GENJURÍDICO
Revista Forense – Volume 430 – A desconsideração da personalidade jurídica e o marco para configuração de fraude à execução – Interpretação do Art. 792, § 3º, CPC, Roberta Dias Tarpinian de Castro

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CIVIL

DOUTRINA

REVISTA FORENSE

Revista Forense – Volume 430 – A desconsideração da personalidade jurídica e o marco para configuração de fraude à execução – Interpretação do Art. 792, § 3º, CPC, Roberta Dias Tarpinian de Castro

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

DEVEDOR

DÍVIDA

FRAUDE À EXECUÇÃO

RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL

REVISTA FORENSE 430

SOCIEDADE

SÓCIO

Revista Forense

Revista Forense

08/04/2020

Revista Forense – Volume 430 – ANO 115
JULHO – DEZEMBRO DE 2019
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA,
JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Mendes Pimentel
Estevão Pinto
Edmundo Lins

DIRETORES
José Manoel de Arruda Alvim Netto – Livre-Docente e Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Eduardo Arruda Alvim – Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/FADISP

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DOUTRINAS

A) DIREITO ADMINISTRATIVO

B) DIREITO CIVIL

C) DIREITO CONSTITUCIONAL

D) DIREITO EMPRESARIAL

E) DIREITO DO TRABALHO

F) DIREITO PROCESSUAL CIVIL

G) DIREITO TRIBUTÁRIO

H) CADERNO DE DIREITO DESPORTIVO

ESTUDOS E COMENTÁRIOS

Resumo: O presente estudo visa estabelecer que o marco para fraude à execução deve ser o mesmo em qualquer situação, seja em alienações realizadas pelo responsável patrimonial primário ou secundário (no objeto de estudo, responsabilidade secundária como consequência da desconsideração da personalidade jurídica). A interpretação do art. 792, § 3º, CPC deve ser sistemática, preservando conceitos de pessoa jurídica, partes no processo e litispendência.

Palavras-chave: Desconsideração da personalidade jurídica – Fraude à execução – Responsabilidade patrimonial – Interpretação sistemática

Abstract: This paper aims to establish that the starting point for execution fraud should be the same in any situation, whether in alienations of properties made by the primary or secondary patrimonial responsible (in the object of study, secondary patrimonial responsibility as a consequence of disregard doctrine). The interpretation of art. 792, § 3, CPC must be systematic, preserving concepts of legal entity, parties to suit and litispendence.

Keywords: Disregard doctrine – Fraud committed against creditors during a suit – Patrimonial responsibility – Systematic interpretation

Sumário: I. Redação dos artigos 137 e 792, § 3º, CPC – II. Fraude à execução – III. Impossibilidade de considerar a citação da pessoa jurídica como marco da fraude à execução em casos de desconsideração da personalidade jurídica – IV. Conclusão – Referências bibliográficas.

A efetividade da tutela jurisdicional é tema recorrente, e embora existam mecanismos preventivos e repressivos para garanti-la, em virtude da necessidade de se obedecer a diversas normas e principios, materiais e processuais, voltados aos devedores, nem sempre a utilização isolada desses mecanismos é eficaz.

Um dos mecanismos repressivos para garantir a efetividade de tutela jurisdicional é a desconsideração da personalidade jurídica, em que para assegurar que a pessoa jurídica[1] pague seus débitos, a lei estabelece a responsabilidade patrimonial secundária dos sócios (art. 790, VII, CPC).

Então, quando presentes os requisitos legais[2], o credor da pessoa jurídica, por meio da instauração de incidente próprio (Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica[3] – art. 133 e seguintes do CPC) pode requerer a declaração de responsabilidade patrimonial dos sócios[4].

De maneira simplista, o objetivo da desconsideração da personalidade jurídica é garantir o recebimento de débito da pessoa jurídica por meio de patrimônio dos sócios, autêntica situação de responsabilidade sem dívida. Com isso, temos que somente há real alcance (efetividade) desse mecanismo repressivo (IDPJ) se, quando desconsiderada a personalidade jurídica, esses sócios tiverem bens passíveis de responder pela dívida alheia (da pessoa jurídica). Surge, então, a necessidade de análise conjunta do IDPJ com outro mecanismo repressivo: fraude à execução.

O legislador processual, ao estabelecer nos artigos 137 e 792, § 3º, CPC a ineficácia das alienações do sócio em relação ao credor da pessoa jurídica em caso de desconsideração da personalidade jurídica, demonstrou preocupação com a efetividade da decisão de desconsideração da personalidade jurídica. No entanto, os referidos artigos contêm redação cuja interpretação precisa ser sistemática, mormente de conceitos de pessoa jurídica, parte no processo e litispendência.

I. Redação dos artigos 137 e 792, § 3º, CPC

Versa o art. 137 do CPC que “acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente”. Em uma leitura apressada e presa ao termo “acolhido”, contido no art. 137 do CPC, poderíamos pensar que somente após a desconsideração da personalidade jurídica (decisão no IDPJ) é que seria possível dizer que a alienação feita pelo sócio poderia ser considerada fraude à execução. No entanto, pelo tempo verbal empregado (“havida” – passado) concluímos que é somente a possibilidade de reconhecer a ineficácia da alienação que passa a existir após a desconsideração da personalidade jurídica, situação inerente a toda e qualquer fraude à execução[5].

E para fixar quando uma alienação feita pelo sócio pode ser considerada como “havida em fraude à execução” há o artigo 792, § 3º, CPC, o qual, todavia, contém redação pouco feliz[6].

Os termos do art. 792, § 3º, do CPC, ao estabelecerem que o momento para se considerar a alienação realizada pelo sócio como sendo em fraude à execução é “a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar”, dão azo a interpretação que conflita com diversos conceitos de direito processual (litispendência, parte, fraude à execução etc.) e material (pessoa jurídica, desconsideração da personalidade jurídica, responsabilidade patrimonial[7]), além de incompatibilidade com situações gerais de configuração de fraude à execução.

II. Fraude à execução

A fraude à execução, assim como a fraude contra credores (arts. 158 a 165, CC), é mecanismo repressivo que visa proteger credores de atitudes do devedor que o impossibilitem de honrar com suas dívidas.

Em ambas as fraudes do devedor (fraude contra credores e fraude à execução) visa-se proteger o direito creditório; no entanto, no caso da fraude à execução, devido ao fato de haver conhecimento incontestável do devedor de que sua atitude é errada e de impacto (frustração) na atividade jurisdicional, o ato do devedor é considerado mais grave, configurando-se como atentatório à dignidade da Justiça (art. 774, I, CPC).

Com rol não exautistivo[8], o art. 792 do CPC apresenta incisos de configuração de fraude à execução objetiva (I, II e III)[9], e o inciso IV, com necessária análise subjetiva.

Versa o inciso IV do art. 792 que é considerada alienação em fraude à execução “quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência”, e o elemento subjetivo repousa sobre a expressão “tramitava contra o devedor”.

Afinal, quando uma ação é considerada “tramitando contra o devedor”?

Somente existente no art. 792, IV, CPC, a expressão “tramitava ação” comporta duas interpretações. A primeira interpretação segue no sentido de que uma ação é considerada tramitando contra o devedor a partir da sua distribuição (primeira parte do art. 312, CPC – “considera-se proposta”); e a segunda interpretação, mais rigída, segue no sentido de que uma ação somente tramita contra o devedor quando há citação válida (segunda parte do art. 312, CPC – “a propositura da ação só produz quanto ao réu os efeitos mencionados no art. 240 depois que for validamente citado”).

Como argumentos para defender que basta a distribuição para considerar em trâmite a ação temos: a já mencionada primeira parte do art. 312 (considera-se proposta a ação); a possibilidade do devedor (e o terceiro adquirente) antes mesmo de ocorrer a citação ter ciência da existência da ação capaz de levar a insolvência[10]; a teleologia do art. 185, do CTN[11]; e a ideia esculpida de maneira inédita no art. 59 do CPC que separou a litispendência e a prevenção, antes tratadas de maneira conjunta no art. 219 do CPC/73, concedendo importante efeito ao ato de distribuir (prevenção).

Versava o art. 219 do CPC/73 que “A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição”. O referido artigo foi divido entre o art. 59 CPC/15 (“O registro ou a distribuição da petição inicial torna prevento o juízo.”) e o art. 240 CPC/15 (“citação válida, ainda quando ordenada por juízo incompetente, induz litispendência, torna litigiosa a coisa e constitui em mora o devedor, ressalvado o disposto nos arts. 397 e 398 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil”). No entanto, o que poderia ser uma irrefutável solução ao conceito da expressão “tramitava ação”[12] continuou fomentando dúvidas em virtude do complemento constante do art. 240 do CPC: “constitui em mora o devedor”[13].

Embora de fato pensemos que a distribuição da ação deve ser considerada como marco para configurar alienação em fraude à execução, o posicionamento que ainda prevalece é da necessidade de citação válida do réu devedor[14]. Como o objetivo do presente ensaio é analisar o art. 792, § 3º, não nos aprofundamos no efeito negativo da manutenção do predominante posicionamento, mas o estabelecemos para demonstrar a incoerência na aplicação de um mesmo instituto: fraude à execução.

Para casos genéricos de fraude à execução, o entendimento dominante é a necessária citação do devedor. Já para casos de fraude à execução como desdobramento de desconsideração da personalidade jurídica, como veremos no próximo tópico, há entendimento que sequer ação é preciso existir em face do alientante sócio. Essencial equilibrar os radicalmente opostos marcos de um mesmo instituto.

III. Impossibilidade de considerar a citação da pessoa jurídica como marco da fraude à execução em casos de desconsideração da personalidade jurídica

Não há como negar que uma leitura isolada do art. 792, § 3º, CPC nos leva à conclusão de que para ser considerado que a alienação de bem pelo sócio foi em fraude à execução, basta a citação da pessoa jurídica.

No entanto, destacamos três pontos que afloram o contrassenso da conclusão acima apresentada: (i) incompatibilidade com a sistemática de configuração de fraude à execução para casos gerais, conforme item II; (ii) autonomia da pessoa jurídica; e (iii) conceito de partes no processo.

Vimos no item II que para uma alienação ser considerada em fraude à execução é preciso que tenha ocorrido citação do devedor, sendo excepcional considerar que a mera distribuição de ação em face do devedor já seria capaz de levar ao decreto de fraude à execução.

Partimos, então, da rigidez para configuração genérica de fraude à execução, em que não basta a existência de ação em face do devedor (responsável primário), deve haver sua efetiva ciência, para uma configuração de fraude à execução por alienação realizada pelo responsável secundário extremamente flexível e que se choca com preceitos de direito processual e material.

Conseguimos captar a ideologia de considerar que há fraude à execução desde a citação da pessoa jurídica da qual o sócio faz parte (assim que a pessoa jurídica é citada, o sócio, no risco de ter estabelecida contra si responsabilidade patrimonial secundária, pode maliciosamente passar a alienar seu patrimônio)[15]. No entanto, este posicionamento afronta a teoria da pessoa jurídica (independência do ente abstrato para prática de atos em nome próprio, inclusive ser parte em processo, art. 75, VIII, CPC), e ainda deixa de ponderar que a desconsideração da personalidade jurídica não necessariamente é um fenômeno interno.

A pessoa jurídica, embora precise dos sócios para prática de atos[16], é apenas representada por eles. A pessoa jurídica tem vida própria e é quem figura como parte no processo (art. 75, VIII, CPC), de sorte que a citação e seus efeitos limitam-se a ela.

Outrossim, a visão de que o sócio sabe que a pessoa jurídica está sendo executada e, por isso, as alienações por ele realizadas a partir da citação da pessoa jurídica já poderiam ser consideradas em fraude à execução, deixa de analisar a modalidade expansiva de desconsideração da personalidade jurídica[17] (fenômeno externo de referido instituto).

Se, por um lado, pode parecer provável que o sócio de uma pessoa jurídica de estrutura enxuta (poucos sócios) saiba da existência de ação em face da pessoa jurídica, não há como supor essa ciência quando o patrimônio a ser atingido é de terceiro estranho à estrutura societária (desconsideração expansiva da personalidade jurídica).

Há, ainda, caráter pragmático no estabelecimento do marco para a fraude à execução como sendo a citação da pessoa jurídica, e que se mostra pouco efetivo diante do teor da Súmula nº 375 do STJ.

Versa a referida Súmula nº 375 do STJ que “o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”. Guardadas as críticas quanto à maneira de surgimento da referida Súmula[18], bem como o fato de sua construção ter se dado sob a égide do CPC/73, tendo o referido instituto (fraude à execução) sofrido modificações no atual diploma processual; trata-se de entendimento aplicado pelas Cortes brasileiras e que não podemos deixar de considerar.

Pois bem, nos termos da referida Súmula do STJ, para o negócio jurídico vir a ser declarado ineficaz, primordial verificar se houve má-fé do terceiro adquirente, o que se assentou como sendo a demonstração de que não tomou as cautelas devidas no momento da aquisição do bem. Por cautelas devidas consignaram-se a extração de certidões de distribuição e de protesto, tanto do local de residência do alienante quanto do local do bem (se imóvel) adquirido[19].

Então, deparamo-nos com o caráter prático mencionado parágrafos acima.

O adquirente, ao extrair certidões, não constatará a existência de ação em nome do sócio; afinal, o sócio não é parte no processo. Portanto, por questões pragmáticas, cairá por terra a radical interpretação do art. 792, § 3º, CPC de que basta a citação da pessoa jurídica para a alienação ser considerada em fraude à execução. Fatalmente o terceiro adquirente será considerado terceiro de boa-fé ao demonstrar que extraiu certidões do alienante (sócio) e que nada constava em seu nome.

Ainda que radicalizando, se defendêssemos que com o novel art. 792, § 3º, CPC houve ampliação do conceito de cautelas a serem tomadas pelo adquirente, incluindo-se a necessidade de extração de certidões não só do alienante, mas de pessoas jurídicas que ele possa integrar, escaparia a situação da desconsideração expansiva[20].

Assim sendo, seja por coerência sistêmica (conceito de pessoa jurídica e de parte no processo), seja pelo viés prático (Súmula nº 375, STJ), não há como estabelecer como marco para fraude à execução de alienações realizadas pelo sócio a citação da pessoa jurídica[21]. É preciso que exista efetivamente ação em face desse sócio capaz de reduzi-lo à insolvência.

Lembramos, no entanto, que a ação existente em face do sócio capaz de reduzi-lo à insolvência não necessariamente precisa ser movida por aquele que irá se aproveitar da litispendência para alegar fraude à execução. A litispendência como requisito para configurar alienações como em fraude à execução é critério voltado ao devedor e ao adquirente do bem, e não ao credor[22].

E, na ausência de ação movida em face do sócio apta a estabelecer litispendência, há o próprio IDPJ[23] como meio adequado ao marco para fraude à execução.

O instituto fraude à execução não se altera por ser desdobramento da desconsideração da personalidade jurídica[24]. Devemos seguir o mesmo marco estabelecido pela jurisprudência para todo e qualquer caso de fraude à execução: a citação do devedor alienante – no caso da desconsideração da personalidade jurídica, o sócio) – em qualquer processo que seja capaz de reduzi-lo à insolvência.

Defendendo que o marco para alienação do sócio ser considerada como fraude à execução é a citação do sócio: Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lucia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro, Rogerio Licastro Torres Mello[25], Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero[26], Alexandre Freitas Câmara[27], Marcelo Abelha[28] e Eduardo Talamini[29].

No entanto, embora a citação do sócio seja o posicionamento isonômico, retomamos a crítica exposta no item II: o marco para a fraude à execução deve ser a distribuição da ação e não a citação válida.

Como mencionamos sucintamente no item II, ainda que sem a citação, é possível os envolvidos na prática de fraude à execução (o alienante demandado e terceiro adquirente) saberem da existência de ação, além do fato de que o estabelecimento do marco para configurar fraude à execução como sendo a citação pode fomentar artimanhas do devedor, por exemplo, dificultando a citação.

Mais intensificadas ficam essas artimanhas quando a fraude à execução é decorrente da desconsideração da personalidade jurídica. Se, por um lado, em casos genéricos de fraude à execução há a escusa de desconhecimento da existência do processo em face do alienante, diminui sensivelmente essa desculpa quando há citação da pessoa jurídica, mormente em situações de desconsideração restritiva da personalidade jurídica (fenômeno interno[30]) e em pessoas jurídicas de estrutura enxuta.

No entanto, a suposição de que o sócio tem conhecimento da existência de ação em face da pessoa jurídica[31] não o transforma em parte naquele processo, não faz com que sequer a corrente de que basta a distribuição da ação para estabelecer marco de fraude à execução a ele se aplique. A ação é em face da pessoa jurídica (independência da pessoa jurídica), e não do sócio.

Desta forma, a melhor interpretação ao art. 792, § 3º, do CPC é que o marco para fraude à execução seja a instauração do IDPJ[32].

E assim, nos termos do art. 792, IV, combinado com o art. 312, ambos do CPC, o sócio terá ação tramitando contra si com a distribuição incidental do IDPJ (art. 134, § 1º) ou do pedido de instauração de IDPJ dentro do processo principal (art. 134, § 2º, CPC). E a partir desse momento, qualquer alienação que venha a fazer e que seja capaz de torná-lo insolvente deverá ser considerada em fraude à execução[33].

Não se trata, outrossim, de interpretação contrária à lei, mas de interpretação sistemática que segue a lógica do conceito de parte, de pessoa jurídica e de que um mesmo instituto (fraude à execução) não pode ter tratamentos distintos a depender do que levou à sua alegação.

Seja a alienação praticada pelo responsável patrimonial primário (pessoa jurídica), seja a alienação praticada pelo responsável patrimonial secundário (sócio), o marco para configuração de que essa alienação se deu em fraude à execução deve ser o mesmo.

Como vimos no item II, é perfeitamente possível interpretar a expressão “tramitava ação” como sendo a distribuição e não a efetiva citação[34], e no caso do sócio atingido pela desconsideração da personalidade jurídica, é a única interpretação que respeita conceitos de direito processual e protege o credor.

Por fim, destacamos que a permissão legal de instauração de IDPJ, ainda que inexista crise de adimplemento (IDPJ em processo de conhecimento), possibilitou o nascimento do marco para fraude à execução de alienação realizada por sócio concomitantemente ao marco direcionado ao responsável patrimonial primário (pessoa jurídica).

A excêntrica autorização legal de instaurar IDPJ quando o processo movido em face da pessoa jurídica é de conhecimento[35], buscando-se assim o estabelecimento da responsabilidade patrimonial secundária do sócio, quando inexiste responsabilidade patrimonial primária da pessoa jurídica (sequer existe obrigação, a qual somente nasce no caso de procedência do processo de conhecimento), protegeu o credor, resguardando a efetividade do mecanismo repressivo (fraude à execução). E assim, notamos que para garantir a eficácia da fraude à execução atinente a alienações de responsável patrimonial secundário não precisamos distorcer caros preceitos de direito.

IV. Conclusão

Concluímos que para a alienação de bem realizada pelo sócio ser considerada ineficaz em relação ao credor originalmente da pessoa jurídica, deve haver, ao tempo dessa alienação, qualquer ação[36] (podendo ser um IDPJ[37]) movida em face desse sócio que seja capaz de reduzi-lo à insolvência.

A interpretação de que basta a citação da pessoa jurídica da qual o sócio faz parte para que as alienações realizadas por esse último sejam consideradas em fraude à execução, além de alterar conceito de pessoa jurídica e de parte no processo, tem ideologia afetada quando se trata de desconsideração expansiva da personalidade jurídica e ausência de praticidade diante dos termos da Súmula nº 375 do STJ.

A essencial intenção de proteger o credor da pessoa jurídica e garantir a efetividade da desconsideração da pessoa jurídica (o sócio precisa ter bens no momento em que foi definida a sua responsabilidade patrimonial secundária) não precisa passar por distorções de conceitos jurídicos. O legislador, ao permitir instauração do IDPJ a qualquer tempo, mesmo quando ainda inexiste dívida da pessoa jurídica, permite o estabelecimento do marco de fraude à execução para o sócio (responsável patrimonial secundário) simultaneamente ao da pessoa jurídica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[1]       O presente estudo referir-se-á à pessoa jurídica como a devedora, em que o objetivo da desconsideração da personalidade jurídica é atingir bens dos seus integrantes. Nada obstante, destacamos a possibilidade de desconsideração inversa da personalidade jurídica (quando o devedor é integrante de pessoa jurídica que se almeja responsabilizar patrimonialmente).

[2]       Em linhas gerais, para ocorrer a desconsideração da personalidade jurídica é preciso haver abuso da personalidade jurídica, o que, nos termos do art. 50 do CC, caracteriza-se por atos de confusão patrimonial e desvio de finalidade.  Dizemos em linhas gerais, pois há também no ordenamento jurídico o que ficou conhecido como a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, em que basta a ausência de bens da pessoa jurídica para ocorrer a aplicação da excepcional medida.

[3]       No decorrer deste trabalho utilizamos a abreviação IDPJ.

[4]       Embora utilizemos a palavra “sócios”, destacamos que a desconsideração da personalidade jurídica não se limita à estrutura da pessoa jurídica. A desconsideração da personalidade jurídica pode ser tanto um fenômeno interno como externo. Quando o objetivo da desconsideração da personalidade jurídica for atingir bens de pessoas (físicas ou jurídicas) estranhas à estrutura formal da pessoa jurídica devedora, haverá o que denominamos desconsideração expansiva da personalidade jurídica (por exemplo: pessoas jurídicas pertencentes a um conglomerado econômico, situações de sucessão empresarial etc.).

[5]       A expressão “fraude à execução” não se refere ao momento em que é percebida (processo de execução ou cumprimento de sentença), mas ao momento em que pode ser alegada: “O instituto recebeu a denominação de fraude à execução em razão de somente poder ser declarado no momento da tentativa infrutífera de se encontrar bens passíveis de constrição do executado.” (AMADEO, Rodolfo da Costa Manso Real; BRUSCHI, Gilberto Gomes; e NOLASCO, Rita Dias. Fraudes patrimoniais e a desconsideração da personalidade jurídica no Código de Processo Civil de 2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 90).

[6]       “Apesar da redação pouco feliz, o art. 137 não é incompatível com o art. 792, § 3º.” (ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 20. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2018. p. 298).

[7]       Embora a maior parte da doutrina considere a responsabilidade patrimonial como tema de direito processual, consideramos ser assunto de direito material, havendo apenas opção legislativa para que se efetive no âmbito processual.

Considerando ser a responsabilidade patrimonial tema de direito processual: NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 11. ed. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 1119; SHIMURA, Sérgio. Título executivo. 2. ed. São Paulo: Método, 2005, p. 78; e SIQUEIRA, Thiago Ferreira. A responsabilidade patrimonial no novo sistema processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 106.

Considerando ser a responsabilidade patrimonial tema de direito material: ABELHA, Marcelo. Manual de Execução Civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 79; e GRECO, Leonardo. O processo de execução, vol. 2. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 7-8.

[8]       O inciso V do art. 792 do CPC exacerba a não exaustão de situações de fraude à execução ao pontuar que a lei poderá prever outros casos.

[9]       Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:

I – quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver;

II – quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828;

III – quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude.

[10]      Tanto pelo prisma do alienante devedor, como pelo prisma do terceiro adquirente, vislumbramos a possibilidade de ciência da existência de ação antes da efetivação da citação.

Seja para evitar que atos do devedor alienante, que pode estar se furtando da efetivação da citação, seja pela vertente do terceiro adquirente, que pela praxe mercadológica na compra de determinados bens realiza pesquisas em cartórios, a conclusão de que para ser considerado “tramitando ação” é preciso citação válida, destoa da pragmática e privilegia o devedor em detrimento do credor e até mesmo do Estado. Neste sentido: “Outrossim não se pode ignorar que a exigência de citação contraria a própria finalidade da fraude de execução, de modo que privilegie o adquirente desidioso em detrimento do credor e do Estado.” (ANDRIGH, Fatima Nancy; e GUARIENTO, Daniel Bittencourt. Fraude de execução: o Enunciado 375 da Súmula/STJ e o projeto do novo Código de Processo Civil. In ARRUDA ALVIM; ARRUDA ALVIM, Eduardo; BRUSCHI, Gilberto Gomes; CHECHI, Mara Larsen; COUTO, Mônica Bonetti (Coords.). Execução Civil e Temas Afins do CPC/1973 ao Novo CPC – Estudos em homenagem ao professor Araken de Assis. São Paulo: RT, 2014, p. 359).

[11]      Nos termos do art. 185, CTN, a alienação quando há inscrição em dívida ativa, ainda que não exista execução, é considerada fraude à execução (STJ; EDcl no AREsp 497.776/RS, Relator Humberto Martins, DJe 12.6.2014).

A mensagem que o art. 185 do CTN transmite é que o devedor, ainda que não esteja sendo executado, tem ciência da sua dívida, de maneira que não pode ser privilegiado se neste interim (entre a inscrição em dívida ativa e inicial de execução) realizar alienações que o tornem insolvente. E diante da expressa determinação do art. 185, CTN, também deverá o terceiro adquirente agir cautelosamente fazendo pesquisa a respeito da existência de dívidas fiscais em nome do alienante.

Se o terceiro adquirente deve ser cauteloso a respeito de dívidas fiscais, não há razão para que essa mesma cautela não seja transportada ao âmbito cível.

[12]      A primeira parte do art. 312, CPC, demonstra que uma ação passa a existir a partir do simples protocolo da inicial. O art. 59, CPC, demonstra que a existência da ação não gera impactos somente ao autor, mas também ao Poder Judiciário (prevenção). Com isso (arts. 312 primeira parte e 59, CPC), poderíamos extrair que uma ação pode ser considerada em trâmite a partir da distribuição.

[13]      Nos termos da parte inicial do art. 312, CPC, ao ser distribuída a ação em face do devedor, já tramitava ação contra ele, no entanto, não o constituía em mora (art. 312 segunda parte, combinado com art. 240, CPC). Dessa maneira, o devedor poderá dizer em sua defesa que antes da citação, a alienação por ele realizada, já que não estava em mora, não pode ser considerada como capaz de levá-lo à insolvência.

[14]      Precedente: STJ; REsp 956.943/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, julgado em 20.8.2014, DJe 1º.12.2014.

[15]      “Se o juiz acolher o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, a transferência ou oneração de bens constitui fraude à execução (art. 137). Quando da citação da executada (pessoa jurídica, cuja personalidade se pretende desconsiderar) é bem possível que o sócio já tenha plena ciência da demanda.

Em razão disso, o CPC/2015 estabelece que a fraude à execução se verifica a partir da citação da “devedora” (pessoa jurídica executada), e não da citação do sócio no incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Aqui os efeitos do reconhecimento da fraude à execução retroagem à data da citação ocorrida nos autos principais (e não na citação do incidente procedimental).” (SHIMURA, Sergio. In BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 563).

Ver também: MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; e MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado. 2. ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 280; BUENO, Cassio Scarpinella. In BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 1. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 586; YARSHELL, Flavio Luiz. In CABRAL, Antonio do Passo; e CRAMER, Ronaldo (Coords.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 249; e Enunciado ENFAM 52: “a citação a que se refere o art. 792, § 3º, do CPC/2015 (fraude à execução) é a do executado originário, e não aquela prevista no incidente de desconsideração da personalidade jurídica.”

[16]      “O que não é crível admitir-se, porque fantasioso e ilógico, é o fato de emprestar à pessoa jurídica atributo exclusivamente humano – a psyche – encontrando-se num campo místico em que tudo seria possível.” (ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção. A Pessoa Jurídica e os Direitos da Personalidade. Rio de Janeiro: Inovar, 1998, p. 38).

[17]      Enunciado 11 da I Jornada de Direito Processual Civil, organizada pelo Conselho da Justiça Federal (CJF): “Aplica-se o disposto nos arts. 133 a 137 do CPC às hipóteses de desconsideração indireta e expansiva da personalidade jurídica.”

[18]      Ver: AMADEO, Rodolfo da Costa Manso Real. Fraude de Execução. São Paulo: Atlas, 2012.

[19]      “(…) 5. Destaca-se que a presunção de fraude à execução quando a alienação do bem do devedor ocorre após a citação é relativa, ou seja, admite prova em contrário, sendo invertida pelo adquirente que comprova que agiu com boa-fé na aquisição do bem, mediante a apresentação de certidões pertinentes ao local onde se situa o imóvel, além de demonstrar desconhecer a existência da Execução Fiscal ou da inscrição em dívida ativa em desfavor do alienante. Cabe, nestas hipóteses, ao credor demonstrar o consilium fraudis, a culpa ou a má-fé por ocasião da alienação do bem.” (STJ; EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 1225829/PR, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 14.2.2017, DJe 22.2.2017).

“PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE SE AFINA À JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA 83/STJ. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. INEXISTÊNCIA. FRAUDE À EXECUÇÃO. S. 375/STJ. BOA-FÉ DO ADQUIRENTE DEMONSTRADA COM A APRESENTAÇÃO DE CERTIDÕES DE DISTRIBUIÇÃO OBTIDAS NO DOMICÍLIO DA ALIENANTE E NO LOCAL DO IMÓVEL. (…) – Está demonstrada a boa-fé do terceiro adquirente quando este junta aos autos certidões de distribuição cível e de protestos obtidas no domicílio da alienante e no local do imóvel. Não se pode exigir que o adquirente tenha conhecimento de ações ajuizadas em outras comarcas.” (STJ; REsp 1015459/SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19.5.2009, DJe 29.5.2009).

“Assim, não é possível ao comprador sustentar que desconhece a ação de execução, pois um mínimo de cautela lhe era exigível, a qual consistia na obtenção de certidões, tanto no distribuidor cível da comarca onde está situado o imóvel (Comarca do RJ), como também na comarca onde reside o vendedor (Comarca de Itaguaí), o que não se verificou na hipótese.

(…) Destarte, tem-se que o adquirente, se não sabia, tinha, ao menos, condições de saber da existência da ação movida contra o alienante, de modo que está mesmo caracterizada a fraude à execução, cuja consequência é, de fato, a declaração de ineficácia da venda em relação ao credor…” (TJSP; Apelação Cível 1069783-34.2015.8.26.0100; Relator: Paulo Pastore Filho; Órgão Julgador: 17ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 30ª Vara Cível; Data do Julgamento: 17.6.2016; Data de Registro: 17.6.2016).

[20]      Impossível o adquirente presumir quais pessoas jurídicas, por exemplo, poderiam ser consideradas como integrantes de um mesmo grupo econômico (uma das modalidades de desconsideração expansiva da personalidade jurídica).

[21]      Daniel Amorim Assumpção Neves, embora critique a opção legislativa de citação da pessoa jurídica para configurar a alienação feita pelo sócio em fraude à execução, curva-se a esse entendimento: “A questão é tormentosa porque o legislador aparentemente não fez a escolha mais adequada ao disciplinar o termo inicial de fraude à execução na desconsideração da personalidade jurídica. Basta imaginar um sócio que, sem ter conhecimento da existência de demanda judicial contra sociedade empresarial da qual faz parte, aliena bem em transação que venha a ser declarada ineficaz em razão de fraude à execução (…) de qualquer forma, não parece ter sido essa a opção do legislador diante da literalidade do art. 792, § 3º, CPC, que provavelmente entende ser suficiente a presunção de ciência do sócio movido contra a sociedade para configuração de fraude à execução.” (NEVES. Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 11. ed. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 382-383).

[22]      “A ineficácia do ato fraudulento não respeita, exclusivamente, ao obrigado. Este possui conhecimento pleno da litispendência, porque se ostenta parte, e, conseguintemente, mostra-se consciente de que seus atos, haja vista eventual insolvência, prejudica aos seus credores e tornar-se-ão ineficazes. É perante o adquirente do bem alienado, ou do beneficiário da oneração, que a litispendência, incontroversa para as partes, destina-se a surtir efeitos no futuro reconhecimento da fraude.” (ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 20. ed. São Paulo: RT, 2018, p. 379).

[23]      Consideramos que o IDPJ, embora seja denominado de incidente processual, em verdade é um processo incidental: CASTRO, Roberta Dias Tarpinian de. O Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica: As diferentes funções de um mesmo mecanismo processual. São Paulo: Quartier Latin, 2019.

No mesmo sentido: VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC. Salvador: Juspodivm, 2016.

[24]      Alexandre Freitas Câmara considera que a fraude à execução é um segundo efeito da desconsideração da personalidade jurídica: “Há, porém, um segundo efeito dessa decisão. É que, desconsiderada a personalidade jurídica, ter-se-ão por ineficazes os atos de alienação ou oneração de bens praticados pelo sócio (ou pela sociedade, nos casos de desconsideração inversa) após sua citação para participar do incidente (…)” (CÂMARA, Alexandre Freitas. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR, Fredie; TALAMINI, Eduardo; e DANTAS, Bruno (Coords.). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 436).

Já para Cassio Scarpinella Bueno: “O reconhecimento da fraude à execução, mesmo diante do art. 137, não pode ser entendido como ‘efeito anexo’ da decisão que reconhece a desconsideração.” (BUENO, Cassio Scarpinella. In BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 1. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 586).

[25]      “O NCPC nada trouxe que tenha o condão de modificar tal entendimento. Pelo contrário, o disposto no § 3º o reforça, porquanto, pela sua dicção, na hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução somente se consuma após (sic) a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar.” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MEDEIROS, Maria Lúcia Lins Conceição de; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 1265). Embora os autores repitam a literalidade do § 3º do art. 792, CPC, ao dizerem que se segue o que ficou consignado pela jurisprudência, não se prendem à expressão “cuja personalidade se pretende desconsiderar”, interpretando como sendo a citação do sócio.

[26]      MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; e MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado. 2. ed. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2016, p. 248.

[27]      CÂMARA, Alexandre Freitas. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR, Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (Coords.). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 436.

[28]      Marcelo Abelha, ao interpretar o art. 792, § 3º, assevera que a citação é do sócio, mas conclui que seria melhor se fosse da pessoa jurídica: “Deveria o legislador ter fixado o momento da fraude na primeira citação, da pessoa física ou jurídica, tratando-se respectivamente, de desconsideração da personalidade jurídica ou inversa (…)” (ABELHA, Marcelo. Manual de Execução Civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 111).

[29]      Eduardo Talamini apresenta posicionamento inteligente e reflete que o art. 792, § 3º, CPC se encaixa aos casos de desconsideração inversa da personalidade jurídica: “A disposição do art. 792, § 3º, em sua literalidade, é adequada para o caso em que a desconsideração é “invertida” – isso é, quando, mediante a desconsideração da personalidade, se penetra na esfera jurídica de uma sociedade para responsabilizá-la por atos de seu sócio (parte originária do processo). Para esse caso, mesmo se interpretado literalmente, o dispositivo é razoável: poderão ser considerados em fraude à execução os atos alienados pela sociedade a partir do momento em que ela foi citada quanto ao pedido de desconsideração.

Mas, em face da desconsideração tradicional, o dispositivo tem redação extremamente defeituosa. (…) No entanto, seria ofensivo às garantias processuais reputar que é esse o marco para a fraude à execução relativamente aos bens do sujeito atingido pela desconsideração, pois tal termo retroagiria a um momento em que o sócio atingido pela desconsideração ainda não era parte de processo nenhum; não respondia por dívida alguma.” (TALAMINI, Eduardo. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI234997,11049-Incidente+de+desconsideracao+de+personalidade+juridica>. Acesso em: 3 nov. 2019.)

[30]      CASTRO, Roberta Dias Tarpinian de. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica: as diferentes funções de um mesmo mecanismo processual. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 93.

[31]      E como vimos anteriormente é suposição relativa, mormente em situações de desconsideração expansiva da personalidade jurídica.

[32]      Com ressalva se já houver outra ação sendo movida em face do sócio.

[33]      “A interpretação correta, portanto, não deve ser, como pretende o art. 792, § 3º, ou seja, da citação para ação principal, nem da citação daquele que se pretende responsabilizar para participar do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, e muito menos do acolhimento do incidente como define equivocadamente, o art. 137. (…) Assim, a alienação ou oneração de bens do sócio ocorrer após esse marco inicial (admissibilidade do incidente e anotação no distribuidor) e dele resultar frustração da atividade executiva, a fraude à execução estará configurada e o ato será considerado ineficaz em relação ao requerente do incidente.” (AMADEO, Rodolfo da Costa Manso Real; BRUSCHI, Gilberto Gomes; e NOLASCO, Rita Dias. Fraudes patrimoniais e a desconsideração da personalidade jurídica no Código de Processo Civil de 2015. São Paulo: RT, 2016, p. 178-179).

[34]      AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. FRAUDE À EXECUÇÃO. DEVEDORA QUE DOOU TODO O PATRIMÔNIO AO FILHO QUANDO JÁ AJUIZADA A DEMANDA JUDICIAL CAPAZ DE REDUZI-LA À INSOLVÊNCIA. CARACTERIZAÇÃO DE CONSILIUM FRAUDIS. REEXAME DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

  1. Não obstante o entendimento de que a alienação ou desfazimento de bem deva ocorrer após a citação válida do devedor para estar caracterizada a fraude à execução, no caso concreto o acórdão recorrido considerou que o só ajuizamento da ação era suficiente para configurar o consilium fraudis.
  2. O Tribunal de origem destacou peculiaridades fáticas que permitiram concluir pela configuração da fraude à execução cometida pela devedora, tendo em visa a ocorrência de consilium fraudis, bem como o intuito desta em desfazer-se de todo o patrimônio com nítido propósito de fugir de cobrança que já era esperada. Independentemente da data da citação, a devedora, na qualidade de advogada antiga e militante na comarca, tinha plenas condições de ter conhecimento da demanda, mesmo porque já tinha ciência da insatisfação dos clientes.
  3. A reforma do acórdão recorrido, a fim de modificar a conclusão de que a devedora doou intencionalmente e de má-fé todo o seu patrimônio quando já tinha ciência da demanda que ensejaria futura cobrança, exigiria, necessariamente, o revolvimento do suporte fático-probatório dos autos, providência vedada em sede de recurso especial, a teor do disposto na Súmula 7 do STJ.
  4. A exegese do artigo 593, II, do CPC/73 de se fixar a citação, como momento a partir do qual estaria configurada a fraude de execução, exsurgiu com o nítido objetivo de proteger terceiros adquirentes. No caso, não há terceiro de boa-fé a ser protegido, havendo elementos nos autos a indicar que a devedora doou intencionalmente e de má-fé todo o patrimônio ao próprio filho, quando já tinha ciência da demanda capaz de reduzi-la à insolvência. 5. Agravo interno não provido. (STJ; AgInt no REsp 887139/RS agravo interno no recurso especial 2006/0203432-6, relator Min. Raul Araujo, Quarta Turma, data do julgamento 13.6.2017, DJe 27.6.2017).

[35]      DIAS, Handel Martins. Análise crítica do projeto de novo Código de Processo Civil com relação à desconsideração da personalidade jurídica. In Revista Síntese de Direito Empresarial. Vol. 32, Mai.-Jun. 2013.

[36]      Como mencionamos anteriormente, basta a distribuição, não é necessária a citação do sócio.

[37]      Ainda que o IDPJ não seja efetivamente instaurado em virtude de faltarem os requisitos legais, por ser um processo incidental, a decisão de não instauração é na verdade decisão de extinção sem julgamento do mérito, e que, portanto, gera os efeitos da litispendência.

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