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O tempo e a tutela dos direitos

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CLÁSSICOS FORENSE

PROCESSO CIVIL

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O tempo e a tutela dos direitos no processo civil

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REVISTA FORENSE 157

TUTELA

Revista Forense

Revista Forense

17/01/2023

REVISTA FORENSE – VOLUME 157
JANEIRO-FEVEREIRO DE 1955
Bimestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICARevista Forense 157

DOUTRINA

PARECERES

  • Constituição Rígida – Proposta de Emenda – Trâmites – “Quorum” – Sessão Legislativa Extraordinária, C. A. Lúcio Bittencourt
  • Autarquias – Caixa de Mobilização Bancária – Alienação de Bens, A. Gonçalves de Oliveira
  • Autarquias – Estabelecimentos de Serviço Público – Fundação da Casa Popular – Requisição de Funcionário Público, Caio Tácito
  • Compra e Venda – Inadimplemento Contratual e Exceções de Garantia – Retenção – Execução de Hipoteca, Miguel Reale
  • Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada – Dissolução por Morte de Sócio, Lino de Morais Leme
  • Sociedade Civil – Teoria dos Órgãos Diretores e de Administração – Mandato – Delegação, Amílcar de Araújo Falcão
    Município – Autonomia – Criação e Desmembramento, Lafaiete Pondé

NOTAS E COMENTÁRIOS

  • Conteúdo Jurídico do Preâmbulo Da Constituição, Alcino Pinto Falcão
  • O Exercício pelos Estados da Atribuição Constitucional de Autorizar ou Conceder o Aproveitamento Industrial das Quedas D’água, A. Junqueira Aires
  • Tratados e Convenções Internacionais sôbre Direito Penal, Roberto Paraíso Rocha
  • Das Ações Possessórias no Âmbito do Direito Trabalhista, Pires Chaves
  • O Crime e o Direito de Resistência, Valdir de Abreu
  • Depoimentos e Testemunhos – Efração da Consciência, W. Vilela de Horbillon
  • Reabilitação, Milton Evaristo dos Santos
  • Da Continuação da Sociedade Comercial com os Herdeiros do Sócio Falecido, Mário Moacir Pôrto
  • Promessa de Venda de Imóvel, Waldemar Loureiro

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

LEGISLAÇÃO

SUMÁRIO: A duração do processo. Normas de direito substantivo e adjetivo. Os arts. 151, 164, 166, 712 a 716 do Cód. de Proc. Civil. Os artigos 345, 351, 1.185 e 1.186 do Cód. Civil. A constituição do devedor em mora. Prescrição e decadência. O atentado. Algumas sugestões do legislador. Conclusão.

Sobre o autor

TORQUATO CASTRO, Professor na Faculdade de Direito da Universidade do Recife

DOUTRINA

O tempo e a tutela dos direitos no processo civil

* I. O problema da duração do processo oferece, na realidade, alguns aspectos de ordem sistemática que não mereceram o devido estudo e tratamento por parte dos legisladores de direito processual no Brasil.

Trata-se, como todos o reconhecem, de um mal – um mal necessário e, de fato, irredutível.

O processo – que, pelo nome, indica marcha para a frente – contém elementarmente a estrutura de uma série de atos que se dispõem numa seqüência, cujo movimento se justifica pela obediência a um fim, que lho garante a unidade de direção.

Ora, êste movimento ordenador – ou melhor, coordenador – de atos, implica necessàriamente a presença incômoda de um fator, que se chama duração – um intervalo de tempo mais ou menos longo, dentro do qual os mesmos atos se têm de produzir, desde o pedido inicial, até ao julgamento, quando não à execução compulsória.

O mal do tempo é, portanto, congênito do processo. Não há como fazê-lo desaparecer.

Não nos interessam aqui, como objeto de nosso tema, os vários meios de política legislativa e, sobretudo, de organização judiciária, tendentes a coordenar os atos do processo dentro das velhas aspirações de sua ciência, quais sejam, a de um máximo de simplicidade de forma e de economia, de tempo e de dinheiro. A experiência da última reforma, introduzida com a codificação nacional do processo civil oralizado, nos convence de que, neste tema, não bastam as boas intenções, e de que um processo de estrutura rápida e barata não se garante, senão à custa de um aparelhamento judicial caro, porque aprimorado e múltiplo. Os Senhores do Brasil que, há poucas gerações, andaram de braço e cutelo, não se dispõem ainda a trocá-los por uma toga custosa, ou de boa urdidura.

Não falemos, pois, de que se poderia obter em perfeição, quando os nossos dirigentes se dispusessem realmente a realizar, não só no papel em que se imprimem as leis, mas na estruturação dos órgãos que põem em vida o Direito, aquelas reformas que garantissem, com segurança, a diminuição do tempo gasto na lide.

A duração do processo

II. Partamos, pelo contrário, da consideração de que, por maior que seja a perfeição que se pudesse obter com a aplicação de rigorosas reformas que conduzissem a um processo mais rápido, não haverá como extinguir o tempo, ou a mora do processo.

Quando nós, advogados, pretendemos introduzir qualquer lida em juízo, temos como certa, dentro dos nossos cálculos, a presença dêsse fator: tempo, que deverá mediar entre o pedido, que teremos de fazer, e a sua satisfação final, através do processo. E eu vos pergunto, apelando para a vossa experiência profissional, se não tendes encontrado, como eu, tantas vêzes, na minha vida prática, aquela contingência amarga que nos obriga a abstermo-nos do pleito judicial – única via de salvação integral do direito conspurcado pela resistência adversária – tão-sòmente porque o interêsse, que êsse direito recobre e protege, deixa de ser interêsse, isto é, perde a sua expressão valorativa, que só persiste enquanto persiste determinada emergência econômica, enquanto sa passa o tempo necessário à sua solução processual?

Certo que sim. E então, sob o aspecto lógico, a conclusão é, na verdade, decepcionante.

O Estado, ou a ordem jurídica, dentro de uma economia privatística, entrega em nossas mãos, o destino de nossos próprios interêsses, no suposto fundamental de que a circulação das riquezas, essencial à sua vida como comunidade, se dará de modo mais criador, pois mais dúctil e móvel.

Contra, os obstáculos que possam surgir a esta circulação, ou à justiça de suas normas – que justiça é a sua única regra de harmonia. – o Estado erige-se a si mesmo de julgador exclusivo. Proíbe-nos de fazer justiça com nossas próprias mãos: e, em lugar delas, põe diante de nós um instrumento mediador – o processo civil – como “um mecanismo ordenado ao fim de fazer atuar a lei”, na frase de um dos maiores cultores desta ciência, que foi GIUSEPPE CHIOVENDA.

Mas, se êste mecanismo, por defeito intrínseco, falha a esta finalidade, certo que a seriedade mesma dessa função do Estado estará irremediàvelmente comprometida.

Normas de direito substantivo e adjetivo

III. Em outras palavras, a ordem jurídica ao criar o processo como um ordenamento, na mesma hora criou, por uma contingência inevitável, um mal – a mora do processo – que pode vir em prejuízo da própria finalidade a que a lei instituiu o processo.

E não prevê, então, o direito positivo os meios ou métodos de obviar tal inconveniente, ou seja, o de amparar o direito ao demandante contra as más conseqüências do uso obrigatório do aparelhamento judiciário contra as perdas ou diminuições que o direito ajuizado nossa sofrer, durante o tempo da lide?

É meu propósito tratar sintèticamente dêsse assunto, indicando, tanto no corpo das leis processuais, como na legislação civil, as normas que têm manifestamente êste escopo: a de salvar, tanto quanto possível, o direito ajuizado do mal da mora do processo.

De início, devo advertir-vos que estas normas, à falta de uma verdadeira compreensão e de um estudo de caráter científico ou sistemático sôbre a matéria, acham-se esparsas tanto na legislação civil como na processual, como se a matéria pertencesse indistintamente a uma ou a outra dessas disciplinas jurídicas, ou como se fôsse indiferente considerá-las do ângulo do processo, ou do ângulo do direito civil.

Mas, decididamente, estas normas, com semelhante escopo, são, por droit de naissance normas de cunho nìtidamente processual. Elas têm as suas raízes, a sua razão de ser fundamental, na existência objetiva do processo, pois se fundam na demora dêste, como elemento inerente à sua economia.

Devemos reconhecer, por outro lado, que, se é verdade que estas normas repousam, em sã razão fundamental, na existência do processo, de modo que a sua construção científica não caberia na sistemática do direito privado, fôsse êle civil, fôsse comercial ou trabalhista, não há dúvida que os efeitos que delas resultam repercutem sôbre o cama de direito substantivo, porquanto se trata, em última análise, de amparar o direito ajuizado – o mérito mesmo da causa – contra um defeito inerente à economia íntima do procedimento.

Em tôdas estas normas, a análise de seu escopo, da sua função, revela a presença constante de uma mesma técnica, no seu desideratum de salvar o direito contra o processo; técnica que consiste, em geral, em dar o direito como satisfeito e provido, no momento mesmo em que foi introduzida ou iniciada a lide.

A sentença final está de alcançar o direito ou a relação jurídica ajuizada, tal como se ela tivesse sido proferida no momento exato da introdução da demanda – assinalam os escritores – porque “a necessidade de utilizar-se do processo, para obter razão, não deve reverter em danos de quem realmente tem razão” (CHIOVENDA, “Istituzioni de Dir. Proc. Civile”, 1933, vol. 1º, pág. 147).

A técnica jurídica, vale-se nesse caso – seja, dito de passagem – não de um dêsses subterfúgios de que é fertilíssima, que sa chama de ficção, e que consiste em dar como não ocorrido, no campo do Direito, aquilo que realmente ocorreu. É o reparo que hoje – quase 18 anos depois de ter eu perlustrado o mesmo assunto em trabalho que ficou, por assim dizer, inédito, dado que sua divulgação se limitou a poucos exemplares distribuídos entre alguns mestres e colegas do Recife – faço à excelente doutrina que sôbre o tema se vê expendida no 6º volume do “Tratado de Direito Romano”, de SAVIGNY.

SAVIGNY erigiu, como essência dessas normas que por êle foram coligidas e estudadas no corpo do direito romano, um princípio fundamental a que denominou de princípio da redução do tempo da lide procedente. Esta denominação, no entanto, evoca a idéia equívoca do uso de uma ficção pela qual se terá, de direito, de abstrair (ou reduzir a zero), um fato positivo e real, que é a demora do processo.

Na realidade, se a idéia fundamental é esta, a via, ou processus técnico de sua realização está bem longe de comportar semelhante ficção.

Para alcançar êste objetivo, o ordenamento jurídico joga com a oportunidade da sentença, para, através dela, dar aos fatos novos, ocorridos depois do início da lide, uma eficácia jurídica em regra diversa da que teriam tido, se ocorridos antes dela; e, com êsse diverso tratamento jurídico, prevê êle a que tais fatos novos não revertam em prejuízo de quem intentou a lide julgada a final procedente.

É o velho preceito dos romanos: “nec deteriorem, sed melioram causam nostram actiones exercentes, facimuns”.

Ora, não há o recurso técnico da ficção jurídica na política legislativa posta em vigor pelo ordenamento jurídico, nesta hipótese. Há, sim, o uso normal de uma prerrogativa que é o apanágio da ordem jurídica: o poder de ligar aos fatos a eficácia jurídica que por justiça lhes convém.

Os arts. 151, 164, 166, 712 a 716 do Cód. de Proc. Civil

IV. Pertencem ao grupo das normas com êste fim no Cód, de Proc. Civil da República, o art. 151, concernente à modificação, depois do início da demanda, dos fatos que influem na determinação da competência (princípio da perpetuatio jurisdictionis, em sua acepção moderna); os arts. 164 (ressalva) e 166, I, III, IV e V, e parágrafos, concernentes aos efeitos da citação ou da introdução da demanda, e o conjunto de normas que consubstanciam a figura do atentado, contidas no título VIII do Livro V, arts. 712 a 716.

Na legislação civil, deparamo-nos com dispositivos esparsos, quais sejam, o do art. 1.186 do Cód. Civil, relativo à obrigação do donatário, que, por motivo de ingratidão, revoga a doação, de restituir os frutos da causa doada, percebidos depois de contestada a lide; o do art. 1.185, que diz transmissível aos herdeiros do doador a ação de revogação da doação, por ingratidão do donatário, quando o doador falece depois de contestada a lide; o do art. 345 do mesmo Código, que torna transmissível aos herdeiros do marido a ação dêste, negatória da paternidade do filho nascido de sua mulher, desde que a ação já tenha sido iniciada pelo marido; o do art. 351, que torna transmissível aos herdeiros do filho maior e capaz a ação de filiação legítima, se a morte do filho ocorrer depois de ter sido iniciada a lide.

Os artigos 345, 351, 1.185 e 1.186 do Cód. Civil

V. Certo que não arrastarei êste ilustra auditório na dissecação de institutos tão vários, como aquêles em que, incidentemente, se consignam os dispositivos postos em realce neste momento.

Apraz-nos, porém, nestes dispositivos ressaltar o vigor da mesma idéia, que constitui o tema central da nossa dissertação: a idéia, de que se faz mister salvar o direito ajuizado, contra o tempo gasto na demanda.

Assim é, quando o legislador processual proclama, através do art. 161, que a competência do juízo, firmada inicialmente, não se altera, se no curso da lide – isto é, no tempo do processo – se se alterarem as condições iniciais, que serviram para a sua determinação; ou seja, a competência será a mesma, já fixada, com a introdução da demanda, ainda que posteriormente se alterem o domicílio das partes, a sua cidadania, o objeto de causa, ou o seu valor. Aí a lide resguarda a estabilidade do próprio processo, contra as mudanças havidas no tempo do processo.

Mas – a prescindir do estupro de outras normas com semelhante alcance processual – passemos àquelas que se destinam a amparar, não o processo, mas o próprio direito ajuizado contra idêntico inconveniente.

Típica é a norma do art. 166, IV, do Cód. de Proc. Civil, ao enunciar o princípio de que a citação inicial “constitui o devedor em mora”.

Na realidade, tudo quanto visa êste dispositivo enunciar é que, a partir do início da demanda, o autor que a final obtém vitória no reconhecimento de seu direito faz jus a receber, por fôrça da sentença, o seu crédito, ou a coisa que o réu se obrigara a entregar-lhe, com todos os acréscimos e vantagens que teria, se a sentença fôsse proferida desde a introdução da demanda. Para lograr êsse resultado, o legislador processual valeu-se de uma ficção, qual fôsse a de considerar o réu constituído em mora, desde o início do procedimento.

Mas, evidentemente, êste recurso a semelhante ficção de mora é infeliz, e, no caso, seria perfeitamente dispensável, quando o legislador estivesse consciente da verdadeira natureza do princípio processual com que deveria lidar.

Se, nas ações creditórias, o autor vitorioso não recebesse juros de seu crédito, ou os frutos ou rendimentos da coisa que o réu fôsse condenado a entregar-lhe – juros, frutos ou rendimentos vencidos entre o início da ação e o seu ato final então a demora lhe teria trazido um mal objetivo, com prejuízo certo, na reparação do seu direito.

Torna-se, assim, evidente que a lei visa reparar um mal que decorre objetivamente do processo, não um inconveniente que tenha sido provocado intencionalmente pelo réu.

O elemento subjetivo de culpa ou imputabilidade, que se pretende forçosamente atribuir a outra parte, é coisa inteiramente estranha à natureza e economia do princípio, que tem em vista a mora objetiva do processo, e não a mora subjetiva.

Se o réu, vencido, e que se defendeu no processo, suporta o peso da aplicação dêsse princípio de ordem processual, que visa reduzir o tempo da lide procedente, isso se deve à necessidade mesma do princípio, sem que para êsse resultado se tenha de estabelecer contra êle uma presunção irremissível, de jure, de responsabilidade ou culpa rela demora do processo.

O fato de alguém sustentar uma lide – já pondera SAVIGNY – não é de maneira alguma um ato reprovável em si, mesmo quando o réu venha a final a ser condenado. A idéia de que o simples litígio imprime à posição do réu o caráter de mora, ou o de má-fé – mora, para justificar o recebimento, pelo autor, dos juros e vantagens, nas ações de caráter pessoal, e má-fé, para justificar a restituição dos frutos, post litem contestatam, nas ações reais – é uma asserção puramente gratuita desmentida pela experiência diária, em que réus, definitivamente condenados, mantiveram, todavia, o processo com a firme convicção de seu direito. “Os que disto entendam duvidar, devem ter em consideração quantas vezes os votos se acham divididos nos colégios de juízes; ora, pode ser permitido ao réu crer naquilo que a minoria dêsses juízes crê, também, de boa-fé”.

Do mesmo modo deve dizer-se da mora, cuja caracterização é sempre uma questão de fato, a se indagar em cada hipótese concreta.

A mora – diz a nossa lei civil – é sempre um fato ou omissão imputável ao devedor. Tal imputabilidade pode preceder ao litígio, tanto quanto ocorrer em qualquer das fases dêste, sem que qualquer delas tenha a especial virtude de configurá-la. O devedor, aceitando o litígio, pode litigar sine dolo malo, desde que esteja convencido das valiosas razões de sua defesa e entenda não fundada a demanda do autor.

Para justificar o direito que tem o credor, sôbre os interêsses, juros, frutos ou rendimentos, acrescidos durante o tempo da lide, não há necessidade de recorrer a preceitos ou fórmulas estranhas à razão natural do princípio processual.

E para evitar êste circuito de uma ficção de jure, de mora do réu, bastaria que o nosso legislador tivesse presente a fórmula magistral do § 291 do Cód. Civil alemão, quando êste liga à demanda em juízo as conseqüências jurídicas que se desejam, sem qualquer apêlo ao conceito de mora. Êste § 291 assim se inscreve:

“Os interêsses de uma dívida em dinheiro são devidos do momento em que se instaura a demanda, mesmo quando o devedor não esteja em mora”.

A constituição do devedor em mora

VI. A posição do problema não difere, quando se cogita da prescrição ou do prazo de caducidade, a que se subordina um direito na sua existência. A prescrição ou a decadência pelo tempo se paralisam durante a mora do processo.

Não se pode negar que a demanda exerce uma influência sôbre o curso da prescrição bem diversa de uma simples interrupção, no rigor técnico do têrmo. A interrupção é instantânea e destrói o prazo da prescrição anteriormente decorrido. A instauração da demanda impede, durante todo o seu curso, a verificação do fato prejudicial da prescrição ou da perempção do direito.

É preciso reconhecer que, em regra, só a demanda procedente exerce êste efeito paralisador sôbre o curso do prescritivo. E isto porque a prescrição, durante a mora natural do juízo, isto é, durante o tempo da lide, agiria como um fato novo, prejudicial ao direito do autor.

Tanto assim é que, se a demora, por qualquer motivo, não culmina num julgamento de mérito, por qualquer vício do processo (salvo a da incompetência do juízo – art. 166, § 1°), ela não opera, também, aquele efeito paralisados da prescrição, e nem mesmo uma simples interrupção instantânea ocorre, que se deva, à citação inicial. O prazo decorrido anteriormente à lide continua o seu curso, como se nada houvesse acontecido. É a norma do art. 175 do Cód. Civil brasileiro.

Prescrição e decadência

VII. Outro grupo de normas de proteção do direito contra a mora do processo é constituído por aquelas que, lidando com ações de natureza personalíssima e, como tal, intransmissível aos herdeiros, declaram-nas transmissíveis se a morte da parte ocorre no curso da lide.

Era máxima do direito romano que as ações que perecem por morte ficam salvas logo que introduzidas em juízo.

Esta máxima, hoje, não tem o caráter rígido que lhe emprestava a Roma do direito formulário, em que a litiscontestatio, novando a relação jurídica, fazia surgir um direito novo, fundado sôbre a convenção.

Mas a realidade é que esta transformação de efeitos – intransmissíveis, antes da lide, e transmissíveis, depois dela – ocorre com ações personalíssimas de que tratam os arts. 345, 351 e 1.185 do Código Civil brasileiro.

A ação do doador, para revogar a doação feita ao donatário que se revelou ingrato, é um caso de ação personalíssima, pois só o doador tem o direito de aquilatar a ofensa que recebeu do donatário, e, assim, só êle tem o poder de usar, ou não, dessa revogação. Se o doador morre sem intentá-la, extinta se achará a ação. Se, porém, o doador chegou a intentá-la, morrendo depois da contestação, a ação se torna transmissível.

Casos idênticos de transmissibilidade, por efeito do uso da demanda, de ações de natureza intransmissível, são encontrados na ação negatória de paternidade legítima – que é personalíssima do marido (artigo 345 do Cód. Civil) – e na do filho, para a prova de filiação legítima (art. 351); ambas estas ações se transmitem aos herdeiros, quando a morta de seus titulares ocorre depois de haverem êles iniciado a lide.

A morte – fato novo ocorrido no curso da demanda – é valorizada pela lei, só por isso, em senso positivamente diverso daquele que teria, se houvesse ocorrido antes. É um caso nítido de aplicação do princípio processual que constitui o novo tema.

O atentado

VIII. A figura jurídica do atentado parece, à primeira vista, filiar-se à mesma idéia central. Pelos seus requisitos especialíssimos, no entanto merece uma consideração autônoma.

O atentado pressupõe, também, fatos novos ocorridos no tempo da lide, fatos que do mesmo modo recebem do legislador uma disciplina jurídica especial, em vista de terem surgido no tempo do processo e de importarem em modificação do status quo em que deveria permanecer o direito ajuizado, ou pelo menos o interêsse, que é o conteúdo dêsse direito.

Mas, não obstante êsse parentesco com o princípio processual de que cogitamos, o atentado oferece uma configuração especial nos seguintes pontos:

a) os fatos novos, que no atentado recebem disciplina jurídica especial, não resultam pura e simplesmente da mora objetiva do processo, mas são provocados voluntàriamente, e sem direito, por uma das partes, em detrimento dos interêsses da parte adversa;

b) o disciplinamento conferido, no atentado, a êsses fatos, – e que consiste em retirar-lhes tôda a eficácia jurídica, de modo a voltar a lide ao estado anterior à inovação – não se perfaz através do julgamento final da causa e em função da reparação integral do direito ajuizado e reconhecido na sentença.

Perfaz-se, sim, mediante uma decisão especial, incidente e – o que é importante – proferida independentemente do reconhecimento final do direito contra o qual se dirige o atentado, e a modo do que se dá com as medidas cautelares, a cujo grupo, por conseqüência, melhor o atentado se filia.

Algumas sugestões do legislador

IX. Postos êstes elementos de análise, e de comparação pelo contraste, já podemos tentar um perfil conceitual dêsses efeitos substanciais da lide procedente, cuja estruturação repousa nos seguintes postulados:

1°) êstes efeitos, já examinados através de dispositivos esparsos de nossa legislação processual e civil têm o seu fundamento da existência objetiva do processo como atividade a que é inerente o fator tempo;

2º) destinam-se êles a obviar, por ofício do juiz na sentença final, independentemente de pedido especial da parte, o mal oficial do processo civil, que é a sua mora intrínseca. Por isso, o juiz, ao condenar, confere ao vencedor os juros, frutos ou rendimentos, como responsabiliza o réu pelo perecimento ou diminuições da causa, tal como se o réu vencido estivesse em mora, ou retivesse a coisa devida por má-fé, a partir do início da lide. Por isso que o decurso do prazo prescricional ou de decadência, ou a morte de parte, não operam o seu efeito extintivo do direito, quando ocorridos no curso da lide etc.;

3°) para a economia e atuação dêsses efeitos de ordem processual, não se faz mister, no entanto, recorrer aos conceitos, estranhos, de mora ou de má-fé. Trata-se, na realidade, de prover a uma mora bem diversa, que é a do processo, e não a do devedor. O princípio encontra tôda a sua justificativa na existência objetiva do processo, e não no comportamento subjetivo do réu. O réu vencido, quando os suporta, é pelo mesmo critério de necessidade, ou de responsabilidade objetiva, pelo qual suporta também as custas ordinárias do litígio;

4°) por último, e dadas tais premissas, êstes efeitos não têm aparência em qualquer processo ou demanda, mas, sim, quando se cogita de uma demanda procedente. Porque, aqui, visando a ordem jurídica amparar o direito contra um mal oficial do processo, que é o da sua duração, tais efeitos só podem ter cabimento quando, a final, êsse direito se declara existente.

Esta é uma nota importante para distinguir o princípio processual, de que tratamos, das medidas cautelares em geral, que, à primeira vista, aparentam com êle certa semelhança enquanto se destinam a garantir, para o demandante, o resultado último que, a posteriori, o processo lhe pode trazer. A diferença, entre outras, reside na provisoriedade, que é o característico das medidas preventivas ou cautelares, que são concedidas independentemente do resultado final do processo.

Conclusão

X. Firmada, assim, neste rápido ensaio, a unidade conceitual dêsses efeitos, restaria sugerir que o legislador lhes dêsse, no processo civil, senão a estrutura de um instituto oficial, pelo menos um tratamento autônomo, dentro dêsse seu escopo fundamental.

A primeira sugestão a fazer-se, seria a de garantir a lei a unidade de disciplina jurídica para coisas que obedecem a um só princípio.

Porque não se compreende mais, nem se pode justificar aquela discordância de tratamento que a lei dá, por exemplo, ao ponto de partida essencial dêsses efeitos substanciais da lide procedente, ora fixando-os, a partir da litiscontestação para os frutos da coisa demandada, percebidos no curso da lide, como o faz o art. 1.186 do Cód. Civil, e ainda dêste mesmo ato, para o efeito da transmissibilidade de certa ação, que antes era intransmissível, como o dispõe o art. 1.185; ora fixando-os, a partir da citação inicial, para o mesmíssimo fim de tornar transmissível outras ações, de natureza igualmente intransmissível, como o determinam os arts. 345 e 351 do mesmo Código; e assim também para os efeitos de uma suposta “mora” do devedor, que coincidiria com o ato citatório; e fazendo-os mesmo retrotrair, em outro caso, para antes da citação – isto é, para a data do despacho da petição inicial, como ocorre particularmente com a interrupção da prescrição, ex vi do § 2º do art. 166, com a redação que lhe deu o dec.-lei nº 4.655, de 11 de agôsto de 1942.

Sabemos bem a que se prende tôda essa tergiversação, todo êste circuito de confusão no tratamento casuístico de um só e único princípio. Prende-se, em primeiro lugar, ao seu lamentável desvirtuamento pela interferência dos conceitos estranhos de mora, ou de má-fé, a imputar-se ao réu. Daí, dessa ficção inútil, e até bárbara, é que se começou a procurar, aqui e ali, aquêle ato do processo que, por sua significação, melhor poderá positivar o momento em que terá de mudar fatalmente o estado de espírito do réu, como se jamais fôsse possível, só com isto, obter-se, de fato, semelhante positivação!

Pretende-se, por outro lado ao vêzo do arcaísmo, à mania de um romanismo estéril, quando não mal digerido.

Sabemos que os romanos prendiam todos êstes efeitos a um momento único do processo – o da litiscontestação. Mas devemos saber, também, que a litiscontestatio era, para o procedimento clássico dos romanos, o ato que verdadeiramente introduzirá a lide in judice; porque, antes dela, tudo quanto in jure se fazia, com o “pretor” à frente, era o preparo da fórmula que – desculpem-me o uso das expressões modernas para explicar coisas antigas – tinha quase o valor legislativo, ou de fonte da norma a ser aplicada no caso concreto.

Com êste sistema, os romanos amparavam o direito ajuizado contra o curso integral do tempo do procedimento judiciário.

Mas hoje, evidentemente, não é mais a litiscontestação o ato que demarca o comêço da série dos atos do processo civil.

Nem mesmo êste ato é – posso dizer hoje, penitenciando-me do êrro, em que incorri, faz 18 anos – a citação inicial, quando se trata de demarcar o primeiro movimento da lide em juízo.

O ato inicial, que demonstra que a lide foi entregue ao Estado, para uma solução – isto é, que foi introduzida em juízo – é revelado pelo despacho que a autoridade judiciária profere no libelo inicial, aceitando-o para o efeito da sua procedibilidade.

É êsse o momento que deve ser considerado pelo juiz, na sentença final, como o verdadeiro ponto de partida da duração do processo, da mora do juízo, a que êle tem de atender, para que êste vício oficial não constitua nenhum prejuízo para a reparação integral do direito ajuizado.

Faço votos, portanto, para que a disposição especialíssima adotada para a interrupção da prescrição – a partir do despacho da inicial – possa, mesmo sem as restrições injustificáveis que a lei estabelece para êsse caso particular, vir a aplicar-se indistintamente a tôda a sorte dos efeitos que aqui chamamos de substanciais, derivados da lide procedente.

Tudo quanto a lei atual contém, neste tema, resta, como se vê, esparso, incompleto, confuso e equívoco, enquanto contaminado por ficções perigosas que contrariam os fatos da vida diária.

Só com uma reforma de base sistemática, se poderia conferir ao princípio processual exposto a extensão que o seu escopo importantíssimo está a exigir, para prestígio, e em abono da seriedade do papel do Estado, no desenvolvimento de sua função soberana de distribuir a Justiça.

__________

Notas:

* N. da R.: Conferência proferida na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de João Pessoa, em 11 de agôsto de 1953. Antes de entrar no assunto principal, disse o orador o seguinte:

“Em comemoração à data da fundação no Brasil dos cursos jurídicos, convida-me a Ordem dos Advogados de João Pessoa a pronunciar uma conferência sôbre tema jurídico.

Não havia como recusar tão alta distinção, tão grata oportunidade de um convívio com os meus nobres colegas da Paraíba, desta terra honrada, de tantas tradições de civismo.

A alguns de vós, já era eu unido pela simpatia fraternal de mais de 25 anos, desde os tempos acadêmicos. A outros, pelo contato, na experiência profissional, aqui e no Recife. A todos enfim, conheço eu, pela excelência do conceito de que, justamente, desfrutam na comunidade jurídica brasileira, magistrados, procuradores, advogados e juristas paraibanos, na vida prática e científica do Direito.

No podia eu faltar a êste encontro, marcado para uma palestra sôbre um tema de direito à minha escolha, no seio de gente tão boa, tão nobre e acolhedora. E esta palestra, que começou de fato desde que aqui cheguei, com tanto proveito para mim, na troca livre de impressões sôbre temas de direito que venho mantendo convosco, terminará agora, infelizmente por um monólogo.

Ora, como advogado quero agora aproveitar meu prazo – que, para tranqüilidade vossa, eu vos asseguro, será pequeno – para falar sòzinho.

E ainda neste vêzo de advogado – é que entre tantos temas de direito, desde os mais abstratos, de valor puramente científico, àqueles concretos, que se nos deparam a tôda a hora na vivência do Direito, dou deliberada preferência a êstes últimos.

E dentre êstes, tomo justamente, como assunto da hora, aquilo que mais particularmente aflige e continuará a afligir a nós, advogados no nosso interminável caminho de homens que têm sôbre os seus ombros a tarefa de dar vida ao Direito, e não a de formular teorias.

O tema será sôbre êste mal de todos nós conhecido: o tempo gasto na lide.

I) Normas técnicas para apresentação do trabalho:

  1. Os originais devem ser digitados em Word (Windows). A fonte deverá ser Times New Roman, corpo 12, espaço 1,5 cm entre linhas, em formato A4, com margens de 2,0 cm;
  2. Os trabalhos podem ser submetidos em português, inglês, francês, italiano e espanhol;
  3. Devem apresentar o título, o resumo e as palavras-chave, obrigatoriamente em português (ou inglês, francês, italiano e espanhol) e inglês, com o objetivo de permitir a divulgação dos trabalhos em indexadores e base de dados estrangeiros;
  4. A folha de rosto do arquivo deve conter o título do trabalho (em português – ou inglês, francês, italiano e espanhol) e os dados do(s) autor(es): nome completo, formação acadêmica, vínculo institucional, telefone e endereço eletrônico;
  5. O(s) nome(s) do(s) autor(es) e sua qualificação devem estar no arquivo do texto, abaixo do título;
  6. As notas de rodapé devem ser colocadas no corpo do texto.

II) Normas Editoriais

Todas as colaborações devem ser enviadas, exclusivamente por meio eletrônico, para o endereço: revista.forense@grupogen.com.br

Os artigos devem ser inéditos (os artigos submetidos não podem ter sido publicados em nenhum outro lugar). Não devem ser submetidos, simultaneamente, a mais do que uma publicação.

Devem ser originais (qualquer trabalho ou palavras provenientes de outros autores ou fontes devem ter sido devidamente acreditados e referenciados).

Serão aceitos artigos em português, inglês, francês, italiano e espanhol.

Os textos serão avaliados previamente pela Comissão Editorial da Revista Forense, que verificará a compatibilidade do conteúdo com a proposta da publicação, bem como a adequação quanto às normas técnicas para a formatação do trabalho. Os artigos que não estiverem de acordo com o regulamento serão devolvidos, com possibilidade de reapresentação nas próximas edições.

Os artigos aprovados na primeira etapa serão apreciados pelos membros da Equipe Editorial da Revista Forense, com sistema de avaliação Double Blind Peer Review, preservando a identidade de autores e avaliadores e garantindo a impessoalidade e o rigor científico necessários para a avaliação de um artigo.

Os membros da Equipe Editorial opinarão pela aceitação, com ou sem ressalvas, ou rejeição do artigo e observarão os seguintes critérios:

  1. adequação à linha editorial;
  2. contribuição do trabalho para o conhecimento científico;
  3. qualidade da abordagem;
  4. qualidade do texto;
  5. qualidade da pesquisa;
  6. consistência dos resultados e conclusões apresentadas no artigo;
  7. caráter inovador do artigo científico apresentado.

Observações gerais:

  1. A Revista Forense se reserva o direito de efetuar, nos originais, alterações de ordem normativa, ortográfica e gramatical, com vistas a manter o padrão culto da língua, respeitando, porém, o estilo dos autores.
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  3. As opiniões emitidas pelos autores dos artigos são de sua exclusiva responsabilidade.
  4. Uma vez aprovados os artigos, a Revista Forense fica autorizada a proceder à publicação. Para tanto, os autores cedem, a título gratuito e em caráter definitivo, os direitos autorais patrimoniais decorrentes da publicação.
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