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ADMINISTRATIVO

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A ação popular e o poder discricionário da administração

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REVISTA FORENSE 157

Revista Forense

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12/01/2023

REVISTA FORENSE – VOLUME 157
JANEIRO-FEVEREIRO DE 1955
Bimestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICARevista Forense 157

DOUTRINA

PARECERES

  • Constituição Rígida – Proposta de Emenda – Trâmites – “Quorum” – Sessão Legislativa Extraordinária, C. A. Lúcio Bittencourt
  • Autarquias – Caixa de Mobilização Bancária – Alienação de Bens, A. Gonçalves de Oliveira
  • Autarquias – Estabelecimentos de Serviço Público – Fundação da Casa Popular – Requisição de Funcionário Público, Caio Tácito
  • Compra e Venda – Inadimplemento Contratual e Exceções de Garantia – Retenção – Execução de Hipoteca, Miguel Reale
  • Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada – Dissolução por Morte de Sócio, Lino de Morais Leme
  • Sociedade Civil – Teoria dos Órgãos Diretores e de Administração – Mandato – Delegação, Amílcar de Araújo Falcão
    Município – Autonomia – Criação e Desmembramento, Lafaiete Pondé

NOTAS E COMENTÁRIOS

  • Conteúdo Jurídico do Preâmbulo Da Constituição, Alcino Pinto Falcão
  • O Exercício pelos Estados da Atribuição Constitucional de Autorizar ou Conceder o Aproveitamento Industrial das Quedas D’água, A. Junqueira Aires
  • Tratados e Convenções Internacionais sôbre Direito Penal, Roberto Paraíso Rocha
  • Das Ações Possessórias no Âmbito do Direito Trabalhista, Pires Chaves
  • O Crime e o Direito de Resistência, Valdir de Abreu
  • Depoimentos e Testemunhos – Efração da Consciência, W. Vilela de Horbillon
  • Reabilitação, Milton Evaristo dos Santos
  • Da Continuação da Sociedade Comercial com os Herdeiros do Sócio Falecido, Mário Moacir Pôrto
  • Promessa de Venda de Imóvel, Waldemar Loureiro

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

LEGISLAÇÃO

SUMÁRIO: I. Noção geral da ação popular e a defesa do interêsse geral. II. As “actiones populares” em Roma. III. O “recurso de excesso de poder” e a “ação popular” contra os atos administrativos. Exame comparativo. IV. A ação popular no sistema constitucional. A separação entre o Poder Judiciário e o poder administrativo. V. O poder discricionário não está isento do exame de legalidade. VI. O poder discricionário da administração pública e os meios de limitá-lo. VII. A possível propensão para o exercício irrefletido ou irresponsável da ação popular. VIII. Caráter jurídico e moral que a ação popular atribui ao seu autor.

Sobre o autor

RAFAEL BIELSA, Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires

DOUTRINA

A ação popular e o poder discricionário da administração

I. Noção geral da ação popular e a defesa do interêsse geral

* A ação popular é um meio jurisdicional idôneo para defender, unido ao interêsse pessoal, o interêsse da coletividade referida a uma entidade pública: Nação, Estado ou Município. A concorrência de ambos os interêsses não é acidental, senão necessàriamente jurídica, ou seja, trata-se de uma “solidariedade de interêsses”, os quais podem ser de ordem econômica – ou mais precisamente “patrimonial”, -1 de ordem moral e cívica, mas, acima, de tudo, se trata sempre de interêsses de ordem jurídico-política. Com a ação se pretende restabelecer o império da legalidade, quer extinguindo os atos irregulares que violam o Direito, quer aplicando sanções repressivas aos autores das transgressões, sejam funcionários públicos ou não. Há casos em que se move a ação principalmente contra o ato e casos em que se processa o funcionário autor do ato e outro qualquer beneficiário da irregularidade administrativa ou financeira.

A origem dessa espécie de ação é remota, pois já existia em Roma (na época da República) e aí tinha um campo de ação considerável, pois podia ser movida, não só contra os que exerciam funções públicas, senão também cargos públicos; além disso, com essa modalidade de ação se defendia o patrimônio da entidade pública ou erário, e também o de pessoas privadas, como o pupilo prejudicado por atos de seu tutor, em cujo caso se pode dizer que êsse patrimônio estava em primeiro lugar, mas, ao defendê-lo, se restabelecia a ordem jurídica alterada pelo ato irregular.

O móvel, pois, da ação popular não era apenas restabelecer a legalidade, mas também punir ou reprimir a imoralidade. E nesse duplo fim vemos a virtude dêste singular meio jurisdicional, de evidente valor educativo e cívico.

Atualmente, em certos sistemas, como o francês, se defende o direito objetivo quanto à legalidade da atividade administrativa e, ainda, à sua moralidade; por meio de recursos contenciosos chamados de anulação, bem conhecidos, tais como o de excesso de poder e o de desvio de poder, que, na realidade, é uma forma derivada do anterior, muito embora possa ter maior âmbito de aplicação. Isso explica que a atual ação popular proceda nos casos em que procede o recurso de desvio de poder. Assim se considera no projeto apresentado pelo deputado Prof. BILAC PINTO, no Congresso Nacional do Brasil. Nesse notável projeto se institui um regime orgânico e completo, bem inspirado e que se fôr convertido em lei, como é lógico esperar, elevará bastante o espírito cívico da parte consciente e responsável do povo e contribuirá, para o saneamento moral da administração pública nas três ordens: a da União, a dos Estados e a dos Municípios.2

A ação popular é educativa, como temos dito sempre,3 e o seu exercício faz do cidadão um colaborador da moralidade e da legalidade, onde mais falta faz o seu contrôle.

Em geral – e isso se explica – a ação popular funciona nos sistemas judiciários, ou seja, onde não existe a jurisdição contencioso-administrativa. Dizemos funciona, e deveríamos dizer deve funcionar, porque são muito roucas as legislações que instituíram a ação popular, e ainda assim, de maneira excepcional ou parcial.

Há certa analogia substancial entre o “recurso contencioso-administrativo de anulação francês e a “ação popular judiciária” dos outros sistemas em que não existe a jurisdição contencioso-administrativa. Ambos os meios jurisdicionais tendem, como dissemos, a defender a legalidade em interêsse geral, e podem ser exercitados pelos sue se interessem pela extinção dos atos administrativos irregulares.

Êsse grau de interêsse, porém, é diferente. No recurso de anulação é necessário um interêsse legítimo: na ação popular basta um interêsse simples.

As sentenças proferidas em virtude dêsses dois meios jurisdicionais têm autoridade de coisa julgada erga omnes ou “para com todos”, no caso de declararem a nulidade ou ilegalidade dos atos impugnados. No caso, porém, de inadmissibilidade ou rejeição do recurso contencioso ou da ação popular, pode ser novamente intentada a impugnação, baseando-se o recorrente ou o autor, em novos motivos ou em novas provas.

Conforme dissemos, a ação popular é de aplicação mais ampla e compreensiva, do que o recurso contencioso de anulação. Com efeito, embora a ação se fundamente numa violação de lei – expressão genérica que abrange tôda norma de direito que o poder administrativo deve observar ou cumprir, e inclusive todo princípio de direito fundamental – basta que o patrimônio (ou o erário, segundo se deve entender) sofra um prejuízo ou os funcionários ou terceiros se enriqueçam ilìcitamente, para que ela seja viável.

Mesmo quando com o lucro ilícito dos funcionários ou de particulares, não se cause prejuízo ao patrimônio do Estado ou ao erário, viola-se, porém, a moralidade administrativa e corrompem-se as instituições, por exemplo, nos casos de licenças de importação ou exportação, ou cotas, etc., que, embora devam ser concedidas aos importadores, industriais, etc., sem pagamento algum, são, pelo contrário, dadas a intermediários, que vendem tais licenças a quem deveriam ser concedidas inteiramente grátis, pela razão de serem os seus destinatários legais.

Advertimos que, em muitos casos em que se diz sue um ato é ilegal, se deveria dizer, também, que é imoral, como tivemos ensejo de explicar em outro breve estudo. Em um regime de legalidade puramente formal pode cometer-se uma imoralidade grave, como no caso de concorrências públicas cujas bases determinem como único material aceitável aquêle que sòmente possa ser fornecido por determinado produtor ou comerciante que, clandestinamente, esteja em combinação com os funcionários administrativos, entre os quais é repartido o lucro ilícito.

Um ato de favoritismo partidário ou faccioso, embora não implique subôrno, é também atacável pela ação popular, por causa de sua ilegalidade, no sentido de que viola a igualdade perante a lei. Naturalmente êsse ato é, por si só, imoral.

Os recursos contencioso-administrativos de anulação se movem contra atos que Possam não ser imorais, porém alie evidentemente são ilegais, por exemplo, por vício de incompetência, violação de formas e violação de lei no fundo (embora neste caso o órgão seja competente e tenham sido observadas ou cumpridas as formas). Nessas hipóteses, o recurso se baseia numa exigência jurídica de interêsse geral, que é a de fazer imperar a legalidade; êsse recurso contencioso-administrativo não é, porém, exercido por qualquer pessoa (cuique populo), senão por aquêle que prova a lesão de um interêsse legítimo como conseqüência do ato leal que impugna, isto é, que deve invocar um interêsse diferencial, que não logrou alcançar a categoria de direito subjetivo, pois, então, poderia defendê-lo o recurso contencioso de plena jurisdição, que lhe permite a reparação integral dêsse direito. E aqui devemos fazer uma reflexão que o próprio sistema dêsses recursos nos sugere e que é a seguinte: a decisão proferida no recurso contencioso de anulação tem – como se viu – efeitos erga omnes, se o ato fôr anulado. Apesar disso, a pessoa cujo direito subjetivo é prejudicado pela anulação, e que não foi ouvida no julgamento contencioso, pode, como “terceiro opositor”, debilitar a “coisa julgada”, no que lhe diz respeito. Isto equivale a reconhecer o direito subjetivo em primeiro plano, e por isso o consideramos plausível e educativo. O Conselho de Estado francês assim o decidiu, embora depois de vacilações e decisões contraditórias que motivaram notáveis debates na doutrina mais autorizada.4 Viu-se nessa jurisprudência definitiva o triunfo do direito subjetivo sôbre o interêsse geral e até se predisse a ruína do recurso de anulação, profecia essa que redundou em equívoco.5

O que há de exato em tudo isto – segundo nos parece – é a índole individualista de ambos os recursos contenciosos. O interêsse legítimo é algo assim como um direito subjetivo, in fieri, ou em estado potencial; êsse interêsse deve ser pessoal e diferencial; daí resulta que vem promover o recurso, a não ser, apenas, aquêles que têm um interêsse legítimo. Nesse sentido, o recurso não é expressão de solidariedade. O interêsse ou móvel do recorrente é mais jurídico do que cívico ou popular.

Na ação popular, pelo contrário, o grau de interêsse não se qualifica, nem se mede. É um cidadão (exceto casos especiais em que não se deve exigir essa qualidade) quem impugna um ato lesivo para o interêsse geral, porque êsse ato viola a lei, ou prejudica o patrimônio da entidade pública, ou implica uma imoralidade, ou restringe arbitràriamente a liberdade. O autor., então, ataca o ato para extingui-lo e tornar efetiva a responsabilidade dos transgressores e beneficiários espúrios do mesmo, sejam funcionários públicos, ou não.

O autor da ação popular é uma espécie de “cavaleiro cruzado” da legalidade e da moralidade pública. Nêle se vê uma expressão de solidariedade para com todos os cidadãos honestos ou animados de espírito cívico. O interêsse jurídico está em segundo plano para êle; mas em primeiro plano para a lei. É a lei que exige a extinção do ato e o castigo dos culpados e, pala isso, investe de um título legal todo aquele que tenha interêsse em defender a ordem jurídica tutelar da moralidade administrativa, do patrimônio do Estado, do erário, da legalidade, em suma.

O autor da ação popular não necessita invocar a lesão de um direito subjetivo, nem de um interêsse legítimo, embora para êle essa lesão exista. Basta-lhe invocar sua qualidade de cidadão, sem interdições, para assumir a defesa da legalidade. Essa decisão é que lhe atribui um direito subjetivo para exercer a ação. Não é um direito subjetivo preexistente.6 É um direito que nasce com a decisão de exercer a ação popular.

Para a lei, aí onde nasce a iniciativa e o impulso em defesa concreta da legalidade surge uma situação jurídica de continuidade até lograr o fim proposto, pois a ação pode ser prosseguida por outro cidadão, se fôr abandonada pelo primeiro,7 como se se tratasse de uma posição de luta, de um fortim de legalidade contra a ilegalidade.

No regime representativo, o cidadão elege seus representantes, que se chamam também mandatários (embora mandato não seja a mesma coisa que representação). Quando o cidadão deposita seu voto, ou vota oralmente, nesse único instante é soberano; seu mandato não tem regime, isto é, o mandatário ou representante pode não cumprir o que prometeu em sua plataforma ou programa e o eleitor não pode anular-lhe o mandato. Isto quer dizer que, para a anulação, terá que esperar por outra eleição, se não houver recurso de destituição (recall, entre os norte-americanos), o qual deve ser exercido coletivamente. Como invalidar os atos de seu representante, no caso de serem irregulares, desleais, ruinosos para o erário? Se não pode invocar a lesão de um direito subjetivo ou interêsse legítimo, sòmente poderá fazê-lo mediante ação popular. Se não tem direito subjetivo protegido por ação, surge para êle um direito subjetivo de exercer a ação. Com a decisão formal de exercer a ação, nasce o seu direito. Certamente existem recursos jurisdicionais subjetivos, como o recurso de inconstitucionalidade, seja como ação, seja como exceção; o de amparo, o de habeas corpus, etc., com função semelhante. A ação popular, porém, não requer a lesão de um direito subjetivo.

Na ordem eleitoral, a ação popular pode ter, também, influência moralizadora. A lei nº 8.871, de 13 de fevereiro de 1912, chamada “Lei SAENZ PEBA” (por ter sido êste grande estadista e patriota quem a projetou e aplicou, pela primeira vez, com exemplar honradez), dispunha (art. 90) que “tôdas as faltas e delitos eleitorais poderão ser denunciados por qualquer eleitor, contanto que pertença ao mesmo distrito eleitoral, sem que o demandante fique obrigado a dar fiança nem caução alguma, sem prejuízo das ações e direitos do acusado se existir má-fé na acusação”.

Esta ação foi exercida em alguns casos que tiveram efeitos moralizadores; entretanto, mais por desconhecimento do que por outras causas, ela não teve a influência que se observa em épocas de corrupção por subôrno.

A propósito disso também a lei era moralizadora porque incriminava a compra e venda de votos e o subôrno (art. 77, inc. 5º, e art. 81, inc. 7°, respectivamente). Na lei vigente, sancionada em 1951, faltam essas disposições. Neste breve estudo empregamos com freqüência a palavra solidariedade, aliás, consciente e deliberadamente. Entendemos que no regime liberal de nossa Constituição de 1853, nada há que seja incompatível com qualquer expressão jurídica positiva de solidariedade na defesa do direito, da liberdade, da nação e da economia pública e particular.

Tal solidariedade nada tem a ver com o socialismo – doutrina política e econômica respeitável e compatível também com a Constituição nos limites que ela impõe – nem com qualquer outra forma diferente do liberalismo.

A Constituição nacional é individualista – disse a Suprema Côrte – no sentido de que reconhece ao homem direitos anteriores ao Estado e dos quais êle não pode ser privado; isto, porém, não significa que a vontade individual e o livre contrato não possam ser submetidos às exigências das leis regulamentares (“Acórdãos”, t. 179, pág. 113).

Os excessos do liberalismo têm sido a causa das críticas ao sistema; mas os excessos não criam princípios, antes os deformam, e também nós já criticamos acerbamente êsses excessos.8 A verdade é que não se concebe a liberdade a não ser em um regime liberal moderado pela ação razoável do Estado, para suprir a debilidade ou a insuficiência do indivíduo, se essa liberdade fôr motivada por causas anômalas, ou que não lhe possam ser atribuídas.

A tese da solidariedade jurídica, na defesa do direito e da liberdade, tem, precisamente, seu domínio natural no liberalismo, pois tudo aquilo que um homem faz por sua liberdade pessoal beneficia, por ação reflexa, aos demais que querem essa liberdade.9

II. As “actiones populares” em Roma

Dos povos da antiguidade – e acrescentaríamos “mais conhecida” – nenhum teve um sentido mais claro e intuitivo e uma organização jurídico-política mais completa e eficaz do que o povo romano. Povo individualista, instituiu meios jurisdicionais defensivos dos direitos individuais, não sòmente a respeito das instituições civis, mas também das administrativas, referidas à ordem pública, ao uso público, às liberdades públicas e à moralidade das autoridades, bem como a respeito dos que desempenhavam funções e cargos públicos. Êsses meios jurisdicionais eram as actiones populares, que podiam ser intentadas por qualquer cidadão, embora não tivessem no assunto um interêsse pessoal direito. Dizemos isto porque, em princípio, tudo aquilo que interessa à coletividade interessa, também, aos elementos que a compõem, porém, a uns em maior grau do que a outros. Êsse interêsse varia, porém, e não pode ser assimilado, isto é, considerado equivalente ao interêsse que, no direito administrativo, chamamos “legítimo”, que autoriza, a quem o tem, a promover recursos contenciosos de anulação, contra os atos administrativos eivados de irregularidade grave. A actio popularis em Roma se dava a quem possuía aquilo que hoje denominaríamos interêsse pela causa pública, que em Roma era, a princípio, considerada como vinculada à gens.10

Mediante essas ações os cidadãos romanos exerciam uma espécie de poder de polícia em forma jurisdicional, isto é, não como expressão de autoridade alguma (que também podia ocorrer para certas diligências no processo da ação popular, ou seja, depois do vínculo do litígio), senão porque punham em movimento a Justiça para indagar, processar e condenar os transgressores do direito objetivo que interessava aos cidadãos no que se referisse à segurança púbica, à moralidade administrativa, ao patrimônio do Estado, e, ainda, ao patrimônio daqueles que podiam ser prejudicados pelos que o administrassem em virtude de uma função pública, como, por exemplo, os tutores, pois, por meio da accusatio suspecti tutoris, era possível promover a remoção do tutor suspeito,11 em defesa do menor e da ordem pública.

Precisamente, já no período das legis actiones; a representação se concedeu nos casos de defesa do interêsse público actio pro populo, quer em forma de acusação pública, quer mediante as ações populares, para defender a liberdade (pro libertate), assim como para defender os interêsses do pupilo (pro tutela), e até os próprios bens do ausente, vítima de furto (ex lege Hostilia).12

O exercício destas ações se justificava pelo interêsse geral de cumprir a lei. Assim, por exemplo, o cidadão não tinha (nem tem hoje) direito objetivo sôbre as coisas públicas (res publicae); mas, se alguém impedisse fazer uso delas – o uso que a República permite a todos – o pretor, em virtude de seu império, determinava que cessasse o fato perturbador dêsse uso do domínio público.13 O pretor não podia dar ação àquele que não tivesse direito, mas, como podia exercer seu império em face de semelhante ação, que funcionava como denúncia e acusação ao mesmo tempo, assim o dispunha e em seu caso condenava.

Em nossa opinião, tem-se o direito de exercer a defesa do interêsse geral, porquanto a mesma afeta qualquer elemento da comunidade. Esta defesa do interêsse geral ou pessoal, embora não sendo de um direito subjetivo em sentido estrito, levava em germe não só os interditos, mas também as ações in factum, como se explica em qualquer obra que examine o processo pretoriano.

O desenvolvimento progressivo dessa defesa pretoriana do interêsse geral não só a respeito dos bens, serão, também, no tocante à liberdade pessoal, se caracteriza por duas idéias principais: 1º) a observância da lei, que não pode ser violada, embora não afete um direito subjetivo; 2º) a afirmação da personalidade do cidadão na esfera da liberdade e do direito. Vemos assim esta instituição com o critério jurídico atual. Se a obra positiva coube ao pretor, a obra criadora coube aos jurisconsultos clássicos, pois na época dêsses últimos é que se desenvolveu tal proteção jurídica.

O império do pretor se manifesta no interdicto (que, em princípio, é proibição de agir enquanto se decide sôbre o fundo da questão; daí seu próprio nome de inter (entre ou enquanto) dictum (sempre que se decide ou se declara o direito). Os interditos relativos às res divini juris, e às res publicae, são seguidos do interdito de libero homine exhibendo (Frag. 10, De locis publicis, 43, 7 e D., 43 e 49).14

A prudência do pretor e a valorização das qualidades pessoais dão, também, um caráter particular a essas ações populares em Roma, havendo preferência por quem revela um maior interêsse pessoal (que, como dissemos, não chega a constituir um direito) e por quem pressupõe uma idoneidade maior para prosseguir a instância. Esta seleção se impunha quando se apresentavam, ao mesmo tempo, vários cidadãos com a mesma ação popular. Em nossa opinião, a regra de admissão deve ser essa, embora não se apresentem vários cidadãos. É verdade que, presentemente, o autor não recebe a importância proveniente da pena pecuniária, como regra geral, mas sempre é necessário considerar sua autoridade moral.

Atualmente, nas denúncias fiscais (que são como ações populares na defesa do erário), é costume atribuir-se ao denunciante, em virtude de certas leis, uma parte do produto das multas, aplicadas em caso de transgressão fiscal. Isto tem caráter de prêmio para estimular aos particulares na defesa do fisco.

As quaestiones perpetuae têm competência, como tribunais especiais, em matérias determinadas. A Lex Calpurnia previa a quaestio perpetua (149 A.C.) para julgar os judicia repetundarum. São também judicia publica os judicia perduellonis, majestatis, ambitus, de peculatu, de sicarii, venefici, de vi, etc.15

III. O “recurso de excesso de poder” e a “ação popular” contra os atos administrativos. Exame comparativo.

Há meios jurisdicionais contra as decisões do poder administrativo, que tendem para um mesmo fim, mas cujo regime legal é diferente, por serem diferentes os seus caracteres jurídicos. Isso explica a distinção entre o recurso de excesso de poder e a ação popular. Antes de tudo, a própria denominação de um e outro denota uma diferença que estabelecemos para evitar certa promiscuidade de emprêgo de têrmos jurídicos.

Já dissemos16 que o recurso é um meio de impugnar uma decisão da autoridade, e quem o exerce é aquêle que tem um direito subjetivo ou um interêsse legítimo lesado por essa decisão. Essa qualidade subjetiva é da maior importância em nosso conceito.

A ação protege um direito e em certos casos um mero interêsse – como a ação popular – quando êle é lesado não só pela autoridade, como por qualquer particular; mas quando o autor do fato ou do ato é a autoridade, o domínio de aplicação da ação popular é amplíssimo e tem um caráter de índole política (no sentido de defesa do interêsse geral) ou, pelo menos, cívico. Daí resulta que a ação popular é exercida pelo cidadão eleitor, e não por qualquer indivíduo, quando se trata de atos ou fatos que sòmente a autoridade pode realizar. Tal é a ação popular criada pela Constituição do Brasil.17 O âmbito desta ação é, porém, muito limitado. De fato, a Constituição brasileira de 1946 dispõe, no art. 141, § 38, que

“Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados, dos Municípios, das entidades autárquicas e das sociedades de economia mista”.

Trata-se, pois, de uma ação popular relativa aos bens patrimoniais do Estado em sentido lato. Os têrmos do preceito restringem bastante a ação popular instituída na Constituição, embora dando, como se deve dar, o conceito de fisco ao de “patrimônio”, caso se pretenda defender o que provém das contribuições fiscais, as quais, logo após a sua arrecadação, passam a constituir o tesouro nacional, como algumas Constituições o chamam, também, impropriamente, porque o tesouro é riqueza de que se dispõe em casos excepcionais, v. g., em épocas de guerras ou grandes calamidades públicas. Pelo contrário, são os atos ordinários e correntes, próprios da atividade funcional do Estado – como atos de administração e de poder que, diàriamente, se realizam, e do mesmo modo as aplicações de capital – que originam malversações, desperdícios, negócios ilícitos, etc.

As operações pròpriamente de índole patrimonial são poucas em proporção às financeiras. Os atos irregulares, imorais, de subôrno, etc., que não lesam o patrimônio público, não estão compreendidos no preceito constitucional, o que é deplorável.

Quando se trata de fatos que afetam um interêsse geral, e que podem provir tanto da autoridade como de qualquer habitante, a ação popular, também, pode ser exercida por qualquer pessoa. Tal é o caso de um fato que impede o uso do domínio público; a ação popular pode, então, ser exercida por qualquer usuário dêsse domínio. Poder-se-á, quando muito, exigir dêsse habitante a prova de que pertence à jurisdição territorial da entidade que exerce autoridade sôbre êsse domínio público (ser vizinho ou domiciliado, ou ter concessão ou licença especial de uso, em cujo caso, se o autor do fato perturbador é a autoridade, o habitante tem recurso e, inclusive, ação contratual derivada da relação jurídica da concessão).

No recurso por excesso de poder é preciso invocar um interêsse legítimo “diferencial”, vinculado ao ato que se impugna; não basta um interêsse simples. Na ação popular basta um interêsse pessoal, qualquer que seja, e o interêsse geral em cumprir a lei. Claro está que não é necessário ter um direito subjetivo ou seja, invocar a lesão de um direito subjetivo – fundado em uma situação jurídica anterior. O que exerce ação popular só tem direito subjetivo à ação; seu direito subjetivo consiste no exercício da ação, e nasce com ela, isto é, com a decisão formal de promovê-la.18

Embora haja diferenças entre esta ação e aquele recurso, há também certas analogias entre êles, não sòmente de fins, como já dissemos, senão de efeitos jurídicos. Quando se admite a ação popular, ela tem efeitos erga omnes a respeito da anulação do ato impugnado; e isso se explica, pois seu objeto é restabelecer a legalidade alterada pelo ato irregular. Isto, além das responsabilidades dos autores do ato.

Esta responsabilidade, dado seu caráter repressivo e disciplinar, alcança não sòmente aos que tomaram a decisão, como também: a) aos que a autorizaram ou aprovaram, no exercício de sua competência legal; b) aos que opinaram ou deram parecer favorável à emanação ou aprovação do ato antes de realizado; c) aos que, devendo decidir contràriamente ao mesmo, não o fizeram de maneira expressa.

A eficácia da ação popular depende do domínio de sua aplicação. Em princípio, ela sòmente procede em face dos casos de violação de lei; mas numa regulamentação legislativa imprevidente, incompleta ou defeituosa, que não preveja os atos que se devem considerar contrários ao interêsse geral, a ação popular terá uma virtualidade limitada, por seu caráter indefinido ou imprevisão. Por isso, no conceito de violação de lei deve incluir-se não só tôda transgressão de regra material: constituição, lei, regulamento, resolução, estatuto, etc., como também a violação de todo princípio de direito público contido no sistema da Constituição, ou da lei, tanto no que respeita à separação dos poderes e de sua respectiva competência, quanto no que se refere às garantias individuais.19 Se assim não fôsse, bastaria deixar de estabelecer regras positivas ou ir derrogando ou ab-rogando as que mais limitem ou disciplinem o exercício regular e moral da autoridade, sobretudo no que se refere “à disposição dos bens que compõem o patrimônio das entidades públicas e o erário ou fisco nacional, as províncias ou os municípios”.

Uma lei pode ser violada em seu texto (violação grosseira e visível), em seu espírito (violação tortuosa e sutil), na verdade de seus desígnios sociais, econômicos, administrativos, etc. (falsa motivação).

Deve compreender-se, além disso, como violação de lei, tôda interpretação arbitrária das normas aplicadas em detrimento do interêsse geral ou do patrimônio ou erário do Estado, bem como a errônea ou falsa motivação, seja nos desígnios de fato, seja na determinação dos motivos; isto é, tanto na apreciação dos motivos anteriores ao ato (caso de inexistência dêsses motivos ou de não justificação para agir), quanto nos motivos determinantes que se dão na decisão. Se assim não fôsse, repetimos, bastaria apoiar-se em pressuposições de fato e em citações legais para legitimar os atos. E dada a tendência dos governos arbitrários a um excessivo legalismo falso, puramente literal e palavroso, é necessário e lógico estender o campo ou domínio da ação popular a êste conceito de violação de lei.

IV. A ação popular no sistema constitucional. A separação entre o Poder Judiciário e o poder administrativo

Ao admitir-se que os particulares, ou os cidadãos, possam atacar os atos que violam a lei em prejuízo do interêsse geral, objeta-se que isso não deve alterar o princípio de separação de poderes, atribuindo ao Judiciário jurisdição ou competência para, conhecer e decidir nessa ação, porque, ao julgar os atos impugnados, o juiz se erige em árbitro da administração pública, e que, embora em alguns sistemas se possam julgar os atos discricionários sempre que êles se afastam do fim da lei, como na Franca, mediante o recurso de “desvio de poder” (détournement de pouvoir) – que é uma forma especial do recurso “de excesso de poder”, ou seja objetivo – isso não apresenta reparo quando são os tribunais do próprio poder administrativo (o Conselho de Estado) que julgam o ato irregular. Isto é certo, e sabemos a razão histórica e a razão de princípio dêsse sistema, que veda em absoluto ao Poder Judiciário imiscuir-se nos atos administrativos, embora a proibição não seja tão absoluta que impeça o exame da legitimidade dêsses últimos por via de exceção, e se, nesse caso, o juiz não pode anulá-los, tampouco pode reconhecer-lhes validade, como já explicamos.20 O mecanismo desta “exceção de ilegalidade” é análogo ao da exceção de “inconstitucionalidade” em nosso regime.

Dizemos isto, porque, embora não exista nas leis, instituída como exceção, em sentido técnico, a defesa contra a lei anticonstitucional (em realidade como exceção se faz valer, em face da pretensão jurídica da parte em juízo, e mediante recurso, especialmente o extraordinário) contra tôda decisão definitiva e irrevisível fundada em lei anticonstitucional. Voltemo-nos, porém, para a ação popular.

À objeção que, nesta ordem de idéias, se faz contra a ação popular é inconsistente, em face da necessidade de remediar os males atuais. Somos os primeiros a sustentar que o Poder Judiciário não pode paralisar as decisões administrativas destinadas a satisfazer o interêsse geral; por isso, fazemos reservas aos recursos de infonction e mandamus, que inspiraram o de defesa. Isto, porém, não significa admitirmos que um poder administrativo possa agir de legibus solutus. Pelo contrário, tôda a nossa obra de longos anos tem essa direção e êsse propósito: instituir recursos para defender não sòmente os direitos subjetivos, mas também o direito objetivo, a legalidade, que limita a arbitrariedade. E por isso defendemos a ação popular.

À objeção em aprêço se pode responder, dizendo: a ação popular deve ser instituída de acôrdo com o sistema constitucional, e, dentro dêle, duas grandes regras devem ser estabelecidas: 1) sôbre o fundamento do “petitório”, ou seja, que causas ou motivos o tornam procedente ou admissível; 2) sôbre a extensão da competência do tribunal judiciário, ou seja, que espécie de caso deve ser julgado pelo juiz e que efeitos tem sua decisão. O mecanismo processual é secundário, em face dessas normas, que são de fundo constitucional: por isso, a ação popular segue, em geral, os trâmites do processo civil ou criminal, que parece mais consentâneo ao objetivo da ação, já que se trata de estabelecer a verdade real e não a formal: defender a ordem pública, o patrimônio do Estado, e não o patrimônio dos particulares, embora êste se beneficie, indiretamente, pois tôda defesa do erário, do fisco ou do patrimônio do Estado resulta em benefício da sociedade e dos cidadãos e contribuintes honestos, ou seja, não complicados nas irregularidades administrativas do fisco. Tôda lesão ilegal a êsse patrimônio, erário ou fisco, implica uma lesão por pequena que seja, dos patrimônios individuais, porque, a título de contribuintes, terão de repor o que os beneficiários ilícitos aproveitaram, ou o que os administradores desleais fizeram perder ao Estado (em sentido lato: Nação, Estado ou Município).

Além disso, poder-se-á dizer que há menoscabo do poder administrativo quando a legalidade de seus atos é examinada pelo tribunal judiciário, em virtude de impugnação fundada, e quando êsse tribunal não faz senão verificar o ato e sua conformidade com a lei?

Algumas ações que hoje são privadas, em sua origem foram populares, porque a lesão do direito objetivo, da legalidade, da segurança jurídica, ameaça a todos, embora prejudique mais a uns do que a outros de maneira imediata. Em certos casos se vê uma dupla evolução, como no da lei Ploetoria (192-191 A. C.), que, segundo alguns autores, estabeleceu originàriamente uma actio popularis para defender o menor de idade, encanado por sua inexperiência, em detrimento de seu patrimônio,21 e, segundo outros, essa ação era extensiva a qualquer pessoa que quisesse promover o judicium legis Ploetoriae.

Onde também se vê esta concorrência de fins defensivos do interêsse geral e do particular lesado é nas ações populares de polícia, por causas similares às previstas ou compreendidas na lex Aquilia.

Restabelecer a legalidade administrativa espontâneamente ou por iniciativa dos representados quando os representantes violam a lei, e com isso o mandato de cumpri-la, que em um regime republicano e representativo receberam do povo, não pode ser considerado menoscabo de um poder que precisamente está colocado debaixo da lei, e não acima da lei, ao contrário do Poder Legislativo, que só está colocado sob a Constituição, porém acima da lei. Que virtude teria a lei se, apenas, pudesse ser defendida quando fôsse violado um direito subjetivo determinado, ou um interêsse legítimo (diferencial)!? Sua órbita de aplicação, seu império, sua missão mantenedora da ordem pública, do interêsse público, dependeria da “boa vontade” dos funcionários administrativos.

2) A liberdade política é indispensável para defender a liberdade civil, declarou com razão a Côrte Suprema (“Acórdãos”, t. 191, pág. 388). Eis, aí, um princípio da maior importância, que sempre temos defendido. Apenas, onde a Côrte diz “liberdade política”, nós dizemos “liberdade cívica”, que, aliás, é liberdade pública usufruída não só pelos cidadãos, mas, também, pelos estrangeiros. Não se deve confundir a liberdade cívica com a liberdade política. A cívica é o gênero, pois é público, e a política é a espécie, pois concede aos cidadãos.

A liberdade de reunião, a de associação, a de imprensa, tôdas essas formas, entram na órbita da liberdade cívica, e com ela se defende a liberdade civil, a que se refere a Côrte. O estrangeiro não contribui com sua vontade para a formação dos poderes e menos ainda pode fazer parte dêles, no plano de expressão direta do poder (pois pode ser funcionário, mas, neste caso, está em segundo plano, embora tenha poder de decisão).

A liberdade civil é a de contratar, legar, adquirir bens e aliená-los, trabalhar, comerciar, tudo isto está na esfera do direito privado, seja civil, comercial, industrial, etc.

A liberdade cívica é a que se exerce na esfera pública, referida a uma entidade pública a título de administrado, contribuinte, vizinho, etc., e, nesse sentido, também podem ser exercidas funções públicas, tais como as de vereador municipal, membro de júri, seja criminal, fiscal ou de imprensa.

O fato de leis mais recentes exigirem o título de cidadão para êsses cargos, não afeta o princípio. Devemos lembrar que, quando bastava ser contribuinte para desempenhar o cargo de vereador municipal, ou para eleger vereadores, houve estrangeiros que defenderam com energia e honra o interêsse público, ao contrário de vereadores-cidadãos que deram concessões escandalosas a emprêsas estrangeiras, ou deixaram explorar as riquezas nacionais sem outra razão a não ser o seu fracasso governativo.

Para ser membro de conselho escolar basta a qualidade de pai de aluno; não é questão política.

O direito político compreende o de fazer parte do govêrno ou elegê-lo, como cidadão, em cujo caso se tem um verdadeiro direito subjetivo – o de eleitor.

A ação popular, em princípio, pode e deve ser cívica.

É certo que o erário, o fisco, o Estado em suma, têm seus defensores em juízo, mas se êstes últimos fazem parte fatalmente dêsse mesmo poder administrativo que viola a lei, seja por subordinação hierárquica, seja por esprit de corps, ou por cumplicidade, pode suceder que êsses funcionários não a defendam, que não vejam, ou não queiram ver, ou que sejam, êles próprios, beneficiários da ilegalidade. Nesse caso, os cidadãos, os habitantes, terão de assistir ao predomínio da ilegalidade, em homenagem ao princípio de separação dos poderes, cujo objetivo não é mutilar a integridade da lei, nem seu vigor total, senão, pelo contrário, distribuir, no processo de sua formação da lei, a sanção, a aplicação e a execução?

Existem tribunais de contas que julgam os atos dos funcionários e exigem a devolução daquilo que foi ilegalmente apropriado; existe o ministério fiscal, que acusa e persegue os que lesam o fisco; existe o ministério público, que acusa os delinqüentes. Tais atividades formais são, porém, suficientes para a manutenção integral da legalidade e a incolumidade do patrimônio do Estado, como a lei o quer? (dizemos Estado em sentido amplo, incluindo o erário e o fisco). A resposta negativa é dada pela realidade.

V. O poder discricionário não está isento do exame de legalidade

Em suas linhas gerais, no fundamento de suas decisões, o poder discricionário deve ser legal. Por princípio, as decisões dessa índole devem ser motivadas, porque, precisamente quando se exerce uma atribuição em que há liberdade de agir, é mais necessário, ainda, explicar os motivos, do que quando se exerce uma faculdade regulamentada, porque nesta última tudo se reduz a andar nos trilhos da lei, isto é, nos rumos traçados por um poder superior ao autor da decisão. No exame dêsses motivos se pode comprovar a observância da lei, em seus fins e em sua direção. Os motivos podem ser errôneos e a lei mal interpretada ou tortuosamente aplicada e essa aplicação é que entra no exame de legalidade.

O poder discricionário da administração pública se exerce não só nas decisões individuais, isto é, nas particulares que têm por objeto uma questão concreta, como seria, por exemplo, o fechamento de um estabelecimento; a extinção de uma pessoa jurídica, baseando-se a decisão na ordem pública ou em uma medida de polícia; a avaliação da utilidade na aquisição de um bem; a nomeação de um funcionário anteriormente a concurso, cujas bases se fixam ad hoc…; mas, também a faculdade discricionária se aplica, com mais graves conseqüências ainda, no exercício do poder regulamentar. Dizemos “mais graves conseqüências”, porque nos “regulamentos de execução”, por exemplo, são, às vêzes, introduzidas normas que não se limitam a “aplicar a lei”, senão a ampliar a lei à qual êsses regulamentos devem subordinar-se. Essa propensão para os regulamentos praeter legem – ou que passam por cima da lei ou vão muito além da mesma – é índice de falta de sentido constitucional e expressão de autoritarismo.

Os regulamentos autônomos – como o seu nome o indica – são baixados sem referência a lei alguma (embora, a nosso ver, com subordinação a tôdas); o âmbito da faculdade discricionária é maior ainda nos regulamentos de execução, uma vez que são impostos por falta de lei (por exemplo, os de reunião, associação, função pública ensino, etc.).

Nos regulamentos delegados, a lei limita o poder regulamentar à esfera determinada pela delegação, que, na realidade, é um encargo de regulamentar êsse ou aquêle ponto de legislação. Por isso, a delegação é de interpretação estrita, e não se pode delegar coisa alguma que implique estabelecer impostos, penas ou outras limitações à liberdade, ao patrimônio e a todo direito natural. No caso de se delegar o encargo de fixar penas, deve-se estabelecer o respectivo limite; o mesmo, quando se tratar de taxas fiscais. Há sempre, no governo ou na administração, pessoas que, por sua mentalidade profissional estreita, ou destituída de sentido jurídico, confundem mando ou mera execução com govêrno e administração.22 Nessas pessoas, o exercício da faculdade regulamentária perturba a ordem constitucional relativa às liberdades públicas.

Um regulamento que estabelece disposições ilógicas, arbitrárias, autoritárias, e é fielmente obedecido pela autoridade que a baixou “para agir dentro da lei”, constitui, para a ordem jurídica, maior perigo do que a falta de qualquer regulamento. Por isso, a sua fiel observância o torna mais condenável, ainda, perante a ação popular, no caso de afetar a lei, ou, na falta desta, a própria Constituição. Expressão típica desta classe de disposições é a do decreto de 6 de janeiro de 1950, que dispôs que a polícia federal devia exigir das pessoas que se ausentassem para o exterior um certificado expedido pelo Ministério da Fazenda – Diretoria Geral de Rendas – no qual constasse que as mesmas não eram devedoras de impostos cuja arrecadação fôsse da alçada daquele órgão.

Claro está que criticamos essa disposição extravagante e antijurídica,23 porque o devedor responde com seus bens, e não com sua pessoa; êsse regulamento viria converter o território nacional numa espécie de cárcere de contribuintes, contra todo princípio de direito vigente em países civilizados e, como fizemos notar, a prisão por dívidas foi abolida há quase um século (lei nº 514, de 22 de junho de 1862). Não podia haver transgressão mais clara do direito proclamado na Constituição – de entrar e sair do território. “Os direitos se exercem de acôrdo com as leis que os regulamentam”, mas regulamentá-los é afirmá-los e protegê-los, sem outras limitações senão as impostas pela própria natureza do direito.

Há um errôneo conceito do poder regulamentar na ordem técnico-administrativa, poder que se considera exclusivo e próprio da administração pública e isento de revisão pelos tribunais de justiça. O êrro provém de confundir a natureza e extensão dêsse poder.

É evidente que um tribunal de justiça não tem competência, para rever planos de estudo dos colégios ou universidades, nem de construções e inspeções de obras públicas, nem de procedimentos de polícia sanitária, nem de exame de competência para exercer cargos de contador fiscal, nem de procedimentos de arrecadação fiscal. etc., porque a técnica de cada disciplina e a eficácia dos preceitos gerais (ciência da administração) é matéria de política administrativa, e o Tribunal de Justiça não é super-administrador. Mas tudo isso que concerne ao mérito do ato ou decisão da administração pública – não deve ser confundido com a legalidade, ou seja, com tudo aquilo que envolva um princípio de direito, uma garantia constitucional, porque, perante os princípios em que se baseia todo o sistema fundamental, a eficiência, o mérito e a técnica estão em segundo plano e subordinados aos mesmos princípios, porquanto, sem liberdades razoáveis que permitam o desenvolvimento das aptidões intelectuais e físicas das pessoas, não haveria progresso, eficiência, cultura e ordem, senão constrangimento, submissão, claudicação e despotismo. Nenhum povo pode progredir com um sistema dessa natureza. Por isso, todo povo que conquista a liberdade e a independência, a primeira coisa que faz é estabelecer firmemente uma Carta constitucional, que é instrumento de govêrno e, ao mesmo tempo, baluarte de garantias individuais e coletivas. Nessa Carta se conciliam os interêsses públicos (que são os da nação) com os interêsses individuais e os direitos pessoais.

Dessa solidariedade de interêsses, o público e o individual, surge o espírito de defesa do direito constituído, e a ação popular não é outra coisa senão um meio de defender essa ordem jurídica, dentro dêsse equilíbrio harmônico do interêsse público (do qual são beneficiários todos os indivíduos) quando os poderes públicos o alteram, aberta ou dissimuladamente, em seu benefício pessoal ou, segundo seus próprios desígnios, estejam ou não em cumplicidade com alguns membros do corpo social.

A hierarquia de normas é uma questão formal, cuja observância é benéfica se a norma superior está animada de sentido constitucional. Se a lei não tem substrato constitucional e o regulamento se adapta a lei, e o decreto ou o estatuto se adaptam ao regulamento, o exame de legitimidade do decreto, do estatuto, do regulamento, relativamente a essa lei, não passaria de um exercício de lógica formal, que não teria nenhuma virtude para o direito. A única dependência ou conformidade normativa é um fetiche formalista de regime totalitário, de despotismo disfarçado em legalismo. O que importa é que a própria lei se adapte à Constituição e que esta seja interpretada com sentido jurídico de liberdade e de autoridade razoável, e não de autoritarismo.24

Em momentos de relaxamento do civismo, pelo subôrno e dela intimidação, o cidadão que promove a ação popular contra um ato arbitrário lesivo do patrimônio do Estado, das liberdades públicas, da moralidade administrativa, deve ser rodeado das garantias análogas às que possuíam os tribunos romanos, não, porém, com espírito de classe, senão como defensor da ordem constituída.

O que exerce a ação popular não é um fiscal do govêrno, nem um acusador público, mas um defensor da ordem jurídica, inclusive da patrimonial. Nesse momento, aparece como mandante virtual da sociedade que discute a lealdade do mandato concedido na representação política; é êle que pede o restabelecimento da legalidade que se considera alterada.

Esta atitude, de pedir o restabelecimento do direito constituído, induziu a alguns autores a basear a ação popular no direito de petição, e isto tem algo de verdade; mas, em nossa opinião, sòmente o fundamento é admissível, porque, em sua qualidade de autor, quem exerce a ação popular, não apenas pede, mas também exige concretamente uma decisão. Não solicita um favor, mas reclama uma legalidade, e o seu título de autor é dado pela lei, do mesmo modo que êsse título é dado ao Ministério Público para acusar e prosseguir as acusações contra os transgressores de leis de ordem pública. Isso explica a ação conjunta que o autor da ação popular e o Ministério Público realizam em defesa do interêsse geral.

Nunca se pôs em dúvida o direito de um terceiro de promover o recurso de habeas corpus, embora êsse terceiro não haja sofrido dano nem lesão de um direito; nem o direito de denunciar uma infração fiscal que implica defraudação para a renda pública que o mesmo denunciante contribui para formar. No caso do habeas corpus, embora se admitindo transgressão por parte do prêso, há um interêsse geral em defender a liberdade.

A ação popular se apresenta perante um poder que é, ou deve ser, independente da fôrça política, e os membros dêste poder sabem que, como juízes, têm por sua vez outros juízes – segundo a expressão de AVELLANEDA – que é a parte do povo que se chama neutra, e é a maior nos momentos de decisão livre.

A ação popular permite o que não é possível na imprensa, embora haja certa liberdade, porque denunciar não é o mesmo que pôr em movimento um poder como o Judiciário, obrigado a decidir, investigar, anular, condenar ou absolver. Mas a própria, absolvição não põe um fim à irregularidade, se ela existe, porque com novos motivos e provas pode outro autor, mediante ação popular, voltar ao assunto. E é justo que assim seja, porque não deve ter autoridade de coisa julgada uma ação popular mal promovida ou deliberadamente mal apresentada e sustentada por um falso autor movido pelo autor da irregularidade ou por seus cúmplices; êsse fracasso aparente não pode inibir o cidadão autêntico, que possa exercer a ação eficazmente. Não devemos esquecer que, nestes casos, se trata de estabelecer a verdade real; não está em jôgo o direito subjetivo de uma pessoa, direito que, se é patrimonial, renunciável (salvo fraude contra terceiros), mas o direito objetivo, que a todos interessa – o patrimônio público.

O Poder Judiciário pode julgar a legalidade dos atos discricionários, bem como os de discricionarismo técnico. Já fizemos a distinção entre o que é técnico, ou de mérito, ou de eficácia, e o que é legal, ou jurídico. O rótulo não altera a substância do conteúdo. Vejamos alguns exemplos. Um estatuto ou regulamento de funcionários e empregados exige a idoneidade como requisito para ser nomeado; isso é constitucional. A idoneidade é profissional e moral. A profissional consiste na aptidão para o exercício do cargo, o qual, segundo sua índole, pode requerer o conhecimento razoável da Constituição e da legislação geral. Se, todavia, exige o conhecimento de doutrinas (assim chamadas, às vêzes) de partidos ou, de pessoas, tal regulamento é inconstitucional, por vulnerar a liberdade política. Se exige religião determinada, não sendo requisito constitucional, viola a liberdade de consciência e de culto, conforme seja a forma estabelecida para expressar essa adesão à religião determinada. Se exige juramento de fidelidade a um partido, ou filiação partidária, sob pretexto de lealdade, é inconstitucional, porque afeta a liberdade política e viola o princípio da idoneidade, que é objetiva e impessoal. A lealdade se deve à lei e não a partidos a que não se pertence, e menos ainda às pessoas, embora elas ocupem ou detenham cargos públicos. Uma regulamentação ou edital de condições de obras públicas ou fornecimentos, que exigem o emprêgo de materiais de determinados produtores ou vendedores, embora não se enunciem expressamente nesses editais ou bases (mas isso resulta do fato), são imorais e violatórios da igualdade perante a lei, no tocante à liberdade de indústria e comércio.

Todos êstes casos e outros semelhantes que entram na esfera dos vícios que invalidam os atos impugnáveis em certos sistemas pelo recurso de desvio de poder, podem e devem ser atacáveis pela ação popular, porque são violatórios não sòmente de normas expressas da Constituição, mas, também, de princípios essenciais de ordem moral que precisam estar escritos para que dominem em tôda a legislação? administrativa ou constituam o substrato ético da mesma.

Em nosso sistema constitucional, o Poder Judiciário não possui, sòmente, a missão limitada que tem nos sistemas europeus, onde a onipotência legislativa só reconhece os limites que ela mesma se impõe, pois não existe o contrôle de constitucionalidade das leis por meio de recursos jurisdicionais, senão a concepção francesa da separação dos poderes, que inibe o juiz judicial de imiscuir-se nos atos administrativos. Em nosso sistema – da mesma forma que no sistema que os constituintes tiveram em vista – o Poder Judiciário é o baluarte defensivo dos direitos individuais privados e públicos, sempre que os mesmos são lesados, êste princípio atribui aos juízes o exame da legalidade dos atos da administração pública, se êstes últimos ferem direitos e garantias jurídicas de qualquer espécie.25

Pode suceder que o Poder Judiciário leve até ao extremo o seu conceito de separação dos poderes, inibindo-se de examinar a legalidade de certos atos do Poder Executivo, por considera-los políticos, ruas isso é circunstancial e detende do grau de independência que o mesmo Poder Judiciário atribua a si próprio.

Não é êsse o sistema da Constituição, que fêz do Poder Judiciário um poder jurídico, moral e econômicamente independente, e cuja fôrça reside, acima de tudo, na integridade de seus membros. A opinião pública considera também essas coisas.

VI. O poder discricionário da administração pública e os meios de limitá-lo

Alguém já disse que a eficácia da ação administrativa depende, em larga escala, da faculdade discricionária, pois os entraves impostos pelas normas legais entorpecem ou retardam essa ação e não permitem que o administrador inteligente e ativo realize sua ação em proveito do interêsse público. Salientou-se, outrossim, que o êxito das emprêsas particulares – algumas das quais têm mais importância que certas administrações públicas municipais e também estaduais – é devido ao exercício dessa faculdade discricionária, a essa aptidão para decidir segundo as circunstâncias de tempo, lugar, oportunidade, que os seus diretores ou gerentes manifestam. Isto é verdade; mas na administração pública êsses argumentos perderam muito valor nos governos de origem democrática, onde o caudilhismo, a demagogia e a falta de consciência cívica do povo torna possível o advento de governantes cujo intuito é o de manter-se no poder, que não exercem como a Constituição o determina.

Ora, como o grau de enervação e de corrupção nunca chega a tôdas as classes em sua totalidade, e sempre há cidadãos conscientes de sua missão cívica, que têm um claro sentido da legalidade, que sempre defenderam o interêsse geral, em tôdas as atividades e esferas de sua vida, ou têm vocação por êsse interêsse, torna-se evidente que dotar tais cidadãos de um meio “leal” capaz de conter ou de reduzir êsse discricionarismo é algo inerente à própria forma de governo democrático e exemplar maneira de prescrever as instituições e tornar impossível ou difícil que sejam entronizados a arbitrariedade, o desperdício do erário, a destruição do patrimônio do Estado.

Não é no exercício das faculdades reguladas, senão das discricionárias onde mais se fere o interêsse público, a saúde moral do povo e se ofende a propriedade dos habitantes; se, porém, tais faculdades se consideram como não suscetíveis de revisão, o mal se agrava ante a importância do povo para combatê-lo. A ação popular é o meio mais idôneo e lógico em sistemas como o nosso. Ante o interêsse geral, efetivo, defendido com argumentos irretorquíveis, pela ação popular – que sempre deve ser fundamentada, pública, discutida – o argumento da faculdade discriminaria, que, na prática, se resume em agir de legibus solutus, tem de ceder como um embuste formal.

A faculdade discricionária, se não é objeto de contrôle jurídico, e especialmente jurisdicional, permite o govêrno pessoal. Tão inconveniente é o govêrno discricionário unipessoal (caciquismo) como o colegiado (camarilha). Por isso, a ação popular se exerce, também, contra as entidades autárquicas, ou contra seus órgãos colegiados, nos quais, apenas, salvam a sua responsabilidade os membros que não consentem, expressamente, os atos irregulares suscetíveis de serem atacados pela ação popular.

Ora, no domínio dos princípios, observamos que a crítica que se faz ao sistema de ação popular no sentido de que ela ameaça o exercício da faculdade discricionária e debilita a ação administrativa. é inconsistente, pois a ação não se exerce quando o ato está em gestação, a menos que a medida preparatória do ato seja em si mesma de tal modo irregular que constitua, por si só, uma decisão impugnável. A ação popular, nesse caso, pode ser admitida, em virtude da mesma razão que serviu de base ou motivo jurídico à Côrte Suprema nacional para admitir o recurso extraordinário contra decisões não definitivas (isto é, suscetíveis de revisão mediante ações ou recursos, na jurisdição local), se a execução delas causa um dano que pode ser irreparável e quando das mesmas surge uma inconstitucionalidade manifesta.

Casos existem nos quais, se a decisão inconstitucional não pudesse ser embargada logo depois de terminada a ação ordinária de pedido de pagamento, ou reivindicatória, etc., as decisões executivas fiscais poderiam arruinar uma indústria, um comércio, uma emprêsa útil, etc.

A Côrte Suprema foi lógica e justa ao admitir o recurso extraordinário contra as decisões ditadas em caráter compulsório, e em geral contra os atos executados como vias de fato contra a propriedade, por funcionários provinciais ou federais (aqui a distinção não tem razão de ser) que agem, seja de motu próprio, seja por ordens de seus “superiores”. Se fôsse esperar sempre por essas decisões definitivas, embora triunfando o ofendido, o seu triunfo poderia ser uma vitória de Pirro. Por isso, consideramos acertada a jurisprudência da Côrte Suprema que abre o recurso extraordinário contra as decisões executórias, embora, isso, apenas, aconteça imediatamente depois de executadas (“Acórdãos”, t. 98, pág. 309; t. 113, pág. 165; t. 158, pág. 78, e outros posteriores).

O mesmo princípio vale para contrarrestar pela ação popular um ato preparatório de certa gravidade e de natureza autônoma, no processo administrativo; quando, por si só, êsse ato constitui uma flagrante violação da lei e um prejuízo difìcilmente reparável na ordem natural das coisas. Não devem os cidadãos assistir perinde ac cadaver, enquanto está em formação uma irregularidade máxima e completa; quando já estão sendo cometidas violações parciais da lei – embora preparatórias – para ver o que, no fim, irá acontecer…

Por meio da ação popular podem ser impedidos atos de disposição irregular dos bens do Estado,26 privilégios facciosos ou partidários, atos imorais da polícia em cumplicidade com grupos facciosos.27

Mediante a ação popular se pode impedir a nomeação ou a promoção ilegal de um funcionário não idôneo, moral e profissionalmente, ou, melhor, a preterição injusta de um funcionário exemplar. Há um interêsse geral em que se observe o princípio constitucional da idoneidade, pois os beneficiários de uma administração pública são todos administrados, com exceção dos transgressores, que querem assegurar a impunidade de seus atos irregulares na administração pública.

Se a ação popular se admite contra os atos irresulares (ilegais) de disposição ou administração do patrimônio do Estado ou do erário, como não deverá ser admitida em casos dessas nomeações ou promoções que, por si sós, além de serem ilegais, implicam uma ameaça presumível de ilegalidades futuras? Em tais casos, alia-se à ilegalidade do ato da nomeação uma nova transgressão, quando se trata, de funcionários ou de pessoas já condenadas pela própria administração, se esta agiu com justiça, pois prescindimos da inabilitação penal, que, por si só, constitui impedimento para exercer funções ou empregos, enquanto durar a mesma.

VII. A possível propensão para o exercício irrefletido ou irresponsável da ação popular

Uma das objeções que se costuma fazer à ação popular é a possibilidade de que se multipliquem, temeràriamente, essas espécies de acusações, porque, em sua essência, elas consistem precisamente nisto. Dizem alguns que o exercício da ação popular pode ser convertido em meio de desprestígio da administração, bastando, apenas propô-las ou promovê-las se forem em grande número. Êste argumento, porém, que não é de princípio, como se fêz notar com razão,28 perde consistência se advertirmos que do resultado dessas ações depende, também, o crédito ou, pelo contrário, o desprestígio de quem as promove, podendo ocorrer que a administração saia airosa e sem mácula; e, neste caso, isto a coloca em melhor situação do que se não tivessem sido investigados, ou deixado que se propalassem rumores ou campanhas de maledicência. Isto mesmo nos faz lembrar que é possível mover-se uma ação popular com o propósito deliberado de que a mesma venha a fracassar, para desvanecer rumores ou desviar a atenção das verdadeiras e graves irregularidades que não se impugnam mediante ações. Isto acontece como em certos processos movidos por “testas de ferro” dos querelados…

Por outro lado, a lei pode regular os requisitos subjetivos, isto é, a qualidade de autor, seu nome, sua solvência, seu grau de responsabilidade.

Também se propôs – para limitar as ações – a fiança do autor, mas, ao nosso ver, isto é uma exigência injusta e, além disso, na prática, as fianças não são requisitos eficazes, e, se são pessoais, haverá nas mesmas muita generosidade. Além disso, com que critério seria calculado o seu montante?29

O grau de interêsse do autor deve ser considerado em relação à sua atuação pública, às suas qualidades morais, ao seu conceito cívico e ao móvel que, às vêzes embora seja sempre subjetivo – é também indisfarçável. Claro está que os inabilitados lealmente para o exercício de direitos políticos, os que serviram em administrações corruptas, os modernos sicofantas,30 podem ser denunciantes, nunca, porém, autores. O exercício da ação popular requer uma qualidade: ser um cidadão digno.

A mesma objeção que se faz contra a ação popular, tem sido feita contra o exercício do direito de réplica na imprensa, que sempre temos defendido e continuamos a defender.31

VIII. Caráter jurídico e moral que a ação popular atribui ao seu autor.

Em uma instituição tão singular como esta, nada tem de raro que se venha discutir a natureza jurídica da ação e o caráter de quem a exerce; por exemplo, se é ou não uma função pública. Para responder a isto é necessário distinguir a noção geral e comum de função pública dentro de um poder do Estado do que é função pública fora dêsse poder, porém necessária para a constituição mesma dos poderes, corro a de eleger, no regime representativo, ou, ainda, aprovar decisões (referendum) ou a continuidade do desempenho do cargo no tocante a certos funcionários (recurso de destituição), ou a legitimidade ou validade de certos atos, mediante a “ação popular”. Na ordem política, é possível realizar funções públicas sem ser funcionário no sentido de órgão do Estado; tal é a função do sufrágio. Com efeito, o cidadão eleitor contribui com o seu voto, ou seja, com a sua vontade, para a formação efetiva dos poderes, ao designar as pessoas que devem exercê-los. É evidente que se trata de um poder político, que como tal se atribui e se exerce de acôrdo com um regime legal. É uma função necessária, porque, se não fôsse exercida, os poderes ficariam, pràticamente, acéfalos, ou sem os órgãos vivos que devem exprimir a vontade do Estado. Dado, pois, êsse caráter de necessidade, regularidade, legalidade da atividade do eleitor, para assegurar a continuidade do Estado, é impossível deixar de considerar o sufrágio como função pública, embora o eleitor não seja funcionário no sentido da atividade pessoal posta ao serviço do Estado, em forma permanente.

No que respeita à ação popular, considerarmos que seu exercício é função pública, embora o autor não seja funcionário (conceito que já apresentamos). E é função pública por seu objeto, por seu fim, por seu modo de exercício e por seus efeitos. Seu objeto é a impugnação de um ato do Estado, ou seja, de seus poderes ou órgãos; seu fim é a anulação ou extinção do ato; seu modo de exercício é de direito público; seus efeitos jurídicos modificam a ordem positiva ou os atos da autoridade pública. Não é, como alguns pensam, mera atividade pública. Atividade pública não é sinônimo de função pública, nem sequer de emprego público. A atividade pode ser uma contribuição física ou intelectual mais ou menos útil, uma colaboração ao interêsse geral ou público, mas não é função sob o ponto de vista institucional, único que deve ser considerado. Uma gestão de negócios, e da mesma forma um emprêgo útil, em favor da administração pública não implicam funções públicas, embora seu fim seja de interêsse público. Não é a brevidade, nem o fato de que seja uma só operação o que define a atividade como distinta da função, pois a presidência de uma mesa eleitoral, o desempenho como jurado (com poder de decisão), a prisão de um transgressor em flagrante, etc., são funções públicas, porque se trata de exercer, nesses casos, nem que seja por um momento, uma autoridade atribuída pela lei (vejam-se os arts. 77 e 240 do Código Penal argentino).

A ação popular difere da denúncia, porque esta, embora seja voluntária, pode ser imposta, obrigatòriamente, pela lei. A ação popular é voluntária e pode ser abandonada (claro está que se foi leviana ou temerária, o autor contrai, pelo menos, responsabilidade pelas custas).

Sendo a ação popular uma forma de contrôle de legalidade não se lhe pode negar o caráter de função. Não é necessário que o seu autor represente os cidadãos, e menos, ainda, a administração pública, perante a qual cabalmente se coloca, para obrigá-la à legalidade. Para que haja função basta que a pessoa expresse a vontade da lei, não sòmente ao agir em defesa de seu império, mas também ao erigir-se em autor, por incitação da própria lei que lhe atribui, em forma potencial, êsse caráter. Ao assumir o papel de autor, a proposição legal se torna atual e efetiva.

Também, aí o problema não é meramente jurídico, senão de sociologia política, de educação cívica, de sentido constitucional. O sentido constitucional é como um juízo de valor consciente e refletido sôbre o exercício e a defesa da liberdade cívica e das instituições jurídicas tradicionais reconhecidas e protegidas na Constituição, seja esta uma carta, ou várias, ou declarações e afirmações de direitos. Êsse sentido se adquire por educação cívica e constante respeito da liberdade e do direito. Tiveram-no os povos antigos, como o romano na época republicana, o de certas regiões da Espanha, como Aragão, onde já no século XII existia o “fôro de manifestação” (fôro de Sobrarte) para defender a liberdade, ainda com maior eficácia do que o habeas corpus; a Justiça de Aragão, como uma côrte judicial sôbre o próprio rei. Possui, também, êsse sentido o povo inglês, sem necessidade de fabricar constituições. Fato paradoxal e curioso é o seguinte: onde meros sentido constitucional existe, mais freqüentes e gerais são as reformas da Constituição. Em um breve curso de direito constitucional americano comparado o Prof. GORDON IRELAND o demonstra, sem, contudo, pronunciar-se a respeito.32

O sentido constitucional deve estar acompanhado de um estado de espírito alerta, que não ceda um instante à ilegalidade, à negociata e à intimidação. É, pois, educação e mentalidade de um povo. Os fatôres que se opõem ao desenvolvimento dêsse sentido são, principalmente, de duas espécies: a covardia, ignorância e ceticismo do povo, por um lado; o egoísmo e utilitarismo amoral das classes dirigentes, por outro.

As violações da Constituição sòmente o preocupam quando se trata da propriedade, de seus interêsses. Nesse caso, a ação popular tem um papel importante, a tal ponto que pode ser providencial.

_____________

Notas:

* N. da R.: Publicado em “La Ley”, março de 1954, e traduzido por GUILHERME A. DOS ANJOS.

1 O conceito de patrimônio do Estado deve ser tomado, nesse caso da ação popular, não apenas como sendo aquilo que pròpriamente pertence à entidade pública. Nação, província ou comuna, na qualidade de pessoa jurídica privada, mas também, e com maior razão no que se refere ao erário ou fisco, que se forma com as contribuições fiscais: e dizemos com maior razão porque essas contribuições se formam com tributos derivados do patrimônio de cada um dos contribuintes, e, em tal caso, a ação popular se justifica ainda mais do que no caso do patrimônio da pessoa jurídica.

2 O projeto consta de 31 artigos e se divide nas seções seguintes: Sujeitos, ativo e passivo, da ação popular: Do objeto da ação popular: Da competência: Do processo: Da sentença: Dos recursos: Disposições gerais. Oportunamente consideraremos, analìticamente, êste regime legal.

3 Em nosso “Derecho administrativo” (4ª ed., t. IV, pág. 308, nota 8 e 3ª ed., pág. 308, nota 8 e 3ª ed., pág. 623, nota 4), ao tratar dos meios jurisdicionais idôneos para impugnar os atos administrativos irregulares e defender com isso o interêsse público fazemos notar êste mérito da ação popular.

No breve artigo “Moralidad y racionalización”, em “Tribunal de Comércio”, Rosario, julio 29 de 1953.

Ao tratar dos meios jurisdicionais idôneos para impugnar os atos administrativos irregulares e defender com isso o interêsse público, fazemos notar que a ação popular é uma forma de educar jurìdicamente o povo. Ver “Derecho administrativo”, 4ª ed., t. IV, pág. 308, nota 8, e 3ª ed., t. I, pág. 623, nota 4.

4 Nas primeiras decisões, o Conselho de Estado não admitiu o terceiro opositor. Em 1882, admitiu-o (Ville de Cannes, abril 28). Dezessete anos depois, voltou à primitiva doutrina (dezembro 8 de 1899), mas em 1912 no conhecido caso Boussuge, decidiu admitir o terceiro opositor, que não havia sido ouvido, houve quem considerasse isto o reconhecimento predominante do direito subjetivo. Veja-se KRITTER, “La tierce opposition en droit administratif” (Paris, 1935), págs. 13 e segs.

5 HAURIOU, em nota sôbre êste acórdão, predisse a ruína do recurso de excesso de poder. Voam-se “Notes d’Arrêts sur les décisions du Conseil d’Etat et du Tribunal des Conflits” (Paris, 1929), t. II, págs. 413 e segs.

6 Cf. FERNANDEZ DE VELAZCO, “La acción popular en el derecho administrativo”, Madri, 1920, pág. 60.

7 Art. 18 do citado projeto de BILAC PINTO.

8 “Reflexiones sôbre sistemas políticos” (Buenos Aires 1944), págs. 3 e segs.

9 O economista francês BASTIAT sem dúvida o maior representante da escola liberal, cuja obra é de notável conteúdo moral e sentido jurídico, dá um tom elevado à sua doutrina, com a tese da solidariedade. Êle não concebe uma solidariedade segundo a qual uns vivem a custa dos outros, tornando-se o Estado um distribuidor de favores, a torto e a direito, sistema acariciado pelos demagogos que nunca trabalham e dão a uns (sem esquecer a sua parte) aquilo que tiram de outros.

BASTIAT concebe uma solidariedade de interêsses, fecunda em conseqüências morais, econômicas e políticas. Não é solidariedade sentimental de mera fraseologia, senão solidariedade refletida em defesa do direito. Veja-se o seu notável livro “Armonias econômicas”, trad. espanhola da 7ª ed. francesa, caps. XXI e XXV.

10 Veja-se: MAINZ. C., “Curso de derecho romano”, t. nº 98, pág. 204, nº 53, IV; WILLEMS, P., “Le droit public romain”, Louvain. 1872 páginas 306 e segs.; BONFANTE, P. “Istituzzioni di diritto romano”, Milão, 1907, págs. 206 e 216.

IHERING encontra na ação popular do direito romano uma expressão da influência que a gens exerceu no direito do Estado como célula constitutiva e dinâmica do mesmo. Da gens surge a defesa do direito que interessa ao todo. E quando isso desapareceu, ficaram as ações populares, que são – diz êle – um fenômeno notável, não sòmente do ponto de vista de nosso direito público atual, no sentido de que por meio (leias qualquer particular pode exercer uma vigilância regida por princípios especiais determinados, senão, também sob o ponto de vista do direito romano, segundo o qual um particular mantém, em muitos casos, com o mais extremo rigor o princípio da legitimatio ad causam do demandante, concedendo-lhe ações que aparentemente, lhe não oferecem o menor interêsse.

As ações populares estão destinadas a proteger essa relação particular da comunidade indivisível do direito (a):

(a) “Espiritu del derecho romano”, trad. de PRINCIPE Y SANTORRES (Madri, s. d.), t. I, § XVII.

IHERING se refere à ação popular em diversas partes desta obra notável, mas o nosso propósito não é o de examinar a sua doutrina (método que não aceitamos), senão a nossa. É lógico, todavia, que assinalemos a concordância de opinião do grande jurista com a tese que sustentamos agora, em outro plano, outra época e outras circunstâncias. As observações do célebre romanista têm muita significação atual. Em seguida explica IHERING como, não obstante o princípio nemo allieno nomine lege agere potest (como se o demandante representasse os direitos e os interêsses do Estado – em cujo caso não poderia conceber-se o Estado como uma pessoa, em nossa opinião – os jurisconsultos não desconheceram o aspecto real da relação).

Neste ponto, convém considerar atentamente essa distinção entre a gens (de que falamos) como pessoa moral e os gentiles, do mesmo modo que as res publica não são propriedade do Estado, senão de todos os súditos do Estado (b):

(b) Esta concepção do domínio público é precisamente a nossa que sustentamos em nosso “Derecho administrativo”, 4ª ed., t. II págs. 421 e segs., e nas edições anteriores, desde 1921. O Estado sòmente possui um poder de legislação e de administração nos bens do domínio público, porém administração que se limita a assegurar o uso geral.

11 BONFANTE, loc. cit. Estas ações tinham um fim preventivo, e por isso não são penais, ao contrário da actio rationibus distrahendi, que é acusação dirigida contra os desvios (como quem diz malversações) do tutor, quando podiam ser consideradas como furtos.

12 A Lex ploetoria permitia ação popular contra aquêle que houvesse enganado ou ludibriado um menor de 25 anos, abusando de sua inexperiência, para fazer com que êsse último contraísse matrimônio. BONFANTE, ob. cit., página 54.

13 MAYNZ, loc. cit. e pág. 124.

14 MAYNZ, ob. cit., t. I, § 53 e t. II, §§ 284 e 285, nota 30, pág. 581.

15 A repressão de atos ilícitos foi, em Roma, abjeto de uma legislação progressiva. Os delitos que justificam a vindicta publica eram julgados em demanda na qual se reclamava pena pecuniária, que devia ser exigida mediante ação civil (a questão patrimonial aparece, pois, como principal). Na época anterior a êste regime, os delicta privata eram de duas espécies: o furtum e as injuriae. Na época da República se duplicou o número de ações: uma para certa classe de furtos (bona vi rapta) e outra para certas injúrias (damnum injuria datam ou actio legis Aquiliae) (a) segundo a lei que as havia criado. (b) Além disso, concederam-se ações civis para reclamar penas pecuniárias por causa de certos atos que, embora não fossem qualificadas de delitos, eram, todavia, julgados de maneira análoga, e quem os cometesse era declarado quase ex delicto (c) MAYNZ ob. cit., t. I, §§ 269 e 272; (d) ibid.; (e) MAYNZ, ob. cit., t. I, § 278.

16 Veja-se: “Conceptos jurídicos y terminologia”, “Recurso” y “Jurisdicción plena”, en revista “La Ley”, t. 56, pág. 787.

17 Art. 141, § 38. Recentemente, em virtude dêste preceito elaborou-se projeto de lei orgânica regulamentando esta ação popular.

Veja-se: SEABRA FAGUNDES, “Da ação popular”, em “REVISTA FORENSE”, t. CXII (junho de 1947), págs. 5 e segs.

18 Veja-se: FERNANDEZ DE VELASCO, ob. cit., pág. 60, que concorda com esta tese.

19 O projeto de lei, apresentado no Congresso brasileiro pelo deputado BILAC PINTO, compreende a violação de princípios gerais do Direito derivados da declaração de direitos e do costume (art. 24, c), o que, em nossa opinião, é plausível sempre que êsse costume seja compatível com bons princípios para evitar um círculo vicioso em que se cairia, se os costumes irregulares de uma esfera bastassem para legitimar-se pelo simples fato de que igualmente se legitima êsse costume em outra parte.

20 Embora não seja assim denominada, por uma inexplicável lacuna da doutrina e da legislação processual, muito propensa a construir sôbre as concepções processualistas européias (onde, porém, elas nada dizem porque naqueles países não existe a instituição; aqui tampouco discorrem organicamente sôbre o assunto…).

Veja-se: BONFANTE. “Istituzioni di diritto romano” (Milão s. d.), pág. 54; IHERING, “Espiritu del derecho romano”, ed. cit., t. I, § LXII, pág. 130.

21 Um regulamento militar ou de regime carcerário cujo objetivo é assegurar a disciplina a todo custo, e onde se reduz a obedecer o bom e o mau, não pode ser aplicado aos administrados, que são homens livres responsáveis e com direito a discutir os atos administrativos, nem sequer aos próprios funcionários ou empregados autárquicos devem ser aplicados regulamentos dêste tipo.

22 Veja “Compêndio de direito público”, t. III, pág. 76, nota 71.

23 Êsses regimes se criam mitos e frase que confundem o juízo crítico do povo: apesar disso, embora êle não tenha uma ilustração suficiente para avaliar os princípios constitucionais, tem, em geral, uma certa intuição para ver se seus direitos são respeitados ou não. Pode ser enganado, transitòriamente, pelo palavreado; não tarda, porém, em descobrir tudo isso enquanto é posto à prova, e, logo após, reage com o seu espírito de vindita.

24 Embora a nossa opinião esteja sempre expurgada da influência doutrinária de qualquer sistema. E porque devemos considerar os problemas jurídicos com critério autônomo, êsse critério, que se forma pelo sentido constitucional e pela experiência própria, apraz-nos citar a opinião de um autor de notável imparcialidade o Professor FERRARIS, que em seu estudo sabre o poder discricionário da administração pública e da autoridade judiciária (“Il potere discrezionale della pubblica amministrazione e l’autorità giudiziaria”, em “Rivista di Diritto Pubblico e della Pubblica Ammnistrazione”, 1924, 1ª parte, pág. 226), diz: “A autoridade judiciária comum deve sempre Poder examinar se a administração exerceu seu poder discricionário como estava obrigada a fazê-lo, isto é, se agiu de modo a alcançar o fim para o qual êsse poder lhe havia sido concedido, se escolheu meios idôneos para consegui-lo, ou se, pelo contrário, causou danos a terceiros, por ignorância ou por errônea apreciação das condições técnicas ou administrativas normais eu se por ter procedido de modo inadequado deliberado ou resolvendo, ou por ter ocasionado prejuízos ou lesões de interêsses em maior escala do que aquela que podia ser predeterminada, mediante cuidadosa previsão, ou por deixar-se levar por motivos errôneos e não pertinentes ao caso ou por haver feito uma errônea apreciação das circunstâncias de fato, ou por haver decidido sem suficiente notícia das mesmas e assim por diante”.

“Tôdas estas condições entram no exame da pura legitimidade da ação administrativa: em nenhuma delas, a apreciação se refere ao mérito, ou seja, não implicam um juízo de conveniência ou de oportunidade. Se tal competência fôr negada à autoridade judiciária e se continuar sendo proclamada a não revisão do exercício do poder discricionário da administração pública, acabar-se-á por deixar caminho livre às providências que assumem o deplorável caráter de despotismo administrativo, e podem comprometer o prestígio – que há de ser mantido, pelo contrário, zelosamente intacto – daquele organismo estatal como atento promotor dos interêsses da coletividade, não os separando dos que concernem a cada indivíduo”.

25 Não é necessário que se configure uma malversação para que a disposição seja causa de impugnação pela ação popular, se o ato é ilegal, embora não esteja sancionado criminalmente. Uma licença de importação que sòmente deve ser concedida a importadores, e que entretanto, é dada a um intermediário para que êste a negocie, é um ato de corrupção ou subôrno e, com mais forte razão, se tem por objeto um fim de política subalterna; é, porém, sempre, um ato imoral, embora se caracterize por mero favoritismo. Tôdas essas sujeições e fôrças caudinas que se estabelecem como requisitos pseudo-legais servem para corromper os cidadãos, e inclusive, as instituições.

26 Em seu livro “Vida del pueblo norteamenricano” seus autores FAULKNER H. U.: KEPNER, T.: BARLETT, H., ed. Del “Fondo de Cultura Económica”, México, 1941, pág. 253, se referem às façanhas de TWEED, e TAMANY may-STEAD, W. T. Em seu livro “El gobierno de New York”, relata pormenores do impressionante informe da Comissão senatorial presidida por LEXON em 1894, e que investigou êsses fatos e a cumplicidade da polícia daquela cidade.

27 Veja-se: FERNÁNDEZ DE VELASCO “La acción popular em el derecho administrativo”, loc. cit.

28 Admite a cautio judicatum solvi, outros FERNÁNDEZ DE VELASCO, loc. cit.

29 Embora se limite às custas do processo, pode gerar responsabilidade de outra ordem.

30 Consideramos êsse aspecto em nosso livro “El estadista e su pueblo”.

31 Veja-se: “Estudios de derecho público”, 2ª ed., t. III, págs. 751 e segs. “La Prensa – Su influencia y el derecho de replica”.

Periódicos da maior autoridade moral e de tradição patriótica, que sempre defenderam o interêsse da nação e a Constituição, como a serviço da verdade, não aceitaram como recurso eficaz o direito de réplica, sem dúvida por causa do hipotético inconveniente da multiplicação de retificações às vêzes infundadas ou capciosas. Isso, porém, se evita com uma eficiente regulamentação.

32 “Publicaciones de la Universidad de Santo Domingo”, vol. XIV (1914).

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