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Os partidos políticos nacionais

PARTIDOS POLÍTICOS NACIONAIS

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REVISTA FORENSE 157

Revista Forense

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10/01/2023

REVISTA FORENSE – VOLUME 157
JANEIRO-FEVEREIRO DE 1955
Bimestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICARevista Forense 157

DOUTRINA

  • Os partidos políticos nacionais, Afonso Arinos de Melo Franco
  • A ação popular constitucional, Paulo Barbosa de Campos Filho
  • A ação popular e o poder discricionário da administração, Rafael Bielsa
  • Estabelecimento de cláusula de escala móvel nas obrigações em dinheiro. A valorização dos créditos em face do fenômeno inflacionário, Caio Mário da Silva Pereira
  • A revogação dos atos administrativos, José Frederico Marques
  • O tempo e a tutela dos direitos no processo civil, Torquato Castro
  • O poder discricionário da administração – Evolução doutrinária e jurisprudencial, L. Lopes Rodó

PARECERES

  • Constituição Rígida – Proposta de Emenda – Trâmites – “Quorum” – Sessão Legislativa Extraordinária, C. A. Lúcio Bittencourt
  • Autarquias – Caixa de Mobilização Bancária – Alienação de Bens, A. Gonçalves de Oliveira
  • Autarquias – Estabelecimentos de Serviço Público – Fundação da Casa Popular – Requisição de Funcionário Público, Caio Tácito
  • Compra e Venda – Inadimplemento Contratual e Exceções de Garantia – Retenção – Execução de Hipoteca, Miguel Reale
  • Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada – Dissolução por Morte de Sócio, Lino de Morais Leme
  • Sociedade Civil – Teoria dos Órgãos Diretores e de Administração – Mandato – Delegação, Amílcar de Araújo Falcão
    Município – Autonomia – Criação e Desmembramento, Lafaiete Pondé

NOTAS E COMENTÁRIOS

  • Conteúdo Jurídico do Preâmbulo Da Constituição, Alcino Pinto Falcão
  • O Exercício pelos Estados da Atribuição Constitucional de Autorizar ou Conceder o Aproveitamento Industrial das Quedas D’água, A. Junqueira Aires
  • Tratados e Convenções Internacionais sôbre Direito Penal, Roberto Paraíso Rocha
  • Das Ações Possessórias no Âmbito do Direito Trabalhista, Pires Chaves
  • O Crime e o Direito de Resistência, Valdir de Abreu
  • Depoimentos e Testemunhos – Efração da Consciência, W. Vilela de Horbillon
  • Reabilitação, Milton Evaristo dos Santos
  • Da Continuação da Sociedade Comercial com os Herdeiros do Sócio Falecido, Mário Moacir Pôrto
  • Promessa de Venda de Imóvel, Waldemar Loureiro

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

LEGISLAÇÃO

SUMÁRIO: Os partidos nacionais como criação jurídica. Formação dos partidos nacionais no Brasil. Crise dos partidos brasileiros. Fortalecimento da ação dos partidos. Reforma do sistema eleitoral. Reformas estranhas à Lei Eleitoral. Conclusão.

Sobre o autor

AFONSO ARINOS DE MELO FRANCO, Professor de Direito Constitucional na Faculdade Nacional de Direito e na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro

CRÔNICA

Os partidos políticos nacionais

Os partidos políticos nacionais como criação jurídica

* O art. 134 da Constituição federal de 1946 assegura a representação proporCional aos partidos políticos nacionais. Pelo histórico dêsse texto, na Comissão Constitucional, verificamos que os constituintes adotaram deliberadamente o partido político como instrumento exclusivo de captação do sufrágio, bem como o caráter nacional de sua organização.

Aliás, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, manifestando-se sôbre as hipóteses dos partidos de âmbito estadual e da apresentação de candidatos avulsos, optou pela inconstitucionalidade de tais iniciativas. Reconheceu, pois, aquela Comissão, o monopólio político dos partidos e o seu caráter nacional como peças integrantes do nosso Direito Constitucional positivo. No funcionamento dos partidos, impôsto e regulado pela Constituição de 1946, temos um caso típico de ação construtiva da norma jurídica.

No Direito moderno e principalmente no Direito Público, podemos, com efeito, distinguir perfeitamente a concepção clássica da lei, como manifestação da vontade do grupo social através de órgão competente, da concepção, igualmente verídica, da lei como elemento de criação de fatos e situações sociais. No primeiro aspecto, que afinal vai entroncar na Escola Histórica, a lei é a manifestação da consciência social. No segundo, ela funciona, antes, como agente de fixação e reconhecimento daquela consciência social. Em vez de o Direito dar origem à lei, a lei é que faz nascer o Direito.

Esta situação que, repetimos, não é excepcional no Direito Público moderno, por causa da fase de instabilidade e transformações que atravessam todos os países do mundo, faz-se sentir com maior agudeza em nações do tipo da nossa.

De fato, como os demais países subdesenvolvidos, o Brasil apresenta um violento desnível cultural entre o povo e as elites. Nosso povo – mesmo quando tomado no sentido técnico e extremamente limitado de corpo eleitoral – é, na sua esmagadora maioria, desinteressado das fórmulas políticas e da técnica jurídica que as institui ou defende.

A liberdade de voto, que até certo ponto foi conquistada depois de 1930 e continua em progresso, não forneceu ao eleitor comum senão um instrumento de pressão, para conquista de benefícios materiais diretos e imediatos.

Só uma minoria reduzidíssima vota tendo em vista a solução de problemas gerais ou a adesão a qualquer programa teórico ou mesmo, governativo.

Mas uma coisa é a ação da massa eleitoral que funciona dentro do sistema jurídico estabelecido para formação dos quadros dirigentes e outra é a elaboração do Direito Constitucional, no trabalho de confecção do mesmo sistema jurídico.

Neste último campo é que se fazem sentir a contribuição poderosa das elites brasileiras e o aspecto construtivo da norma jurídica em relação ao Direito.

A história do nosso Direito Constitucional, desde os seus primórdios – que coincidem com a época da Independência, como, de resto, a história das idéias políticas no Brasil – consiste, afinal de contas, na assimilação e adaptação de Instituições estrangeiras pelas elites nacionais e na experiência, mais ou menos bem sucedida, do emprêgo dessas instituições sôbre um povo até certo ponto inabilitado para praticá-las, criticá-las e até mesmo compreendê-las.

A superioridade das elites brasileiras, em comparação com as da quase totalidade dos países latino-americanos, se demonstra precisamente no fato de que, entre nós, a prática das instituições adotadas e adaptadas só excepcionalmente se processa com sacrifício da liberdade e quase nunca de forma violenta ou sangüinária.

O partido político nacional ê a mais recente e a mais importante dessas Instituições que a lei, elaborada pelas elites, transformou em Direito para o povo.

II. Formação dos partidos nacionais no Brasil

É sabido que só há pouco tempo os partidos políticos vêm sendo referidos nas Constituições e leis eleitorais dos países democráticos de mais alto nível cultural.

Mas, nestes países, a lei veio apenas reconhecer um fato político e jurídico já definido havia longos anos, que era o funcionamento regular dos partidos no plano nacional e a sua participação na formação dos governos. Pode-se dizer que, em tais casos, dado o maior adiantamento e a politização do povo, as leis vieram, de acôrdo com a concepção clássica, exprimir um estado de consciência social.

No Brasil, porém, não foi isso que se deu. A fragmentação que sofreram os partidos imperiais, com a implantação da República, não correspondeu à adoção do regime federativo – pois nos Estados Unidos a Federação nunca se opôs aos partidos nacionais – mas à declarada antipatia que quase tôda a elite republicana nutria pelo regime de partidos herdado do Império. Numerosas são as provas desta assertiva, conforme já procurei mostrar em outro trabalho. Inútil seria a ação dos políticos da habilidade de FRANCISCO GLICÉRIO e do poder de PINHEIRO MACHADO ou de juristas da autoridade de RUI BARBOSA, que porfiavam pela fundação de partidos nacionais na primeira República. Êste mecanismo seria incompatível com o que havia de mais genuíno e de mais necessário no Estado brasileiro daquela época.

Nos Estados Unidos, a Federação se formou centrìpetamente, pela fusão de colônias autônomas, depois da etapa frustrada do pacto confederativo. Podemos distinguir, já aí, a presença de certos interêsses econômicos gerais, condicionando o comportamento político das elites e conduzindo-as a uma espécie de fusão política e ideológica. CHARLES BEARD, na sua clássica “Interpretação Econômica da Constituição Americana”, traça com vigor e maestria êsse panorama, deixando perceptível o processo de condensação política dêsses interêsses gerais em dois campos, que poderíamos, aproximativamente e só como generalização, simbolizar nas figuras de ALEXANDRE HAMILTON e TOMAZ JEFFERSON.

Assim, a conjuntura econômica, repartida em dois setores de caráter geral, ou antes, nacional, levou as colônias autônomas a se amalgamarem em uma união que já contava, em esbôço, com duas correntes também gerais, ou nacionais, de opinião.

No Brasil, o processo histórico foi inverso. Foi a fôrça centrífuga que desintegrou o unitarismo imperial, vindo a República dar têrmo e execução a certas necessidades econômicas e às velhas aspirações federalistas dos pensadores políticos imperiais. Não havia, entre nós, interêsses econômicos de tipo nacional, solidários e influentes, que pudessem impor, nos hábitos políticos e nas decisões da Assembléia Constituinte republicana, a formação de correntes nacionais de opinião. Ao contrário, quando percorremos os Anais da Constituição, o que se nos depara é o entrechoque de interêsses localistas e suscetibilidades estaduais.

A famosa divergência entre os gaúchos e RUI BARBOSA, sôbre a discriminação de rendas, os temores de CAMPOS SALES, quanto à autonomia dos Estados, são exemplos marcantes dos aspectos econômicos e jurídicos do centrifuguismo brasileiro.

Essa situação ainda se agravava com o já referido ressentimento da geração republicana para com os partidos do regime deposto a 15 de novembro.

Finalmente, a manutenção, pela Carta republicana, do sistema eleitoral herdado do Império, baseado na eleição, por círculos ou distritos, com voto majoritário, foi outro elemento importante na destruição dos partidos nacionais, visto que, entre nós, não ocorriam absolutamente as outras condições que, nos Estados Unidos, como vimos, e também na Inglaterra, contribuíram para tornar o escrutínio majoritário um poderoso instrumento do sistema bi-partidário, no plano nacional. Quando consideramos êste aspecto da questão, compreendemos melhor por que razão, entre os juristas e políticos brasileiros, a aspiração do partido nacional estava freqüentemente vinculada à reivindicação da representação proporcional, em matéria de eleições.

O patriarca dessas idéias foi ASSIS BRASIL, que, no seu livro clássico “Democracia Representativa”, desde 1893, defendeu, com singular precocidade, o sufrágio proporcional, como base da organização partidária e da reforma política.

Seguindo as pegadas dêsse precursor, juristas como JOÃO CABRAL, no estudo “Sistemas Eleitorais”, saído em 1929, ou pensadores políticos, como GILBERTO AMADO, no livro, já também clássico, “Eleição e Representação”, publicado em 1931, voltavam enèrgicamente às idéias de representação proporcional e partidos políticos nacionais, adaptando-as às condições do Brasil pré e pós-revolucionário.

A revolução de 1930, nos seus aspectos iniciais, foi predominantemente Política. Sòmente mais tarde, principalmente a partir do Estado Novo, revelou-se o seu conteúdo reformista, nos campos administrativo, econômico e social.

Na fase preliminar e política, a reforma teria de se concentrar no setor eleitoral, o mais viciado e combatido da primeira República.

E foi neste terreno que vieram adquirir plena atualidade os temas centrais do partido político e da representação proporcional, completados pelos dois elementos secundários do voto secreto e da Justiça Eleitoral.

Um dos mais importantes atos do govêrno provisório foi a expedição do Código Eleitoral de 24 de fevereiro de 1932, cujas linhas mestras assentavam na proporcionalidade e no sigilo do voto e na criação da Justiça Eleitoral, medidas através das quais as elites brasileiras incorporavam as conquistas democráticas que se vinham afirmando, com vigor, na teoria e na prática do Direito Político da época que fica entre as duas guerras mundiais.

O Código não promoveu, porém, a criação de organizações partidárias nacionais, e, por isso mesmo, as eleições para a Constituinte de 1934 se processaram nos velhos moldes do partidarismo estadual. Houve, contudo, uma diferença que foi a divisão política interna dos Estados.

Com efeito, as garantias eleitorais acima consignadas permitiram, às oposições estaduais, uma liberdade de ação desconhecida no velho presidencialismo dos “apoios incondicionais” e das unanimidades forjadas na ata falsa e no chanfralho da polícia.

Percorrendo os Anais da Constituinte de 1934, podemos observar, ràpidamente, a situação dos partidos no país. Eram todos agremiações estaduais, como já acentuamos, embora, às vêzes, trouxessem o mesmo nome em mais de um Estado. Nem sempre apareciam com a designação de partidos, figurando sob a denominação de entidades, legendas e até de nomes próprios individuais.

Em quatro Estados – Pará, Paraíba, Alagoas e Goiás – o mesmo grupo político elegeu todos os representantes, apesar do sistema proporcional adotado.

Nos Estados do Amazonas, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Sergipe, Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais. Mato-Grosso, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul – 14 ao todo, duas correntes se fizeram representar.

No Distrito Federal e em São Paulo as correntes foram três e, finalmente, no Estado do Rio, chegaram a quatro.

Constituída na base do estadualismo, não soube a Constituição de 1934 superar essa falha da sua própria organização, facilitando, no texto do documento que elaborou a formação dos partidos nacionais.

Aliás, a Assembléia encontrava na numerosa bancada de representantes profissionais, que a integrava, um outro obstáculo importante à criação dêsses partidos.

A idéia de uma representação mista dentro da mesma Câmara, composta de eleitos pelo sufrágio popular e de escolhidos pelos grupos proporcionais, era manifestação clara da mentalidade fascista, tão sensível, naquela época, dentro dos círculos mais revolucionários. A Constituinte tinha sido formada sôbre essa base e a continuação do sistema, na Câmara ordinária, passou logo a preocupar os chefes mais sem compromissos com a pureza do regime democrático. Na chamada Comissão do Itamarati, que elaborou o anteprojeto de Constituição, o assunto foi bastante controvertido, observando-se, então, como os seus integrantes reagiam à idéia.

A mentalidade renovadora, impressionada pelo exemplo do fascista italiano, manifestava-se em OSVALDO ARANHA, JOSÉ AMÉRICO, OLIVEIRA VIANA, TEMÍSTOCLES CAVALCÂNTI, GÓIS MONTEIRO e também em JOÃO MANGABEIRA, cujo inquieto espírito o levou a juntar-se ao grupo de experimentadores que queriam a representação profissional ao lado da política. Contra ela ficaram os velhos juristas da Comissão, que eram o seu presidente. MELO FRANCO, e mais CARLOS MAXIMILIANO, PRUDENTE DE MORAIS FILHO e ANTÔNIO CARLOS. Eram êstes os juristas mais velhos mas, com êles, estava o Direito Constitucional do futuro que, como se sabe, condenou inapelàvelmente o sistema da representação política das profissões, adotando de preferência o dos Conselhos Técnicos predominantemente consultivos, ao molde do nosso Conselho Nacional de Economia.

É de se notar que MELO FRANCO, em longo voto na Comissão do Itamarati, preconizava, já naquele tempo, essa solução.

A representação profissional acabou excluída do anteprojeto, mas a idéia foi renovada na Assembléia e, finalmente, encontrou guarida, como se sabe, no artigo 23 da Constituição de 1934. Êste artigo fixava o número dos representantes do povo, o que correspondia, afinal, a assegurar sempre ao govêrno federal (que era, em última análise, quem elegia êsses representantes por meio da máquina do Ministério do Trabalho), uma bancada maior que a do Estado mais numerosamente representado, que era o de Minas.

Assim, além da divisão interna dos Estados, criou-se a mais numerosa bancada governista fora da política estadual e dos partidos.

Essa orientação, se correspondia aos propósitos políticos do Executivo federal, dificultava, contudo, cada vez mais, a formação dos partidos nacionais.

A breve experiência da Constituição de 1934 mal deu tempo ao reajustamento do mecanismo democrático brasileiro.

O golpe de Estado de 1937 veio colocar o nosso Direito Político em têrmos completamente diversos.

A ditadura é necessàriamente incompatível com os partidos políticos, ou, pelo menos, com o regime pluripartidário. A ditadura só se coaduna com o partido único, o qual passa a ser um instrumento de ação e de contrôle do Executivo sôbre o povo, sem qualquer ligação com o significado e o funcionamento dos partidos democráticos.

É verdade que alguns autores modernos, estudando o processo chamado de “massificação” dos partidos democráticos, concluem que êle leva à perda de substância democrática dêsses partidos e à sua transformação em grupos de luta contra outros do mesmo gênero, em busca da pose exclusiva do Estado, ou seja, da posição de partido único.

A “massificação” seria, assim, o processo de transformação dos partidos múltiplos em partido único. Mas seria, também, o caminho para a degenerescência e a morte da verdadeira democracia. Se esta é a marcha fatal – e para nós melancólica – da História, ninguém o poderá prever. De qualquer forma o tema, embora de inegável interêsse jurídico, escapa à nossa tese, que trata dos partidos democráticos e múltiplos, nos têrmos impostos pelo art. 141, § 13, da Constituição, que reza:

“É vedada a organização, o registro ou o funcionamento de qualquer partido político… cujo programa ou ação contrarie o regime democrático, baseado na pluralidade de partidos”.

Êsse texto, muito semelhante ao de um artigo do Cód. Eleitoral, que regulou a eleição da Constituinte, resulta da fusão de várias emendas apreciadas pela Comissão Constitucional e veio precisar melhor o pensamento no art. 162 do primitivo projeto, o qual se achava assim redigido:

“Os direitos individuais e as suas garantias, estabelecidas nesta Constituição, serão protegidos contra qualquer propaganda ou processo tendente a suprimi-los ou a instaurar regime incompatível com a sua existência”.

Foi, assim, obedecendo a um propósito claro, que a nossa Constituição se viu colocada entre aquelas que não reconhecem, entre as liberdades democráticas, a liberdade de combater o sistema democrático fundado na pluralidade partidária.

Foi essa pluralidade partidária que o regime de 1937 não podia, como ditadura que era tolerar. Por isso a suprimiu através do dec.-lei nº 37, de 2 de dezembro de 1937, que dissolveu todos os partidos políticos do país.

Durante certo tempo, os dirigentes do Estado Novo, tentando levar adiante a cópia que faziam dos regimes fascistas, tentaram a criação de um partido único, de âmbito nacional. Para isso, empreenderam, em 1938, debaixo de grande propaganda, a fundação de um organismo denominado Legião Cívica Brasileira, núcleo do futuro partido totalitário. Mas as fôrças armadas, co-responsáveis pelo golpe de 10 de novembro, viram nessa manobra uma clara ameaça à sua autonomia e se opuseram – em boa hora, devemos reconhecê-lo – ao prosseguimento do plano que, se executado, viria colocá-las na situação subordinada em que se encontravam nos países verdadeiramente fascistas. O renascimento dos partidos democráticos só se poderia verificar, lògicamente, com o colapso do Estado Novo.

De fato, aproximando-se o fim da guerra e a derrota do fascismo, não pôde a ditadura resistir à pressão interna e, por intermédio do dec.-lei nº 7.586, de 28 de maio de 1945, expediu um novo Cód. Eleitoral. Pela primeira vez, na legislação brasileira, êsse decreto estabeleceu os partidos nacionais, e o fêz em caráter obrigatório.

As eleições, por êle, foram reguladas na base de representação proporcional (art. 38). Mas o art. 39 dispunha:

“Sòmente podem concorrer às eleições candidatos registrados por partidos ou alianças de partidos”.

Adiante o art. 110, § 1º, completava a disposição, nos seguintes têrmos:

“Só podem ser admitidos a registro os partidos políticos de âmbito nacional”.

O art. 109 é que dá a definição de partido nacional. Assim seriam consideradas as associações políticas que contassem com um mínimo de 10.000 eleitores, distribuídos em cinco Estados.

Com alterações irrelevantes, principalmente quanto ao número de eleitores necessários a cada partido, foi o sistema do dec.-lei nº 7.586 que se manteve na legislação posterior, tanto constitucional quanto ordinária.

Pudemos, assim, acompanhar, em síntese, a formação, no Brasil, dos partidos nacionais, item inicial da nossa tese.

III. Crise dos partidos brasileiros

Depois de havermos acompanhado as etapas essenciais da formação dos partidos democráticos republicanos, convêm que estudemos em rápidos traços os aspectos para nós essenciais da grave crise em que todos êles se debatem, crise que atinge por repercussão à vida política nacional em conjunto, dada a função primacial que, dentro dela, exercem os partidos.

1) Solidariedade e peculiaridade dos fatos sociais

A primeira observação que desejaríamos fazer é sôbre a solidariedade e a peculiaridade dos fatos sociais que condicionam a vida política.

Se considerarmos, como aconselha a boa técnica sociológica e mesmo jurídica, a nação como um conjunto de grupos de várias naturezas, agindo em função de interêsses de que o Estado é o supremo árbitro, verificaremos que, do ponto de vista social, o partido não se distingue essencialmente dos demais grupos ou instituições (tomada esta palavra no sentido que lhe atribuiu HAURIOU) que coexistem dentro da sociedade, tais como a Igreja, as entidades de classe e outros.

Desta premissa decorre que os fatôres influentes na vida e no comportamento dos partidos, em dado momento histórico, são os mesmos que se fazem sentir no comportamento e na vida dos demais grupos sociais, respeitadas, naturalmente, as condições especiais de origem de atribuições legais e de finalidade específica de qualquer dêles.

Donde uma segunda conclusão: a de que devemos adotar, para nossa observação do fenômeno partidário brasileiro, dois princípios: primeiro, o de utilizar tanto quanto possível a nossa experiência geral do país e não sòmente a do seu meio político (solidariedade dos fatos sociais), e, segundo, a de só procurar na prática e na doutrina jurídica de outros países soluções que possam se compor com a realidade imperativa dos fatos nacionais, e nunca soluções ideais, que não correspondam ao nosso processo histórico (peculiaridade dos fatos sociais).

2) Estrutura dos partidos brasileiros

Ao analisar os partidos brasileiros devemos considerar, antes do mais, a influência que tem o sistema eleitoral sôbre as suas origens.

É corrente a observação de que o sistema do voto majoritário, em escrutínio uninominal e em um só turno, tal como acontece na Inglaterra, favorece a formação de dois partidos, enquanto que o sistema proporcional com escrutínio de lista tende à multiplicação das correntes partidárias. As exceções ou acomodações que comporta esta regra não lhe afetam a vigência, que pode, em têrmos gerais, ser considerada indiscutível.

Fixando-nos no sistema proporcional, que é o nosso, compreendemos desde logo como e porque funciona o mecanismo da cissiparidade partidária.

Fundando-se a representação proporcional no quociente eleitoral, claro é que um número avultado de correntes de opinião pode, através dá conquista de poucos daqueles quocientes – às vêzes um único – obter personalidade política em determinada circunscrição eleitoral. Daí o atrativo natural à formação dos pequenos partidos, que representam, afinal, nuanças opinativas de posições políticas na verdade aproximadas. Por isso mesmo é que, na frase feliz de certo jurista, a representação proporcional é mais uma radiografia de opiniões do que um processo de formação de maiorias estáveis.

Porém essa subdivisão caprichosa de correntes é, na realidade, mais ilusória do que real.

Se examinarmos o panorama em conjunto verificaremos que os grupos partidários se compõem, no fundo, de dois blocos, que obedecem, indiscutivelmente, à pressão dos interêsses sociais criados, mas que correspondem também, – e isto não deve nunca ser esquecido – às tendências permanentes e íntimas da natureza humana.

São aquêles blocos cuja existência FRANÇOIS GOGUEL procurou identificar do decurso de tôda a vida da terceira República francesa, e que designou com os nomes de Ordem e Movimento.

Essas palavras exprimem bastante bem e sem julgamentos de valor as idéias expressas por outras palavras, tais como Progresso e Retrocesso; Revolução e Reação: Exaltação e Moderação; Radicalismo e Conservadorismo, as quais enchem, há mais de um século, de páginas mais ou menos apaixonadas, a literatura política de tantos países, inclusive do nosso.

Aplicando-se esta premissa à observação do caso brasileiro, veremos que a representação proporcional, dividindo embora os partidos, manteve-os, no entanto, dentro do esquema geral dos dois grupos da Ordem e do Movimento. É, sem dúvida, uma divisão aproximativa e genérica, mas que não deixa de corresponder a tendências gerais perfeitamente identificáveis. A Ordem se vê representada no Partido Social Democrático, na União Democrática Nacional, no Partido Republicano, no Partido Libertador, ou no Democrata, Cristão, enquanto o Movimento aparece no Partido Trabalhista, no Socialista, no Comunista (presente por infiltração em outras correntes) e, até certo ponto, mais pelos processos externos de ação do que pelo conteúdo desta mesma ação, em outros grupos chamados “populistas”, como os partidos Trabalhista Nacional ou o Social Progressista.

Se adotarmos êsse ponto de observação, a primeira verificação que nos ocorre é a da maciça superioridade do bloco da Ordem, em comparação com o do Movimento.

As preferências do eleitorado só podem, ser devidamente apreciadas nela importância das bancadas partidárias no Congresso, e mais especialmente na Câmara dos Deputados. Ora, se agruparmos os representantes dos partidos da Ordem em face dos delegados partidários do Movimento – ainda que considerando extensivamente aos últimos – teremos uma difere-ira esmagadora em favor dos primeiros.

No entanto, apesar dessa enorme superioridade, nunca os partidos da Ordem conseguiram impor uma política de contensão à demagogia e de freio à anarquia econômica, que vão gradualmente desorganizando o país.

3) Mau funcionamento e má orientação dos partidos

Devemos preliminarmente distinguir entre as causas do mau funcionamento dos partidos, tomados como instituições jurídico-políticas, e os seus êrros e deficiências de orientação, nos campos legislativo e administrativo.

O mau funcionamento decorre do sistema eleitoral e da prática do nosso presidencialismo; são, portanto, matéria constitucional. A má orientação provém, no momento atual, principalmente, da inflação e da crise econômica, envolvendo matéria predominantemente sociológica.

Vamos tratar primeiro dos aspectos que chamamos constitucionais, deixando para mais adiante aquêles que denominamos sociológicos.

4) Mau funcionamento e sistema eleitoral

O sistema eleitoral, como vimos, tende à proliferação das agremiações partidárias, e também, segundo observação de especialistas, como MAURICE DUVERGER, ao fortalecimento da sua individualização. Com efeito, tem se verificado que nosso regime de representação proporcional em um só turno e com lista partidária fechada – isto é, sem a possibilidade de inclusão de nomes estranhos aos registrados pela agremiação, operação que os franceses chamam pannachage – acentua a cristalização dos partidos, ainda mesmo dos pequenos.

Os dois turnos, com intercâmbio de candidatos no segundo, – expediente adotado em Franca nas últimas eleições gerais para diminuir a importância dos comunistas, coisa que se conseguiu como demonstra o Prof. ROGER PINTO – facilita, por sua vez, a aliança entre os partidos.

Com o sistema brasileiro assistimos às lutas e dissidências internas dentro dos partidos, mas isso não facilita em nada as alianças entre êles, visto que, chegadas as eleições, a inexistência, de segundo turno, de pannachage e de sub-legenda, obriga à reunião das correntes mais contrárias dentro da mesma lista partidária. O partido é forçado a uma falsa união, por pressão externa.

O resultado é que a aliança entre êles só se torna possível quando realizada fora dos postos de representação proporcional, ou seja, exclusivamente para os postos de representação majoritária.

Esta situação se acentua particularmente no Brasil, país em que a representação proporcional coexiste com o sistema presidencial.

A representação proporcional, tal como é praticada entre nós, leva à fragmentação e à cristalização dos partidos em grupos bem individualizados, por causa de lei e não por causa das origens sociais, das ideologias e dos programas. Mas o govêrno presidencial concentra fortes e amplos poderes nas mãos dos executivos federal, estadual e municipal, poderes capazes de grandes fôrças de atração ou de repulsão. Daí a conseqüência inevitável de que os partidos, levados a se separar nas eleições, são forçados a se agrupar em tôrno aos governos.

Vemos, então, o curioso espetáculo de agremiações que lutam ferozmente no campo proporcional, mas que ensarilham armas ou, mesmo, as unem para um combate comum, no campo majoritário.

Os inconvenientes dessa atuação são notórios. Examinemos os dois mais marcantes, a nosso ver.

Em primeiro lugar, a necessidade de um partido votar em candidato de outro influi quase sempre para pior na escolha dêsse candidato.

Raramente poderá êle representar o que houver de melhor na sua própria corrente. O candidato comum tende a ser o medíocre obscuro ou aventureiro hábil. De qualquer forma, será normalmente o elemento transacional e comprometido com os grupos menores e menos responsáveis. Em outras palavras, será o homem cujos compromissos difìcilmente lhe darão fôrças para a obra de resistência e austeridade que o país está a exigir do círculo federal ao municipal.

Outro risco está na supervalorização com que a candidatura comum premia o apoio dos pequenos partidos, quando êles se tornam elemento decisivo na vida dos governos.

Êste fenômeno se tem verificado mais visìvelmente nos Estados. As exigências do apeio à eleição e à estabilidade dos governadores tem feito com que partidos mais ou menos secundários adquiram situações de relêvo na administração, incompatíveis com a sua importância isolada.

E, como tais partidos desejam lògicamente conquistar posições, vemos as secretarias de Estado e as emprêsas públicas, às vêzes as senatorias ocupadas por políticos que a elas nunca chegariam levados normalmente pelas fôrças eleitorais das suas próprias correntes.

Habitualmente, essas fôrças, para se expandirem, precisam de favores, que se traduzem em aumentos de despesas e facilidades administrativas. A pressão que elas exercem é tanto mais fácil quanto as responsabilidades finais da administração não lhes cabem e sim ao partido maior, cujo candidato apoiaram. Essa situação, que é a de numerosos Estados, não será dos fatôres que menos concorrem para o desbarato administrativo e financeiro de tantos dêles.

No âmbito federal, a supervalorização do pequeno partido poderá dar-se inclusive pela escolha de um representante de qualquer dêles para candidato à presidência da República, como processo mais fácil de congraçamento em hora de crise.

Esta solução pode servir para aplacar as lutas, mas difìcilmente criará um govêrno com fôrça e autoridade bastantes para convir ao momento histórico brasileiro. Seria uma solução de crise, mas não uma solução para a crise.

5) Mau funcionamento e a prática do presidencialismo

Uma discussão sôbre os vícios do nosso presidencialismo e as possibilidades de saná-los levar-nos-ia muito longe.

Desejamos mencionar aqui apenas aquêles aspectos que dizem respeito à atividade dos partidos políticos.

Por motivos que não vêm a pêlo perquirir, mas que talvez se liguem à sobrevivência dos traços patriarcais da nossa formação, o presidente brasileiro nunca foi um chefe de partido, como nos Estados Unidos, mas uma espécie de patriarca, de chefe paternalista, cuja ação política procura penetrar, independentemente dos partidos, na vida dos corpos organizados, sejam pessoas jurídicas de direito público ou de direito privado, sejam, até, em certos casos, simples pessoas naturais, cuja ação interêsse ao presidente estimular ou coarctar.

No princípio da República, graças à restrita ação do Estado no campo econômico, a influência presidencial se fazia sentir de preferência nos assuntos políticos ou, antes, era através do mecanismo político que o presidente dominava os partidos estaduais. Daí, a enorme importância que adquiriam, então, instrumentos tais como o reconhecimento de poderes dos eleitos, as intervenções federais ou os estados de sítio.

Hoje, no nosso país, ainda tremendamente subdesenvolvido, a ação do Estado ampliou-se consideràvelmente na área econômica.

O privilégio de emitir papel-moeda tornou o govêrno federal o único capaz de suprir os deficits orçamentários, ainda que à custa da inflação, enquanto os governos estaduais, pela impossibilidade de fabricar dinheiro, e também arrastados na crise geral, ficam na dependência dos instrumentos financeiros da União.

Situação dramática, que vai liquidando pràticamente a Federação entre nós, e que dela se mantém o que há de pior, ou seja, a autonomia para o descontrôle e o desgovêrno, com apelos periódicos à munificência federal e conseqüente agravamento da centralização.

Nesse panorama é que atuam os partidos nacionais, que, por um lado, são simples confederações de partidos estaduais. Essa fragmentação e a debilidade do federalismo em face do patriarcalismo econômico do govêrno federal, fazem com que os conjuntos partidários premidos pelas necessidades locais, se tornem quase impotentes diante do Palácio do Catete.

Neste sentido, poderemos dizer que o patriarcalismo presidencial brasileiro é hoje ainda mais forte do que parecia no princípio do século, quando êle se expandia em campo limitadamente político.

Por outro lado, o presidente, em virtude da fragmentação partidária resultante da representação proporcional, fica em situação relativamente instável no Congresso e pode ter as suas iniciativas fàcilmente paralisadas ou deturpadas, principalmente aquelas impostas pela necessidade de desagradar a alguns em benefício geral ou as que visem melhorias à distância, embora com sacrifícios imediatos.

A posição mais forte do govêrno é puramente negativa e ce estriba no poder, de veto.

Negando sanção à legislação apressada e, às vêzes, prejudicial do Congresso, o atual presidente tem colaborado na legislação impedindo prejuízos. Mas sua fôrça não vai muito além daí.

Especialmente a sua fôrça não vai até uma ação positiva, que oriente a legislação no sentido de resolver com energia, presteza, e acêrto os mais graves problemas nacionais.

O presidente é forte no que diz respeito ao poder econômico dos Estado, e, por isso, mantém polìticamente na sua órbita os partidos nacionais. Mas êle é fraco no que toca aos planos governativos que demandam de reformas profundas só permitidas em leis. Aí, os interêsses eleitorais dominam as representações partidárias.

Daí, em grande parte, a situação grave em que nos encontramos.

Essa fôrça política e essa fraqueza legislativa do chefe do Executivo manifestaram-se com particular dramaticidade no govêrno extinto a 24 de agôsto, por causa das circunstâncias especiais que cercavam a ressoa do presidente, e foi dos fatôres decisivos na criação da atmosfera de insegurança e incertezas, que emprestou tanta seriedade à crise nacional do ano que findou.

6) Má orientação dos partidos

Para apreciarmos com objetividade os erros de orientação dos partidos nacionais, na atual conjuntura, matéria que já declaramos ser mais sociológica que jurídica, deveremos recordar o que acima ficou dito a respeito da solidariedade dos fatos sociais.

Não é possível, com efeito, desligar, neste campo de observação, os partidos dos demais grupos sociais organizados, que atuam premidos pelas mesmas fôrças.

No Brasil de hoje, o monstro que tudo depreda e tudo devora, que leva de roldão, na sua marcha nefasta, estabilidade, confiança, bem-estar e honra, é a inflação. Sim, a inflação, eis o inimigo.

Mais de um estudo teórico interessante, de autores nacionais e estrangeiros, se tem feito sôbre a inflação que nos corrói.

Mas, para os fins particulares que temos em vista, o que importa sãos certos dados diretos, de natureza estatística, como os constantes da “Exposição Geral da Situação Econômica do Brasil”, apresentada no último mês de 1954 pelo Conselho Nacional de Economia.

A inflação, como não podia deixar de ser, continua como o assunto que centraliza as atenções do trabalho.

Três pontos sòmente desejamos focalizar, como dados importantes para o desenvolvimento de nosso raciocínio. Do cotejo da situação existente entre vários países chega-se às seguintes conclusões: 1º, o Brasil é o país onde o consumo absorve maior percentagem da renda nacional; 2º, o Brasil é o país de menor percentagem de investimento privado no valor global de investimentos; 3°, no Brasil, as despesas do govêrno são bem maiores que a contribuição particular naquele mesmo valor global.

Êsses dados acentuam a procedência das afirmativas acima feitas sôbre o agravamento do patriarcalismo presidencial com a maior expansão intervencionista do Estado nas atividades econômicas, facilitadas pela Constituição de 1946 e encorajadas pela inflação. Porque, com a inflação, a renda privada deriva vertiginosamente para o consumo (quase 73%, no caso brasileiro) ou a especulação, deixando o mercado de investimentos, principalmente de investimentos de base nas mãos do govêrno, que resolve o assunto emitindo, isto é, agravando a inflação.

Não é difícil estabelecer as relações entre o estado inflacionário e a conduta dos partidos.

7) A inflação e a corrupção interna dos partidos

O brutal aumento do meia circulante e a posição de grande capitalista assumida pelo govêrno federal, transformaram o orçamento nacional e o Banco do Brasil nas duas maiores fontes de investimentos públicos e privados.

A um e outro ficaram presos os Estados e os partidos, quer por manobras políticas dos grupos, quer por interêsses pessoais de alguns dos seus dirigentes.

O presidente, transformado no maior protetor de administrações públicas e emprêsas privadas, tornou-se pràticamente indispensável a administradores e a homens de negócio que, infelizmente, abundam no meio político brasileiro.

A luta dos que não desejam comprometer a dignidade do seu mandato, e o alto mister democrático da oposição, seja para atender a benefícios administrativos de rotina, irrisòriamente dispensados, como favor, seja para lograr créditos e facilidades nos vários estabelecimentos oficiais (cuja política chegou a ser cruamente vergonhosa), a luta daqueles, dizíamos, passou a ser dura, estéril, muitas vêzes perdida.

A dignidade dos partidos e a confiança pública nêles soçobrou em transações indignas, enquanto líderes despreendidos e de boa-fé porfiavam em conservar-lhes o de tino desejado por seus eleitores.

A inflação, com as suas características brasileiras, gerou, assim, a corrupção interna dos partidos, levados pela fome de verbas orçamentárias, manejadas a bel-prazer pelo presidente e também cindidos pela ambição de vantagens financeiras que fascinam a muitos dirigente, sem delicadeza moral.

Naturalmente, a sedução maior da corrupção se exerce sôbre os partidos da oposição, anulando-lhes as resistências principalmente nos Estados ou Municípios em que êles hajam conquistada o govêrno, pois os chefe, dos executivos locais sentem que a fôrça dos governos do Estado e da República é peça mestra no êxito da sua missão. E raros, raríssimos são os que mantêm alto o pendão partidário diante do cômodo e fácil pretexto do interêsse administrativo, que doura a submissão.

8) A inflação e a corrupção eleitoral

Muitos países democráticos, e dos mais adiantados, atravessaram fases vergonhosas de corrupção eleitoral.

Raramente, contudo, êsse mal político e sociológico terá atingido ao grau alarmante que o último pleito brasileiro revelou.

Pede-se dizer que a corrupção eleitoral é hoje a maior enfermidade que ameaça o nosso organismo democrático, ameaça infecciosa, por cuja porta de entrada todo o corpo institucional pode de súbito ver-se ferido de morte.

Estamos falando a um Congresso de Juristas, mas a disciplina de que somos obscuro estudioso é tão jurídica quão política. Nem é sem motivo que eminentes autores, antigos e modernos, dão o nome de Direito Político ao Direito Constitucional.

Por isso, as verdades políticas devem ser também proclamadas nesta tese de Direito. E proclamadas tanto mais alto, quanto mais duras sejam de se ouvir.

Os aspectos a nosso ver mais graves da corrupção eleitoral decorrem ainda do fato de ser ela, até certa ponto, mais uma conseqüência da inflação, o que a torna talvez invulnerável aos corretivos provenientes de simples reformas das leis eleitorais.

A corrupção eleitoral inflacionária é alarmante, porque não se circunscreve aos círculos políticos dirigentes, tendendo, ao contrário, a infiltrar-se no novo, o que é sumamente perigoso para a democracia.

Em outros países que conseguiram vencer, com legislação adequada, os vícios eleitorais, êstes eram praticados através de manobras dos candidatos, dos eleitos e do chefes partidários.

Mas a inflação, devido à solidariedade dos fatos sociais, levou ao setor eleitoral o mesmo espírito de especulação, cobiça imediata, cinismo, golpismo e aventura, que são o veneno com que as épocas inflacionárias embriagam os espíritos vulgares – quer dizer, mais numerosos em outros campos da atividade humana.

Daí a tendência de ampliação da corrupção eleitoral aos domínios muito mais amplos do próprio corpo de eleitores, tendência facilitada no Brasil pelo atraso cultural das massas, servidas, no entanto, pelo sufrágio universal e pela garantia, até certo ponto, assegurada, do sigilo do voto.

Nos grandes e pequenos centros é enorme o número de eleitores que se vendem. Nos povoados mais humildes e nas seções rurais sertanejas, quem se vende com freqüência são os chefes e chefetes de eleitores.

Milhões foram gastos por candidatos ricos que se elegeram. Com o fim de simples vaidade? Esta é, apesar de tudo, a mais auspiciosa hipótese, embora não, infelizmente, a mais provável.

A próxima campanha sucessória para a presidência da República se anuncia, nesse particular, sob os piores auspícios. E somos extremamente pessimistas quanto aos resultados eficazes de reformas legais, porque as leis, desde os tempos de Roma – conforme prova a História – nunca conseguiram deter os malefícios morais da inflação.

A corrupção eleitoral como reflexo de inflação brasileira é extremamente grave, repetimos, porque tende a transferir o vício do grupo fechado dos políticos à massa aberta de eleitores.

Seria absurdo sustentar que uma elite corrupta é menos prejudicial do que um povo corrupto.

O que pretendemos salientar é que os hábitos errados de um grupo pequeno podem ser jugulados por leis enérgicas, como foram na Inglaterra ou nos Estados Unidos; enquanto, que difìcilmente tal se dará quando êsses hábitos entram no comportamento de grandes multidões.

Por isso mesmo, é possível que o remédio da corrupção eleitoral esteja menos nas leis eleitorais do que na luta geral contra a inflação.

A corrupção eleitoral repercute diretamente na vida dos partidos, contribuindo para a sua desagregação e tornando cada vez mais difícil uma participação salutar dêles na vida política. A influência a que nos referimos agora é a que se manifesta nas eleições, sendo diferentes, portanto, da que analisamos no item anterior a que se opera no comportamento dos eleitos.

Nas eleições, graças ao sistema de listas fechadas e de voto preferencial, que é o nosso, estabelece-se freqüentemente uma, corrida entre os candidatos, cujo sucesso é fundado no dinheiro. Em todos os Estados assistíamos a esta disputa interna na qual os candidatos de uma mesma lista se hostilizam ferozmente, muito mais do que ocorre quando se trata de adversários. A ocupação de colégios eleitorais de companheiros se faz, ou pela compra direta e simples, ou pela transação de votos locais contra votos federais com chefes adversos – transação freqüentemente descumprida, como naturalmente ocorre com as promessas imorais.

Estamos em condições de fazer um cotejo imparcial entre a falsidade do sufrágio moderno, escorado no poder econômico, e a do sufrágio antigo, escudado na ata falsa. É difícil escolher qual o maior mal, se a prepotência tirânica de governos oligárquicos, se a passeata triunfal dos novos estadistas, montados em bezerros de ouro.

Êsses fatos, correntes nas eleições de representação proporcional (deputados), também se deram nas de representação majoritária (senadores).

Em mais de um caso, homens de grande fortuna se elegeram ou se candidataram para a Câmara Alta, financiando generosamente as despesas de correligionários, candidatos a outros postos. O espetáculo foi geral e, salvo exceções raríssimas, podemos dizer que, se todos os candidatos pobres gastaram mas do que podiam, quase todos, pobres e ricos, no país inteiro, gastaram mais do que deviam.

Esta observação por si só mostra que os políticos – a não ser em casos isolar dos de despesas enormes e suspeitas não devem ser incriminados diretamente. O mal é geral, é nacional, e os políticos foram, em sua maioria, muito mais vítimas do que autores dêle. O mal, queremos crer ainda, vem, em grande parte, da inflação, e só com o combate ao vertiginoso declive inflacionário poderá ser reduzido.

Em todo caso, reiteraremos adiante providências que vimos sugerindo, há bastante tempo, sem sucesso e ajuntaremos outras que nos parecem úteis para reduzir a corrupção eleitoral, no que toca à vida dos partidos.

IV. FORTALECIMENTO DA AÇÃO DOS PARTIDOS

Fundados na norma de Direito Positivo que estabeleceu o monopólio dos partidos nacionais na condução da política, devemos, agora, encarar o aspecto final da tese, ou seja, o estudo dos meios conducentes a uma ação mais eficaz dêsses partidos, sôbre que pesam tão graves responsabilidades.

Esta segunda parte é muito mais delicada e complexa do que a primeira e, nela, naturalmente, deve-se abrir espaço muito mais amplo às idéias pessoais de quem a versa. Não se trata, com efeito, sòmente de um assunto do Direito ou história do Direito. Não se compreendem todos os mutáveis fatôres que integram e compõem essa indefinível coisa que se chama ação política, a qual depende, por sua vez, do acervo cultural de cada um, feito de experiências e convicções, e também dos propósitos que cada qual leva, ao agir politicamente, propósitos que incluem, por sua vez, elementos vários, notadamente os psicológicos.

As medidas que vamos sugerir escapam às vêzes, como se verá, ao capítulo restrito da reforma eleitoral. Mas é que, como ficou também salientado, a crise dos partidos tem, raramente, origem em fatôres estranhos a êsse capítulo.

A reforma do sistema eleitoral

1) Eliminação do voto preferencial; lista bloqueada

Há anos, propusemos essa medida como experiência moralizadora, em benefício dos partidos. Nossa sugestão, baseada na prática de outros países, teve bom acolhimento por parte de alguns deputados, mas foi recebida com reservas pela maioria dos líderes que consultamos e com desconfiança por alguns grandes jornais, cujos redatores não pareciam familiarizados com o assunto. Observando a pouca receptividade, não apresentamos nenhum projeto a respeito.

O sistema que imaginávamos, inspirado nos de outros países, era, mais ou menos, o seguinte:

Convenção prévia das seções estaduais dos partidos, presidida pela justiça Eleitoral, e eleição da lista de candidatos, por voto secreto, ficando a urna depositada no Tribunal Eleitoral.

Na eleição popular, a cédula conteria apenas os nomes dos partidos concorrentes e o voto consistiria na sinalização do nome do partido escolhido, processo que também se aplicaria às máquinas de votar.

Feita a apuração, as cadeiras conquistadas pelo quociente partidário, e, também, pelas sobras, seriam distribuídas na ordem que tivesse obtido maior número de votos na eleição convencional prévia.

Os defeitos desta fórmula seriam a influência dos diretórios na ordenação das listas; o desinterêsse dos candidatos que se julgassem colocados desfavoràvelmente dentro delas e, finalmente, a presença do dinheiro na Convenção. Não há dúvida que essas objeções procedem, mas parece-nos que podem ser respondidas, até certo ponto. A influência dos diretórios existe hoje, também, na confecção das listas e, em alguns partidos, na distribuição dos votos por nomes preferidos. A ordem dos candidatos colocaria presumìvelmente os líderes mais destacados em melhor posição. Mas isto não é um mal, antes é um bem e, mesmo na sistema atual, muitos candidatos aparecem apenas para completar a lista de nomes, sendo certo que não se esforçam por uma eleição que sabem cara e, de antemão, sem êxito.

O ponto principal ficaria na influência do dinheiro. Aí, somos de opinião que a Convenção partidária, pela qualidade dos eleitores e pela possibilidade muito maior de fiscalização, seria palco menos propício à investida do poder econômico, do que a eleição com voto preferencial.

2) Despesas eleitorais

Êsse problema tem sido abordado pela legislação de vários países. Seria muito longo apreciá-la aqui com minúcias. Para situá-lo no caso brasileiro, é mister que se faça uma observação prévia e capital. No Brasil, a maior vergonha é a utilização, por certa autoridades, de recursos públicos em benefício próprio ou de candidatos de suas preferências. A coleta de fundos privados com pessoas e emprêsas reveste-se, no Brasil, dos mesmos característicos que nos Estados Unidos, por exemplo. Mas a utilização dos fundos de entidades governativas, tais como sindicatos, SESI, SENAI, bancos oficiais, departamentos de estradas de rodagem; e o próprio Tesouro Público em gastos eleitorais, é o nosso grande mal. Por isso mesmo, a nossa legislação contra a corrupção eleitoral deve ter duas finalidades: a que se refere à coleta e emprêgo de fundos privados e a que diz respeito à distribuição de fundos públicos.

As disposições do capítulo V do Código Eleitoral vigente, que tratam das finanças dos partidos, precisam ser melhoradas em primeiro lugar, e, em segundo, aplicadas realmente e não continuarem letra morta, como são.

Quanto aos fundos privados, devemos adotar a experiência de outros países, notadamente a das leis americanas e inglêsas mencionadas por autores como MERRIAN e GOSNELL ou POLLOCK. Tais medidas se agrupam geralmente em quatro categorias, a saber: publicidade obrigatória para os fornecimentos de fundos aos partidos e candidatos; restrições quanto às origens dêsses fundos, restrições quanto ao caráter das despesas e limitação do volume das despesas. Os pormenores e adaptações dependeriam de estudos especiais.

É sabido que leis dêsse tipo, contendo penalidades e aplicadas com rigor pela Justiça, se não extinguem a corrupção eleitoral, pelo menos atenuam bastante os seus malefícios.

Passemos agora ao outro ponto, que nos parece principal, o da corrupção eleitoral pelo emprêgo de fundos públicos. Pensamos que só existe uma solução: em vez do Estado empregar criminosamente dinheiros públicos, em quantidades desconhecidas, para beneficiar amigos dos governos, deve ser criado um sistema pelo qual o Estado empregue, legalmente e sob publicidade, recursos em benefício de todos os partidos.

Para isso, deve a lei atribuir ao poder público certas despesas essenciais à jornada eleitoral, principalmente o transporte e a alimentação do eleitor. A fixação dessa despesa, por eleitor, seria feita pela Justiça Eleitoral, no momento em que convocasse as eleições, e aos partidos seria avençada uma soma correspondente ao número de legendas obtidas no último pleito.

O mecanismo dessa distribuição e a parte que competisse aos governos da União e dos Estados, dependeriam de estudos do legislador. Êste sistema, de resto, não é original. Desde 1907, o presidente TEODORO ROOSEVELT tinha proposto o princípio e, desde 1910, o Estado americano do Colorado aprovou lei estabelecendo, mais ou menos, o que acima ficou delineado.

O princípio do auxílio do Estado, proporcional ao eleitorado das agremiações partidárias, foi combatido principalmente pelos pequenos partidos, que viam nela uma injustificada proteção para os grandes. O argumento, a nosso ver, não procede. Trata-se de uma distribuição proporcional de garantias, para evitar a exploração mercenária. O efeito moral, com a continuação da providência, seria benéfico e ela serviria de forte argumento a uma legislação complementar severa contra a orgia das despesas individuais nos pleitos, dado que os gastos que servem sempre de justificativa aos pedidos extorsivos estariam oficialmente assegurados. Releva, ainda, notar, que os partidos não órgãos constitucionais incumbidos de alto mister político: as eleições.

Como acentua PIETRO VIRGA, a indicação dos candidatos é uma designação eleitoral prévia, sendo do mesmo autor a observação de que a designação, pelos partidos, para funções públicas, é “atividade estatal, no exercício do poder político do govêrno”.

Nada de estranhar, pois, que o Estado assegure eficácia e qualidade às funções dêsses seus órgãos.

Completando o sistema, deveria a lei facultar o uso, a preço moderado e uniforme, das estações de rádio a todos os partidos, nas vésperas dos pleitos, desde que, como é o caso brasileiro, a exploração da radiofonia é feita no regime da concessão. A êste respeito, apresentamos uma sugestão ao Cód. Eleitoral vigente, que foi adotada, mas não aplicada como devia.

3) Sub-legendas

Outra providência que, talvez, surtisse efeito favorável seria a adoção das sublegendas partidárias. A inexistência delas torna insolúveis, muitas vêzes, as crises internas dos partidos. Quando as Convenções são dominadas por grupos organizados ou por personalidades fortes e voluntariosas, quando não bafejadas pelo prestígio dos governos, as facções minoritárias, em geral, por mais bem orientadas que sejam, não podem influir. Daí o espetáculo comum de membros proeminentes de um partido que se transferem com armas e bagagens para outro. Espetáculo que se repete, inclusive com parlamentares, sendo que alguns dêstes acampam, durante a legislatura, nas barracas de várias legendas. A solução proposta da perda do mandato para o parlamentar que assim procede é inaplicável, em face da Constituição.

Mas a permanência dêste estado de coisas é, por sua vez, funesta para a unidade e até mesmo o prestígio dos partidos e do Congresso.

A adoção de sub-legendas viria prestar grande serviço no caso, consentindo as divergências sem quebra da unidade global, e permitindo o registro, dentro da legenda, de grupos que, muitas vêzes, esposam a melhor causa, sobretudo em certas seções dos partidos de oposição. A sublegenda, a nosso ver, não deveria ser concedida a requerimento de elementos do diretório ou da representação, mas sòmente por solicitação de significativa percentagem – digamos 30% da própria Convenção estadual.

4) Maioria absoluta e aliança de partidos

Já aludimos aos inconvenientes da coexistência do regime presidencial com o voto proporcional. Para minorá-los, duas soluções têm sido cogitadas: a da maioria absoluta e a da aliança de partido.

A exigência da maioria absoluta para a eleição do Ares dente tem grandes vantagens e encontra muitos adeptos. Seria, em têrmos gerais, neste particular, o retôrno à Constituição de 1891, por sua vez inspirada no exemplo americano. Estamos convencidos de que as vantagens superariam de muito os inconvenientes, mas o resultado só pode ser obtido mediante reforma constitucional, sempre demorada. Por isso mesmo, apresentamos projeto instituindo a aliança de partidos com voto cumulativo, aproveitando e desenvolvendo idéia sugerida, há alguns anos, pelo então deputado CAIADO DE GODÓI.

Nosso projeto, que tem sido objeto de largas discussões e debates, encontra apoio decidido em muitos setores da Câmara, bem como de grandes jornais do país, entre os quais citaremos, como exemplo, o “Correio da Manhã” do Rio, e a “Fôlha da Manhã”, de São Paulo.

A Comissão de Justiça ainda não se pronunciou sôbre o projeto, sendo, contudo, o parecer do relator, deputados ULISSES GUIMARÃES, pela sua constitucionalidade, embora contrário à sua aprovação. A êsse parecer, o deputado RAUL PILA ofereceu voto em separado, favorável à aprovação.

Não discutiremos pormenores do projeto, que supomos do conhecimento dos que se interessam pela nossa organização de poderes. Continuamos sinceramente convencidos de que o expediente por nós preconizado poderia funcionar com vantagem, enquanto não se institui o princípio da maioria absoluta, e que grande parte do desajustamento político resultante da coexistência do presidencialismo com o voto proporcional seria eliminada.

Reformas no processo da votação devem ainda ser adotadas. Para isso, convém estudar as sugestões apresentadas pelo presidente do Superior Tribunal Eleitoral, ministro EDGAR COSTA. Uma delas é indispensável: a guarda dos títulos pela Justiça Eleitoral, com o fim de se evitar a compra dêles por candidatos sem escrúpulos, de forma a impedir o comparecimento de eleitores tidos por adversos. Outra medida importante é a supressão do voto em separado, a não ser em casos muito especiais.

B – Reformas estranhas à Lei Eleitoral

1) Reforma no trabalho legislativo

A primeira providência que se impõe, fora da lei eleitoral, para fortalecer a ação dos partidos, é muito ampla, e urgente.

Trata-se de uma modificá-lo radical e corajosa, dos próprios trabalhos legislativos.

No Brasil, o Poder Legislativo atravessa gravíssima crise de funcionamento, tal como ocorre em várias outras democracias representativas.

Entre nós, a situação é ainda especialmente grave, por causa da rígida interpretação que se deu ao princípio da não-delegação de poderes. Vários são os excelentes estudos feitos no estrangeiro, sôbre a crise do Legislativo. Pode-se, mesmo, dizer que o tema, incluindo o aspecto da legislação extra-parlamentar, é dos mais versados e dos mais atuam no Direito Constitucional Comparado.

Clássicos são, a respeito, trabalhos como o relatório da Comissão especial do Parlamento britânico, para investigar a legislação delegada (abril de 1932), e o livro de MARGUERITE SIEGHART sôbre êste mesmo tipo de legislação, na Inglaterra e na França.

Entre nós, o Instituto de Direito Público e Ciência Política promoveu a respeito um interessante curso do Professor GEORGES LARGROD, da Universidade do Sarre, sôbre o estado do problema, na Europa Ocidental.

O estudo é precedido de um prefácio, do ex-deputado OSVALDO TRIGUEIRO, sôbre a situação no Brasil.

No prefácio, o Dr. OSVALDO TRIGUEIRO sugere medidas regimentais que facilitam e tornam mais rápido o trabalho legislativo. Entre elas, preconiza a das Comissões parlamentares legislativas, como existem na Constituição italiana.

Não participamos da Constituinte de 1946, mas integramos um grupo de trabalho organizado pela União Democrática Nacional, em companhia, entre outros, do saudoso deputado SOARES FILHO, que pertencia à subcomissão incumbida de estudar as funções do Poder Legislativo.

Como tínhamos alguns estudos pessoais a respeito, apresentamos a SOARES FILHO um projeto, visando exatamente à criação de poderes legislativos para as Comissões do Congresso, nos moldes depois adotados pela Constituição italiana, tão elogiada pelo Dr. OSVALDO TRIGUEIRO. Nossa proposta foi aceita pelo deputado SOARES FILHO, que percebeu logo sua utilidade, mas viu-se recusada pelo relator da matéria na Comissão Constitucional.

Salientamos o caso sem outro propósito senão o de acentuar como são antigas nossas preocupações sôbre o assunto, e como a Constituição brasileira poderia, se mais plástico fôsse o espírito dos seus relatores, e menos prêso a retinas obsoletas, ter adotado medida que logo depois encontrou guarida no texto italiano e é agora recomendada como remédio eficaz, por juristas nossos.

De qualquer maneira, é absolutamente indispensável uma reforma radical nos nossos métodos de legislar, sendo certo que o aprimoramento da elaboração legislativa, tão deficiente hoje no Brasil, virá também repercutir no fortalecimento da ação das representações partidárias.

A leitura do curso do Prof. LANGROD, com prefácio do Dr. OSVALDO TRIGUEIRO, pode servir de ponto de partida para várias iniciativas nessa direção.

2) Lei de elaboração orçamentária

A votação de uma lei que fixasse melhor, dentre dos limites constitucionais, a elaboração e a execução do orçamento, ser a outra providência benéfica à vida dos partidos.

Tal lei deveria conter ou diminuir a demagogia com que certos representantes utilizam o orçamento para fins puramente eleitorais. Muitas soluções existem, algumas já foram utilizadas na primeira República, como, por exemplo, a de que as emendas que aumentassem certas rubricas da despesa só poderiam ser apresentadas mediante emendas que acrescessem correspondentemente à receita.

Além das normas referentes ao Legislativo, a lei deveria também impor diretrizes à ação do Executivo, quanto à execução do orçamento, notadamente impedindo que o critério de aplicação das verbas seja baseado em considerações de preferência política, beneficiando partidos em detrimento de outros.

Consideramos ainda importante o prepare de uma lei que entregue obrigatòriamente às minorias postos na direção colegiada de órgãos autárquicos, parestatais e sociedades de economia mista. Essa providência é de grande importância para a fiscalização das respectivas administrações, em cujo seio se têm aninhado tantos escândalos, e serviria, também, para fortalecer os partidos de oposição, prestigiando-os no seu alto mister democrático.

3) Estatuto dos partidos políticos

Já tarda a votação de uma lei que forme o estatuto geral dos partidos políticos.

As normas dispersas dos estatutos particulares, no que têm de essencial à vida democrática, devem ser consolidadas e igualadas através da lei.

Tudo aquilo que se tem revelado mais útil, nos costumes adotados, deve ser tornado regra geral legislativa.

A administração financeira, eleições prévias, convenções, participação da Justiça Eleitoral na vida partidária, poderes dos diretórios, garantias jurídicas dos membros, solução de conflitos internos, enfim, tudo que é fundamental à vida dos partidos, e também ao rigor e dignidade da vida política, visto que os partidos são órgãos do Estado, precisa ser transformado em Direito Positivo, igual para todos.

As disposições do Cód. Eleitoral são muito insuficientes. Urge, repetimos, o estatuto dos partidos políticos nacionais.

4) Conclusão

A legislatura que está encerrando os trabalhos viveu pràticamente todo o seu período de quatro anos num clima de agitação e de luta.

Tendo participado dela na espinhosa função de líder da minoria da Câmara, podemos dar nosso testemunho do que foi essa época tormentosa de paixões e de crise política permanente, uma das legislaturas mais tempestuosas que já viveu a nossa História parlamentar no Império e na República.

É natural, assim, que a atmosfera de agitação e luta, agravada pelas falhas do processo legislativo, não tenha facilitado a confecção das reformas legais que está a exigir a nossa organização político-partidária.

Esperemos que, agora, no limiar de um novo ano e de um novo Congresso Nacional, Deus assegure paz ao Brasil para a ingente tarefa do aprimoramento das nossas instituições políticas democráticas, especialmente quanto ao melhor funcionamento dos partidos políticos nacionais.

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Notas:

* N. da R.: Trabalho apresentado ao IV Congresso Jurídico Nacional, realizado em São Paulo, em janeiro de 1955.

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