excedendo o. âmbito que o autor se traçara, para abranger os apelos extraordinários ou excepcionais, que, desde a sua instituição, tem inspirado alguns trabalhos de nota, como os de LÚCIO DE MENDONÇA, de CÂNDIDO DE OLIVEIRA, de EPITÁCIO PESSOA, de MATOS PEIXOTO e, sobretudo, de PEDRO LESSA e CASTRO NUNES. Será, com certeza, motivo de outros escritos de SEABRA FAGUNDES, pois todos se estão ligando entre si, numa cadeia especializada, e por muitos anos havemos de aplaudir-lhe as pesquisas e a fecundidade do engenho.
Já na outra encosta da vida, aureolado da estima pública, na cumiada em que resplandece o esforço despendido, celebramos essa admirável figura de jurisconsulto que honrou os quadros intelectuais da Nação, nos três poderes da República. Feliz outono o de CARLOS MAXIMILIANO, em quem não se apagou, até a velhice, o idealismo do direito e que emenda, dessarte, a imagem do poeta, para quem só Caliban, e não Ariel, ajuda a descer a montanha!
Dir-se-ia que as fadigas se esmeraram em pô-lo à prova, desde a infância pobre no seminário do Rio Grande do Sul e os anos de professor modesto, mal saído da adolescência, até a esplanada coberta de luz, que lhe coroa a madureza. Os primeiros tempos lhe ficaram no coração, com os eflúvios da mocidade, para acordar lembranças reconhecidas e amáveis, como as da dedicatória do “Direito das Sucessões”, onde evocou a figura de benfeitores e de mestres, o bispo Dom Sebastião Laranjeiras, que o fêz ingressar no seminário, os educadores Fernando Ferreira e Inácio Montanha, que lhe permitiram lecionar para viver, e o exímio PEDRO LESSA, a cujas aulas na Faculdade de São Paulo se deve a sua filiação spenceriana. Antes dessas aulas, o jovem lente secundário terça armas de jornalista, n “A Reforma” de Silveira Martins e, mais tarde, atingirá a eminência e responsabilidade da chefia de redação. Completado o curso, consagrou tôda a atividade à advocacia, de 1898 a 1911, primeiro em Cachoeira, depois em Santa Maria. Só então aceita cargo político – indicado por PINHEIRO MACHADO e BORGES DE MEDEIROS para o pôsto vago com a morte de GERMANO HASSLOCHER; e ascende ao Ministério da justiça no quatriênio VENCESLAU BRÁS. Ao fim do quatriênio, enriquece as nossas letras com os “Comentários à Constituição Brasileira”. Trazia-os em parte concluídos, em parte elaborados nas linhas gerais, quando o nomearam ministro; eram o produto, como confessou, de mais de 20 anos de estudos, desde 1895, como polemista, como advogado, como representante da Nação, o administrador deu-lhes os toques derradeiros, chamado a aplicar a complexa disciplina na pasta em que mais se ventilam os seus numerosos problemas. Bom ensejo o que se lhe deparou para aquilatar, nas dificuldades da prática, o valor das teorias! Êle mesmo o salientou nesta passagem: “Eu bendisse muitas vêzes a hora em que, a pesar meu, interromperam as lucubrações sistematizadas e me forçaram a abandonar leituras prediletas em troca do ingrato e árido labor de homem de govêrno, incumbido de velar pela ordem, saúde, cultura intelectual e justiça, pelo aperfeiçoamento de uma raça eternamente oscilante entre o entusiasmo pelos arroubos demagógicos e o fanatismo pela energia dominadora”. Com ampla informação dos institutos, à qual não faltou o travo das funções desempenhadas, os “Comentários” logo se tornaram a melhor e mais autorizada interpretação do estatuto de 24 de fevereiro. Ao excelente BARBALHO, em quem festejávamos o sentimento das instituições, acusavam de ressentir-se das paixões da Constituinte; e quer SORIANO quer ARISTIDES MILTON restringiram, com freqüentes omissões, o terreno palmilhado. Os “Comentários” visavam a uma atitude neutral, “sem torturar os textos para adaptá-los a idéias pessoais”, não combatendo, mas justificando, não desdenhando, mas esclarecendo, não esbarrondando, mas construindo. Na fidelidade ao pensamento da Assembléia, seguiam a trilha de PIMENTA BUENO, na “construção”, os precedentes norte-americanos. Essa deficiência de BARBALHO a atenuara RUI, sempre recorrendo aos melhores tratadistas do país onde buscamos o modêlo do presidencialismo e do judiciarismo. Pelas páginas dos “Comentários”, desfilam então os COOLEY, os BLACK, os WATSON, os WILLOUGHBY, os STORY os WALHER, os WILSON, – a par de publicistas inglêses e alemães, menos conhecidos dos nossos leitores, e dos franceses belgas, italianos e argentinos, mais familiares ao nosso meio intelectual.
A culminância, a que chegou na especialidade, indicava-o naturalmente, na Assembléia de 1934, para presidir à Comissão dos Vinte e Seis. Que sincero e franco documento a sua primeira oração em plenário, depois do paciente concurso, que dera ao anteprojeto na Comissão do Itamarati! Mas a síntese, digna de reproduzir-se, do seu pensamento ressaltou do breve e nítido discurso de 28 de abril, com que apresentou aos seus pares o último parecer do órgão que dirigia, sôbre as emendas do segundo turno, com o propósito de coordenar as várias correntes de idéias: “Todo o Ocidente, após a marcha precipitada para a esquerda, retrocedeu bastante para a direita, sem exagêro conservador. Num ou noutro país, por circunstâncias especiais, o recuo foi maior, até a ditadura romana, sobredourada de um socialismo peculiar ao sistema triunfante. Também no Brasil se pronunciou avanço, audaz e temeroso, em diretriz que espantou a maioria, ordeira, produtora e cautelosa. O fenômeno foi de pouca duração: a prudência dos estadistas sobrelevou aos extremismos dos apaixonados pelo manejo de idéias novas, essa espécie de exercício, tão atraente para os principiantes, ao qual se pode dar o nome de política silogística. É uma pura arte de construção no vácuo. A base são teses, e não atos; o material idéias e não homens; a situação o mundo, e não o país; os habitantes as gerações futuras, e não as atuais. O conceito exposto é um revérbero da inteligência peregrina de JOAQUIM NABUCO e eu o colhi no seu estudo luminoso a respeito de Balmaceda. A Assembléia, segundo a Comissão dos 26, apurou, depois de longo debate, idas e vindas, pairou, resoluta, iluminada, ungida de civismo, no meio-têrmo razoável, preferiu aprimorar e atualizar a Constituição de 1891. – Inclinou-se pela eleição direta do Executivo, pela dualidade da justiça e pela segunda Câmara, asseguradora da intangibilidade dos verdadeiros dogmas federalistas. Restaurou e desenvolveu os princípios liberais estrangulados pela Reforma de 1925-26; os juízes formados em direito ela abroquelou de garantias sem exemplo em nenhuma Constituição do Brasil ou de qualquer outro país; tornou realidade a expressão da vontade popular manifestada nos comícios eleitorais; assegurou bem a integridade e o glorioso futuro da Pátria; com a devida prudência e alto senso de oportunidade, exornou o velho Código Supremo com as conquistas sociais do Ocidente, pondo a lei básica à altura das mais adiantadas do globo. Para todos os males que a experiência de 40 anos pôs em evidência, propiciou remédio moderado, porém seguro, pronto, eficiente”.
O último cargo oficial, em que havia de cooperar para a valorização dos temas constitucionais, foi, depois do Executivo e do Legislativo, o do mais elevado tribunal do País. Consumava-se, dessa maneira, a experiência vivida nos três poderes autônomos; e outros frutos dêsse contato com a realidade encontrareis na edição adaptada ao texto em vigor. Na Côrte Suprema outros assuntos o atraíram para diferentes setores do direito, e a operosidade do jurista não se encerrou com a aposentadoria compulsória, em cumprimento de um preceito iníquo. Vem daquela fase o remate de obras já nascidas “clássicas”.
Hermenêutica
A primeira fase pertence, entretanto, a “Hermenêutica”, impressa em 1934 e da qual se fizeram mais duas edições, de numerosos exemplares, em pouco mais de um decênio. Como os “Comentários”, acudia a uma necessidade longamente sentida. Havia meio século que saíra o compêndio de PAULA BATISTA, revêsso, aliás ao “influxo avassalador do SAVIGNY” é ainda pregoeiro de brocardos imprestáveis, de livre curso no fôro; e, nesse meio século, florescera e decaíra, na Europa, a escola histórica, ressurgira e se transformara no sistema histórico-evolutivo e depois no “evolutivo” de IHERING, despontara a corrente da “livre indagação praeter legem” e alvorecera a concepção da “livre pesquisa” germânica. A dois alvos mirou CARLOS MAXIMILIANO, segundo revela no prefácio: destruir idéias radicadas em nossos círculos, mas superadas, e “propiciar um guia para as lides do pretório e a prática da administração”. “Obra de civismo”, conforme a batiza, consistente, em concatenar argumentos contra as sobrevivências de preconceitos e credos vetustos”.
Direito das Sucessões” e a “Teoria da Retroatividade das Leis”
Na segunda fava se incluem o “Direito das Sucessões” e a “Teoria da Retroatividade das Leis”.
A primeira daquelas obras mereceu excepcional acolhimento; nos dois alentados volumes se estratificaram noções básicas e complementares que lhes garantiram lugar distinto nas bibliotecas. Embora não o esclareça o autor em explicação liminar (como costuma fazer no rosto das suas obras), o trabalho procedia de longe, de estudos empreendidos antes do Código Civil. Mas a promulgação do Código aconselhara (como consigna na “Hermenêutica”) “a dar tempo ao abrolhar das controvérsias e à formação da jurisprudência em tôrno das prescrições do novo repositório, antes de sistematizar a doutrina cristalizada nos seus preceitos”. Em 1937, quando veio a lume, se notava, entre os profissionais, a falta de um guia atualizado” para parte, como essa, tão importante do direito privado e tão freqüentemente debatida nos juízos e tribunais ao calor de paixões deformadoras. O “Direito das Sucessões” de CLÓVIS BEVILÁQUA madrugara na agonia do século XIX; os “Elementos” de ITABAIANA, bem como os três volumes do “Manual Lacerda”, publicados pouco depois do Código, não se haviam ainda beneficiado do material vivo e opulento, que a aplicação judiciária proporciona, Esse raro “senso de oportunidade”, que CARLOS MAXIMILIANO revelou com a escolha dos temas, estimulou-o, mais uma vez, a uma “construção orgânica”, difícil e penosa, a que singulares virtudes de ensaísta emprestaram, na primeira hora, condições de êxito absoluto.
A mesma excelência do método e de perquirição beneditina das fontes patenteia-se na “Teoria da Retroatividade”, que excede as fronteiras de glosa ao nosso direito positivo e antes espelha (como pondera o autor) “a sistemática do Direito Intertemporal hodierno em sua plenitude”. “Raros, em verdade, os que triunfam de tarefa tão árdua como a de resumir em breve tomo dilatadas doutrinas: mais custa condensar (disse MAXIMILIANO) que discretear, compilar, discorrer”.
É êsse conjunto de contribuições sábias à nossa cultura que o Instituto louva, encarece e premia; cada uma dessas obras se nobilitou pela investigação cuidadosa, pela probidade indefectível, pelo delineamento correto, pelo acêrto e coerência das conclusões, pelo esmêro da forma direta e compreensível. Mas se galardoamos a obra, veneramos o obreiro, na gloriosa ancianidade que é uma graça divina, ao pé do monumento que soube erguer para os pósteros.
Senhores: Êste preito de justiça abre um sulco festivo no coração dos que a prezam e estimam e têm por oficio o dever de servi-la. Entre os fins do Instituto, não é o menor dêles o de proclamar os benefícios causados pelos contemporâneos à missão, que nos congrega, de velar pela sorte do direito nacional. Sentimo-nos jubilosos quando nos é dado proferir tão altos encômios; porque, assim procedendo, confiamos aos vindouros o que há de mais nobre e generoso em nossa geração; e a vida de um povo, favorecido ou não pelas circunstâncias, compõe-se dêsses elos indestrutíveis, que o tempo vai conservando e polindo. Eis aí uma das faces da nossa função missionária. A outra continua a ser a de alertar a consciência jurídica do País, estimulando-lhe a energia para resistir aos impulsos funestos da reação ou da desordem, e conjugando os elementos para aprimorar a técnica da legislação pátria. Enquanto os parlamentares não contarem, como queria MANLIO D’AMBROSIO, com uma comissão de “sábios legisladores” para tomar a si a revisão permanente das leis, a sua interpretação autêntica, evitando as flutuações da jurisprudência, as associações científicas do nosso tipo serão chamadas a exercer os encargos que a democracia ateniense atribuiu aos “tesmótetas” – de examinarem as contradições, deficiências e ambigüidades da legislação e de indicarem ao povo os meios de emendá-las ou supri-las. Tal magistratura, segundo depuseram LÍSIAS e ISÓCRATES, fazia jus a honras e recompensas. Se não aspiramos a elas, na modéstia de nossos propósitos, não renunciamos ao dever, que lhe incumbia, de estar em contato freqüente com as assembléias populares, a fim de esclarece-las com os delicados instrumentos da experiência e da razão.
DISCURSO DE AGRADECIMENTO DO DES. SEABRA FAGUNDES
A posição do Instituto dos Advogados Brasileiros na vida intelectual do País, a seriedade que empresta, numa continuidade rara, ao seu papel em nossa vida pública e jurídica, a isenção que o seu Conselho Superior tem pôsto, invariàvelmente, na outorga do “Prêmio Teixeira de Freitas”, e a relação mesma dos contemplados até hoje, que se fez abrir com o nome do egrégio CLÓVIS BEVILÁQUA,1 o mestre incomparável na profundeza, na amplitude e na modéstia do saber para se integrar com J. X. CARVALHO DE MENDONÇA, EDMUNDO LINS, EDUARDO ESPÍNOLA e, por último,2 com LEVI CARNEIRO, vocação fidelíssima de advogado, pelo entusiasmo, pela cultura, pelo devotamento, pela probidade, sòmente assentindo em desgarrar-se das atividades diuturnas sob o imperativo patriótico de representar o Brasil no Tribunal das Nações, erigem a distinção, que neste momento solenizais, no mais alto galardão com que se possa credenciar um estudioso das letras jurídicas brasileiras. A singeleza e a sobriedade, que se vêm pondo na outorga do prêmio, desde quando instituído, de parte alardes de publicidade e aparatos desnecessários, longe de lhe esmaecerem o sentido, elevam-no, para o contemplado, a essa altura, que é a maior para os trabalhadores intelectuais, do reconhecimento de qualidades por um juízo ciente e sóbrio, sem fins outros que os de compensar e estimular, dentro do âmbito estritamente intelectual, esforços considerados apreciáveis.
Já bem podeis ver que, pôsto diante de vós como um dos distinguidos com a sua outorga, sinto antes a apreensão da responsabilidade que acarreta, do que as alegrias tranqüilas de quem a ela pudesse ter um dia aspirado, na superestimação do próprio mérito. E se não me atrevo a dizê-lo de todo imerecido, é porque, vencendo os primeiros e naturais impulsos de um balanço íntimo, receio pôr em dúvida a vossa magnífica e nobre isenção. Quase estou a dizer que creio em mim neste instante, porque creio em vós.
Os conceitos do vosso delegado, advogado e homem público dos maiores do nosso tempo, que teve a si a tarefa de dizer da possível significação das nossas atividades nas letras jurídicas, explicam-se, nesse orador de raça, pela bondade exuberante, um traço tão vivo do caráter, que se percebe mesmo a breve convívio.
Na contribuição mínima que ora contemplais só consigo encontrar os méritos do trabalho e da perseverança.
Tão logo me fui assenhoreando dos problemas jurídicos, na penosa iniciação profissional de 21 nos atrás, em minha modesta província, advogado de todos os setores do direito – contingência dos pequenos meios – a se desdobrar entre comarcas, e, eventualmente, juiz e procurador da Justiça Eleitoral na Região, pude sentir como no campo do Direito Público, Constitucional e Administrativo, eram precários os subsídios da bibliografia nacional. Notadamente neste, onde a obra de VIVEIROS DE CASTRO, meritória como acervo de opiniões, era a contribuição mais em voga, já há mais de dois decênios publicada. Levado ao Tribunal de Justiça, ainda mais intensamente pude sentir a pobreza das contribuições doutrinárias sistemáticas – porque contribuições parciais ou dispersas as havia da maior significação – como esteio à solução dos casos ajuizados.
Veio daí a idéia de colaborar, pessoalmente, sem pretensões, numa sistematização de princípios. E para ser sincero, ao aconchego do propósito de deixar visto que no ambiente provinciano também é possível trabalhar eficientemente, conquanto sem os estímulos e facilidades que, entre nós, só a metrópole proporciona.
O campo dos assuntos era vasto, e dentre êles me inclinei ao que se afigurava exigir um mais premente estudo, por isto que a colocação dos atos administrativos perante o Judiciário se fazia com o recurso a vagos precedentes, quase sempre calcados, com estreiteza, em princípios do Direito Privado, e, às vêzes, sob a invocação, menos adequada, do direito estrangeiro.
Esta a origem de atividades, não sei se diga de juristas, que a boa fortuna do acolhimento nos tribunais e na advocacia estimularam e fizeram desenvolver-se noutros setores.
Não creio, pois, que, afora a perseverança, se me possa creditar qualquer virtude. Claro está – e se é intolerável o auto-elogio, também o é a modéstia insincera – que, se não houvesse um pouco da valia intrínseca na produção, a pertinácia, por si só, não valeria. Seria talvez até de desejar não na houvesse. Mas, e aqui completo com franqueza o meu pensamento, êsse pouco de substância muitos e muitos o poderiam dar. Só não no tem dado porque lhes falece a pertinácia, feita de paciência e de fadigas suportadas. E portanto só ela – a perseverança – que no balanço final das coisas sobra no ativo daquele que distinguis.
Êste é um país que convida o jurista ao trabalho, tais são os problemas suscitados pela imperfeição legislativa e pela falta de sedimentação dos institutos, mormente os do Direito Público. Ambos, aliás, encontrando explicação na nossa imaturidade como nação, e no quinhão que nos toca nas tempestades de um mundo inquieto a desabarem sôbre todos os povos.
Sendo o direito positivo um instrumento da vida em sociedade, e, ao mesmo tempo, numa reciprocidade de fatôres, um reflexo das exigências da vida social nos seus diferentes aspectos, e certa a influência dos juristas na elaboração dos textos, como na correção das suas imperfeições, a instabilidade das nossas condições de vida e os defeitos de muitos dos institutos vigentes sito um convite à cooperação esclarecedora e ao combate pelo aperfeiçoamento da ordem jurídica.
O Cód. de Proc. Civil, um excelente fator de simplificação do mecanismo das ações, lançando por terra o formalismo inútil que se perpetuava nos códigos estaduais, aí está sem dar de si o quanto fôra de esperar. A prática o tem desvirtuado e até mutilado. Os seus prazos não vigem naquilo em que seriam capitais para a celeridade das demandas: o debate em audiência e a formação oral do convencimento do juiz quase não encontram oportunidade na sua prática, se bem que compreensível o fenômeno pela despreparação de magistrados e advogados para o uso do sistema, imposto antes por um preconceito teórico do que pela ponderação das conveniências objetivas de meio: as sanções criadas para a desídia no andamento das ações não lograram êxito, pois colocadas na dependência de medida de funcionários subalternos dos juízes, ou deixados à iniciativa, pouco provável, das próprias partes.
No âmbito do Direito Penal a malfadada soberania do júri, restaurada por sugestão, aliás, de um dos mais doutos e respeitáveis constituintes, contra o sistema da lei nº 167, de 5 de janeiro de 1938, que provara tão bem, aliada à discrição que o Cód. Penal da 1940 comete ao juízo criminal na dosagem da pena, vêm arrastando a justiça punitiva a uma das suas maiores crises. As absolvições se sucedem, sem remédio, nos casos socialmente mais graves. E quando o júri pune, o faz com pena irrisória, em face das circunstâncias do crime, medida apenas de coonestamento.
No interior, abolida pela codificação do processo-crime, a apelação ex officio, nas absolvições de homicidas pelo tribunal popular, é comum, é fato alarmante de todos os dias, que representantes do Ministério Público, menos compenetrados da majestade da sua missão, cedam a influências locais, subtraindo criminosos até mesmo ao juízo de nulidade dos Tribunais de Justiça.
A crise do Supremo Tribunal, sôbre a qual o espírito indagador do saudoso e insigne FILADELFO AZEVEDO abriu os debates, perdura, agravando-se dia a dia e exigindo solução de ordem constitucional, que em 1948 se descurou por inteiro; a renovação do direito comercial escrito, imperativo dos novos tempos em que o progresso das técnicas de transportes e de comunicações tantas repercussões trouxe ao trato dos negócios mercantis e em que uma crise econômica de âmbito mundial impôs considerar, a ângulos especiais, o comércio entre nações; a experiência do processo eleitoral, que já permite alcançar o perigo das deformações com que a fraude do alistamento a o subôrno do eleitorado podem desmoralizar a manifestação da vontade coletiva; a necessidade de tornar o Tribunal de Contas menos demagógico e mais eficiente, confiando-lhe, talvez, em certa medida, até um controle de moralidade da gestão financeira: tudo são convites à colaboração do jurista pela observação, pelo estudo, pela crítica, pelas sugestões.
Impõe-se pugnar pela preservação do mandado de segurança contra as medidas indiretas, que possam acanhar o seu cabimento, e excluir mesmo, com o intuito de aliviar o Supremo Tribunal do seu vultoso acervo de autos, o recurso ordinário para êle, nos casos de denegação. É preciso considerar que o apêlo, de curto demasiadas vêzes feito a êsse remédio processual, decorre, principalmente, de duas razões, ambas contra-indicando restringir-lhe a oportunidade ou subtrai-lo à jurisdição suprema.
A lentidão das ações, em geral, e a impossibilidade de, por elas, deter a violência administrativa antes que irreparável, fazem que a todos os prejudicados ocorra socorrer-se da via sumaríssima do mandado, armada, ainda, da providência de suspensão liminar do ato. Os anos por que se arrasta a ação ordinária contrastam com os meses do curso do mandado, embora aconteça, em alguns casos, que este também sofra delongas intermináveis. O inexorável da consumação da lesão ao direito esboroa na suspensão liminar, tranqüilizando a vítima, ainda que, – também aqui se pode falar de certos casos, – por vêzes, não passe de expediente para inverter as posições. Ou seja, tornar pràticamente inviável, de futuro, o ato administrativo impugnado.
As Justiças estaduais são, em regra, isentas e respeitáveis. Está mesmo por escrever o que tem sido o seu papel, em certas quadras da vida das unidades federadas, em defesa dos direitos individuais. Mas nem sempre tal acontece. E, então, se o titular de um direito excelente, porque líquido e certo, supõe encontrar, no juiz mais distante das influências locais e mais altamente credenciado pelo critério de escolha dos seus componentes, a melhor garantia na apreciação do seu direito, é de considerar tal circunstância, psicològicamente de grande relêvo. Sendo êsse um sentimento geral, pois ninguém aquiesce, de bom-grado, no cerceamento da jurisdição suprema em mandado de segurança, e traduzindo a lisonjeira e justa confiança da Nação nos seus maiores juízes, não é para menosprezá-lo, quando tanto é mister, neste País, fortalecer a fé nas instituições e nos seus órgãos.
Nem se compreende que, se há 40 anos, carente o texto constitucional de um remédio eficiente contra os abusos flagrantes do poder público, os advogados, os juristas e os juízes da época arrancaram da incerteza das suas palavras a teoria brasileira do habeas corpus para com ela resguardar a pessoa humana, e, através desta, as instituições, nem se compreende que, se êsse foi o passado, hoje, quando há um meio especial para atingir êsses desígnios, os responsáveis pela sua sobrevivência o desprestigiem, acanhando-o em comparação com o velho habeas corpus. Tanto mais quanto, se é verdade que, em nossos dias, uma ampla elaboração legislativa muito melhor define os direitos do indivíduo em face da administração pública, é certo, do mesmo modo, que o Estado, tentacular na descentralização por serviço e intervindo em múltiplos setores da vida coletiva, detém uma capacidade de fazer mal, corolário do poder de fazer o bem, que supera, de muito e muito, as suas atribuições daqueles tempos.
Como, pois, desguarnecer o indivíduo da plenitude de uma proteção que as próprias contingências do presente impõe?
A multiplicidade dos partidos políticos constitui, fora de dúvida, um mal do nosso regime, como de qualquer outro onde ocorra. E aqui, tanto menos justificável quanto os programas – palavras, palavras e palavras – costumam coincidir no bom e no ruim. Talvez fôsse de acolher a sugestão de perda da qualidade jurídica daqueles que, em dois pleitos nacionais sucessivos, não lograssem satisfazer os requisitos exigidas para o registro, entre os quais o de um eleitorado mínimo de 50.000 eleitores, repartido, pelo menos, por cinco Estados da Federação.3 Não haveria si uma violência, senão uma conseqüência plausível – comum, aliás, noutros setores da vida jurídica – da insatisfação ulterior de requisitos de vitalidade. Nem um partido se poderá pretender delegatária ponderável da opinião pública, se decai das condições mínimas inicialmente impostas para credenciá-lo como órgão executor da vontade do eleitorado. O menos que o acontecimento demonstra é que já não há interêsse nacional pelos desígnios que se propõe realizar.
O municipalismo do constituinte de 1946, claudicando, na prática, à falta de um sistema de assistência e contrôle dos novos fundos destinados aos Municípios exige uma revisão do seu processo de funcionamento, para que se não malbaratem recursos úteis e se atinjam os nobres.
Objetivos que o inspiraram. O que, certamente, só se conseguirá pondo de parte o preconceito de um federalismo teórico e esquemático, para conciliar como a experiência brasileira o aconselha, a autonomia política com a cooperação administrativa.
A ação popular se afigura merecer, igualmente o interêsse combativo dos círculos jurídicos, pois, se o Congresso vier a lhe atribuir prestígio condigno das suas possibilidades, abrirá perspectivas excelentes à correção dos abusos de administrações públicas, que ainda tendem ao favoritismo e à denegação de direitos. Muito pode fazer pela moralização e melhoria dos nossos costumes político-administrativos.
Não importa que a pugnacidade do jurista seja muita vez penosa antes do êxito, e que, em alguns casos, venha a se mostrar vã nos seus resultados. A condição primacial da luta para o jurista é a justiça da causa, não a certeza do êxito. Êsse, em que hoje a Nação rememora um dos seus maiores líderes, foi o lutador de muitas lutas frustras, de muitos embates malogrados. Mas nunca se pejou de descer vencido, na eventualidade das derrotas, a tribuna judiciária das suas fulgurações. E um balanço atual das coisas deixará ver quantas daquelas derrotas não se transmudaram em triunfos, consubstanciando-se na jurisprudência e mesmo na letra das Constituições posteriores. Que é hoje o regime na sua grandeza, com um Poder Judiciário que lhe equilibra o funcionamento e resguarda o direito do menor dos brasileiros contra o mais poderoso dos delegatários do Estado, senão o reflexo da sua criação de constitucionalista e do seu devotamento de apóstolo? Mas, foi-lhe mister principiar por convencer, a própria Instância Excelsa, da importância da sua missão e da grandeza das suas responsabilidades…
O sentido renovador da jurisprudência em nosso País, como, de resto, naqueles todos cujas instituições jurídicas aparecem dominadas pela influência romanística, abrindo campo largo à manipulação do direito escrito, através do direito aplicado, dando lugar, mesmo, a um estado de permanente atualização das normas de vida ante as realidades emergentes dos fatos políticos, econômicos e sociais, propicia, de modo peculiar, uma larga influência dos juristas na evolução dos institutos, pela contribuição da experiência, da análise e da crítica de arestos anteriores em face de situações novas. Enquanto nos Estados, nos quais os “precedentes” se incorporam ao direito objetivo, o jurista defende uma ordem legal estagnada, sendo levado a instar por soluções idênticas a soluções já encontradas,4 aqui não se atém êle à compilação dos casos e à sua exegese. Propugna por novos critérios, partindo de textos antigos para realidades imprevistas, pois as decisões não sacrificam a lógica à experiência, não desprezam, por amor ao que se assentou sob outras condições de vida, a realidade palpitante do seu tempo. O juiz se alça até, quando preciso, ao plano do legislador.5 A regra exegética, iterativamente aplicada, só perdura até o momento em que seja “ainda desejável” por compatível com as exigências da vida social.6 Se não muda o texto escrito, mas várias as situações e os fenômenos a que se deve aplicar, a jurisprudência, que se move ao compasso da vida, faz subsumirem-se estas novas relações sob a velha norma, extraindo dela novos sentidos e conseqüências inéditas.7 O teor literal do texto permanece o mesmo, porém, se lhe atribuem, num esfôrço de adequação, os conteúdos, ou talvez apenas as colorações, impostos pelos novos fatos sociais.
Em todos os tempos a Justiça brasileira se tem mostrado sensível à influência do pensamento dos estudiosos dos temas jurídicos, como a reivindicações da realidade viva ante a letra inerte dos textos. O seu trabalho construtivo eleva-se a um plano meritório na opinião nacional, e a situa, honrosamente, no quadro universal do Poder Judiciário.
A chamada teoria brasileira do habeas corpus, que uma reforma constitucional de vista curta estrangularia, esplende, nos fastos da sua história, como algo de superior.
A evolução jurisprudencial do conceito de acidentes do trabalho é expressiva. A lei de 15 de janeiro de 1919, primeira que regulou o assunto em nosso direito, oferecia um conceito restrito de acidente. Depois de declarar, com sentido evidentemente limitativo, que como tal só se entenderia o resultante de “causa súbita, violenta, externa e involuntária”, insistia em que essa causa devia ser “única”; doença profissional só se caracterizaria “quando contraída “exclusivamente” pelo exercício do trabalho”, quando êste fôsse “de natureza a “só por si” causá-la”.8 Afastava qualquer possibilidade de se ter como acidente o fato do trabalho para que concorressem as condições personalíssimas da vítima. Isto não impediu, entretanto, que os juízes, cientes de que também têm um papel social a exercer, e partindo da natureza peculiar das relações de trabalho e da especial devida ao trabalhador, admitissem, reiteradamente, que as concausas, no acidente como na doença profissional, não excluíam o benefício da indenização.9
Atualmente é animador constatar que o Supremo Pretório, vivendo, de certo, uma das quadras marcantes da sua história, chamado a opinar em tôrno de temas fundamentais para a tão desejada estratificação da ordem jurídico-democrática no país, sensível à influência de debates memoráveis, tem fixado teses do maior relêvo para êsse desígnio, construindo critérios sôbre os claros da Constituição. Desde a afirmação de que os atos do Congresso, ainda os de órbita interna, tanto quanto os do Executivo, comportam a apreciação jurisdicional, uma vez afetem direitos subjetivos,10 até a definição do largo poder investigador das comissões parlamentares de inquérito,11 a ressalva da prerrogativa de iniciativa das leis reconhecidas ao Poder Executivo, contra as inovações legislativas que a desfigurem ou frustrem,12 a extensão da teoria, do desvio de poder originária e essencialmente dirigida aos procedimentos dos órgãos executivos, aos atos do poder legiferante, da maior importância num sistema político de Constituição rígida, em que se cometa ao Congresso a complementação do pensamento constitucional nos mais variados setores da vida social, econômica ou financeira,13 a afirmação de um poder corregedor da Suprema Instância sôbre as Justiças locais, sem embargo do princípio da autonomia estadual e de só prever a Constituição a sua atuação sabre estas através dos recursos ordinário e extraordinário,14 a impossibilidade de mutilação territorial dos Municípios, ante o princípio da sua autonomia, sem o respectivo assentimento prévio, não obstante omissa, a respeito, a Lei Suprema.15
Êste instante, pelo que significa como apreço ao trabalho pertinaz, reaviva em mim o entusiasmo para propugnar, dentro do apoucado da contribuição pessoal, pelo aperfeiçoamento das nossas instituições jurídicas e pelo clima de legalidade como condição permanente de felicidade do homem, com fé nos destinos deste país extraordinário, que há de ser cada vez maior, e com confiança na benevolência do Supremo Criador, para que demos de nós, os de hoje, aos nossos filhos, aos filhos dos nossos filhos, enfim, às gerações do porvir, o exemplo da nossa superioridade, e delas possamos merecer respeito e gratidão, por têrmos feito bem a nossa parte, por nós e para elas.
________________
NOTAS
1 1930.
2 1938.
3 Quase nesses têrmos já teve oportunidade de opinar o Sr. ministro EDGAR COSTA, presidente do superior Tribunal Eleitoral.
4 “La Democracia em Crisis”, versão espanhola de HERRERO AYLLÓN, pág. 128.
5 Cód. de Proc. Civil art. 114.
6 GOODHART, “Precedent in English and Continental Law”, ed. Stevens and Sons, páginas 22-25.
7 LUIZ RECASÉNS SICHES, “Los Temos de La Filosofia del Derecho”, ed. Bosch, pág. 8.
8 Art. 1º.
9 Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 1924, 1926, 1928, 1930, 1932: Tribunal de Justiça de São Paulo, 1925, 1932; Supremo Tribunal Federal, 1924, 1932.
10 Mandado de segurança do Sindicato dos Bancos contra a Câmara dos Deputados, relator ministro LUÍS GALLOTTI, V. “REVISTA FORENSE”. vol. 148, pág. 152.
11 Habeas corpus impetrado em favor de Samuel Wainer contra a Comissão Parlamentar de Inquérito, no caso do jornal “Última Hora”, relator o ministro MÁRIO GUIMARÃES, V. página 375 dêste volume.
12 Representação nº 164, acórdão de 16 de junho de 1952, relator o ministro MÁRIO GUIMARÃES, “REVISTA FORENSE”, vol. 150, pág. 130.
13 Rec. ext. nº 18.331, acórdão de 21 de setembro de 1951, relator o ministro OROZIMBO NONATO, “REVISTA FORENSE”, vol. 145, páginas 164-168.
14 Pedido de Intervenção federal nº 14, acórdão de 20 de janeiro de 1950, relator o ministro LUÍS GALLOTTI “Rev. de Direito Administrativo”, vol. 30, págs. 271-284.
15 Representação nº 160, acórdão de 4 de janeiro de 1950, relator o ministro RIBEIRO DA COSTA, “Rev. de Direito Administrativo”, volume 28, págs. 238-248.
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- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
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