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Revista Forense
CLÁSSICOS FORENSE
HOMENAGEM
REVISTA FORENSE
Homenagem ao Desembargador Abel Sauerbronn de Azevedo Magalhães
Revista Forense
27/10/2021
NOVEMBRO-DEZEMBRO DE 1952
Semestral
ISSN 0102-8413
FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO
FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto
Abreviaturas e siglas usadas
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SUMÁRIO REVISTA FORENSE – VOLUME 144
CRÔNICA
DOUTRINA
- A desapropriação por interesse social – Carlos Medeiros Silva
- Da desapropriação de títulos de crédito, ações e bens corpóreos sitos no estrangeiro – Amílcar de Castro
- O poder de polícia e seus limites – Caio Tácito
- A condição espacial do Estado e a propriedade privada – João José de Queirós
- A nova lei do mandado de segurança – M. Seabra Fagundes
- O dano moral e sua reparação – José de Aguiar Dias
- A luta contra a fraude fiscal – Camille Rosier
PARECERES
- Salário – Abono – Incorporação – Prorrogação de prazo – Lei e regulamento – Francisco Campos
- Recurso – Reclamação – Recurso extraordinário – Coisa julgada – Antão de Morais
- Locação – Direitos e deveres do locatário – Propriedade rural – Alvino Lima
- Edifício de apartamento – Área de serventia exclusiva – Servidão – Pontes de Miranda
- Sociedades por ações – incorporação de reservas legais ao capital – João Eunápio Borges
- Vereador – gratuidade do mandato – ajuda de custo – direito adquirido – Caio Mário da Silva Pereira
- Duplicata – comissão e consignação mercantil – Jorge Alberto Romeiro
NOTAS E COMENTÁRIOS
- As classificações teóricas da receita pública – Bilac Pinto
- Responsabilidade do proprietário em face do direito de construir e das obrigações oriundas da vizinhança – João Procópio de Carvalho
- Delitos do automóvel – Lourival Vilela Viana
- Aposentadoria de funcionários públicos – Dario Pessoa
- Caducidade da marca de indústria e comércio – Aloísio Lopes Pontes
- O segrêdo profissional e suas limitações – Hugo de Meira Lima
- Segredo – Segredo profissional – Segredo de correspondência – João de Oliveira Filho
- Meios e processos de pesquisa na moderna perícia de documentos – José Del Picchia Filho
- Reconhecimento de firmas, letras e de sinais públicos – Otávio Uchoa da Veiga
- Homenagem ao Desembargador Abel Sauerbronn de Azevedo Magalhães – Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
BIBLIOGRAFIA
JURISPRUDÊNCIA
- Jurisprudência Civil e Comercial
- Jurisprudência Criminal
- Jurisprudência do Trabalho
LEGISLAÇÃO
LEIA O ARTIGO:
Homenagem ao Desembargador Abel Sauerbronn de Azevedo Magalhães
Em sessão solene, prestou o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro ao eminente desembargador ABEL SAUERBRONN DE AZEVEDO MAGALHÃES, por motivo de sua aposentadoria, significativa homenagem.
Entre os vários discursos proferidos, temos a assinalar o do Sr. desembargador GUARACI DE ALBUQUERQUE SOUTO MAYOR, pelo Tribunal de Justiça, e o do homenageado, em agradecimento.
DISCURSO DO SR. DESEMBARGADOR GUARACI DE ALBUQUERQUE SOUTO MAYOR
É, precisamente, pela comoção que agora experimentamos, Sr. desembargador ABEL DE MAGALHÃES, que podemos aquilatar daquela que, por certo, vos invade, e faz vibrar neste instante tôdas as fibras do magnânimo coração.
Há momentos culminantes, na existência, em que, seja embora muito forte e alevantado o ânimo, não nos conseguimos forrar a anseios d’alma ou a arroubos de enternecimento.
Para aqui vos aprazamos hoje, a fim de vos trazer as saudações e os votos da despedida, nesta solenidade, que poderá ser, e é, na verdade, singela, mas que se há de arraiar da luz intensa da nossa sinceridade.
Esta é, nem mais nem menos, a festa com que a coletividade judiciária, tôda a família forense, quer buscar nos refolhos mais íntimos do sentimento o que de mais sublimado encontre para render-vos, num assomo de justiça, o preito carinhoso do seu afeto e da sua admiração.
Momento breve e fugidio, que todos, entretanto, queremos se transmude em motivo de perene recordação.
A mim me toca, pela honrosa designação do nosso egrégio presidente e pela cativante delegação do nosso funcionalismo, iniciar a manifestação, falando em nome dêste Tribunal, em nome do seu secretário, dos seus escrivães, em nome de todos quantos, do mais obscuro ao mais categorizado, à sombra destas paredes augustas trabalham, na casa, a prol da Justiça.
Não vos admireis de que um só venha a falar por tantos. A vontade é coesa, os propósitos são os mesmos, o sentir é unânime; e, pois, é natural que uma só seja a voz destinada a manifesta-lo, máxime quando a resolução deflui da delicadeza extrema dos que a escolheram para seu intérprete.
De mim, asseguro-vos que, acurvado à evidência dos vossos méritos, rendido ao fascínio dos vossos predicados, não cuidei das responsabilidades que assumia ao aceitar como verdadeiro galhardão da minha vida humilde os ônus da entrepresa excelsa de saudar-vos. Nem cogitei, tampouco, dos riscos da comoção que houvera de padecer.
Não poderia, bem sei, confiar em atributos que, feitas as contas com a consciência, concluo me falecem. Mas posso fiar na vossa indulgência, tanto quanto no antecipado perdão daqueles por quem vim falar. Por isso, não resisti à vaidade que entrava na ousada aceitação do cometimento.
A rigor, meu prezado desembargador ABEL DE MAGALHÃES, falo não só por fôrça da obrigação assumida, senão também por obrigação da estima que vos consagro, tão crescente ao calor do vosso convívio: e dêstes dois vínculos, como diria Matias Aires Ramos da Silva de EÇA, o nosso moralista, tão ameno e elegante no escrever, – “não sei qual é maior, mas é certo que um dêles é violento às vêzes, o outro é suave sempre; porque as cadeias, ainda as que são mais pesadas, ficam sendo leves, quando é o amor quem as faz e as suporta”.
Ademais disso, não surtirão dificuldades para a tarefa, eis que a verdade reside em que, antes que vos pudessem aclamar as nossas vozes, – e ainda aqui aproveito o dizer do mesmo escritor, – já vos tinham aclamado os nossos corações.
Esta casa, num impulso insopitável de todos, quer glorificar-vos, pôsto saiba que a sua glorificação em nada acrescerá a glória que, palmo a palmo, granjeastes para o vosso nome e com a qual pondes remate a uma jornada luminosa, em que, como é dos versos do nosso MACHADO DE ASSIS, encontrastes. o prazer e o orgulho dos que
“… souberam resistir na afanosa porfia aos temporais e aos sóis.”
Fostes advogado, primeiro que tivesseis cedido às seduções e à vocação da magistratura.
Advocacia e magistratura. Duas carreiras, que o grande RUI disse “quase sagradas, inseparáveis uma da outra, e, tanto uma como a outra, imensas nas dificuldades, responsabilidades e utilidades”.
Fulgistes, singularmente, na primeira, e vos alcandorastes na segunda, que o mesmo Gênio de Haia chamou “a mais eminente das profissões a que um homem se pode entregar neste mundo”.
Nem admira tivesseis trocado, um dia, a primeira pela última. Cedestes às contingências de uma predestinação. Tinheis de ser o provecto jurista que viestes a ser.
Adolescente ainda, já vos tínheis caracterizado por um grande e meticuloso amor ao estudo.
Não cabe aqui, por sem dúvida, a vossa biografia. Mas vale sempre recordar, pôsto que fugazmente, dois episódios edificantes da vossa existência, quando já vos havíeis decidido pelo curso jurídico, e que delineiam, exemplarmente, a feição do vosso caráter.
Aluno dos mais aplicados, de lúcida inteligência, esmerado sempre no rigoroso cumprimento dos deveres escolares no Externato Cunditt, precisastes de atender a exigência então regulamentar, apresentando atestado de suficiência, condição para os exames de preparatórios, a fazer na antiga Instrução Pública. Fostes, então, ao velho e emérito professor Dr. FRUTUOSO, tão conhecido pela sua austeridade e completo devotamento ao ensino. E êste, que a outros alunos negara satisfazer igual pretensão, declarou-se, de pronto, orgulhoso de exarar, pùblicamente, no memorável documento, o seu alto juízo acêrca dos vossos merecimentos, habilitando-vos à prestação imediata dos exames em que, perante bancas desconhecidas e severas, lograstes os louros das notas mais distintas em todos os preparatórios.
Tivestes de fazer também exame de História Natural, disciplina de valor secundário para o curso que tínheis em mira e na qual tivestes por mestre abalizado o saudoso e exímio professor Dr. EDMUNDO SILVA. A ela vos aplicastes, todavia, na obrigação de estudar a matéria pela matéria, desdenhando a circunstância da sua relativa desvalia para a conquista da láurea do bacharelato jurídico. E os “pontos” que, então, elaborastes, tão profundos e cuidados eram que, por muito tempo, vieram a servir de guia seguro a primeiro-avistas da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.
Tudo isso, tôda essa meticulosidade no estudo já desvelava em vós a consciência reta, a formação honesta e superior do caráter inteiriço e puro.
Assim, quando, aos 19 anos, conquistastes o grau de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, já deixastes a Faculdade aureolado do aprêço dos mestres e da admiração reverente dos condiscípulos e colegas.
Na advocacia e no magistério superior, pontificastes de modo fulgurante. De vossas atividades nessas duas searas, dirão hoje outros de maneira bem alta e melhor.
Na magistratura, logo vos destacastes, neste Tribunal, entre os que mais vadiam, não só pela educação primorosa, pela fidalguia do trato, pelo impoluto do caráter, como pelo cintilar da inteligência viva, pelas manifestações do talento peregrino, pela acuidade do espírito, pela profundeza da erudição, pelo acêrto das decisões magníficas.
Seeno sempre e sempre nobre, honrastes sobremaneira êste colégio judiciário, onde vos impusestes, invariàvelmente, à mais sincera afeição dos vossos colegas, à sua confiança nunca desmentida, à sua constante admiração.
Vossos votos, vossos acórdãos aí estão, a atestar os primores da vossa cultura, tersos na forma, profundos nos conceitos, justos no conteúdo ou essência.
Magistral na técnica, seguro e lógico na argumentação, correto no dizer, claro no raciocínio, a todos nos propiciastes horas proveitosas de ensinamentos e ricas de puro encanto espiritual.
Vosso verbo eloqüente teve sempre ressonâncias tais, que, por vêzes, a êle prêso, embevecido, eu vos confesso que me parecia tínheis a preocupação de responder àquela interrogação de QUINTILIANO, a saber: “Se não recebemos nada melhor do que o uso da palavra, que coisa devemos nós aperfeiçoar mais?”
Outras vêzes, quando, serenamente, lùcidamente, sem o entono dogmático dos pedantes, dos fátuos ou dos presumidos, desenvolvíeis, a revelar a louçania e o lavor das letras, os vossos raciocínios, ainda vos confesso que era tal o vosso poder de convicção que, discípulo humilde mas atento, me assaltava o desejo de segredar-vos, como melhor forma de exprimir os sentimentos, aquêles versus do Florentino:
“Maestro, i tuoi ragionamenti
Mi son si certi, e prendon si mia fede,
Che gli altri mi sarian carboni spenti.”
Modestíssimo sempre, à vossa modéstia devemos o ter de apontar, se mo permitis, a lacuna única de vossa vida: a de não nos terdes legado ainda livros e tratados de Direito, que seriam verdadeiros monumentos, de saber, lídimas expressões da nossa cultura, das nossas letras especializadas. Lacuna que podereis sanar em breve, e para tanto aqui vos deixamos o mais caloroso dos apelos.
Porque, se é certo que o preceito constitucional, a que deveis obediência, vos afasta da cadeira que tanto ilustrastes e enobrecestes, privando-nos do vosso cativante convívio, não menos certo é que tendes a felicidade de deixá-la em pleno viço de tôdas as faculdades intelectuais, em condições de, produzir ainda muito e do melhor.
Ides, por certo, sentir a falta dêste trabalho de anos dilatados na mais brilhante das judicaturas. A lei vos força ao repousa dignificante, com que se coroa uma vida afanosa de emérito julgador.
Mas, como disse JOAQUIM NABUCO, há uma forma de repousar, que consiste em mudar de trabalho. Agora, que vos recolheis às doçuras do lar feliz e ao silêncio do gabinete, despis a toga luminosa, mas podeis entregar-vos ao entretenimento do labor das letras jurídicas, dando-vos os trabalhos de doutrina em que vos podeis alçar às mais altas esferas do pensamento.
Sr. desembargador ABEL DE MAGALHÃES!
Não trouxe o intento de fazer um estudo da vossa existência, derramando-me em louvores, que, como já vos disse, em nada acresceriam os vossos méritos.
Trouxe, apenas, o propósito de dizer-vos, nesta hora da despedida, do pesar imenso com que vemos o vosso afastamento desta casa, que deixais cercado da irredutível e profunda afeição de todos nós.
Queremos é que vos toqueis, a fundo, do calor dos nossos sentimentos, do carinho com que, daqui a pouco, vos abraçaremos, já tão saudosos, à soleira dêste templo da nossa Justiça.
“Vivir con nostalgia de la gloria”, – escreveu INGENIEROS, – “es un martirio”.
Dêsse martírio não padecereis. Não precisais sofrer a nostalgia da glória, porque as vossas glórias, as glórias do vosso nome, essas as levais convosco, e não emurchecerão jamais.
Não sei se conheceis aquelas páginas rutilantes de um escritor português, AUGUSTO DE CASTRO, que exorta cada um a fazer de sua vida o seu jardim. “A existência é um terreno que Deus nos entregou para cultivar”.
De vossa existência, soubestes fazer um jardim, onde, jardineiro desvelado, de atos e pensamentos, cultivastes flores e não deixastes brotassem os cardos.
De cada dia extraístes “a porção de sonho, de alegria, de desejo e de beleza que êle comporta”.
Ides agora acolher-vos, mais que nunca, a êsse jardim, gozando “a paz de cada sombra, mas voltando sempre os olhos ao sol”.
Não erguereis em tôrno dêle, por certo, muros tão altos que vos impeçam de contemplar “a paisagem donde se avista o horizonte”. “O homem precisa ver o céu. Precisa mesmo ver além do céu – porque só no irreal e no invisível os seus olhos podem medir a sua sombra”.
Vivereis no vosso jardim, a cultivar as rosas do espírito e dos sentimentos, as flores mimosas da amizade.
Não vos confineis, porém, aos seus muros, não vos escondais de nós, que tanto vos queremos e em cuja suave recordação continuareis a viver.
Ide tranqüilo. Deixais aqui um exemplo. Daqui vos afastais como um símbolo.
Exemplo nobre, – para os que ficam e para os que virão.
Símbolo altaneiro de ume, magistratura que exalçastes e que se esforçará por preservar o lugar que lhe compete nos fastos da judicatura do Brasil.
Sêde feliz! Que Deus vos guarde ad multos annos, – meu Mestre e meu amigo, para o nosso coração!
Tenho dito.
DISCURSO DO SR. DESEMBARGADOR ABEL SAUERBRONN DE AZEVEDO MAGALHÃES
Exmo. Sr. presidente, prezados colegas, meus senhores:
Deu-me a Providência Divina, entre tantas dádivas com que me tem cumulado a sua caridade infinita, a mercê de saber conquistar o afeto e à simpatia dentre os meus companheiros de trabalho, dentre os que comigo convivem e de mim se acercam.
E, assim, à mingua de merecimento, tenho ascendido em minha vida a posições de relêvo, a situações de destaque, muito acima da minha valia, graças à cooperação espontânea e generosa dos meus amigos, dos meus companheiros.
Aí está a explicação desta sessão augusta que a generosidade magnânima dos meus irmãos de ofício vem de realizar, para prestar homenagem imerecida ao colega obscuro, na hora da separação, tangida no curso pugídio dos tempos, pelos brados da lei, no seu preceito sábio e prudente, a advertir o obscuro desavisado e presumido de que suas forças em declínio não mais lhe permitem levar a cabo a tarefa empreendida.
Ao chegar ao término da carreira judiciária, ao despir a toga de juiz, lanço um olhar ansioso para o longo caminho percorrido, em um exame de consciência, em um ato de contrição.
E julgador benigno que sempre fui, tolerante, talvez, em demasia, em julgar os atos alheios, cedo ao pendor irresistível dessa tendência, em um esfôrço angustioso para esculpar as falhas e deficiências no desempenho da missão de juiz que ousei temeràriamente lançar sôbre os meus ombros.
E, na rescispiscência dessa temeridade, seja-me lícito, desde logo, invocar uma atenuante: o amor pela função.
Fui juiz por vocação.
Ingressei na magistratura por vontade livre, sem a pressão, sequer, da mais ligeira preocupação de interêsse pessoal.
Desertei da nobre carreira afim da advocacia, que, esta sim, adotara sob o império de injunções pragmáticas, quando ela me sorria próspera e propícia.
Nela vinha-me mantendo na expectativa de ascender à função de juiz, que me acostumara a amar e a cultuar nos ensinamentos e no exemplo do meu Pai, o desembargador JOSÉ ALVES DE AZEVEDO MAGALHÃES, a cuja evocação, ao recordar-lhe a imagem, na nobreza da sua vida, na integridade do seu caráter, na sabedoria do seu conselho, ainda hoje, nesta fase de senectude, passado mais de meio século que o perdi, sinto o coração repleto de gratidão e de enternecida saudade.
Ingressando na magistratura sob êsses auspícios, procurei exercer o oficio com devoção, empolgado pela mística da Justiça que, no verbo genial de RUI BARBOSA, deve ser mais alta que a coroa dos reis e tão pura com a auréola dos santos, da Justiça que se pratica com a “constans et perpetua voluntas pus sum cuique tribuendi”.
Função tão alta e tão sagrada que, perante viela, se curvou o gênio da irreverência, o iconoclasta clássico das místicas e dos preconceitos, o cético de Aronet, o mordaz VOLTAIRE, que a definiu:
“La plus belle fonction de l’humanité, aussi admirable pour sa grandeux qu’effrayrante par les vertus qu’elle exige et par les devoirs qu’elle impose”.
Em verdade, árdua, em extremo, é a missão do juiz.
Não é somente no respeito aos deveres exteriores e formais, na rapidez e na facilidade no decidir que repousa a principal característica do juiz.
A qualidade fundamental do magistrado é, a par de um fundo de cultura intensa, a absoluta inteireza moral, a nobreza d’alma.
Não há tribunais que bastem para abrigar o direito quando o dever se ausenta da consciência do juiz.
Fácil seria a sua função, se a aço de julgar consistisse em uma operação de lógica, trabalhosa embora, em um trabalho mental de dialética, em que bastasse alinhar uma série de silogismos, revestidos dos ouropéis de erudição, para fundamentar uma opinião ligeiramente aceita.
Não. Ao juiz verdadeiro não basta aceitar uma solução que se possa fundamentar dialèticamente com maior ou menor brilho; mas fôrça lhe é aprofundar-se no estudo exaustivo e torturante, no exame percuciente e ansioso do assunto, até o esgotamento, até o limite do tempo e da resistência mental, para descobrir a solução verdadeira…
O que torna penosa e angustiante a função judiciária, e lhe dá a altitude moral que merece, é a consciência profunda da sua responsabilidade, o receio acabrunhante de cometer um êrro, de ferir um direito, o anseio de servir o ideal de uma justiça eterna, quiçá utópica, mas que exalça o homem e o transporta aos céus da sua crença, de uma justiça que assenta morada no coração do homem reto e puro; fanal que ora brilha, qual chama viva de um incêndio, ora bruxoleia vacilante, mas que jamais se extingue e sempre clareia o caminho nas jornadas incertas do direito, em sua marcha ascensional.
Ideal dessa justiça que, na imagem de frei HEITOR PINTO, o sábio eclesiástico, e o guia da nossa vida, a mestra dos bons costumes, inventora das leis; que espanta os maus, garante os bons, destrói a confusão, gera a harmonia, livra os inocentes e condena os culpados.
Para realiza-la deve o juiz forrar a alma com a couraça das virtudes.
“Debajo de la toga”, disse bem ANGEL OSSORIO, “hay que levar coraza”.
No nobre ofício de julgador, a dirimir a rude peleja das lides forenses, em que se digladiam, ansiosos, ante as incertezas da solução judicial, interêsses e direitos que são tôda a trama da vida, que ora representam o ceitil do pobre, ora a fortuna do milionário, ou se traduzem nas puras alegrias da inocência, nas dores cruciantes da existência ou nos torpes prazeres dos corrompidos; há de o magistrado, sobranceiro à pressão dos poderosos, manter-se surdo às insinuações tendenciosas que se procuram disfarçar sob a cada da amizade, da camaradagem despreocupada; inacessível a quaisquer sugestões subalternas e, o que é mais difícil, às sugestões do amor próprio, êsse inimigo de quem disse a palavra austera do padre MANUEL BERNARDES: “Não tens inimigo mais poderoso, mais astuto e mais doméstico que o teu amor próprio. Se queres errar freqüentemente, sentencia pelo teu voto”.
Aí está, neste breve bosquejo, o oficio de juiz, como eu o entendo.
Mas, ai de mim!, sinto no fundo d’alma que não o desempenhei como almejara e como devera. Bem sei que me faltaram fôrças para tarefa tão grandiosa; e neste momento emocional de despedida, no encerramento da carreira, quando me cumpre dar contas do desempenho, me irrompe, do coração conturbado, como ao sacerdote no altar, na hora do sacrifício, a apóstrofe contrita: “Domine non sum dignus”.
Nesta perplexidade que me tortura a alma, acode a levantar-me o ânimo deprimido, o espetáculo desta sessão magna, o côro das vozes eloqüentes que, no calor da sua sinceridade, no merecimento do seu desinterêsse absoluto, na vibração alcandorada do seu afeto, vêm trazer o confôrto, o bálsamo dos seus aplausos ao lidador que, exânime, tombou na arena, incerto dos destinos da peleja; e, com a vara de condão da sua benevolência, transforma a derrota em vitória triunfal; e entretece para a fronte do vencido a coroa de louros dos vencedores.
Bem sei que nessas orações vibraram as cordas da afeição, da simpatia e da bondade; falou, apenas, a voz do coração que, no seu cadinho de alquimista, transmuda os valores, e consegue dar ao carvão escuro da minha desvalia o fulgor diamantino de um merecimento relevante.
Por isso mesmo, ao choque dessas homenagens generosas, cedo a uma emoção que me empolga e, prendendo-me em seu enlace inibitório, me tolhe a palavra, já, de natura, enfêrmica e precária, e me impede de expulsar, com a abundância que me vai na alma, a profundeza da minha gratidão.
Comoveu-me fundamente a saudação fidalga do nosso excelso presidente, o desembargador FERREIRA PINTO, cuja investidura na chefia do Poder Judiciário fluminense e á justa consagração das altas virtudes que o fazem o juiz padrão, o juiz modelar e prenuncia a ascensão a mais elevada hierarquia judiciária.
A palavra grandíloqua de GUARACI SOUTO MAYOR, na sua pródiga generosidade, não me retraça a figura modesta, mas, antes, espelha o juiz brilhante e impoluto, referto de talento e sabedoria, que é GUARACI SOUTO MAYOR.
Ao Dr. PAULO OLIVEIRA, figura exponencial do Ministério Público, pelos seus altos merecimentos, agradeço a sua comovente oração.
O Dr. TOLEDO PIZA, lídimo embaixador da nobre classe dos juízes de primeira Instância, pelos dotes de inteligência peregrina e de cultura, faz-me recordar, saudoso, o discípulo que, pela sua marcante trajetória acadêmica, prenunciava a carreira vitoriosa do jurista e do polígrafo.
A classe fidalga dos advogados, de que tive a honra de fazer parte, distinguiu-me enviando para representa-la o seu digno batounier, presidente da Ordem, o insigne advogado Dr. FELÍCIO PANZA, cuja formosa oração revela a maestria do tribuno eloqüente e do brilhante cultor do direito.
Distinguiu-me com a sua saudação o Dr. JOUBERT MOLL, uma das mais belas figuras da nova geração dos advogados, pela acuidade do senso jurídico, servido por dialética habilíssima.
Com a representação de Cantagalo, a minha querida terra natal, falou o meu prezado e eminente colega desembargador CÔRTES JÚNIOR, em uma brilhante peça literária, ressumbrante de emoção e sentimento.
Deram-me a honra de representar-se nesta cerimônia a Faculdade de Direito de Niterói e a Academia Fluminense de Letras. Em nome delas falou o pontífice da advocacia fluminense, Dr. RAMON ALONSO, a eloqüência nimbada de cultura, o professor sapientíssimo, o exímio jurisconsulto.
Com as credenciais dos antigos alunos que se não deslembraram do velho mestre, fêz-se ouvir o verbo cintilante do jovem e talentoso advogado Dr. ALCI AMORIM DA CRUZ, que, desde logo, no ingresso da carreira, nos primeiros ensaios dos seus remigíos, revelou a envergadura dos triunfadores.
A êsse côro de vozes amigas uniu-se a voz do sangue, a ofertar-me fraternal amplexo, nas palavras enternecedoras de LEONEL MAGALHÃES, irmão menor na idade, mas muito maior na altitude intelectual e no dinamismo fecundo:
Nestes últimos instantes de despedida quero acentuar os meus agradecimentos comovidos aos prezados amigos, colegas no Tribunal, pelas constantes demonstrações de afeto e de estima com que me cumularam no decurso dessa longa convivência quase diuturna, de que guardarei perene a mais grata e saudosa recordação.
E reitero-lhes a expressão do meu desvanecimento por ter tido a ventura de fazer parte dêste egrégio Colégio, composto de insignes magistrados que, por sua inteireza moral e elevada cultura, honram e enaltecem o nome da Justiça.
Aos dignos funcionários desta Casa, chefiados pelo ilustre secretário, meu prezado amigo, Dr. AGUINALDO FIGUEIREDO, não posso deixar de apresentar os meus agradecimentos pelas atenções recebidas, de envolta com os meus louvores, pela exação e zêlo no desempenho dos seus deveres.
A todos os prezados colegas e diletos amigos aqui presentes, o penhor da minha gratidão por terem enaltecido a cerimônia coma honra de seu comparecimento.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
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