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Revista Forense

CLÁSSICOS FORENSE

CONSTITUCIONAL

REVISTA FORENSE

O Exercício pelos Estados da Atribuição Constitucional de Autorizar ou Conceder o Aproveitamento Industrial das Quedas D’água

CÓDIGO DE ÁGUAS

REVISTA FORENSE

REVISTA FORENSE 157

Revista Forense

Revista Forense

31/01/2023

REVISTA FORENSE – VOLUME 157
JANEIRO-FEVEREIRO DE 1955
Bimestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICARevista Forense 157

DOUTRINA

PARECERES

NOTAS E COMENTÁRIOS

  • Conteúdo Jurídico do Preâmbulo Da Constituição, Alcino Pinto Falcão
  • O Exercício pelos Estados da Atribuição Constitucional de Autorizar ou Conceder o Aproveitamento Industrial das Quedas D’água, A. Junqueira Aires
  • Tratados e Convenções Internacionais sôbre Direito Penal, Roberto Paraíso Rocha
  • Das Ações Possessórias no Âmbito do Direito Trabalhista, Pires Chaves
  • O Crime e o Direito de Resistência, Valdir de Abreu
  • Depoimentos e Testemunhos – Efração da Consciência, W. Vilela de Horbillon
  • Reabilitação, Milton Evaristo dos Santos
  • Da Continuação da Sociedade Comercial com os Herdeiros do Sócio Falecido, Mário Moacir Pôrto
  • Promessa de Venda de Imóvel, Waldemar Loureiro

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

LEGISLAÇÃO

SUMÁRIO: A medida proposta. O preceito constitucional. Por que delegação de atribuições? O Código de Águas e a transferência de atribuições nêle estabelecida. Transferências efetuadas aos Estados de São Paulo e de Minas. Deficiência e ineficácia da legislação. A doutrina do veto presidencial apôsto ao projeto de lei destinado a regular o preceito constitucional. Crítica da doutrina do veto. Quedas d’água que interessam mais de um Estado. O dec.-lei nº 852, que suspendeu as transferências. Atualidade da questão. Ação dos governos estaduais. O alegado monopólio da indústria de energia elétrica pela União, “ex vi” do art. 146 da Constituição. Parecer CASTRO NUNES. Conclusão.

Sobre o autor

A. Junqueira Aires, membro do Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica.

NOTAS E COMENTÁRIOS

O Exercício pelos Estados da Atribuição Constitucional de Autorizar ou Conceder o Aproveitamento Industrial das Quedas D’água

I. A MEDIDA PROPOSTA

* Com a presente indicação se propõe o estudo, pelo plenário do Conselho, dos devidos atos para cumprimento do disposto no art. 153, § 3°, da Constituição.

O anexo anteprojeto de decreto, calcado sôbre as razões e conclusões desta exposição, visa àquela meta e busca oferecer a base preliminar de discussão do problema.1

Declara êle que o Estado de São Paulo passa a exercer a atribuição de autorizar e conceder o aproveitamento de energia hidráulica, dentro de seu território, na conformidade daquele mandamento constitucional. Quando, porém, a energia se destinar a outra unidade federativa, competirá à União outorgar a autorização ou concessão, que se fará, numa e noutra hipótese, segundo as prescrições da lei federal.

A concessão de serviços públicos, a autorização para construir linhas de transmissão, rêdes de distribuição e para o estabelecimento de usinas térmicas, a fiscalização dos serviços e das emprêsas, assim como tôdas as demais atividades de rotina administrativa, referentes à produção, transmissão, distribuição e comércio de energia elétrica, previstas na legislação vigente, passam igualmente à competência do Estado, que deverá exercitá-las com observância da mesma legislação.

As autorizações e concessões deverão ser comunicadas ao Ministério da Agricultura, por ocasião da publicação dos respectivos atos, para transcrição nos registros competentes.

Os recursos para o Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica serão informados e encaminhadas pelo órgão estadual competente.

As reclamações acaso suscitada; com a aplicação do decreto serão dirimidas, após o pronunciamento da autoridade reclamada, pelo presidente da República, quando se tratar de decisão do governador, e nos demais casos pelo ministro da Agricultura ou pelo Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica, conforme a competência de um ou de outro, regulada na legislação vigente.

Quando o aproveitamento da fonte de energia, ou a utilização desta, interessar outro Estado ou o Distrito Federal, caberá recurso do ato de autorização ou concessão e das decisões que ferirem efetivamente aquêle interêsse, observada a instância, e o encaminhamento já antes prescritos.

O Departamento Estadual de Águas e Energia Elétrica enviará, até 30 de novembro, o plano de trabalho para o ano subseqüente, com os projetos e programas de execução previstos, e até 31 de março, o relatório do ano anterior, com indicação dos atos e decisões expedidos e dos serviços realizados, informações das atividades de cada emprêsa, dados financeiros e estatísticos e apreciação geral sôbre a indústria de energia elétrica no Estado.

O espírito que orientou a elaboração dêsse ato e os motivos de ordem constitucional, legal, administrativa e prática sôbre que se funda, estão explanados nos capítulos seguintes.

II. O PRECEITO CONSTITUCIONAL

Dispõe o art. 153 da Constituição que o aproveitamento dos recursos minerais e de energia hidráulica depende de autorização ou concessão federal, na forma da lei. O pensamento constitucional logo adiante, porém, se completa e precisa quando, no § 3°, declara que, satisfeitas as condições exigidas pela lei, entre as quais a de possuírem os necessários serviços técnicos e administrativos, passarão os Estado a exercer, nos seus territórios, a atribuição constante do artigo.

Intervém a União na espécie, portanto, de modo meramente supletivo e provisório, isto é, exerce a prerrogativa de autorizar ou conceder o aproveitamento de energia hidráulica enquanto os Estados não satisfazerem as condições estabelecidas na lei, entre as quais a de possuírem os necessários serviços técnicos e administrativos. Desde que, entretanto, preencham os requisitos legais, se tenham organizado e aparelhado para tal fim e sejam capazes, a prerrogativa, que de direito nêles reside e lhes pertence, passa a ser por êles exercitada.

Não se trata, note-se bem, de delegação de atribuições. Não se delega a outro o que já é do outro. A União não despede si nenhum atributo. Não dá do que é seu. Não renuncia essa ou aquela faculdade ou abre mão de uma regalia, nenhum direito abdica. Não transfere alguma coisa de próprio, permanente, precípuo, qualitativo, que possa reter, – e dispor ou negar. O Estado é que assume o seu desempenho, por imposição do preceito constitucional, uma vez aparelhado e capaz. Inclui, incorpora, entre as suas atividades, aquela função, predeterminada na regra estatutária e orgânica. Cessa então a tutela federal, o suprimento de competência enquanto a unidade federativa não se preparava adequadamente nesse setor especial de trabalho e não dispensava, pois, a proteção do centro.

A competência federal para legislar sôbre águas e energia elétrica (Constituição, art. 5°, XV, alínea 1), sem excluir a legislação estadual complementar (artigo 6°), não quer dizer que a União se tenha reservado o privilégio de autorizar e conceder os aproveitamentos de potencial hidráulico e avocado os respectivos serviços, concentrando-os sob sua autoridade executiva, expelindo as demais pessoas de direito público e monopolizando a indústria da eletricidade, como querem alguns. Se assim fôra, o art. 153, § 3°, ficaria sem alcance e de nenhum efeito possível, transformado em mistificação e sofisma, quando o que ocorre é exatamente o oposto: tôda lei federal que frustrar o dispositivo ou coartá-lo, por inválida, nessa parte, haverá de ser tida.

III. POR QUE DELEGAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES?

Na órbita estadual, isto é, no Compartimento federativo e geográfico indicado, localizou a Lei Magna a alçada sôbre o fenômeno, implantou-a na posição justa, sôbre o terreno e dentro dos fatos, ao pé da questão atual, direta, sensível, contígua. Situou ali a investidura, constituiu-a no Estado, sujeita apenas à existência de meios para materializar-se.

Onde, pois, a figura da delegação?

Como conciliar a locução os Estados passam a exercer com a liberalidade revogável da transferência de atribuições, o ato de vontade e de confiança da delegação?

Não se delega a outro o que já é do outro, escuse-se a repetição. Ninguém dá o que não tem ou que guarda apenas para entregar ao dono quando êste o reclame.

A permissão de cometer ou não ao govêrno estadual uma prerrogativa e de substabelecer nêle, facultativamente, um atributo, concedendo-o, negando-o, favorecendo-o ou reduzindo-o, se expressaria na Constituição de outro modo. Quem passa a exercer algum direito, logo que implemente os requisitos da lei, não depende, para isso, da graça de outrem, do favor alheio. Tampouco recebe uma incumbência, uma embaixada, nem procede a mando ou por delegação de alguém, como se estivesse em seu lugar, e a missão pudesse ser retraída ou cassada.

Para que aquela competência se integre, todavia, na pessoa do Estado, deve êle satisfazer às condições a que alude o § 3°. Condições que o Estado deve satisfazer, como postula o versículo constitucional, não fórmulas de restrição daquele exercício, que tolham, amesquinhem ou desmembrem a prerrogativa, enfraquecendo-a e fracionando-a com distinções caprichosas. A concessão federal, regulada e delimitada na lei federal e de que haure ela o qualificativo, passa, pelo § 3º e tal como é, à autoridade do Estado, desde que preencha êste as condições da mesma lei, possua a aptidão e os predicados exigidos.

IV. O CÓDIGO DE ÁGUAS E A TRANSFERÊNCIA DE ATRIBUIÇÕES NÊLE ESTABELECIDAS

Previu o Cód. de Águas, promulgado alguns dias antes da Constituição de 1934, nos arts. 191 a 194, a transferência aos Estados das atribuições conferidas à União no seu texto. Deviam êles possuir os serviços convenientes e ali taxativamente enumerados. A requerimento do govêrno local, expedir-se-ia o ato de transferência, depois de verificar o Departamento Nacional de Produção Mineral se as exigências do Código estavam cumpridas. Exerceriam os Estados as atribuições transferidas sôbre tôdas as fontes de energia hidráulica, excetuadas (art. 193):

a) as existentes em cursos do domínio da União;

b) as de potência superior a 10.000 kw;

c) as que, por sua situação geográfica, pudessem interessar a mais de um Estado, a juízo do govêrno federal;

d) aquelas cujo racional aproveitamento exigi-se trabalhos de regularização ou acumulação, interessando mais de um Estado.

Perderiam o direito de exercer as atribuições transferidas quando, por qualquer motivo, as administrações estaduais não mantivessem, devidamente organizados, a juízo do govêrno federal, os serviços estatuídos na lei.

V. TRANSFERÊNCIAS EFETUADAS AOS ESTADOS DE SÃO PAULO E DE MINAS

Pelos decs. ns. 272, de 6 de agôsto de 1935, e 584, de 14 de janeiro de 1936, delegou a União, aos Estados de São Paulo e de Minas Gerais, competência parra autorizar e conceder o aproveitamento industrial de quedas d’água e energia hidráulica.

São atos pràticamente idênticos. Vale a pena rememorar o teor de um dêles:

“O Presidente da República, etc.:

Considerando que o Estado de São Paulo já organizou os serviços técnicos e administrativos julgados necessários ao exercício da atribuição conferida ao govêrno federal pelo artigo 119 da Constituição;

Considerando que o Departamento Nacional de Produção Mineral do Ministério da Agricultura, pelo Serviço de Águas, diretamente inspecionou a organização e o aparelhamento técnico de tais serviços, concluindo por julgá-los plenamente satisfatórios, pelo que, nos têrmos do § 3° do artigo 119 da Constituição, àquele Estado deve ser transferida a atribuição acima mencionada;

Considerando que o dec. nº 24.643, de 10 de junho de 1934, Código de Águas, lei federal aplicável na espécie, indica, pelo art. 119, os casos em que tal atribuição não pode ser transferida;

Considerando, porém, que, ainda nos ditos casos, convém que se evitem os inconvenientes resultados da dualidade de serviços pertinentes ao aproveitamento de quedas d’água e à distribuição de energia elétrica para consumo público e privado;

Considerando que o § 1° do artigo 5° da Constituição federal faculta executar, por funcionários do Estado, mediante acôrdo com os respectivos governos, seus atos, decisões e serviços;

Decreta:

Art. 1° Fica delegada ao Estado de São Paulo, enquanto satisfizer as condições estabelecidas em lei e possuir os serviços técnicos e administrativos julgados necessários, a competência para autorizar e conceder o aproveitamento industrial de quedas d’água e de energia hidráulica, a que se refere o art. 119 da Constituição.

Art. 2° A delegação abrange o exercício de tôdas as atribuições conferidas à administração federal pelo dec. nº 24.643, de 10 de junho de 1934, sob reserva da disposto nos §§ 1º e 2º do art. 193, inclusive o das relativas ao encaminhamento dos pedidos atinentes às concessões ressalvadas pelas alíneas a, b, c e d do citado artigo, desde que destinadas à distribuição de energia sôbre o território do Estado.

Parág. único. O Ministério da Agricultura transferirá, por acôrdo, na sua forma do § 1º do art. 5º da Constituição, ao Estado de São Paulo, a execução dos atos, decisões e serviços de fiscalização que se relacionarem com as concessões acima ressalvadas, no convênio regulando a distribuição das taxas criadas pelo dec. nº 24.673, de 11 de julho de 1934.

Art. 3º Revogam-se as disposições em contrário”.

O acôrdo previsto no parág. único do art. 2º foi celebrado em 16 de setembro de 1935 e veio a ser aprovado pelo dec. legislativo n° 16, de 1º de agôsto de 1936. Igual convênio com o Estado de Minas data, de 24 de janeiro de 1936, homologado pelo dec. legislativo nº 35, de 3 de novembro de 1936.

Diz a resolução legislativa referente a São Paulo:

“Art. 1º É aprovado o acôrdo celebrado, em 16 de setembro de 1935, entre o govêrno federal e o do Estado de São Paulo, para a execução, no território daquele Estado, do Código de Águas, revogadas as disposições em contrário”.

VI. DEFICIÊNCIA E INEFICÁCIA DA LEGISLAÇÃO

O convênio aprovado por decreto legislativo, – frise-se bem essa circunstância, que demonstra até onde levou, já naquela época, a convicção da ineficácia e da deficiência da existente, a ponto de legislar-se “ad hoc” a fim de superar o impasse, – é para execução do Código de Águas, no território do Estado. Buscou-se, através dêsse subterfúgio, atenuar e mitigar a imprevidência da lei, a excetuação discriminatória e artificial expressa no art. 193, alíneas a e b, sem assento constitucional para prevalecer, sem razão prática e sem base nos fatos, apriorística e arbitrária, corrigir tanto quanto possível a dualidade e o conflito armado em seu texto.

Os decretos de transferência, como se viu do teor transcrito, justificam, em seus consideranda, porque não se puderam ater às fronteiras do Código e se viram na contingência de transpô-las, ultrapassando os poderes ali transferíveis, bem como, para obviar aos defeitos da lei, completá-la e supri-la, porque recorreram à celebração do acôrdo, facultado no art. 5º, § 1°, da Constituição.

Ressalva o art. 193 os casos em que a atribuição não pode ser transferida; ainda nestes casos mister se torna evitar os inconvenientes resultados da dualidade de serviços; faculta, ao govêrno federal, o art. 5°, § 1°, da Constituição, fazer executar, por funcionários do Estado, seus atos, decisões e serviços. E à luz dessas considerações, conclui o art. 2°, parágrafo único, do decreto em análise, por mandar transferir, mediante acôrdo, a execução dos atos e serviços relativos às concessões ressalvadas.

Tal o expediente empregado para sanar a dificuldade e moderar a orientação absorvente da lei.

Elucidativo é o episódio.

Quando houve de aplicar-se o Código de Águas, neste capítulo, para transferir aos Estados de São Paulo e de Minas, não só a prerrogativa constitucional, como também as atribuições ali disciplinadas, ficou a impropriedade do instituto positivada e patente, e se teve de recorrer á fórmula extralegal de um convênio para compreender e totalizar aquilo que não podia ser dividido, desmembrado e seccionado. Preciso se tornou usar de outro meio extraordinário e flanquear, através da Constituição e de novo ato legislativo, a confinada estreiteza da disposição.

Já em 1935 e 1936, portanto, nos albores da legislação especializada sôbre águas e energia elétrica, ante o primeiro caso concreto de participação dos Estados ro esquema legal e administrativo previsto, já naquele tempo, insofismável se definiu a inconveniência da dualidade de serviços e relegada ficou a concepção discriminatória que aferrolhava, no fundo de um cofre, para misteriosos desígnios, decisões intangíveis.

Se naquela ocasião os fatos saltaram à vista, que dizer de hoje, com a urgência que o problema assumiu, a gravidade que apresenta para a economia de várias regiões do país, a extensão que ganhou, – e a experiência de longos anos de centralização, sob mais de um aspecto, remota, formal e estéril?

VII. A DOUTRINA DO VETO PRESIDENCIAL APÔSTO AO PROJETO DE LEI DESTINADO A REGULAR O PRECEITO CONSTITUCIONAL

Pretendeu a Câmara dos Deputados, em 1935, modificar o critério restritivo do art. 193 do Cód. de Armas com o projeto de lei nº 384-A, daquele ano.

Vetou-o o presidente da República e a opugnação presidencial veio a ser depois aprovada e aceita pela Assembléia.

Cabe lembrar que o art. 153, § 3°, da Constituição de 1946, é pràticamente igual à prescrição congênere da Constituição de 1934, art. 119, § 3º. Quanto diz o veto sôbre o preceito extinto, pode aplicar-se à regra vigente.

A doutrina ali firmada, que fundamenta a recusa de sanção ao projeto votado pelo Legislativo em 1935, diverge das opiniões e juízes aqui emitidos. Ao contrário do que se asseverou nesta exposição, sustenta o chefe da Nação a vigência escorreita dos arts. 191 a 194 do Cód. de Águas e sua conformidade constitucional.

Em que pêse à autoridade da, contradita, ousa o signatário persistir na defesa da tese adversa, reconhecendo embora a procedência inconteste de algumas razões argüidas no documento para que a União conserve a supervisão do problema.

Dignos de destaque, para confronto dos objetivos em mira nesta indicação e cotejo das reflexões e motivos que a inspiraram, são os trechos seguintes:

“Em relação ao aproveitamento industrial das quedas d’água há a distinguir:

“a) as existentes em cursos do domínio da União”;

“b) as de potência considerável”;

“c) as que possam interessar a mais de um Estado, seja por sua situação geográfica, seja por obras de regularização e acumulação exigidas por seu racional aproveitamento”.

“Competindo privativamente à União a gestão dos bens do seu domínio, a transferência dessa atribuição para o Estado deverá proceder-se mediante acôrdo especial, conforme se tem feito, e não de modo geral, como implìcitamente se dispõe no projeto”.

“As quedas d’água existentes nos territórios dos Estados, em cursos do domínio da União, devem ter o aproveitamento dependente de concessão federal, ainda que processada segundo as normas estipuladas nos convênios para êsse fim firmados entre o govêrno federal e o govêrno estadual”.

“……………………………………………………………………………………………………….

“O. Cód. de Águas estabeleceu 10.000 kw como limite de potência para as quedas d’água em condições de satisfazerem a êsse requisito e subordinou-as ao govêrno federal”.

“Êsse limite não é absoluto e pode, oportunamente, ser modificado num ou noutro sentido, se assim o exigirem os interêsses gerais ou locais, mas o princípio, que é constitucional, deverá ser mantido e não eliminado, como resulta do projeto”.

“Finalmente, as quedas d’água, consideradas bens patrimoniais da coletividade nacional, devem atender às necessidades das populações e do desenvolvimento industrial dos territórios ao alcance dos seus raios, independentemente das linhas lindeiras que vinculam as diversas unidades da federação”.

“A situação geográfica ou a natureza das obras a executar para seu racional aproveitamento justifica a sua conservação sob a competência federal, única capaz de conciliar a possível divergência de interêsses dos Estados em causa”.

“Essa supervisão do govêrno federal muito contribui para estreitar os laços de fraterna união a existir entre os diversos Estados e empresta considerável vigor à própria comunhão nacional”.

“Releva, ainda, considerar que muito concorrerá para a máxima utilização técnica das condições fisiográficas de cada fonte de energia”.

VIII. CRÍTICA DA DOUTRINA DO VETO

Já FRANCISCO CAMPOS (“Pareceres”) não pensa do mesmo modo quando afirma, de referência à norma constitucional de 1934:

“Assim, a autorização para a aproveitamento de minas e quedas d’água situadas no limites territoriais dos Estados, só será dada pela União enquanto não votada a lei que prescrever as condições mediante as quais poderão os próprios Estados concedê-las, ou ainda depois de votada a lei, mas, neste caso, tão-sòmente nos Estados que não satisfizerem as condições nela estipuladas”.

“A própria Constituição reconhece, pois, que, em última análise, a competência para autorizar a exploração ou aproveitamento das minas e quedas d’água localizadas nos territórios estaduais, deve caber aos Estados, à União ficando apenas reservada a competência de prescrever, em lei especial, as condições que os Estados devem satisfazer para poderem entrar no pleno exercício de sua jurisdição sôbre as riquezas naturais a que ela se refere”.

A apreciação do emérito jurisconsulto parece talhada ao debate. O texto constitucional não comporta aquela distorção de propósito que a sustentação do veto lhe atribui. A autorização só será dada pela União enquanto não votada a lei que prescrever as condições mediante as quais poderá o próprio Estado outorgá-la, ou na hipótese de não satisfazer o Estado as condições estipuladas. Reconhece a Constituição que cabe ao Estado a competência para autorizar o aproveitamento de quedas d’água, ficando apenas reservada à União a competência de prescrever as condições que os Estados devem satisfazer para entrar no pleno exercício de sua jurisdição. Tal é o parecer do ilustre mestre.

Desempenhar, tìmidamente, por delegação, incumbências mutiladas e circunscritas, sob censura, não corresponde ao conceito de entrar no pleno exercício de sua jurisdição.

Nos capítulos II e III dêste trabalho, procurou-se apreender e interpretar o intuito e o espírito da Lei Magna, que, em 1946, como em 1934, não plantou a União num círculo hermético com a chave de tôdas as portas.

Irrelevante se afigura a argumentação do veto quanto às quedas d’água existentes em cursos do domínio federal ou de potência superior a 10.000 kw.

Até hoje não atinou o autor desta indicação qual o proveito de distinguir e classificar os rios: federais, estaduais – e até municipais, como ocorria ainda há pouco, antes do advento da Carta de 1946 (Cód. de Águas, art. 29; Constituição, arts. 34 e 35). Onde a diversificação real, a vantagem, a consistência, o efeito e o resultado de pertencer o rio à União ou ao Estado? Em que diferem efetivamente? Qual o interêsse e o propósito da bipartição? Por que destacá-los em categorias políticas confrontes, como se estivessem sujeitos a destinos à parte e duas ordens de fatos inconfundíveis?

Correntes navegáveis importantes, caudalosas, de nítida feição nacional, confluindo de imensas áreas, essenciais à existência das populações e à ocupação do território, podem não lograr acesso à dignidade federal, enquanto míseros córregos sem nome, num decisão de terra perdida, quando cruzem a divisa interestadual, por mais ínvia e remota, gozam da preservada hierarquia.

Para não citar senão ao acaso os mais conhecidos, são rios estaduais, em São Paulo: Tietê e Aguapeí; no Rio Grande do Sul: Jacuí e Camaquan; em Minas: Velhas, Paracatu e Paraopeba; no Ceará: Jaguaribe e Acaraú; no Maranhão: Mearim e Itapicuru; na Bahia: Paraguaçu, Grande, Verde, Corrente e Contas; em Santa Catarina: Itajaí, Canoas e Xapecó; no Paraná: Tibagi, Ivaí e Pequiri; em Pernambuco: Capiberibe e Ipojuca; no Rio Grande do Norte: Apodi e Açu; em Goiás: Meia-Ponte e Corumbá; em Mato Grosso: São Lourenço e Aquidauana; na Paraíba: Paraíba e Mamanguape; no Piauí: Canindé e Gurguéia; em Alagoas: Coruripe e Camaragibe; no Pará: Trombetas e Jacundá; no Amazonas: Jutaí, Coari e Codajaz. Bacias dessa magnitude e vales tão profundamente marcados na geografia e na história do país, em sua fisionomia política, econômica e física, linhas dorsais de povoamento e de vida, podem ficar, sem receio, na alçada regional, ao passo que cursos d’água inexpressivos ocasionam o intervencionismo central e o impedimento da autonomia do Estado, que é, em suma, no que importa a discriminação de competência aqui combatida.

Vaga e fluida, além disso, sôbre postiça e vã, e a classificação, incertos seus critérios, hipotética, freqüentemente, a diferenciação entre rios principais e afluentes, mal conhecida a hidrologia de extensas regiões, escassamente estudadas inúmeras bacias.

É num campo tão duvidoso e tão falho de averiguações, tão necessitado da ação de quem está próximo, ao pé, à vista, presente, sob a pressão dos fatos, que o veto recusa compartilhar com os Estados o exame, sem dubiedades constrangedoras, do problema, e a atribuição de autorizar o aproveitamento de águas, que não se sabe a rigor, mais de uma vez, sob que jurisdição recaem.

Que grave impedimento é êsse que se ergue sôbre circunstâncias tão movediças e arbitrárias e por que não pode o Estado dentro de seu território, autorizar, segundo as regras e os cânones da lei federal, o aproveitamento de águas públicas, de uso comum, do domínio da União? Onde está a anomalia e o contra-senso?

Se o parágrafo constitucional não ressalvou a hipótese e, pelo contrário, generalizou sem reserva a atribuição e abrangeu-a em sua plenitude, lícito será ao intérprete retalhá-la e despojá-la?

Não se admite que o Estado autorize ou conceda a utilização de um bem do domínio público, pertencente à União, mas esta pode fazê-lo, livremente, em relação ao aproveitamento de águas públicas, do domínio do Estado, – e só a recíproca é inquinada de despautério jurídico.

Adverte o veto que, competindo privativamente à União a gestão dos bens do seu domínio, a transferência para o Estado da perigosa franquia deverá proceder-se mediante acôrdo especial.

Se é privativa a competência, como deferi-la a outra pessoa, pouco importa o meio escolhido, se o mesmo o resultado?

E por que não fazê-lo por via de lei? Não se esclarece a vantagem de uma solução sôbre a outra. Em que purga o acôrdo aquela malsinação de origem e como se explica que, quando transferida por acordo, a competência já não seja privativa e outro possa exercitá-la no melhor dos mundos?

Aquilo que se condena aqui, em tese, fica sanado, adiante, por um mero artifício de forma?

São perguntas que repontam, à primeira vista, da leitura do documento.

Propugna-se a retificação de um equívoca, mas não se demonstra êsse equívoco.

Note-se que domínio a gerir, na acepção empregada pelo veto, de patrimônio a administrar ou explorar, inexiste no caso.

Poder-se-ia afirmar, com os mais qualificados estudiosos, que a jurisdição exercida sôbre os rios, nela União ou pelos Estados, não se confunde com a gestão de bens do seu domínio.

Parece desnecessário insistir, entretanto, sôbre as revelações inconcludentes do veto.

Nenhuma razão legítima milita em favor da pretensa salvaguarda, pela União, da competência de autorizar e conceder o aproveitamento de água de seu domínio, ou melhor, de sua jurisdição. Nenhuma razão e nenhum interêsse.

Quanto às fontes de energia de potência superior a 10.000 kw, é a própria declaração presidencial que confessa o que há de aleatório, convencional e suscetível de reforma, de variação e de mudança, na prefixação do quantitativo.

Hoje, com efeito, carece aquêle potencial de significação. E desarrazoado seria mantê-lo.

Cumpre observar, de resto, que um aproveitamento da ordem de 5.000 kw, por exemplo, pode prejudicar a utilização de potencial muitas vêzes maior, no mesmo trecho do curso d’água, sacrificando-o.

Não é nessas referências que o problema se coloca, nem aquela grandeza da sentimento representa a medida para avaliá-lo.

IX. QUEDAS D’ÁGUA QUE INTERESSAM MAIS DE UM ESTADO

As quedas d’água que, segundo a justificação do veto, possam interessar mais de um Estado, quer pela sua situação geográfica, quer pelas obras de regularização e acumulação exigidas para seu racional aproveitamento, merecem, estas sim, distinção e tratamento legal adequado.

Os Estados passarão a exercer, nos seus territórios, a atribuição constante dêste artigo, – reza o art. 153, § 3°. O aproveitamento de energia hidráulica fora de seu território, ou de utilização compartida entre duas ou mais unidades da federação, não recai no âmbito e no rigor daquela regra e deve ser garantido e atendido.

Nesta hipótese a ressalva da competência federal parece forçosa. O aproveitamento não se confina nas fronteiras do Estado e transcende os negócios de sua economia e a área de sua jurisdição. Ultrapassam o perímetro da sua alçada os serviços de transmissão, transformação, distribuição e comércio de energia. O uso e o consumo da corrente produzida escapam da possibilidade de seu controle e dos limites de sua ingerência. Interfere então o poder central, unitivo, harmônico, que coordena e vincula a federação. Aquela competência supletiva, protetora, anterior à emancipação dos Estados já adultos, e subsistente para os demais, que o art. 153 da Constituição lhe reservou, aquela capacidade matriz prevalece e soluciona os problemas emergentes.

Não é outra a norma inscrita na disposição constitucional do art. 5º, XII:

“Art. 5° Compete à União:

…………………………………………………………………………………………….

XII, explorar, diretamente ou mediante autorização ou concessão, os serviços etc… de vias férreas que liguem portos marítimos e fronteiras nacionais e transponham os limites de um Estado”.

“Quando se fala na utilização compartida de energia hidráulica entre duas ou mais unidades da federação, não se quer dizer, evidentemente, que a União atraía, para a sua competência, ou vá imiscuir-se na decisão de questões internas, os atos de rotina relativos a entidades que já fornecem ou venham a fornecer eletricidade a zonas fronteiriças de Estados vizinhos, ou que interliguem seus sistemas com outras emprêsas fora do território estadual. Se assim fôra e a alçada da União se restabelecesse, generalizadamente, em tais circunstâncias, breve não mas haveria de novo assuntos da jurisdição estadual, e aquela, inconveniente dualidade de serviços, já indigitada e aludida em 1935 e 1936, nos decretos de transferência de atribuições então baixados, passaria a reimplantar-se.

Os ramais ferroviários concedidos pelas antigas Províncias ou pelos Estados, dentro de seus territórios, e que vieram depois a integrar as grandes rêdes e troncos interestadual como na Leopoldina, Sorocabana, Mogiana, etc., não perderam por isto aquêle vínculo, nem deixaram de subordinar-se ao poder concedente local, sem prejuízo do capei nacional que passaram a desempenhar.

X. O DEC.-LEI Nº 852, QUE SUSPENDEU AS TRANSFERÊNCIAS

A transferência de atribuições aos Estados de São Paulo e de Minas, pelos atos, acôrdos e decretos legislativos já mencionados, veio a suspender-se com o dec.-lei nº 852, de 11 de novembro de 1938.

O regime de 1937, que determinantes históricos e sociais explicam, numa das mais críticas fases de transição da vida nacional e da existência dos povos, teve, naturalmente, índole unitária e centralizadora, como impunham as circunstâncias e os acontecimentos.

Esta inevitável absorção de poderes haveria de imolar, como imolou, tôda expressão de espontaneidade e de autonomia das fôrças regionais ou pudesse ameaçar ou obscurecer a autoridade do centro.

A legislação sôbre águas e energia elétrica que então se promulgou é típica dêsse estado de espírito e, ciosa e exclusivista, cassou aos Estados e Municípios qualquer participação no problema.

Chamou-se ela de complementar do Cód. de Águas, mas, na verdade, o que fêz, neste como noutros capítulos, foi revogá-lo e truncá-lo.

XI. ATUALIDADE DA QUESTÃO

Com a Carta Magna de 1946 e a constitucionalização dos Estados, retornou à discussão o exercício da prerrogativa de autorizar ou conceder o aproveitamento de energia hidráulica, a instalação de usinas térmicas e a distribuição de energia, bem como de presidir, no território do Estado, a aplicação do Cód. de Águas.

Não propuseram a questão, de modo formal, até agora, os Estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul, que já possuem serviços técnicos e administrativos organizados, providos das necessárias instalações e elementos de trabalho, como testemunhou o Conselho nas visitas ali realizadas, nem Minas Gerais e o Estado do Rio, que poderão aparelhar-se a qualquer momento, pelo receio do rígido e opressivo molde do Cód. de Águas, lá agora, além de tudo, anacrônico neste particular, obsoleto, ultrapassado, e sem mais o adminículo do convênio a que se recorreu, em 1935 e 1936, para suplementar suas mofinas disposições, o que a Constituição vigente não permite.

A duplicidade inconveniente de serviços que os decretos de transferência já naqueles anos assinalavam, a imprecisão das divisas de autoridade e jurisdição, a flutuação de atribuições, a litigiosa área de ingerências e de atritos, a falta de sistema, haveriam de gerar perturbações e antagonismo, ou retraimento e inércia. Sem qualquer base lógica e prática, segundo se viu, a discriminação entre quedas d’água situadas em rios federais ou em rios estaduais: incongruente e arbitrária a faixa de 10.000 kw para delimitar as zonas de competência da União ou do Estado; destituída de realidade, conforme se mostrou, a reparação entre atribuições transferíveis e atribuições incomunicáveis: – não seria o interêsse superior da questão que iria dirimir com sua presença e sua clareza, as dúvidas que se suscitassem, mas a irredutibilidade de pontos de vista e a reivindicação pessoal de predomínio, e de mando, dentro da comissão integral que apresenta o problema.

Daí por que não reclamem êles a prerrogativa, assim mutilada e dúbia.

Desejam, necessitam e devem, entretanto, exercê-la, exercê-la corretamente, e incumbir-se, no seu território, dos negócios de energia elétrica.

Restritíssima e absolutamente deficiente é a organização dos serviços federais, – ninguém ousará negá-la e a confissão deve partir de quantos nela mourejam e sentem que a ação do poder público está desarticulada e inexiste, desfalcada de tudo.

Nula ou quase nula a fiscalização dos serviços e das empresas, ausente a assistência técnica e legal da União. Paraíso de irresponsabilidade, já chamou, com acerto, publicista ilustre ao regime de eletricidade no país.

Provida, embora, de pessoal decente e capaz, não dispõe a Divisão de Águas, dos mais rudimentares elementos de trabalho para arcar com a grandeza da tarefa. É um organismo minguado e sacrificado, sem recursos, sem movimentos, sem ação regional, sem contextura efetiva e adequada. Simples divisão de um departamento preocupado por outros assuntos e quiçá por pesquisas mais sedutoras, num Ministério que cuida de coisa diversa, dominado par homens de profissão e mentalidade diferentes, falando outra língua, interessados em outros conhecimentos e fatos, com a paixão de sua especialidade, atraídos para fora e para longe da acidental divisão que ali ficou.

Nem se imagine que jamais possa ela lograr a estrutura, a importância, as instalações e os instrumentos de atividade de que carece para cobrir os encargos que lhe designaram, num país imenso, de comunicações difíceis, onde são incipientes os estudos hidrológicos, com inumeráveis cidades e vilas que têm ou precisam ter eletricidade, mais de milhar e meio de entidades a fiscalizar e tomar conta, dois milhares de usinas geradoras, com tudo por fazer, ordenar, sistematizar, um mundo a esmo para dar forma e sentido. Nem a solução é essa, pretensiosa e aparente, sob pena de a hipertrofia federal estrangular a nação, empecer as iniciativas e abafar vida local.

Ficto, simbólico e suposto se tornou o regime legal das emprêsas de eletricidade, serviço adequado, determinação do capital, remuneração do investimento, fiscalização técnica e contábil, controle de exploração, revisão dos contratos, serviço pelo custo, constituição de fundos de reserva, execução dos projetos aprovados, cumprimento das obrigações da concessão, prazos, tarifas, etc.

Insensato seria, diante disso, recusar aos Estados o lugar e a posição que a Lei Magna lhes indigitou.

E que os fatos impõem.

Sem demora.

XII. AÇÃO DOS GOVERNOS ESTADUAIS

O govêrno gaúcho fez elaborar e executar um plano de eletrificação de grande envergadura e de relevante alcance para a economia e o progresso do Estado. Também a atual administração mineira traçou seu programa de trabalho sôbre o binômio Energia-Transporte, e empreende vultosas obras de aproveitamento do potencial hidráulico. O Estado de São Paulo promova realizações semelhantes, de menor porte, é certo, ante o deficit de energia que ali aflige as atividades produtoras. Espírito Santo, Bahia, Goiás, Santa Catarina, Pará, Amazonas, Estado do Rio, devotam ao problema atenção e recursos. Incipiente ou não, a ação dos poderes locais procura recobrar o tempo perdido à espera do centro e suprir de energia que falta às instalações existentes. Enquanto isso, a União ataca apenas Paulo Afonso e alguns outros aproveitamentos menores no São Francisco.

Essa é a linha dos fatos e mostra de que lado se acha a chave da questão.

XIII. O ALEGADO MONOPÓLIO DA INDÚSTRIA DE ENERGIA ELÉTRICA PELA UNIÃO, “EX VI” DO ART. 146 DA CONSTITUIÇÃO

Não é a indústria da energia elétrica monopólio da União, consoante alegam ao dêles que propugnam a manutenção do statu quo.

Em primeiro lugar, a decretação de um monopólio depende de lei especial que o declare expressamente. Não se induz ou se presume, nem invocá-lo, meramente, convalesce atos eivados de exorbitância. Não há essa lei. Onde está o provimento legislativo indispensável que estatua o pretendido monopólio? Ninguém o diz, mas aquêles intérpretes querem enxergá-lo no pensamento de artigos contraditórios da esparsa e ocasional legislação crie se seguiu ao Cód. de Águas, legislação eminentemente discricionária, com a preocupação de manter vários poderes, à disposição, menos para usá-los do que para enfeixá-los e impedi-los, extremes de outras influências, selados e incólumes.

Ânimo de excluir e absorver pode vislumbrar-se em mais de um texto legal, isto, porém, não se confunde com intervenção no domínio econômico e com o monopólio de determinada indústria ou atividade, tendo por base o interêsse público e por limite os direitos fundamentais assegurados na Constituição (artigo 146).

Sôbre a medida de exceção e de emergência ali consagrada não é lícito erigir um sistema permanente, a estabilidade e a duração de institutos regulares, a ação normativa habitual sôbre fenômenos sociais continuados, cotidianos e previstos, a rotina comum da administração e do govêrno.

Se vingasse o artifício, a partilha de responsabilidades e encargos entre os poderes perderia a segurança, e, por êsse mecanismo universal, tôdas as usurpações se tornariam legítimas.

A União poderia invadir tôda hora a esfera do Estado e quebrar cada instante o regime federativo, à luz dessa perigosa preliminar e sob a escusa de semelhante intervenção.

Não pode o artigo ter o dom de anular a competência dos Estados, proscrevê-la, destruir a própria estrutura orgânica da nação, configurada na Lei Suprema, cassar os poderes que aí se distribuem e conjugam, ab-rogar princípios, submergir no homogêneo indistinto e no caos originário.

Valeria a pena ter concebido e arquitetado, com tamanha discussão e trabalho, o arcabouço da federação e da República, se um dispositivo de intervenção econômica na ordem privada, – note-se bem, na ordem privada, – e, ainda assim, com a ressalva dos direito, fundamentais assegurados na Constituição, viesse frustrar e subverter a proporção, o equilíbrio e o jôgo das dimensões e das fôrças que ali se representam?

XIV. PARECER CASTRO NUNES

Fulmina o eminente ministro CASTRO NUNES, com límpidas palavras, a estranha tese e o renitente equívoco.

Da longa e interessantíssima apreciação publicada na “Rev. de Direito Administrativo”, vol. 26, págs. 385 a 403, extraem-se as passagens seguintes:

“Mas o de que se trata no art. 146, está definido como intromissão no domínio econômico, como avocação pelo Estado (União) de determinada indústria ou atividade (econômica), que se pressupõe exercida, não pelo Estado ou suas subdivisões, mas pelos particulares, e que à atividade privada se subtrai, em nome do interêsse público”.

“……………………………………………………………………………………………………

“A intervenção, di-lo o texto, terá por base o interêsse público e por limite os direitos fundamentais assegurados nesta Constituição”.

“Interêsse público está aí, evidentemente, em contraposição a interêsse privado; o que se restringe ou remove para atender ao interêsse público, é a atividade privada no domínio econômico intervindo”.

“Ora, o interêsse público já está atendido em se tratando de serviço a cargo dos poderes públicos, inclusive os locais. Se êstes os organizam, administrando-os diretamente, ou por concessão, não se vê como possível contrapor ao interêsse público, que nêles se reflete, outro interêsse público, de alheia órbita constitucional, federalizando-os ou nacionalizando-os”.

“…………………………………………………………………………………………………….

“Toca às raias do absurdo pretender-se que, estando a União autorizada a intervir no domínio econômico (subordinado, aliás, o uso de tão melindrosa intervenção à condição expressa de o fazer mediante lei especial, qualificativo de que não usou o constituinte no enunciado de outros incisos de idêntico teor), possa o govêrno federal intervir no funcionamento de serviços locais, sob o argumento de que, em sendo de natureza industrial tais serviços, está ao alcance da União dirigi-los, administrá-los, avocá-los”.

“……………………………………………………………………………………………………..

“O art. 146 supõe, de seu natural, a intervenção econômica, em casos outros que não os prefigurados ou particularizados”.

“Não fôra assim e bastaria o art. 146 para tôdas as hipóteses, ficando sem conteúdo os outros dispositivos.

“Relativamente à indústria elétrica e aos serviços públicos com ela relacionados, os dispositivos constitucionais correspondentes são os dos arts. 151, 152 e 153, nos quais se contém, na medida julgada necessária pelo constituinte, o interêsse público que êles refletem”.

“……………………………………………………………………………………………………

“A faculdade atribuída à União (artigo 146), para monopolizar determinada indústria ou atividade, supõe a exploração privada, não os serviços públicos industriais, explorados ou executados pelos poderes locais, diretamente ou por concessão”.

XV. CONCLUSÃO

Nada impede ou contra-indica, portanto, pelo contrário, tudo aconselha e reclama que os Estados, com os necessários serviços técnicos e administrativos, já organizados, passem a exercer, na forma constitucional, dentro de seus territórios, a prerrogativa de autorizar e conceder o aproveitamento de energia hidráulica e usem, consectàriamente, das atribuições conferidas à administração pública pelo Cód. de Águas e leis subseqüentes.

Consubstanciam êsse objeto os anexos anteprojetos de decreto, para o Estado de São Paulo e, mutatis mutandis, para o Estado do Rio Grande do Sul.

Não padece dúvida, nem há como obscurecê-lo, que o teor constitucional merece regulação por via de lei e que o Código de Águas, e diplomas complementares necessitam de revisão e atualidade. Palpitante é o assunto, e de premência se tornaram as soluções ligadas à indústria de energia elétrica.

Por isso mesmo não se deve esperar o amanhã incerto de uma nova lei sôbre eletricidade para fazer-se aquilo que as circunstâncias apontam e os acontecimentos exigem. Nem excede de sua esfera o ato executivo alvitrado. A competência reservada à União nos anteprojetos para autorizar ou conceder o aproveitamento, quando a energia se destinar a outro Estado, encontra apoio no próprio preceito estatutário. A atribuição consignada no art. 153, § 3º, é para o Estado autorizar ou conceder o aproveitamento de energia hidráulica, no seu território. Se a energia aproveitada se destina a outro Estado, a ingerência federal parece perfeita. Dêsse raciocínio decorrem as demais regras conexas que figuram nos padrões propostos. São também conservados os recursos para o Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica, nem pode o ato executivo postergá-los, fórmulas e garantias que são do funcionamento do sistema legal vigente.

A aplicação do decreto suscitará, eventualmente, reclamações e deve prever-se o processo de dirimi-las. Provê nesse sentido o art. 7º da minuta.

Tal é a medida lembrada. O Conselho resolverá como fôr mais acertado e justo.

A. Junqueira Aires, membro do Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica.

_____________

Notas:

* N. da R.: Indicação apresentada ao Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica.

1 Anteprojeto

Decreto nº ………………. de ………………… de …………………..

Declara que o Estado de São Paulo passa a exercer a atribuição do art. 153 da Constituição e 415 outras providências.

O presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o art. 87, inciso I, e perante o disposto no art. 153 § 3º, da Constituição:

Considerando que o Estado de São Paulo já organizou no setor de aproveitamento do potencial hidráulico, os serviços técnicos e administrativos devidos para o exercício da atribuição constitucional prevista no art. 153;

Considerando que o órgão local de energia elétrica se acha convenientemente aparelhado e possui os necessários requisitos para corresponder àquela finalidade e desempenhar a incumbência:

Considerando que, pela lei nº 1.350, de 12 de dezembro de 1951, foi a administração estadual nesse ramo aperfeiçoada e reformada, com o fito, entre outros objetivos, de investir-se naquelas funções;

Considerando que está cumprida, portanto, a exigência estatutária do art. 153, § 3º;

Decreta:

Art. 1º O Estado de São Paulo passa a exercer a atribuição de autorizar e conceder o aproveitamento de energia hidráulica, dentro de seu território, na conformidade do que dispõem o artigo 153 e seu § 3º da Constituição.

Art. 2º Quando a energia se destina a outro Estado, competirá à União outorgar a autorização ou concessão, mediante processo instruído e encaminhado pela administração estadual.

Art. 3º A outorga de autorização e concessão obedecerá às prescrições da legislação federal e se fará por decreto.

Art. 4º A concessão de serviços de utilidade pública, a autorização para construir linhas de transmissão, rêdes de distribuição e para o estabelecimento de usinas térmicas, a fiscalização dos serviços e das empresas, assim como todos os demais atos previstos na legislação vigente e relativos à produção, transmissão e distribuição de energia elétrica, dentro do território estadual, passam igualmente a competência do Estado de São Paulo, que deverá exercitá-los com observância da mesma legislação.

Art. 5º As autorizações e concessões deverão ser comunicadas ao Ministério da Agricultura, por ocasião da publicação dos respectivos atos, para transcrição nos registros competentes.

Art. 6º Os recursos admitidos na legislação em vigor para o Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica, atinentes ao Estado de São Paulo serão informados e encaminhados ao mesmo Conselho pelo órgão estadual competente, ouvido o Conselho local.

Art. 7º As reclamações acaso suscitadas sôbre a aplicação dêste decreto serão dirimidas, após o pronunciamento da autoridade reclamada, pelo presidente da República, quando se tratar de decisão do governador, e nos demais casos pelo Ministro da Agricultura ou pelo Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica, conforme a competência de um ou de outro, regulada na legislação vigente.

Art. 8º Quando o aproveitamento de fonte de energia ou a utilização desta interessar outro Estado e o Distrito Federal, caberá recurso do ato de autorização da concessão e das decisões que ferirem efetivamente aquêle interêsse, observada a instância e o encaminhamento prescritos no artigo interior.

Art. 9º O Departamento de Águas e Energia Elétrica, do Estado de São Paulo, enviará ao Ministério da Agricultura e ao Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica, até 30 de novembro, o plano de trabalho para o ano subseqüente, com os projetos e programas de execução previstos, e até 31 de março, o relatório do ano interior, com indicação dos atos e decisões expedidos e dos serviços realizados, informação das atividades de cada emprêsa, dados financeiros e estatísticos, estudo dos principais problemas e apreciação geral sôbre os resultados e o desenvolvimento da indústria de energia elétrica no Estado de São Paulo.

Art. 10. Revogam-se as disposições em contrário.

I) Normas técnicas para apresentação do trabalho:

  1. Os originais devem ser digitados em Word (Windows). A fonte deverá ser Times New Roman, corpo 12, espaço 1,5 cm entre linhas, em formato A4, com margens de 2,0 cm;
  2. Os trabalhos podem ser submetidos em português, inglês, francês, italiano e espanhol;
  3. Devem apresentar o título, o resumo e as palavras-chave, obrigatoriamente em português (ou inglês, francês, italiano e espanhol) e inglês, com o objetivo de permitir a divulgação dos trabalhos em indexadores e base de dados estrangeiros;
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