GENJURÍDICO
Obrigações em dinheiro e o estabelecimento de cláusula de escala móvel

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Revista Forense

CLÁSSICOS FORENSE

FINANCEIRO E ECONÔMICO

REVISTA FORENSE

Estabelecimento de cláusula de escala móvel nas obrigações em dinheiro. A valorização dos créditos em face do fenômeno inflacionário

CRÉDITO

OBRIGAÇÕES EM DINHEIRO

REVISTA FORENSE

REVISTA FORENSE 157

Revista Forense

Revista Forense

13/01/2023

REVISTA FORENSE – VOLUME 157
JANEIRO-FEVEREIRO DE 1955
Bimestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICARevista Forense 157

DOUTRINA

PARECERES

  • Constituição Rígida – Proposta de Emenda – Trâmites – “Quorum” – Sessão Legislativa Extraordinária, C. A. Lúcio Bittencourt
  • Autarquias – Caixa de Mobilização Bancária – Alienação de Bens, A. Gonçalves de Oliveira
  • Autarquias – Estabelecimentos de Serviço Público – Fundação da Casa Popular – Requisição de Funcionário Público, Caio Tácito
  • Compra e Venda – Inadimplemento Contratual e Exceções de Garantia – Retenção – Execução de Hipoteca, Miguel Reale
  • Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada – Dissolução por Morte de Sócio, Lino de Morais Leme
  • Sociedade Civil – Teoria dos Órgãos Diretores e de Administração – Mandato – Delegação, Amílcar de Araújo Falcão
    Município – Autonomia – Criação e Desmembramento, Lafaiete Pondé

NOTAS E COMENTÁRIOS

  • Conteúdo Jurídico do Preâmbulo Da Constituição, Alcino Pinto Falcão
  • O Exercício pelos Estados da Atribuição Constitucional de Autorizar ou Conceder o Aproveitamento Industrial das Quedas D’água, A. Junqueira Aires
  • Tratados e Convenções Internacionais sôbre Direito Penal, Roberto Paraíso Rocha
  • Das Ações Possessórias no Âmbito do Direito Trabalhista, Pires Chaves
  • O Crime e o Direito de Resistência, Valdir de Abreu
  • Depoimentos e Testemunhos – Efração da Consciência, W. Vilela de Horbillon
  • Reabilitação, Milton Evaristo dos Santos
  • Da Continuação da Sociedade Comercial com os Herdeiros do Sócio Falecido, Mário Moacir Pôrto
  • Promessa de Venda de Imóvel, Waldemar Loureiro

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

LEGISLAÇÃO

SUMÁRIO: 1. O ideal de justiça no nosso tempo. 2. O flagelo da inflação. 3. Desajustamento da teoria nominalista. 4. Inexistência de solução no Cód. Civil. 5. Necessidade de valorização dos créditos. 6. A cláusula de escala móvel. 7. Conclusão.

Sobre o autor

CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, Advogado e professor na Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais

DOUTRINA

Estabelecimento de cláusula de escala móvel nas obrigações em dinheiro. A valorização dos créditos em face do fenômeno inflacionário

1. O ideal de justiça no nosso tempo

1. Um dos mais elevados e mais graves problemas do nosso tempo é a adaptação da justiça distributiva à justiça comutativa. Não satisfaz ao verdadeiro jurista dar soluções técnicas às questões. Não atende ao anseio filosófico de nossa época pensar que a lei oferece meios positivos com que dirimir as controvérsias. Todo jurista digno dêsse nome pretende, antes de tudo, formular uma dogmática que promova a adequação do direito positivo ao ideal de justiça.

Nós não podemos ter a vaidade de ser melhores do que os nossos antecessores. Nem pretendemos haver atingido a um mais elevado teor de moralidade. Ao contrário. Sob certos aspectos retrogradamos ela comparação com outros períodos da história do Direito.

Mas é certo, também, que vivemos os últimos 40 anos em conjuntura de guerra. O mundo não havia ainda liquidado as contas do primeiro conflito mundial e já enfrentava o segundo. Sem ensarilhar as armas, silenciadas por um momento, prosseguiu lutando, ora em encarniçada campanha, ora no que se convencionou denominar guerra fria. Os espíritos não estiveram tranqüilos, nunca mais houve pacificação.

O Direito de nossos dias foi elaborado dentro do século XIX, século da segurança, da estabilidade econômica, do respeito às instituições. O direito obrigacional teve no contrato a sua maior expressão, pois que é o resultado da emissão de vontade, por sua vez a grande afirmação da liberdade humana. Livre de contratar ou de não contratar, de limitar a sua vontade no que lhe parecesse mais conveniente, o homem se exalça através das avenças ajustadas. A liberdade política fôra o tormento e a conquista do século XVIII. Então foi satisfatório ao jurista do século XIX consagrá-la nos Códigos, sem cogitar do problema sumamente grave da liberdade econômica.

Eis por que o grande monumento legislativo que foi o Cód. Napoleão erigiu o pacta sunt servanda em dogma fundamental e confundiu o ideal de justiça com a liberdade contratual. Eis por que o Direito que nosso tempo herdou proclamava a parêmia: quem diz contratual diz justo.

Mas, no momento em que o jurista do século XX medita nos profundos problemas que o envolvem e cuida de perquirir o âmago de seus Códigos, percebe o divórcio existente entre o seu direito e as enganosas exigências da vida contemporânea. Só então verifica quão falsos são os postulados que inspiram o seu direito positivo.

E sai à procura de novas fórmulas, capazes de promover aquela indispensável adequação.

É bem expressão desta procura, desta busca ansiosa de um ideal de justiça a grande obra de GEORGE RIPERT, “Lá règle morale duns les obligations civiles”. Reflete êste conflito, sem o amargor que o mesmo RIPERT põe na feitura de “Le Déclin du Droit”, antes assumindo todo o otimismo de um jurista jovem, o testamento jurídico de FRANÇOIS GENY, sob a epígrafe melancólica Ultima verba, mas rico, em tôda a riqueza de seu talento, que o eleva às mais doiradas culminâncias de escritor genial dêste século.

2. O flagelo da inflação

2. Produto dêstes tempos de crise, flutuando no meio social como um cavaleiro do Apocalipse, nós encontramos em todos os países, por todo a mundo, o grande flagelo da inflação, fustigando com o seu látego a economia, arruinando homens e nações, destruindo, como furacão, o que o labor paciente de gerações havia acumulado.

Sob as rajadas de seu impacto vacila o edifício econômico-jurídico. Não há segurança para os negócios. Os valores dançam o contorsionismo dos números, reduzindo a nada as fortunas de ontem, ou gerando riquezas das trilhas escusas da especulação. Quem organizara sua vida, amealhando suas economias, vê todos os seus haveres reduzidos a cifras irrisórias no mercado das emissões. E os aventureiros, assoberbados de dívidas, arriscando um crédito fácil nesta voragem inflacionária, enriquecem nababescamente, ganhando a plus-valia financeira, a mesma que fôra a ruína alheia. A propriedade, o imóvel, a terra, elemento estável da vida econômica, não pode ser dominada. Como que mobilizada neste turbilhão, cumpre seu fadário mercantil e é objeto de um comércio banal. Muda de dono e de preço, do dia para a noite. Os salários sempre insuficientes, cada vez mais exíguos, numa ascensão vertiginosa, correm atrás dos preços das utilidades, cada vez mais inacessíveis à bôlsa média. Quem vende, perde sempre. Quem dá de aluguel coisa sua, móvel ou imóvel, verifica prontamente o desajustamento entre a renda ajustada e a insensatez dos valores correntes. O que fêz seguro sôbre a vida vê com amargura minguar para nada o montante do valor segurado, para cuja manutenção fizera há anos o imenso sacrifício de um prêmio em moeda forte e sã.

Vai longe, sem têrmo, a análise do fenômeno inflacionário atuando sôbre o plano jurídico.

Desta arritmia financeiro-jurídica emana um fenômeno ainda pior: é o desajustamento moral. Se os valores são incertos; se os preços são loucos, se os quadros contratuais não comportam a vida econômica, a moral deserta das relações humanas, a palavra empenhada perde seu conteúdo ético.

E, então, o jurista continua a procurar os meios técnicos e a formular teorias para realizar a justiça comutativa.

3. Desajustamento da teoria nominalista

Tentemos pôr, agora, o problema em seus têrmos, após estas considerações gerais.

Nos negócios que se fazem à vista só se reflete o acontecimento inflacionário no que diz respeito à composição dos preços. Realizado o contrato, êle se executa de plano, e a vida continua.

Mas, em face dos contratos de execução sucessiva, ou apenas diferida, a emissão de papel-moeda, a jacto contínuo e em brandes proporções, vem suscitar novos problemas, que podemos focalizar, tão sucintamente quanto nos aconselha a necessidade de restringir êste trabalho.

Comecemos por um contrato de promessa de compra e venda: o promitente-vendedor se obriga a alienar o prédio por um preço que lhe será pago futuramente; entre a, data do contrato preliminar e o definitivo, a moeda depreciou e, então, o devedor do preço receberá, pela quantia primitiva, o imóvel valorizado. A prestação do promitente-vendedor corresponde a da outra parte, uma obrigação monetária, cujo montante regride intrìnsecamente, embora se mantenha a mesma cifra.

No mútuo, entre a data do empréstimo e a do pagamento, decai o valor da moeda. Se é um empréstimo a longo prazo, o credor terá de quitar o devedor com o recebimento de uma soma cujo valor aquisitivo é muitíssimo inferior ao mutuado.

No seguro sôbre a vida, o segurador ajusta, contra um prêmio que convenciona com o segurado, o pagamento de uma quantia certa, que se mantém numericamente estável, porém cada vez mais desvalorizada.

Diante destas ocorrências, duas hipóteses se abrem, refletindo as teorias correspondentes.

Para o “nominalismo”, quem deve uma quantia, de cem cruzeiros libera-se da obrigação, pagando uma quantia nominal de cem cruzeiros, sem cogitar se intrìnsecamente esta quantia tem o valor correspondente ao débito assumido. A teoria só toma em consideração o valor nominal. Não indaga se as partes, na sua verdadeira e íntima emissão de vontade, assim o quiseram. Nem excogita da desigualdade das prestações, e quebra da sua equivalência. Nos momentos de estabilidade financeira, a teoria nominalista atende perfeitamente ao ideal de justiça. Mas nas épocas de inflação poder-se-á dizer outro tanto? Em obra especializada e profunda responde negativamente GEORGE HUBRECHT:

“Le nominalisme parfaitement légitime en période de stabilité monétaire parce que fondé sur l’identité dos qualités substantielles de la monnaie, est au contraire en opposition formelle avec l’intention des parties lorsque la valeur de la monnaie s’est notablement modifiée entre l’époque du contrat et le four du paiement” (“Stabilisation du Franc et Valorisation des Créances”, pág. 15).

Quem contrata, dentro de certas condições, evidentemente as tem em vista para a execução do seu negócio. Quem vende para receber 100 não pode considerar-se satisfeito se recebe 50. É o que acontece com a depreciação da moeda. O que aliena por 100 e recebe em pagamento moeda que se chama 100, mas que sòmente vale 50, na verdade está recebendo 50. O pagamento afronta a vontade real. Dá a aparência de se submeter à emissão de vontade. Mas é só a aparência. Quem empresta 100 deve receber 100. A teoria nominalista, nas épocas de crise como esta, força a boa-fé contratual, porque permite que o mutuante reembolse uma soma que não vale senão 50, em quitação da dívida de 100.

A solução não pode agradar. Ao jurista ela repugna, porque traduz uma ofensiva contrafação da vontade manifestada e vai de contra-pêlo à boa-fé que deve presidir a todos os negócios irmã gêmea da eqüidade natural: bona fides quae in contractibus exigitur aequitatem summam desiderat. Todos os contratos hoje são de boa-fé, como salienta FRANÇOIS GORPHE, e, “ainda que a boa-fé possa entender-se, de maneira, mais ou menos rigorosa segundo a natureza dos contratos, ela o é geralmente mais do que em Roma” (“Le príncipe de la bonne foi”, pág. 45).

Mas também ao leigo, ao homem da rua, ao comerciante, a solução nominalista repugna, parecendo-lhe a negação do sentido de justiça que a sociedade civilizada difunde entre todos os seus membros.

Acontece que um e outro, o jurista e o homem de negócios, buscam solução diferente. O primeiro pretende aflorar tècnicamente o assunto, dominá-lo pouco a pouco e encontrar o meio de realizar a justiça no contrato, malferida pela voragem inflacionista.

O homem de comércio é mais rude, e mais direto. É também mais afoito. Busca o meio de resolver a questão, com sacrifício certo do direito legislado. Encontra na fraude às vêzes o caminho, outras vêzes não vai tão longe, ficando no limiar da regra moral. Mutuante desonesto, eleva a taxa do juro muito acima da permissão legal e busca no contrato usurário a fórmula de compensar a depreciação da moeda. Vendedor, eleva o preço da “merx”, para equilibrar a desvalia do dinheiro. Vendedor inescrupuloso, burla o contrato, recusa a entrega da coisa, foge nas dobras da demanda, prefere ao cumprimento do ajuste a multa em dinheiro desvalorizado. É a segunda hipótese.

Em face dêstes dramas quotidianos, o homem do Direito precisa de encontrar a solução do problema.

4. Inexistência de solução no Cód. Civil

Nosso direito codificado não se aparelhara, contudo, para tais embates. O Cód. Civil, fruto de um século de debates, nasceu envelhecido, porque fixou muito bem os princípios tradicionais, sem deixar porta aberta aos institutos moralizantes que êste século criou, aparelhou ou fêz ressurgir do passado. Já observara GENY que a ordem jurídica de um país nunca se satisfaz com o seu direito escrito (“Méthode d’Interpretation et Sources en Droit Privé Positif”, vol. II, pág. 404). Se isto é uma verdade, assim em tese, avulta a exatidão científica do conceito, quando procuramos na lei escrita remédio para os males oriundos dos períodos de conjuntura.

Em um modesto trabalho sôbre a “Lesão nos Contratos Bilaterais”, tivemos ensejo de assinalar que o Direito não é só técnica, mas é também ideal, tem objetivo a realizar e procura os meios de sua efetivação. Por isso mesmo, escrevemos ali, “em todos os tempos houve o atraso e desconformidade da fórmula em relação ao ideal: êste, mais avançado, incidindo sôbre ela, vivificando-a, e às vêzes combatendo-a; aquela, menos maleável, resistindo, porém cedendo sempre” (cf. nossa “Lesão nos Contratos Bilaterais”, pág. 119).

Diante do desajustamento entre o respeito à boa-fé, à vontade manifestada, ao contrato livremente avençado, à regra moral que não pode desertar das relações humanas, devemos pesquisar um meio de solucionar a divergência, e de aproximar o contrato do seu conteúdo de justiça e de moralidade.

A solução que a experiência jurídica sugere é a que especialistas de notável bagagem e povos vividos no torvelinho dêstes problemas encontraram. Nós não somos a primeira nação que enfrentou o drama inflacionista. Outros antes de nós o conheceram e procuraram conduzir os negócios jurídicos dentro dêsse mar proceloso. Formularam noções dogmáticas e fixaram normas legais. O objetivo a que o jurista tem de visar, neste momento difícil, é a revalorização creditória, ou seja, a adaptação do débito monetário à realidade financeira, a adequação do valor nominal da moeda ao seu verdadeiro poder aquisitivo.

Antes, porém, de discutirmos a solução, devemos examinar o nosso direito positivo, a ver se oferece meio técnico eficaz, assim como as criações da doutrina moderna, a ver se nos apontam rota segura.

O art. 85 do Cód. Civil, quando dispõe que na interpretação da vontade se pesquise antes o seu conteúdo intrínseco, a intenção, do que o sentido literal da linguagem, formula norma geral, que CLÓVIS BEVILÁQUA acentua constituir menos uma regra de hermenêutica do que a integração mesma do ato jurídico.

Mas não cremos que a simples invocação dêste preceito permita a valorização dos créditos monetários. Nosso direito contratual está construído sôbre o pacta sunt servanda. A vontade, livremente manifestada, vincula o seu emissor. E não podemos admitir que, a pretexto de interpretá-la, o juiz possa alterar as condições nominais do ajuste. Se deve o intérprete buscar a vontade real do agente, nem por isso pode êle se desprender totalmente da declaração. A vontade se exprime através da linguagem. Não é então possível procurar a vontade fora dela.

É verdade que GABBA, com o poder enorme de seu talento, vê nas transformações de valor intrínseco da moeda, quando ocorrem sem alteração de seu valor nominal, mera questão de interpretação:

“Il secondo caso, quello cioè che la mutazione riguardi il valore intrinseco delle monete, rimanendo identico il valore nominale, contiene essa pure una qnistione di interpretazione, o a meglio dire di esecuzione di contratto, che non ha che vedere colla dottrina della retroattività” (“Retroattività delle Leggi”, vol. IV, página 95).

Parece-nos que o conceito de GABBA se justifica em razão do art. 1.822 do Código italiano de 1865, o qual admitia, quando ocorresse alteração no valor intrínseco da moeda, que o devedor pagasse “l’equivalente el valore intrinseco che le monete arevano al tempo in cui furono mutuate”.

Para o nosso direito codificado, desconhecendo um tal preceito não seria possível o repúdio ao nominalismo, sob color apenas de interpretação da vontade contratual.

Também não nos parece que a teoria dos vícios do consentimento, ou mais precisamente a invocação do êrro, seja hábil a imprimir solução ao problema. O êrro vicia o ato jurídico, mas é necessário que se configure a desconformidade entre a vontade manifestada e o objeto do ato. É o que consagra o art. 87 do Cód. Civil:

“Considera-se êrro substancial o que interessa à natureza do ato, o objeto principal da declaração, ou alguma das qualidades e êle essenciais”.

E não nos parece que possa invocar êrro essencial quanto ao objeto aquêle que contratou conhecendo o valor da moeda, contemporânea, do negócio, sòmente porque as modificações ulteriores lhe impuseram uma depreciação.

Igualmente inidônea ao objetivo seria a invocação da regra do art. 1.058, para a qual:

“O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito, ou fôrça maior, se expressamente não se houver por êles responsabilizado, exceto nos casos dos arts. 955, 956 e 957”.

É que a desvalorização da moeda não constitui motivo de fôrça maior para a inexecução dos contratos. É certo que as condições financeiras ambientes são bem outras, em comparação com o momento do negócio. É certo que o credor sofre um dano, quando recebe um pagamento inferior intrìnsecamente à expressão de seu crédito, embora nominalmente idêntico, mas não se pode ver em tal fenômeno uma razão de fôrça maior justificativa da inexecução.

O Direito moderno, com o propósito de resguardar a justiça do contrato, reconstruiu o instituto da lesão, sem os caracteres objetivos da laesio ultra dimidium do Código de JUSTINIANO.

Mas a lesão subjetiva, tal como o Código alemão disciplinou, tal como se encontra no Código suíço, no novo Código italiano, no Código soviético, não vai ao ponto de permitir a revalorização dos créditos monetários. Nós a temos hoje incorporada ao nosso direito positivo na lei repressora dos crimes contra a economia, popular, quando um dos contratantes obtém ou estipula, em qualquer contrato, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade da outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida. Em nossa monografia deixamos bem claro que a lesão sòmente se caracteriza, no concurso de dois elementos: um, subjetivo, que consiste no abuso da inferioridade contratual da outra parte, com o fito de obter vantagem material superior à tarifada; outro, objetivo, que consiste na ruptura da igualdade das prestações, tomada como ponto de parida (cf. nossa “Lesão nos Contratos Bilaterais”, pág. 190).

O problema que aqui nos ocupa – desconformidade entre o valor nominal da obrigação pecuniária e a capacidade aquisitiva da moeda do pagamento – pode impor ao credor prejuízo superior à taxação legal. Mas inexistirá lesão ria ausência do fator subjetivo.

O homem do Direito, unindo dois pontos da evolução do pensamento jurídico, estatuiu a teoria da impressão, no propósito de restabelecer a justiça na economia contratual. Não vamos aqui mostrar como surgiu e como se desenvolveu a doutrina, nem recordar como reapareceu moldada no figurino contemporâneo a cláusula rebus sic stantibus.

Sôbre o assunto, os mais autorizados escritores se têm manifestado, e nós mesmos em trabalho publicado na “REVISTA FORENSE”, deixamos consignada a nossa opinião (“REVISTA FORENSE”, vol. 92, pág. 797).

Parece-nos que, em doutrina, a invocação da teoria da imprevisão forneceria o supedâneo à valorização do crédito monetário, ante a depreciação da moeda. Pelo acontecimento imprevisto no momento do ajuste, as condições envolvendo a execução dos contratos alteraram fundamentalmente a situação das partes, proporcionando a uma delas lucro exorbitante e levando a outra à ruína. É a superveniência da inflação ao momento da avenca que funciona como causa, estranha à vontade de qualquer dos contratantes, geradora do desequilíbrio. Para recuperar o justum contrapassum será de mister que se não dê rigoroso cumprimento ao contrato, e, para tanto, ou se sujeita êste a uma revisão e readaptação, ou sofre a rescisão.

Num estudo sôbre o papel da jurisprudência no direito obrigacional, PAUL DURAND, após minuciosa análise de arestos que indica, mostra como os tribunais rescindiram contratos de venda, cada vez que o desequilíbrio econômico criou uma desproporção lesionária para o valor imobiliário no dia da promessa e no da aceitação (“Le Droit des Obligations dans les Jurisprudences Française et Belge”, página 136).

Aplicada a teoria da imprevisão aos contratos em geral, teríamos bem fundamentada a sua rescisão ou a sua revisão, sempre que, em virtude de um movimento inflacionário imprevisto, as condições de execução carreassem para o credor grave dano e paro, o devedor lucro desarrazoado.

Mas nós não temos, em nosso direito positivo, consagrada a doutrina em sua amplitude. Como admiràvelmente salienta o grande monografista da matéria, “o sistema do nosso direito codificado não acolhia, assim, de uma maneira geral, a noção de imprevisão” (ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA, “Caso Fortuito e Teoria da Imprevisão”, pág. 315). É bem verdade que a legislação extravagante foi criando diversos casos especiais de revisão contratual, que justificam a afirmação, em nosso Direito, da sua existência. Grandes autores se mostram seus defensores, e os nossos tribunais a têm aplicado. Nós mesmos, no trabalho lembrado, sustentamos sua idoneidade em face do nosso direito legislado.

Mas, no caso particular do fenômeno inflacionário, confessamos que se nos afiguram dois óbices à revalorização dos créditos, com base na citada teoria: o primeiro é a inexistência de um texto genérico ad instar do que o anteprojeto de Código de Obrigações, art. 322, inscreveu; o segundo é que a teoria da imprevisão justificaria a revisão dos contratos concluídos antes do impulso inflacionista, mas não fundamentaria igual procedimento quinto aos que se ajustaram dentro da inflação, pois que para êstes a inflação é mais do que prevista. Assim, é insuficiente a teoria, para o objetivo que estudamos.

Para nós, então, o restabelecimento da justiça contratual só pode ocorrer com a valorização específica dos créditos.

5. Necessidade de valorização dos créditos

5. Mas, no estado atual de nosso direito positivo, será possível esta valorização? Noutros têrmos, é viável que as partes contratantes ajustem a valorização dos créditos em dinheiro?

Para darmos resposta a esta indagação, vamos passar em revista diversos tipos de contratos, examinando-os à luz das disposições legais em vigor.

Já vimos que não há uma disposição geral autorizadora da revisão. Mas há mais do que isto. Textos peremptórios de lei, disposições de ordem pública impedem, no momento atual, esta valorização, com sentido de generalidade.

Comecemos por assentar que, de um modo geral, não é possível ao juiz, a pedido do credor, proceder à revalorização dos créditos provenientes de contratos em vigor, em função da depreciação da moeda, porque o nosso direito contratual é baseado na fôrça obrigatória da convenção. A regra pacta sunt servanda tem plena vigência e não sofre senão as restrições expressamente autorizadas em lei. Rever o contrato, para adaptá-lo às condições de valor atual da moeda, é afrontar a vontade contratual e negar validade ao ajuste livremente concluído.

Para os contratos futuros, a inserção de cláusula especial, pela qual os créditos monetários se vinculem a um índice, merece acurado exame. Tal cláusula prenderia o valor da obrigação pecuniária ao ouro, ou o tribo ou ao valor do petróleo, por exemplo.

Em face do art. 947 do Cód. Civil seria possível êste ajuste. Mas o dec. nº 23.501, de 27 de novembro de 1933 estatuiu:

“É nula qualquer estipulação de pagamento em ouro, ou por qualquer outro meio tendente a recusar ou restringir nos seus efeitos o curso forçado do mil reis papel”.

Êste diploma, que estabeleceu o curso forçado, após outros que já o haviam esboçado, estabeleceu ainda, no art. 2°:

“A partir da publicação dêste decreto é vedada, sob pena de nulidade, em contratos exeqüíveis no Brasil, a estipulação de pagamento em moeda que não seja a corrente, pelo seu valor legal”.

Uma cláusula relacionando o valor do débito a um índice, como os apontados acima, é contrária ao curso forçado da moeda, que, desta sorte, perderia o seu poder liberatório pelo valor ao par. Será, então, ilícita sempre que isto ocorrer.

Considerando certos contratos, em particular, encontramos outros obstáculos à revalorização dos créditos monetários.

Comecemos pelo empréstimo. Não é possível ajustar no mútuo uma cláusula vinculando o reembôlso do capital e os juros a um índice. A razão está em que a Lei de Usura, como a lei de repressão aos crimes contra a economia popular proíbem e punem o mútuo feneratício a uma taxa superior a 12% ao ano. É vedado elevar esta remuneração sob qualquer pretexto. Ajustar o empréstimo com referência a um índice, numa época inflacionária como a que vivemos, é admitir como certa a depreciação do dinheiro e, então, repudiada a concepção nominalista, aceitar que o mutuário deverá, em cumprimento do contrato, reembolsar ao mutuante o capital, mais os juros, mais a plus-valia do capital. O juro já se convenciona, normalmente, a 12%. Exigindo o credor, com êles, a percentagem de depreciação da moeda, estará ferindo a disposição proibitiva do dec. número 22.626, de 7 de abril de 1933.

Na relação de emprêgo, estamos impedidos de ajustar o salário com referências a um índice. A Consolidação das Leis do Trabalho proíbe a sua redução. Desde que seja estabelecido em base flutuante, estará sujeito a majoração ou diminuição, de acôrdo com as oscilações do valor da moeda comparativamente ao índice tomado. Sempre que a moeda subir, o salário baixará, o que é defeso.

No que toca à locação, a lei n° 1.300, de 8 de dezembro de 1950, mantém congelados os preços, salvo para os aluguéis novos, não obstante a reconhecida e crescente elevação geral dos preços, paralela à depreciação monetária. Êste regime é incompatível com a cláusula em exame, o legislador, no ano findo, ao terminar o prazo de vigência da lei nº 1.300, limitou-se a estendê-la por mais um ano. Seria oportuno introduzir-lhe modificações e admitir outros casos de liberação, além dos previstos, libertando o comércio locatício das peias que o prendem. Não o tendo feito, e mantendo a fixação anterior, repele tôda hipótese do arrendamento acompanhar a desvalorização monetária.

6. A cláusula de escala móvel

Chegamos, Dois, ao ponto essencial da questão. Examinado o problema de jure condito, atingimos à conclusão de que nem pela autoridade judiciária, nem pela convenção entre as partes será possível promover a adaptação dos créditos pecuniários às condições do mercado monetário, na sua generalidade. Noutros têrmos: não é possível, como regra geral, adotar-se a cláusula de escala móvel.

Mas a realidade econômica nacional é tremendamente grave. O preço das utilidades sobe cada vez mais. Segundo dados fornecidos pelo Conselho Nacional de Estatística e publicados no “Boletim Estatístico” nº 43 (julho-setembro de 1953), último que tivemos ensejo de compulsar, o custo da vida subiu, em São Paulo, de 1939 a 1952, na proporção de 496,3%. No Rio, mais ou menos à mesma razão. No interior, acompanha de perto êste índice. Em Belo Horizonte, os salários subiram de 1932 a 1952 na proporção de 525% (cf. PAULO COSTA, “Cadernos de Encargos”, ed. 1953, pág. 13). Em 1954, êles foram mais que duplicados.

A inflação, como uma espécie de impôsto indireto, beneficia o Estado. Mas não é justo que dela lucrem os particulares gananciosos, os especuladores que fazem fortuna à custa da miséria coletiva, da desgraça daqueles que vivem de salário, e que são obrigados a restringir cada vez mais o seu padrão de vida. O Direito moderno, com êste sentido paternalista assinalado por COLIN et CAPITANT, não tolera esta exploração. O dogma individualista, que o século XX herdou, vem perdendo terreno para uma concepção mais ampla e arejada, concorrendo para a realização do anseio geral da Justiça.

Ao Estado, mesmo, não é lícito locupletar-se com a inflação. É a tese que ressalta do voto do ministro MÁRIO GUIMARÃES, no Supremo Tribunal Federal, para quem, nas desapropriações, a indenização deixa de ser justa e desatende ao preceito constitucional, se ocorre depreciação monetária entre a época da avaliação e a do pagamento (“Diário da Justiça” de 5 de abril de 1954, pág. 1.176).

Parece-nos, então, que é necessário voltar o legislador suas vistas para êste problema, e promover a revalorização dos créditos monetários.

De que maneira, entretanto?

Está demonstrado que o tipo de adaptação do nível de vida à depreciação monetária, adotado por nós, é prejudicial. O govêrno promove, espaçadamente, a elevação dos salários, quer de seus servidores e dos órgãos parestatais, quer dos empregados em emprêsas privadas.

Por outro lado, os órgãos de contrôle de preços vão se sujeitando às exigências dos comerciantes e aprovam as elevações que êstes impõem.

A conseqüência de uma e de outra medida é o encarecimento constante da vida. As emissões depreciam a moeda; a desvalorização da moeda traz o aumento dos preços; o aumento de preços provoca a alta dos salários; a alta dos salários requer novas emissões. E dêste círculo vicioso não conseguimos até hoje sair, desde que nos deixamos envolver na maré inflacionista.

Conseguintemente, deveremos procurar outra técnica, capaz de resolver esta situação, ou minorar-lhe os efeitos.

Se fôssemos instituir uma lei revalorizando todos os créditos monetários, de uma só vez, não teríamos adotado solução satisfatória.

Tal providência, caracterizada por uma elevação em igual taxa percentual para tôdas as obrigações pecuniárias, apenas transportaria obrigações um para outro nível os creditas contratuais, sem resolver a questão fundamental, consistente em estabelecer ou restabelecer o equilíbrio entre o valor nominal da moeda e o seu poder aquisitivo.

Por outro lado, não nos parece que uma tal providência pudesse abranger os contratos já perfeitos, eis que êstes, criando rara as partes uma situação jurídica perfeitamente constituída, se poriam a cavaleiro da lei nova (Lei de Introdução ao Cód. Civil, art. 5°). Esta, aliás, a lição de ROUBIER:

“Les effets des contrats en cours au jour du changement de législation démeurant déterminés par la loi en vigueur au moment où ils ont été formés; une loi nouvelle ne peut ni les modifier, ni les accroitre, ni les diminuer” (“Les Conflits de Loi dans le Temps”, vol. II, nº 84, pág. 75).

A lei que viesse revalorizar o crédito decorrente de um contrato atingiria o que se acha em curso, e seria francamente retroativa. Ora é certo que “… les contrats passés soas l’empire d’une loi ne peuvent receroir aucune atteinte par l’effet d’une loi ne peuvent recevoir aucune atteinte par l’effet d’une loi postérieure…” (op. et loc. cits.).

Resta então o recurso às cláusulas de garantia.

No regime de curso forçado em que vivemos, e que não parece devamos abandonar no momento, pois que a nossa moeda não suporta a concorrência do ouro ou da moeda estrangeira, é inidônea a cláusula contratual que estipule o pagamento em ouro ou em outro padrão metálico, ou em espécie metálica precisa. Ao contrário do que se deu na França com a lei de curo forcado, de 5 de agosto de 1914, o nosso dec. nº 23.501, de 27 de novembro de 1933, fulminou de nulidade a cláusula ouro ou a estipulação do pagamento em moeda estrangeira. O retorno à liberdade convencional, neste instante, o levantamento desta interdição, poderá ter conseqüências graves.

Em outros países tem sido adotada a “cláusula de escala móvel”, assim chamada na França, a clause d’échelle mobile), como nos Estados Unidos e Inglaterra (escalator clause).

Esta técnica consiste na inserção de uma cláusula nos contratos, segundo a qual a importância do pagamento oscilará na razão de um fator determinado, que tanto pode ser o preço de uma certa moeda, como o dólar, ou o preço de uma dada mercadoria, como o café, ou simplesmente o índice geral do custo da vida. De um grande especialista tomemos esta noção:

“Une clause d’après laquelle le montant de la somme à verser en francs variera suivant le cours d’une monnaie étrangère, du prix d’une denrée, ou, plus généralement, suivant l’indice des prix” (GEORGE HUBRECHT, “Stabilisation du Franc et Valorisation des Créances”, página 328).

Estipulada a cláusula de escala móvel, fica a sorte do contrato ligada às oscilações de um índice, ou, noutros têrmos, como define JEAN MARCHAL, a tôda variação de um índice determinado do custo de vida corresponde uma variação automática da prestação (“Cours d’Economie Politique”, 1949-1950, pág. 75).

O grande obstáculo à instituição desta cláusula é o preconceito nominalista. Nós vivemos sob o regime desta doutrina, e não temos facilidade de compreender como o devedor da soma de Cr§ 100.000,00, em virtude de um contrato, tenha a sua dívida elevada, nominalmente, para Cr§ 110.000,00, em razão do custo da vida ter-se elevado de 10% entre a data da obrigação e a do pagamento. Se atentarmos, porém, em que esta cláusula é moralizadora, de vez que não traz enriquecimento para ninguém, sentiremos que importa em restabelecer a justiça ferida pela inflação. Sob o domínio da teoria nominalista em que vivemos, é que surgem as injustiças: o devedor de Cr$ 100.000,00 libera-se da obrigação mediante o pagamento de uma soma que tem apenas o nome de Cr$ 100.000,00, embora na data do pagamento não valha mais de Cr$ 90.000,00, por ter a moeda, entre um e outro momento, perdido 10% de seu valor aquisitivo.

O nosso homem de negócios compreendendo a necessidade de manter êste equilíbrio, tem adotado outros meios para certas modalidades de contrato. Conhecemos, de nossa experiência profissional, o problema na empreitada. Ajustada a construção de um grande edifício, por preço global, o fluxo inflacionário impõe a elevação do custo da matéria-prima e da mão de obra em nível que o construtor não pode suportar.

No Rio de Janeiro temos notícia da revisão forcada pelo empreiteiro: num certo momento, êle convoca o dono da obra ou os condôminos, e lhes mostra a majoração dos preços, declarando que não prosseguirá sem um reajustamento de condições; o dono, que já está com dinheiro empatado, submete-se à exigência, às vêzes exagerada.

Em Minas Gerais age-se mais honesta e francamente. Estipula-se a revisão do preço, se ocorrer majoração da matéria-prima e do salário. Fica, então, como base, apenas, o preço avençado, sujeitando-se o dono da obra à adaptação das condições de custo da empreitada ao valor real da construção.

Esta cláusula, denominada de revisão, e que pode funcionar periòdicamente, é irmã da de escala móvel, porém mais restrita.

Mais útil, mais honesto e mais técnico será admitir-se a cláusula de escala móvel.

Já existe na Câmara dos Deputados um projeto de lei (n° 1.470, de 1951), de autoria do Prof. BILAC PINTO, instituindo o aumento automático dos salários, de acôrdo com a elevação do custo de vida.

Êste brilhante parlamentar, em longa justificação, mostra, com dados extraídos de publicações francesas, americanas e inglêsas e com autorizados economistas, que a adoção da escala móvel de salários tem conseguido a estabilização de preços. Sobretudo, o seu grande mérito é a abolição dos saltos bruscos. É esclarecedor transcrever a cita de uma passagem da defesa que de projeto análogo, apresentado à Assembléia Nacional Francesa, faz o deputado ROBERT CONTANT:

“… em países como os Estados Unidos – nos limites por mim fixados como a Suécia, a Noruega, a Dinamarca e a Bélgica, nos quais se exerce a intervenção do Estado em todos os domínios econômicos, e, notadamente, no setor dos preços, a aplicação da escala móvel não gera sobressaltos na vida econômica. Ela suscita, ao contrário, um clima social de tranqüilidade, que permite melhorar progressivamente o nível de vida do mundo do trabalho, e assegura à economia uma evolução normal” (do “Journal Officiel” – “Débats Parlamentaires”, de 14 de setembro de 1951).

O projeto do Prof. BILAC PINTO é restrito ao salário e defende a escala móvel ascendente apenas, o que êle justifica com o fundamento de ter sido no Brasil o ritmo de ascensão salarial muito lento, estando a maioria das categorias profissionais muito distanciadas da paridade normal em relação ao índice dos preços.

Todos nós sentimos que o desajustamento entre o ritmo ascensional do custo da vida e o valor das obrigações é flagrante e enorme. Para restabelecer o equilíbrio, foi decretado no ano passado o novo nível de salário mínimo, provocando um salto brusco de mais de 100% em vários Estados, notadamente no de minas Gerais. Verificou-se o colapso de várias indústrias e uma geral ascensão dos preços, porque o custo da vida, acompanhou o salário.

Se, ao invés disso, todos os créditos monetários tivessem vindo, progressiva e paralelamente, acompanhando a depreciação monetária, os salários, os preços dos generosos preços dos imóveis, os preços dos aluguéis estariam nos mesmos níveis, sem que passássemos pelo cataclismo gerado por uma elevação sem contrôle, ou provocada de chofre em proporção exacerbada.

Por outro lado, a generalização da curva ascensional iria proporcionar equilíbrio em diversos tipos de obrigação, onde se faz sentir a necessidade de intervenção. Assim, os débitos alimentares na esfera familiar, sujeitos a revisão, necessitam de um processo judicial complexo e moroso, durante o qual o credor de alimentos passa dificuldades sérias.

Convertidos os valores financeiros dos menores em títulos da dívida pública, está o beneficiário com os seus recursos de subsistência cada vez mais minguados, não obstante mantido o valor nominal da prestação.

As obrigações decorrentes de ato ilícito, constantes de pensão, pagas por via de títulos da dívida pública, vão perdendo a necessária paridade com o poder aquisitivo da moeda e negando, ipso facto, a sua finalidade.

Os seguros sôbre a vida, ajustados em moeda boa, e assim recebidos pela companhia seguradora os prêmios, tornam-se mesquinhos na hora de serem pagos em moeda de inflação.

Enfim, um sem-número de exemplos podem ser invocados, para mostrar, à tôda evidência, que é necessário adaptar a obrigação monetária ao poder de aquisição do dinheiro.

Dos meios adotados, o mais simples, o mais calmo, é a adoção da escala móvel.

7. Conclusão.

7. Resta estudar, então, concretamente, até onde é possível assentar-se a sua liceidade, e a partir de quando será necessária providência de ordem legislativa.

A fim de fixarmos a orientação desta conclusão, devemos, prima facie, proclamar que a Constituição federal, no art. 193, já consagrou o princípio da escala móvel para os vencimentos dos funcionários inativos, dispondo:

“Os proventos da inatividade serão revistos sempre que, por motivo de alteração do poder aquisitivo da moeda, se modificarem os vencimentos dos funcionários em atividade”.

Não assentou aqui, em tôda a sua extensão, a variabilidade dos vencimentos de funcionários inativos, mas firmou a norma pela qual ao legislador se impõe o dever irrecusável de adaptar às contingências inflacionárias o padrão salarial dos inativos, vinculando-o a um índice, constante do provento dos funcionários em atividade.

Não é repugnante, pois, ao sistema brasileiro a adoção da escala móvel, antes encontra bom amparo na iniciativa tomada pelo Poder Constituinte.

Por outro lado, como acima deixamos patenteado, há certos tipos contratuais que absorvem a escala móvel com algum desembaraço. E lembramos a cláusula de revisão na empreitada.

Poderíamos recordar ainda a cláusula freqüentemente figurante nos contratos de locação, segundo a qual o preço do arrendamento se estipula em escala ascendente predeterminada, nos aluguéis novos.

A liceidade do ajuste não tem sido posta em dúvida, não obstante o princípio de congelamento de preços, instituído pela lei n° 1.300, de 28 de dezembro de 1950, o que permite conceituar a validade dos contratos novos de aluguel a preço variável.

A nossa jurisprudência não tem, contudo, enfrentado abertamente a questão da validade da cláusula de escala móvel, como ocorre na França e na Itália. A título apenas de ilustração, pois não temos o propósito de aprofundar o exame da matéria no direito estrangeiro, lembramos que a Cour de Cassation chegou a admitir a validade da cláusula de escala móvel em aresto de 18 de fevereiro de 1929 (“Dalloz Hebdomadaire”, 1929, 113), embora mais recentemente se haja inclinado pela restrição dos casos em que se possa ajustar (“Dalloz Périodique”, 1952, 413).

Em minucioso estudo, publicado em “Revue Trimestrielle de Droit Civil”, MICHEL HUBERT realiza profunda análise do tema em face da legislação e da jurisprudência francesa, mostrando que o legislador tem procurado restringir o campo de atuação da cláusula de escala móvel e que a jurisprudência mais recente se tem pronunciado pela sua condenação. Após caracterizar a natureza da cláusula e estudar o seu ajuste em confronto com as cláusulas monetárias em geral, o autor enfrenta o problema de sua validade face aos princípios de direito privado, às leis que instituem o curso forçado e o curso legal dos bilhetes de banco, assim como à vista do princípio da ordem pública, para chegar à conclusão de que o legislador jamais se pronunciou francamente pela nulidade da cláusula de escala móvel. E quanto a jurisprudência, diante da obrigação já seguida e da improcedência dos argumentos de que se têm valido para anular a cláusula, entende:

“Il appartient aux tribunaux de rechercher, dans chaque situation contractuelle, si la clause fait obstacle à la politique poursuivie par le législateur sur le plan économique, monétaire ou financier. Mais la condamnation générale de toute clause d’échelle mobile ne serait pas opportune en raison de son utilité incontestable” (MICHEL HUBERT, “Observations sur la nature et le validité de la clause d’échelle mobile”, in “Revue Trimestrielle de Droit Civil”, 1947, págs. 1 e segs.).

No direito italiano, igualmente, o problema das cláusulas monetárias tem sido pôsto, encontrando diversidade de soluções, quer em doutrina, quer na jurisprudência. GIUSEPPE ROMANO-PAVONI, estudando em minúcia o assunto, conclui analìticamente:

a) com exceção dos casos taxativamente dispostos em lei, as cláusulas monetárias não encontram obstáculo nas normas legais concernentes à desvalorização da lira;

b) são nulas as que contrariam a fixação imperativa dos preços, máximos e mínimos;

c) com as ressalvas acima, são válidas e eficazes as cláusulas monetárias;

d) de um ponto de vista pratico (permita-se-nos a transcrição literal para não empanar a precisão dos conceitos), “il riconoscimento della validità delle clausole monetarie appare socialmente ed economicamente giustificato, perchè esse tendono a soddisfare un fondamentale principio de giustizia, evitando (entre certi limiti) arrichimenti economicamente indebiti e inoltre servono a dare un senso di relativa sicureza che favorisce le iniziative economiche. Dato il nostro assetto economica, che è quello dei paesi a civiltà occidentale, dato il riconoscimento del valore dell’iniziativa privata (articolo 41, 1º comma, Costituzione) devesi ammettere il riconoscimento della libertà contrattuale circa la determinazione dei prezzi…” (GIUSEPPE ROMANO-PAVONI, “Osservazioni sulle clausole monetarie e le obbligazioni che no derivano, in “Revista del Diritto Commerciale”, vol. 50, parte prima, pág. 387).

Segundo o que observamos em nosso Direito, e que verificamos ser a conclusão a que se atinge no direito estrangeiro, podemos assentar que, no momento atual, não é possível admitir-se, repetimos, a cláusula de escala móvel em plena generalidade. A isto se opõem leis de ordem pública, que, não proibindo embora a cláusula de escala móvel expressamente, instituem princípios com ela incompatíveis. Não será, pois, lícito ajustá-la em contravenção à fixação da taxa de juro, ao congelamento de aluguéis, no preço das mercadorias tabeladas e sempre que importar em quebra do princípio do curso forçado e do curso legal da moeda.

Com isto queremos significar que, fora das hipóteses de contrariedade ao princípio de supremacia da ordem pública, a cláusula de escala móvel é válida.

Mas convém deixar-se neste pé o Problema?

Queremos crer que não.

Deixar que a jurisprudência, por si só, ofereça solução é, em nosso país, inconveniente. Inconveniente porque a extensão enorme de nosso território, com a variedade de condições econômicas, imporá, fatalmente, uma divergência que predominará por anos a fio, até que o Supremo Tribunal Federal, na sua função constitucional, consiga estabelecer a necessária uniformização.

E inconveniente, ainda, pelas conseqüências advenientes. É certo que a cláusula de escala móvel visa ao primado da idéia de justiça comutativa, de que temos em várias oportunidades nos mostrado um impenitente defensor. Mas ela traz consigo os seus perigos.

Ela apresenta, e o observa com tôda justeza MICHEL VASSEUR, um caráter inflacionista indisfarçável. Obviando, como mostramos, às inJustiças que a contínua desvalorização monetária traz consigo, não impede a alta dos preços, mas às vêzes a estimula, o que é o seu mal e o seu perigo.

Daí nos têrmos mostrado um defensor da escala móvel, usada com moderação. E, neste passo, temos a satisfação de assinalar que esta tendência é a constante nos trabalhos com as citações supra, e ainda é a opinião dominante no autor agora invocado, cujo pronunciamento consignamos:

“Les solutions qu’il nous a semblé devoir comporter montrent que la conciliation recherchée entre les nécessités d’ordre économique et celles de la justice est susceptible d’être réalisée en dehors de tout arbitraire. Cette conciliation postute sans doute que soit limité le champ d’application des clauses monétaires et particulier de l’échelle mobile, mais cette conciliation n’a de chance de satisfaire tout à la fois l’ordre et la justice que si le législateur d’effectue lui-même et à la condition que soient prises les mesures qui empêcheront les clauses monétaires de ressembler à une piqûre de morphine dont les effets seraient sans lendemain” (MICHEL VASSEUR, “Le droit des clauses monétaires et les ensignements de l’économie politique”, in “Revue Trimestrielle de Droit Civil”, 1952, págs. 413 e segs.).

Deixada à sua própria sorte, a escala móvel seria ajustada, com excessiva generalidade, provocando incerteza nos mercados, e, paradoxalmente, injustiças que ela tem em vista impedir.

Todo contrato tenderá a sujeitar sua execução à incidência dela. Numa época de evolução violenta, como a presente, elementos tomados para índices (preço do café, ou do trigo, ou da gasolina, ou do kilowatt elétrico), sujeitos igualmente a variações, gerariam instabilidade. O amiudamento das revisões, manuseando dados incompletos, provocaria constantes demandas.

Daí entendermos que, não sendo possível convencioná-la na maioria dos casos, é não sendo útil deixá-la correr, nos em que é admissível, os azares de uma experiência cega, entendemos que o Poder Legislativo deverá votar proposição admitindo a cláusula de escala móvel, e disciplinando-a em função das diversas espécies de contrato em que deva ter cabimento.

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