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ações possessórias no âmbito do direito trabalhista

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TRABALHO

Das Ações Possessórias no Âmbito do Direito Trabalhista

AÇÕES POSSESSÓRIAS

DIREITO DO TRABALHO

LEI DO INQUILINATO

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REVISTA FORENSE 157

Revista Forense

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02/02/2023

REVISTA FORENSE – VOLUME 157
JANEIRO-FEVEREIRO DE 1955
Bimestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICARevista Forense 157

DOUTRINA

PARECERES

NOTAS E COMENTÁRIOS

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

LEGISLAÇÃO

SUMÁRIO: Relação do emprêgo e relação ex locato. Salário pago a empregado mediante a utilização do imóvel. Coexistência dos contratos de locação predial e de trabalho. Aplicação restrita da Lei do Inquilinato aos casos de ocupação do prédio mediante contrato de locação. Ações possessórias como remédio eficaz para o cumprimento da condição-habitação ajustada entre empregado e empregador. Relação entre o possuidor e o servidor da posse. Modalidades do salário-habitação. Empregado titular do direito de habitação. Competência da Justiça do Trabalho para decidir as ações de posse, quando a habitação ocupada pelo empregado seja objeto de contrato de trabalho.

Sobre o autor

Pires Chaves, presidente da 1ª Junta de Conciliação e Julgamento do Distrito Federal.

NOTAS E COMENTÁRIOS

Das Ações Possessórias no Âmbito do Direito Trabalhista

Contrato individual de trabalho é a convenção segundo a qual uma das partes (o empregado), mediante remuneração e sob dependência jurídica, fornece à outra parte (o empregador) a prestação pessoal de seus serviços.

A remuneração compreende, por definição legal, a importância fixa estipulada e as utilidades, inclusive habitação que o empregador, por fôrça do costume, fornecer habitualmente ao empregado (Consolidação, art. 458).

A ocupação do imóvel como modalidade do salário não poderá, portanto, ser entendida como típico contrato de locação predial, para excluir dos tribunais trabalhistas a competência na decretação das medidas assecuratórias da observância mesma do contrato de trabalho.

A matéria tem sido de controvérsia, notadamente depois que J. ANTERO DE CARVALHO, em esplêndidos comentários divulgados em “O Jornal”, se dispôs a reexaminar a tese acolhida pela maioria dos juristas que participaram do Congresso de São Salvador, por indicação de CÁRMINO LONGO.

Relação do emprêgo e relação ex locato. Salário pago a empregado mediante a utilização do imóvel.

A preponderância do contrato de trabalho é conseqüência natural da relação de emprêgo, de vez que o imóvel não está sendo ocupado mediante contraprestação em dinheiro, mas em utilidade. O empregador não o aluga. Fornece-o como condição do contrato de trabalho, não podendo, sequer, elevar o valor da utilidade, senão quando tenha de ajustá-lo às majorações decorrentes do salário-mínimo ou, em certos casos, do salário-normativo.

A rigor jurídico, o empregador não cede o uso da coisa a terceiro estranho à relação de emprêgo. Cede-o ao próprio empregado, intuitu personae, como condição do salário ajustado. Salário, aí, é contraprestação pelo trabalho executado por empregado, em virtude da relação de emprêgo. Não é aluguel pago em razão da relação “ex locato”. O empregado pode, inclusive, deixar de trabalhar por motivo de doença, permanecendo sob custódia de instituição de previdência, e continuar com o direito de residir no imóvel. Durante êsse período, embora não preste atividade, porque suspenso o contrato de trabalho, continua com o direito ao uso da coisa, recebendo a paga da utilidade. Se o empregador, não obstante, se recusa a fornecer a habitação, está descumprindo o contrato de trabalho, e a controvérsia se abre por motivo de salário. A medida processual será a manutenção da posse, instituto de direito civil, porém, em virtude da condição das pessoas e do contrato de trabalho, da alçada dos tribunais trabalhistas, por aplicação do direito subsidiário (Consolidação, art. 8°, parág. único).

Coexistência dos contratos de locação predial e de trabalho

Quer dizer que em todos os casos dessa natureza a moradia é inerente à relação de emprêgo, e sòmente se justifica pela condição das pessoas vinculadas, não ao contrato de locação predial, mas ao de trabalho.

Por outro lado, não se trata, evidentemente, de locação predial até porque o empregado apenas tem direito ao uso do imóvel, e não ao seu gôzo, enquanto vigente a relação de emprêgo. O empregador pode, por exemplo, segundo o convencionado, fornecer a utilidade ao empregado destinando-lhe um só cômodo ou imóvel. Pode, ainda, fornecer-lhe habitação coletiva, ou pagar-lhe a prestação, em dinheiro, a título de reparação da parcela utilidade, sem que, com isso, esteja alterando o contrato. Basta, para tanto, que haja anuência da parte contrária.

Porém, nas locações de imóveis ajustadas entre pessoas alheias ao contrato de trabalho, tais modificações são incompatíveis com o sentido jurídico do instituto. O juiz cível, por exemplo, não conheceria, em princípio, da ação intentada pelo empregado que pretendesse a restituição de posse, ocorrendo modificação unilateral vedada pela lei trabalhista, a teor do art. 468 da Consolidação; ou que tivesse por objeto a reparação dos danos causados pela ocupação do imóvel, segundo o art. 462 do mesmo diploma.

Figure-se a hipótese do empregador, obrigado a fornecer ao empregado, que, em dado momento, a suprimisse unilateralmente, substituindo a prestação utilidade pelo pagamento de salário em dinheiro. Sem dúvida, alguma que o empregado, prejudicado em teus direitos, haveria de recorrer à medida possessória, mantenedora da condição ajustada, fazendo valer o contrato de trabalho em tôda a sua plenitude. Se ajuizaste ação de posse, perante a vara cível, correria o risco de ser desatendido, porque, antes de tudo, cumpriria à Justiça do Trabalho definir o alcance da modificação contratual, segundo os pressupostos fundamentais da legislação trabalhista.

Entender-se, no exemplo apontado, que tribunais de trabalho seriam incompetentes para a decretação do remédio possessório, seria afastar, em princípio, da apreciação do Poder Judiciário lesão de direito individual; ou, por conseqüência, condicionar a solução judicial ao acatamento do ato do empregador, o que é contra o direito do empregado, de pedir o restabelecimento das condições do contrato (Constituição, art. 468).

Os opositores da competência dos tribunais trabalhistas negam, em resumo, atribuições relacionadas com o despejo do empregado, invocando o preceito da lei nº 1.300, de 28 de dezembro de 1950, o qual sòmente será concedido “se o empregador pedir o prédio locado a empregado, quando houver rescisão do contrato de trabalho, e o imóvel se destinar à moradia do empregado”.

Em primeiro lugar, atente-se para a expressão: prédio locado a empregado, quando houver rescisão do contrato.

Prédio locado a empregado não é o mesmo que prédio ocupado por empregado, como modalidade de salário. Ali, há locação (v. g.: casas residenciais alugadas a empregados de uma fábrica; prédios ocupados por empregados de uma vila operária de propriedade da emprêsa empregadora). O prédio ocupado por empregado, como modalidade de salário, não é prédio locado; é coisa cedida ao empregado pelo empregador, como parcela de salário (v. g.: vigia que dorme no prédio nos seus intervalos de repouso ou fora das horas de serviço; porteiro de edifício de apartamentos, que ocupa um dos cômodos, como retribuição de sua atividade; chofer de lotação, que reside no prédio destinado pelo empregador, em conseqüência de ajuste decorrente da relação de emprêgo).

No nosso Direito, os sufrágios da jurisprudência se concentram em tôrno dêsse entendimento. O acórdão estampado na “Rev. dos Tribunais”, vol. 161, página 248, acrescenta, in verbis: “Turba a posse do patrão o empregado doméstico que recusa a desocupar o cômodo fornecido para sua moradia, junto daquele, como acessório do emprêgo. E isso porque, cessada a prestação de serviço, cessa também o direito que tem o empregado de morar em companhia do patrão”.

Nesse caso, não havia relação de emprêgo, porque o doméstico não é empregado, no sentido das leis trabalhistas. O cômodo era fornecido como acessório do emprego. Assim, aquele empregado servia à, posse, segundo a hipótese do art. 487 do Cód. Civil, cessando, evidentemente, o seu direito de morar juntamente com o patrão, uma vez cessada a prestação de serviço. Inexistindo, assim, condição de pessoas, faltava o princípio fundamental da competência trabalhista, pela inexistência de dissídios entre empregado (repita-se: o doméstico não é empregado) e empregador.

Comete esbulho o empregado que, demitido., se recusa a desocupar o prédio que lhe foi cedido pelo empregador sustenta o julgado inserto na “Rev. dos Tribunais”, vol. 179, pág. 812, Também aí, não se diz da existência de relação de emprêgo, tendo por fundamento o salário-habitação. Alude-se, porém, claramente, a que o prédio foi cedido, donde o pressuposto de graciosidade do ato. O empregado ocupava o imóvel por liberalidade do empregador. Nêle conservando-se, depois de rescindido o contrato, decerto que esbulhava a propriedade do patrão.

Ainda o julgado da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Anelação de São Paulo entendeu praticar esbulho o “empregado que, depois de cessadas as relações de emprêgo, se recusa a entregar o imóvel que ocupava nessa qualidade, sendo lícito o uso da possessória pelo proprietário, se o locatário, patrão, já dera por finda a locação” (“Rev. dos Tribunais”, vol. 188, pág. 646).

Nesta hipótese, havia relação de emprêgo e o empregado ocupava o imóvel depois de cessado o contrato de trabalho, porque, concomitantemente, já o patrão dera por finda a locação, obrigado, pois, a desalojar-se do imóvel de que era locatário. Como vemos adiante, a competência, nesses casos, é do juiz cível, porque, a rigor, a posse do empregado sòmente poderia ser exigida contra o patrão, nunca contra terceiro estranho à relação de emprêgo.

Aplicação restrita da Lei do Inquilinato aos casos de ocupação do prédio mediante contrato de locação

Mesmo que se admita a tese restrita à aplicação da Lei do Inquilinato, tal não implica, necessàriamente, na afirmação da incompetência dos juízes trabalhistas, para o conhecimento das ações de posse, quando existente um dissídio entre empregado e empregador, por questão de salário-utilidade.

A regra predominante naquele texto de lei é a da permissão do despejo contra o empregado ocupante do imóvel, porém sob as condições do contrato de locação. Rescindido o contrato de trabalho, a permanência do empregado no imóvel constitui fundamento legal para a ação de despejo.

Está com a razão o processualista MACHADO GUIMARÃES (“O Jornal” de 19 e 20 de março de 1955), quando sustenta que a Lei do Inquilinato regula a desocupação do imóvel onde reside o empregado quando o contrato de locação predial é concluído a latere do contrato de trabalho. Na hipótese, não se configura, realmente, um contrato misto, de vez que um contrato independe do outro, e a competência para a ação de despejo é da justiça comum. Embora as pessoas sejam empregado e empregador, entre elas se estabelece um contrato de trabalho, independente do contrato de locação. A contraprestação é paga em dinheiro, e não em utilidade. O aluguel é também pago em dinheiro; e o empregado reside no imóvel como inquilino.

No caso do porteiro de edifício de apartamentos, que contrata a habitação como cota-salarial, não há, evidentemente, locação de prédio. Há contrato de trabalho, ou contrato misto, como querem outros, sendo o de trabalho o principal. Nessas condições, as medidas possessórias podem ser invocadas como fundamento da alteração contratual, por motivo de condição salarial.

É por demais evidente que o juiz cível, tendo em vista a condição das pessoas e a relação de emprêgo onde inexista locação de coisas, não decidiria da ação do empregador, visando ao despejo do empregado que destina o imóvel com fins estranhos ao contrato de trabalho, ou que o utiliza, estando suspenso do serviço, dado a que a Lei do Inquilinato, como se viu, apenas disciplina a hipótese relativa à rescisão do contrato de trabalho, se o empregado ocupa o prédio como locatário.

Os exemplos equacionados não se ajustam ao invocado preceito legal, justamente porque, durante a vigência do contrato de trabalho, a manutenção de suas condições relacionadas com os princípios de inalterabilidade e pontualidade salariais envolve, necessàriamente, a competência específica da Justiça do Trabalho. E se esta dispõe de competência para decidir tais dissídios, inclusive os pertinentes ao salário-utilidade, decerto que desfruta de iguais atribuições para executar seus próprios julgados, sempre que determine as medidas assecuratórias da posse, em virtude do cumprimento das condições ajustadas entre empregado e empregador.

Também na hipótese de abrir-se controvérsia por motivo de afastamento do empregado estável, rara responder a inquérito, ou em virtude de suspensão disciplinar, em cujo período o empregador entenda de privar o assalariado da moradia contratada, ter-se-á de enfrentar um nítido dissídio individual, decorrente do contrato de trabalho, donde a competência constitucional da Justiça do Trabalho, ratione personae (pela condição das pessoas) e ratione materiae (matéria específica da legislação social – o salário).

As circunstâncias decidirão se o empregado perde a posse com o só ato resilitivo do contrato, ou se lhe assiste o jus detentionis enquanto a rescisão se opera judicialmente.

Tenha-se presente que a posse que desfruta o empregado, como condição do contrato de trabalho, é um fato jurídico, que irradia direitos, pretensões, ações, exceções, vigente o contrato, ou depois de rescindido.

Quando o contrato de trabalho coexiste com o de locação predial, independente um do outro, as ações de posse correm na justiça comum. Quando há ocupação do imóvel, em conseqüência de condição salarial e em razão de contrato de trabalho, a relação possessória está embutida na relação de emprêgo, e a competência é da Justiça Trabalhista. As ações de posse, entretanto, sòmente podem ser aforadas entre o empregado e o empregador. O terceiro, alheio ao contrato de trabalho, ainda que proprietário do imóvel, não pode demandar e nem ser demandado pelo empregado, pois êste é titular do direito de habitação por que apenas responde o empregador.

Autores há que oferecem as definições mais significativas, declinando, alguns dêles, pela competência absoluta da justiça comum, entretanto, sem a necessária distinção entre os princípios geradores do contrato de trabalho e de locação predial, e dos que devam ser invocados quando presente indagação de matéria jurisdicional.

LUÍS ANTÔNIO DE ANDRADE e J. J. MARQUES FILHO (in “Locação Predial Urbana” nº 234) sustentam, com brilho e propriedade, que “se a residência do empregado no imóvel é condição necessária ao desempenho das tarefas que lhe são atribuídas, ou que lhe estão afetas, a relação é uma só – a do emprêgo. A moradia do empregado no prédio é decorrência do exercício do trabalho; só tem existência em função dêle”.

A ocupação do imóvel nas condições ventiladas estabelece uma relação entre o possuidor e o servidor da posse. Residindo o empregado no imóvel, como condição indispensável ao desempenho das tarefas que lhe estão afetas, tal situação não gera a relação possessória. O faroleiro, que reside no próprio pôsto de trabalho, serve a posse, e o exercício do seu trabalho não o faz titular do direito de habitação.

A utilidade, nesse caso, nem precisa ser ajustada. E se o fôr, a moradia tem a sua existência condicionada à duração do contrato de trabalho.

Em certos casos, mesmo inexistindo condição expressa no contrato de trabalho, o empregado, a despeito da especialização de seu ofício, é servidor da posse, à semelhança dos trabalhadores em construção civil, que residem no imóvel em construção. Concluída a obra, não lhes assiste direito de continuarem no local de serviço, em face da rescisão mesma do contrato de trabalho.

MARTINS CATARINO (“Tratado Jurídico do Salário”, págs. 175-176), depois de esclarecer o sentido jurisprudencial que distingue o salário-habitação dado a título gratuito e oneroso, em que, no primeiro caso, a utilidade é fornecida para e não pela prestação do trabalho, porque a habitação é ocupada pelo operário por simples conveniência da emprêsa, vale-se de considerações prestimosas, afirmando que, na segunda hipótese, o contrato de locação predial coexiste com o de trabalho, que é o principal.

“Para alguns”, são palavras daquele autor, “como ORLANDO GOMES, configura-se, na espécie, um contrato misto, e o trabalhador deve comportar-se, no uso da coisa, como verdadeiro inquilino, só se não aplicando as regras de locação quando visceralmente incompatíveis com as normas que regulam o contrato de trabalho. Para outros, como KROTOSCHIN, existe realmente um só contrato: o de trabalho. Argumenta êle: a habitação, sendo contraprestação do empregador, tem o caráter jurídico de salário, sòmente se aplicando por analogia as disposições do contrato de locação para determinação dos limites da utilidade, conferida ao trabalhador. Contudo, o próprio KROTOSCHIN admite a existência de um contrato misto, quando o empregado, ao gozar da coisa, paga ao empregador preço inferior ao usual e adequado. Ocorrendo esta hipótese, é admissível que a diferença resultante da gratuidade parcial seja contraprestação do trabalho prestado. O certo é só haver vislumbres de contrato de locação, quando a utilidade é descontada e o imóvel pertence ao empregador. De qualquer sorte, a interpretação deve abebeirar-se nos princípios do Direito do Trabalho, porque é a relação de trabalho a causa do empregado utilizar o imóvel, devendo ainda estar a cargo da Justiça do Trabalho”.

Diante de ensinamentos tão preciosos, forçoso é convir que o empregado, em tais condições, tem posse, porque titular de um direito de habitação (ius detentionis; ius retinendae; ius recuperandae) se contratou o imóvel como salário. Para mantê-la e conservá-la contra o empregador, é necessária que permaneça em serviço, cumprindo o contrato. A sua posição de possuidor é diversa da que se estabelece em decorrência do contrato de locação predial, no qual o locatário tem direito à posse e até nem pode exerce-la. No caso do empregado, a posse se exerce juntamente com o gôzo da utilidade, e só êle pode usufruí-la, porque a condição salarial aí é pessoal.

Também o empregado, por essa só qualidade, não pode transferir o imóvel ou cedê-lo a terceiros; nem igualmente pode usufruir vantagens conseqüentes do arrendamento ou sublocação, faculdade restrita às locações de prédios por tempo determinado (Cód. Civil, art. 1.201).

Neste ponto, a incompatibilidade entre o contrato de trabalho e o de locação é flagrante. O empregado que ceder o cômodo, por êle contratado como salário, incide em falta, e, com maior razão, se o sublocar, usufruindo vantagens alheias à destinação inerente à relação de emprego

Enquanto vigente o contrato de trabalho, a Justiça do Trabalho é competente para decidir das questões que tenham por objeto a manutenção das suas condições, inclusive salariais. Rescindido o contrato, nem por isso deixa de existir dissídio individual. Os seus efeitos continuam, agora no âmbito das reparações legais. Jurìdicamente, não se pode aceitar que o empregado, nessa situação, permaneça no gôzo da utilidade, percebendo salário, a despeito de já não existir relação de emprêgo.

Deve-se ter como verdade incontendível que o esbulho começa no momento exato em que é rescindido o contrato, negando-se o titular do direito de habitação a restituir o cômodo por êle ocupado, em conseqüência de um contrato já rescindido.

No conceito rigoroso que deve inspirar as ações de posse, basta a simples afirmação do empregador, em juízo, para que assuma a responsabilidade pelo evento das indenizações disciplinadas pela lei trabalhista. Desfeito o contrato de trabalho, nenhuma de suas condições tem eficácia, decidindo-se as indenizações e demais medidas judiciais perante o juízo competente, para o conhecimento das questões oriundas do contrato de trabalho.

Ações possessórias como remédio eficaz para o cumprimento da condição-habitação ajustada entre empregado e empregado

Por tudo isso, não seria possível abstrair da relação de emprêgo a posse que desfruta o empregado por fôrça do contrato de trabalho. A ocupação da utilidade-habitação não é alieno nomine. Ela se dá em nome do empregado. No âmbito jurídico, a posse, nesses casos, é decorrência do contrato. É salário que o empregado exige, reclama, utiliza, paga-se a si mesmo, ocupando o imóvel. Se o faz no curso do contrato, com oposição do empregador, lavra-se dissídio individual trabalhista, podendo recorrer às ações possessórias. Se o faz findo o contrato, são os efeitos dêste que estão em jôgo. Quando se fala em rescisão do contrato, deve entender-se rescisão-jurídica, e não rescisão-fato, a qual sòmente se extingue depois de pagas as indenizações, compensados os créditos e apurado o ter e o haver. A posse do empregado, pretensão de direito obrigacional, não pode equiparar-se à pote do empregador, locatário ou proprietário do imóvel. Rescindido o contrato de trabalho, perde o empregado a sua posse, não tendo mais direito à habitação. A sua permanência no imóvel constitui ato ilícito, contra o qual deverá o patrão requerer o remédio possessório perante a Justiça do Trabalho, por inexistir relação ex locato, mas condição salarial.

Dissertando sôbre a interpretação ao art. 487 do Cód. Civil, diz PONTES DE MIRANDA: “O I Projeto alemão dava proteção ao servidor da posse contra o dono da coisa, contra o patrão. O empregado que fôsse despedido do serviço, teria ação possessória para ficar na casa até expirar o prazo do art. 1.221, e parágrafo único” (“Tratado de Direito Privado”, t. 10, pág. 88, nº 3).

Nas relações entre empregado e empregador é bem possível prospere dissídio dêsse teor, apesar da rescisão se operar mediante a dação do aviso prévio legal.

Basta que o empregador rescinda, sem forma de inquérito judicial, o contrato do empregado estável, para que a êste assista o direito de pedir ao juízo trabalhista a sua reintegração, cumulando o pedido com o remédio possessório adequado, para o efeito de utilizar-se da habitação ajustada como salário.

Modalidades do salário-habitação

Se “A” é despedido por “B”, e êste contrata “C”, mediante condição de salário-habitação, “B” tem ação contra “A”, e “C” contra “B”. “A” pode argüir o direito de permanecer no imóvel até que lhe sejam pagas as indenizações ou até final sentença, sendo êle estável. “C” pode exigir contra “B” o cumprimento do contrato ajustado sob a condição da utilidade. Todos êsses dissídios têm um traço comum: a habitação paga como modalidade do salário. Não há, aí, relação “ex locato”. Há relação de emprêgo. As ações podem correr independentes ou cumuladas, segundo a recomendação do art. 842 da Consolidação. O fundamento jurídico da ação é o contrato de trabalho. A competência da Justiça da Trabalho, quando não fôsse explícita, o seria em razão da conexidade da matéria e da condição das pessoas (vis atrativa).

Basta que se comprove a existência de um dissídio entre empregado e empregador, por questão de contrato de trabalho, para que, em razão da vis atrativa, se processem as causas que tenham vinculação jurídica com aquêles dissídios, perante o fôro especializado.

Assim, embora a causa possessória não seja instituto do direito do trabalhador, é inegável que o fundamento do direito ou da garantia legal do salário ajustado como condição de um contrato (habitação) se constitui em verdadeiro título ou motivo jurídico.

MAXIMILIANO (“Direito Intertemporal”, ed. 1946, nº 331, pág. 390), define causa como título, motivo jurídico, “a razão de direito sôbre a qual se funda o autor ou o réu para justificar ou repelir a pretensão que é objeto da demanda (cadem quaestio): por exemplo, no caso de pedido de pagamento de aluguel, o arrendamento; no de restituição de soma emprestada, o contrato de mútuo; no de ação redibitória, a venda; no de alimentos, o parentesco; no de divórcio ou desquite, o matrimônio”. E acrescentemos: no cumprimento da utilidade-habitação – o contrato de trabalho.

Há de admitir-se o fato da posse como fato jurídico, decorrente do contrato de trabalho; e há de entender-se, por lícita, a ocupação do imóvel sòmente enquanto vigente o contrato. Rescindido êste, com ou sem justa causa, a ocupação passará a ilícita.

Ter-se-á, então, que as ações de posse cabem no curso da relação de emprêgo, como medidas eficazes do cumprimento do contrato. Com a rescisão, aquelas ações visam ao ajuste das indenizações legais, segundo a Consolidação, inclusive, em certos casos, perdas e danos, decorrentes da aplicação do art. 462 do referido diploma.

A posse não se compreende independente de qualquer direito. Quando o empregado contrata a paga do seu trabalho mediante parte em dinheiro e parte em habitação, está contratando a posse da moradia, tendo direito à proteção legal necessária nos casos de turbação ou esbulho. Contra ilegalidade dêsse propósito, há de valer-se do remédio possessório de que trata o direito comum, subsidiário do direito, trabalhista.

Do mesmo modo, ninguém poderá negar haja direito ferido do empregador em ver o seu imóvel ocupado por terceiros, que não o empregado que o contratou como salário. Se isso ocorrer, será perante ã Justiça do Trabalho que deverá demandar a rescisão do contrato, em cuja oportunidade poderá pedir a restituição liminar (v. g.: no caso do empregado estável), a fim de que não sofra maiores dissabores até final rescisão.

Se o contrato obriga as partes e suas condições devem ser exigidas desde logo, a rescisão se há de operar ex tunc, por efeito de lógica jurídica. Se a Justiça do Trabalho tem competência para fazer cumprir tôdas as condições do contrato (inclusive a que diga respeito à utilidade-habitação), há, por isso mesmo, de possuir competência para impor medidas que visem àquela finalidade, executando suas próprias deliberações, no curso do contrato, ou depois de sua rescisão.

Pode suceder que, ao se escusar do pagamento das indenizações pleiteadas pelo empregado perante o fôro trabalhista, o empregador invoque retenção do salário, pedindo reconvenção pelos prejuízos verificados no imóvel dado a título de habitação, e por permanecer aquêle no uso da coisa. Ainda nessa hipótese, a competência da Justiça do Trabalho é evidente, dado a que a ação do empregado contra o empregador exigia a unidade de julgamento da reconvenção na mesma sentença.

O direito do empregado, de possuir a coisa (habitação), está vinculado ao contrato de trabalho. As ações de posse entre patrão e empregado sòmente cabem para a verificação daquela condição, correndo perante a jurisdição trabalhista. Ao empregado, por exemplo; não assiste o direito de defender a posse do imóvel por êle ocupado contra terceiro. Tal providência incumba ao empregador que cedeu a coisa como salário, sendo da justiça comum a competência, nesses casos, porque do patrão é a obrigação de contraprestar.

Ao proprietário da coisa alugada ao empregador não cabe ação possessória contra o empregado que a detenha em razão do contrato de trabalho; mas, sim, contra o empregador-locatário; que lhe paga o aluguel. Nesse caso, despejado o empregador, rescinde-se, pleno iure, o contrato de trabalho. Correm as ações perante juízos diversos, de acôrdo com o fundamento do pedido. Se, porém, o empregado, a despeito do despejo do seu empregador, obstina-se em permanecer no imóvel, está esbulhando a propriedade alheia, e o proprietário do imóvel recorrerá ao remédio possessório, perante a justiça comum. Aí, a vis atrativa arrasta para a jurisdição cível tôdas as questões oriundas do contrato de locação predial, assinado entre o proprietário do imóvel e o empregador-locatário, exclusive a ação trabalhista que o empregado tiver contra o último.

Também os acôrdos judiciais, com fôrça e eficácia de sentença (Consolidação, art. 831, parág. único), são executados perante o juízo trabalhista. Se nêles as partes convencionarem a entrega das chaves do imóvel mediante o pagamento da quantia ajustada como quitação da dívida reconhecida ao empregado, é evidente que tal acôrdo é de ser cumprido pelo juiz da execução, inclusive determinando o despejo do empregado, se prevista tal condição.

A execução da sentença (e o acôrdo tem eficácia de sentença irrecorrível) compete ao juiz da ação. Para manter a condição salarial convencionada entre empregado e empregador, sòmente o juízo da execução seria o competente, por se tratar de um ato judicial originário do juízo da ação trabalhista.

No uso da coisa, o empregado deve comportar-se como verdadeiro inquilino, respondendo, porém, pelos danos e prejuízos causados à propriedade do empregador (ou por êste alugada a terceiro), segundo o art. 462 da Consolidação.

As reparações a que tiver direito, o empregador não podem exceder à determinação dos limites da utilidade normal, conferida ao empregado por fôrça do contrato. Em caso de dano causado à propriedade, será lícito ao empregador o direito de descontar os prejuízos à sua propriedade, ou a terceiros, recorrendo ao princípio comumente aceito em relação às demais condições contratuais, isto é, desde que aquela possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado. Há, aí, direito de retenção, que se exerce sob a forma de desconto. Ausentes aquêles elementos, sòmente a rescisão poderá evitar maiores conseqüências.

Dessa sorte, não se aplicam as regras de locação quando, evidentemente, incompatíveis com as normas que disciplinam o contrato de trabalho. Por exemplo; não poderia o empregador, perante o juízo cível, exigir reparações alheias ao sentido do preceito trabalhista, cobrando-se dos danos verificados pelo emprêgo abusivo ou indevido do imóvel; da mesma forma, não seria lícito ao empregado acionar o empregador, perante o juízo trabalhista, para haver benfeitorias ou reter o imóvel por êsse só motivo. Em ambas as hipóteses, as regras de locação são incompatíveis com as normas do contrato de trabalho.

A relação de trabalho, causa do empregado utilizar o imóvel, não pode ser invocada senão perante o Judiciário trabalhista, constituindo verdadeira negação do instituto a exigência de condições decorrentes da locação de coisas, inexistente na espécie sob comentário, em que as partes são outras, outras as condições ajustadas e diversa a relação jurídica.

Competência da Justiça do Trabalho para decidir as ações de posse, quando a habitação ocupada pelo empregado seja objeto de contrato de trabalho.

Objeta-se que tal interpretação importa em ampliar a competência da Justiça do Trabalho, o que não é exato.

A matéria de competência é de direito orgânico. Constitucionalmente, compete à Justiça do Trabalho decidir os dissídios entre empregados e empregadores, e as demais controvérsias oriundas de relações do trabalho, regidas por legislação especial, exclusive os dissídios relativos a acidentes do trabalho (Constituição, artigo 123).

Quando o empregado ocupa um imóvel que lhe é fornecido por empregador como parte do seu salário, tal estado de fato não é, senão, a posse a que a lei liga conseqüências jurídicas. O empregador passa a ser um obrigado, o empregado passa a titular do direito de habitação, enquanto vigente o contrato.

A posse resulta, assim, da posição entre sujeitos presos ao objeto de um contrato de trabalho: prestação pessoal de serviços e contraprestação em dinheiro mais utilidade.

Êsse vínculo jurídico, que pressupõe objeto lícito, arrasta para o âmbito do direito do trabalho tôdas as questões que impliquem no respeito às condições ajustadas no ato do contrato, dentre outras, as que mais de perto dizem com a pontualidade e inalterabilidade salariais.

Quando o empregado deixa de receber o salário em dinheiro, assiste-lhe o direito de ação. Se o empregador alega dever outra remuneração, decidirá o juiz trabalhista a controvérsia. E decidindo pela procedência do salário-habitação, decerto que não condicionará o seu veredictum (reintegração da posse-habitação) à execução do juízo cível, porque dispõe de aparelho judiciário e de leis próprias para o cumprimento de suas resoluções.

Da mesma sorte, quando exista litígio por inadimplemento da parcela-utilidade (habitação, por exemplo), as partes deverão recorrer às ações de posse perante o juízo trabalhista.

A competência dêste é privativa, porque de fôro, à semelhança das causas propostas pela União ou contra ela (Constituição, art. 201), que serão aforadas perante as Varas da Fazenda Pública.

Diz-se especial a competência determinada pela condição das pessoas, verbi gratia: os juízes privativos da Fazenda; da Falência; do Trabalho; do Comércio; de Acidentes, etc. Na competência do fôro, tem-se em vista a posição dos juízes e a condição das pessoas.

Se a relação do trabalho é a causa da ocupação do imóvel pelo empregado, está atendida a competência da Justiça do Trabalho ratione materiae em virtude da condição salarial e do contrato do trabalho; e, igualmente, atendida a competência ratione personae, pela condição das pessoas (empregado e empregador).

O juiz trabalhista possui competência para decidir dos litígios sôbre salário entre partes vinculadas à relação de emprego. Desfruta, por conseqüência, do poder de julgar dos dissídios oriundos da contraprestação de trabalho, quando causa do empregado utilizar o imóvel. Do mesmo modo, o Juízo dos Feitos da Fazenda é o competente, em razão da condição da pessoa, para decidir das ações propostas pela União, ou contra esta, inclusive, portanto, das ações possessórias e de despejo.

Trata-se de competência absoluta, pelas atribuições específicas da Justiça do Trabalho, na solução de todos os dissídios oriundos da relação de emprêgo. Aí, já se argumenta com a unidade do juízo trabalhista, tal qual sucede no juízo da falência, onde predomina o princípio de indivisibilidade.

“A qualidade da pessoa dos litigantes, ou de um dêles, é dado determinante da competência e constitui critério subjetivo” (PONTES DE MIRANDA, “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. I pág. 469). A competência específica, sob o ponto de vista subjetivo, é absoluta, porque de fôro; e sob o ponto de vista objetivo, ela resulta da soma de atribuições conferidas aos juízes do Trabalho pela lei ordinária, que facultou a êstes a aplicação do direito comum, em tudo que não fôr incompatível com os princípios fundamentais do direito do trabalho.

Pires Chaves, presidente da 1ª Junta de Conciliação e Julgamento do Distrito Federal.

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  2. Os trabalhos podem ser submetidos em português, inglês, francês, italiano e espanhol;
  3. Devem apresentar o título, o resumo e as palavras-chave, obrigatoriamente em português (ou inglês, francês, italiano e espanhol) e inglês, com o objetivo de permitir a divulgação dos trabalhos em indexadores e base de dados estrangeiros;
  4. A folha de rosto do arquivo deve conter o título do trabalho (em português – ou inglês, francês, italiano e espanhol) e os dados do(s) autor(es): nome completo, formação acadêmica, vínculo institucional, telefone e endereço eletrônico;
  5. O(s) nome(s) do(s) autor(es) e sua qualificação devem estar no arquivo do texto, abaixo do título;
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