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Medida Provisória 927 – Alterações trabalhistas em tempos de coronavírus # 3 – Como fica o FGTS?
Marco Aurélio Serau Junior
01/04/2020
A Medida Provisória 927/2020, dentre as várias medidas trabalhistas destinadas à adaptação da CLT a estes tempos estranhos decorrentes do combate à epidemia do COVID-19, prevê o diferimento do recolhimento das contribuições mensais ao FGTS (art. 3º, VIII).
Ou seja, as empresas poderão recolher o FGTS em outro momento economicamente mais oportuno, nos limites trazidos pela Medida Provisória 927/2020, sem que isso configure anistia, remissão ou desoneração dessas importantes contribuições sociais.
Embora o FGTS constitua um importante patrimônio dos trabalhadores, tanto do ponto de vista individual (proteção contra o desemprego) como no aspecto social (como financiador de outras políticas públicas, em particular os programas de habitação), cremos que essa alteração tributária vem bem a calhar para o momento, que exige adaptações. Trata-se de uma medida de parafiscalidade ou extrafiscalidade razoável para o momento.
Suspensão da exigibilidade das contribuições ao FGTS e aspectos tributários e administrativos
O art. 19 da MP 927/2020 dispõe o seguinte:
Art. 19. Fica suspensa a exigibilidade do recolhimento do FGTS pelos empregadores, referente às competências de março, abril e maio de 2020, com vencimento em abril, maio e junho de 2020, respectivamente.
O art. 19 da MP 927 introduz uma figura de moratória tributária, conforme previsão do art. 151, I, do CTN. Segundo Hugo de Brito Machado:
“Moratória significa prorrogação concedida pelo credor, ao devedor, do prazo para pagamento da dívida, de uma vez ou parceladamente.
No Direito Tributário também é assim. Moratória é prorrogação do prazo para pagamento do crédito tributário, com ou sem parcelamento.”
(Curso de Direito Tributário, 20ª ed., S. Paulo: Malheiros, 2002, p. 155-156)
Os empregadores poderão fazer uso dessa prerrogativa independentemente: do número de empregados; do regime de tributação; de sua natureza jurídica; do ramo de atividade econômica; e de adesão prévia (art. 19, p. único).
As contribuições para o FGTS relativas às competências de março, abril e maio de 2020 poderão ser parceladas, sem a incidência da atualização, da multa e dos encargos previstos na Lei 8.036/90.
Porém, eventual inadimplemento destas parcelas de FGTS submeterá o empregador ao pagamento de multa e de mais encargos já mencionados, bem como ensejará o bloqueio do certificado de regularidade do FGTS (arts. 23 e 24 da MP 927). No dizer de Paulo de Barros Carvalho, a suspensão proporcionada pela moratória é apenas da exigibilidade do crédito, não do próprio crédito tributário (Curso de Direito Tributário, 14ª ed., S. Paulo: Saraiva, 2002).
Ainda quanto a isso, os prazos dos certificados de regularidade do FGTS emitidos anteriormente à data de vigência da MP 927 serão prorrogados por 90 dias.
Os prazos prescricionais relativos às contribuições do FGTS ficam suspensos por 120 dias contados da data de vigência da MP 927/2020. Inclusive é relevante acrescentar que os parcelamentos de débito do FGTS em curso, com parcelas a vencer nos meses de março, abril e maio, não impedirão a emissão de certificado de regularidade do FGTS.
Por fim, observe-se que durante o período de 180 dias, contados do início da vigência da MP 927, os prazos processuais para apresentação de defesa e recurso administrativos no âmbito de autos de infração trabalhistas e notificações de débito de FGTS ficam suspensos. Outrossim, nesse mesmo período, não ocorrerá (em relação ao recolhimento de FGTS) a atuação dos Auditores Fiscais do Trabalho do Ministério da Economia (arts. 28 e 31).
Garantias aos trabalhadores e possível nova hipótese de saque da conta vinculada
A MP 927/2020 também trouxe medidas protetivas aos trabalhadores e trabalhadoras e estabelece que, na hipótese de rescisão do contrato de trabalho, a suspensão do recolhimento das contribuições ao FGTS ficará resolvida, isto é, deixa de ocorrer, e o empregador ficará obrigado ao recolhimento dos valores correspondentes, sem incidência da multa e dos encargos monetários. Além disso, será devido o depósito de 40% nos casos de despedida sem justa causa e de 20% nos casos de culpa recíproca.
A MP 927/2020 não faz menção expressa à hipótese de multa do FGTS no patamar de 20% prevista pela rescisão contratual consensual (art. 484-A, da CLT), mas cremos que não há impedimento a que isso ocorra, por interpretação sistemática da legislação trabalhista.
Outro ponto que gostaria de discutir consiste na possibilidade de saque do FGTS nesse período caracterizado como estado de calamidade pública. Atenção para o art. 20, XVI, da Lei 8.036/90:
Art. 20. A conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada nas seguintes situações:
(…)
XVI – necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural, conforme disposto em regulamento, observadas as seguintes condições:
a) o trabalhador deverá ser residente em áreas comprovadamente atingidas de Município ou do Distrito Federal em situação de emergência ou em estado de calamidade pública, formalmente reconhecidos pelo Governo Federal;
b) a solicitação de movimentação da conta vinculada será admitida até 90 (noventa) dias após a publicação do ato de reconhecimento, pelo Governo Federal, da situação de emergência ou de estado de calamidade pública; e
c) o valor máximo do saque da conta vinculada será definido na forma do regulamento.
O art. 20, XVI, da Lei 8.036/90, permite o saque do FGTS nas situações de reconhecimento de calamidade pública, decorrentes de desastre natural. O estado de calamidade pública reconhecido no Decreto Legislativo 6/2020, como é sabido, não deriva de um quadro de desastre natural.
Porém, pensamos que é possível interpretação a situação decorrente do enfrentamento do COVID-19 de modo mais amplo, à semelhança do que já ocorreu com diversas hipóteses de liberação do FGTS admitidas pela jurisprudência, em interpretações extensivas de dispositivos expressamente previstos na Lei 8.036/90.
Assim, cremos que, diante das mesmas finalidades mencionadas no art. 20, XVI, da Lei 8.036/90, a partir do princípio constitucional da igualdade (art. 5, II, da CF), será possível, na via judicial, o saque do FGTS para as pessoas que demonstrem necessidade pessoal decorrente do estado de calamidade pública, ainda que não se tenha, exatamente, um cenário de desastre natural.
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