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Sociedade Civil – Teoria dos Órgãos Diretores e de Administração

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ADMINISTRATIVO

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Sociedade Civil – Teoria dos Órgãos Diretores e de Administração – Mandato – Delegação

MANDATO

REVISTA FORENSE

REVISTA FORENSE 157

TEORIA DOS ÓRGÃOS DIRETORES E DE ADMINISTRAÇÃO

Revista Forense

Revista Forense

26/01/2023

REVISTA FORENSE – VOLUME 157
JANEIRO-FEVEREIRO DE 1955
Bimestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICARevista Forense 157

DOUTRINA

PARECERES

NOTAS E COMENTÁRIOS

  • Conteúdo Jurídico do Preâmbulo Da Constituição, Alcino Pinto Falcão
  • O Exercício pelos Estados da Atribuição Constitucional de Autorizar ou Conceder o Aproveitamento Industrial das Quedas D’água, A. Junqueira Aires
  • Tratados e Convenções Internacionais sôbre Direito Penal, Roberto Paraíso Rocha
  • Das Ações Possessórias no Âmbito do Direito Trabalhista, Pires Chaves
  • O Crime e o Direito de Resistência, Valdir de Abreu
  • Depoimentos e Testemunhos – Efração da Consciência, W. Vilela de Horbillon
  • Reabilitação, Milton Evaristo dos Santos
  • Da Continuação da Sociedade Comercial com os Herdeiros do Sócio Falecido, Mário Moacir Pôrto
  • Promessa de Venda de Imóvel, Waldemar Loureiro

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

LEGISLAÇÃO

Sobre o autor

Amílcar de Araújo Falcão, advogado no Distrito Federal.

PARECERES

Sociedade Civil – Teoria dos Órgãos Diretores e de Administração – Mandato – Delegação

– Enquanto o mandato pressupõe duas vontades, das quais uma se substitui à outra, nas coletividades orgânicamente unificadas não há uma vontade preconstituída, à qual se substitua a vontade única, a da coletividade mesma, organizada para querer.

– Não são mandatários os órgãos diretores e administradores das pessoas jurídicas.

PARECER

O C. B. P. F., sociedade civil, com personalidade jurídica, e sem fins lucrativos, que se destina precìpuamente à investigação científica e ao ensino especializado no domínio da física e outros ramos científicos correlatos, é dirigido, consoante disposição de seu estatuto (art. 15, 2), pelos seguintes órgãos executivos:

“2. órgãos executivos: a) Presidência; b) Diretoria; c) Setores Técnico-Científico e Administrativo-Financeiro, com os respectivos Departamentos, Divisões, Seções e Serviços” (cf. art. 15 do estatuto).

A Presidência está constituída por um presidente e um vice-presidente, eleitos pela assembléia geral (arts. 17, a, e 38 do estatuto) e com funções expressamente determinadas (arts. 40 e 42 do estatuto).

Por outro lado, a Diretoria é formada pelo diretor científico e pelo diretor executivo, ambos eleitos pelo Conselho Geral (arts. 36, a e b, e 46 do estatuto).

O presidente do C.B.P.F. faleceu. Quando em exercício, havia êle delegado parte de seus poderes ao diretor-científico, de acôrdo com a autorização que para tanto lhe dava o estatuto:

“Art. 41. O presidente poderá delegar seus poderes, total ou parcialmente, ao vice-presidente e aos diretores científico e executivo”.

Outrossim, dispõe o mesmo estatuto, a propósito do vice-presidente, o seguinte:

“Art. 42. Compete ao vice-presidente substituir o presidente, em suas faltas ou impedimentos, bem como desempenhar as funções que por êle lhe forem especialmente atribuídas”.

Diante de tudo isso, consulta-se se, em conseqüência do falecimento do presidente:

1° Cessa a delegação de poderes feita, na forma do art. 41 do Estatuto, ao diretor científico;

2° O vice-presidente passa a ocupar efetivamente a Presidência, ou se deve fazer nova eleição em assembléia geral.

São êstes os temas de que se passa a tratar, sucessivamente, no desenvolvimento do presente parecer.

2. Efetivamente, determina o Código cessa “pela morte ou interdição de uma das partes” (cf. art. 1.316, II).

Todo o problema, portanto, está em saber se a hipótese configurada na primeira parte da consulta deva conceituar-se como mandato ou se se caracteriza como um instituto jurídico de natureza Civil em seu art. 1.316, que o mandato diferente.

Em resumo, importa indagar qual a condição jurídica daqueles que se encontram investidos nas funções, institucionalmente estabelecidas, de dirigir e administrar as pessoas jurídicas e fazê-las atuar, enfim, os seus órgãos.

3. Mandato

Logo à primeira vista, parece superar tôda dúvida razoável a conclusão de que o caso não é de mandato. Para que se configurasse o mandato, necessário seria que se estabelecesse uma relação jurídica entre dois sujeitos autônomos e externos,1 pressupondo-se, assim, a existência de uma pessoa representada.2

O mandatário, quando atua, pratica ato próprio, que só se atribui ao mandante quanto a seus efeitos.

Daí dizer GIOVANNI MIELE:

“L’attività svolta dal rappresentante in tale veste è esclusivamente a lui imputabile, e solo le conseguenze giuridiche ricadono, in quanto lo concernino, nella sfera giuridica del rappresentato”.3

O mandato se apresenta, assim, como uma figura trilateral, que liga o mandante, o mandatário e o terceiro.4

SANTI ROMANO exprime essa circunstância, ao asseverar que mandante e mandatário só podem ser indicados, matemàticamente, com um número plural, não inferior a dois:

“Il rappresentato e il rappresentante non possono matematicamente essere indicati che con un numero plurale, che non è mai più piccolo del numero due e vice-versa può essere maggiore, se i rappresentati o i rappresentanti o gli uni e gli altri sono più d’uno”.5

Decididamente, não é essa a categoria jurídica que se presta a determinar a natureza dos órgãos das pessoas jurídicas.

Sujeitos de direito

3. As pessoas jurídicas ou morais são organizações,6 por definição, que formam uma unidade jurídica e se apresentam como sujeitos de direito.7

Como unidade jurídica e sujeito de direito, a pessoa moral possui capacidade jurídica, consubstanciada na titularidade de direitos, obrigações e atribuições que compõem a sua capacidade ou competência material. Necessita, porém, para integrar-se de uma capacidade de agir, ou seja, de uma capacidade ou competência instrumental, posta a serviço de sua capacidade material e traduzida através da titularidade de poderes e faculdades. Só pela conjugação dêsses dois elementos, chamemo-los assim de personalidade material e personalidade instrumental, é que uma pessoa moral pode surgir no mundo externo e na esfera jurídica como uma unidade e um sujeito de direito.8

Daí necessitar a pessoa jurídica de apresentar-se como uma organização, através da qual possa configurar-se a sua capacidade ou competência instrumental. São os órgãos da pessoa jurídica que, compondo-a como elementos integrantes dela, oferecem-lhe a possibilidade de querer e agir, no desempenho dos direitos, obrigações e atribuições da primeira.

Vê-se, assim, que, enquanto integra a organização de uma pessoa jurídica, o órgão nada mais é do que uma fração do próprio ente coletivo, um elemento interno ou intrínseco de sua constituição.

Diante disso, da unidade formada pelo órgão e pela pessoa jurídica que êle integra, esboroa-se, totalmente, a teoria do mandato. É que, enquanto no mandato se exige a presença de pelo menos duas pessoas, na relação orgânica só há uma pessoa, pôsto que a chamada personalidade material, por si só, não compõe um ente, serão só um dos aspectos da personalidade jurídica, cuja complementação fica dependente da conjunção de um outro elemento ou aspecto, a que chamamos de personalidade instrumental.

Nesse sentido são as palavras de SANTI ROMANO, quando fixa o traço, que êle considera fundamental, de diferenciação do órgão:

“L’organo, invece, e l’ente cui esso appartiene sono da indicarsi col numero uno e, se si vuol indicare solo il primo, ciò si può fare con un numero frazionario, non un numero intero.

…………………………………………………………………………………………………………

I terzi che vengono in contatto con l’organo si trovano di fronte immediatamente all’ente stesso, non ad un suo alter ego: non solo gli effeti dell’attività dell’organo, ma tutta la sua attività è giuridicamente attività dell’ente, il quale – importantíssima conseguenza – ne risponde secondo i principii della responsabilità diretta, che, come è noto, sono notevolmente diversi da quelli della responsabilità cosi detta indiretta”.9

E conclui o sábio jurista peninsular, completando o seu pensamento já transcrito no item 2 dêste parecer:

“L’organizzazione, invece, è figura bilatera (e ciò e a dirsi per tutti gli organi in quanto tali) che unisce l’ente com l’organo: i terzi o mancano o stanno di fronte al primo com cui il secondo si immedesima”.10

Ante a impossibilidade de explicar essa situação através da teoria do mandato, é que surgiu a teoria do órgão, cujos resultados são plenamente esclarecedores e satisfatórios.11

Tal teoria, criada e sustentada para es corporações em geral por OTTO VON GIERKE e para o Estado, particularmente, por JELLINEK, é a única, capaz de explicar a condição jurídica dos órgãos dirigentes das pessoas jurídicas de direito público e privado, sem as incongruências e os obstáculos que encontraria a idéia de mandato.

É verdade que o maior desenvolvimento da teoria do órgão tem sido dado pelo direito público, mas, a sua admissibilidade em direito privado é indiscutível, porque os elementos que ela oferece nada têm de particularizado àquele primeiro ramo jurídico, tanto assim que foi criada por GIERKE, tendo em vista o próprio direito privado.

SANTI ROMANO di-lo claramente, depois de apreciar a legislação civil e comercial italiana:

“Il concetto di organo non è più estraneo al diritto privato”.12

Isto pôsto, importa precisar, em traços gerais, as características essenciais dos órgãos das pessoas jurídicas.

A relação orgânica, como se viu, vem suprir deficiência constitucional que é peculiar às pessoas jurídicas, qual seja a de não terem elas, a não ser quando assim integradas, uma existência física e psíquica, ficando, portanto, privadas de exercer atividade própria.13

Só depois de organizada é que a pessoa jurídica é capaz de assegurar, por si mesma, uma unidade de vontade, de poderes e de atividade.

O órgão, conseqüentemente, vem considerado, não pela sua qualidade jurídica, luas, pela sua idoneidade física e psíquica para querer e agir.14

Êle não se limita a enunciar uma vontade preconstituída da pessoa jurídica: mais que isto, forma a vontade do ente em que se incorpora, de moda que pelo órgão é que a pessoa jurídica começa a querer jurìdicamente.

É isso que JELLINEK procura traduzir, quando diz que por detrás do mandatário ou do representante existe outra pessoa, enquanto por detrás do órgão não há nada.15

O órgão como se vê, diferentemente do mandatário, desempenha uma função. A sua função é a de fazer agir e querer uma pessoa que, constitucionalmente, de outro modo não poderia fazê-lo.

CROME, estudando no seu “System” as pessoas jurídicas, mostra a necessidade, que já acentuamos ser conceituai, de possuírem órgãos, ou seja, de apresentarem-se como uma organização:

“Anderseits bedarf der Verband, um rechtlich tätizu werden, einer Organization”.16

Na atuação do ente coletivo, insiste CROME esclarecendo o seu pensamento, tal organização se manifesta quer todos os associados possam agir, quer apenas ajam determinadas pessoas na qualidade de órgãos:17

“Entweder so, dass alle Verbandsmitglieder hendeln (wobei dann wieder nähere Vorschriften darüber gegeben werden, wie etwaige dissentierende Mitglider zu behandeln sind), oder so, dass einzelne Personen als Organe des Verbandes bes timmte Handlungen mit Wirkung für letztere vornehmen sollen”.

A “representação”18 da pessoa jurídica por tais órgãos, apressa-se a acrescentar CROME, não é porém aquela tida no comum entendimento jurídico, mas se funda na essência da pessoa jurídica, pôsto que a sua atividade se manifesta como a própria atividade da pessoa jurídica:

“Wo in diesser Weise ein Handeln Einzelner für den Verband vorkommt, liegt Stellvertretung vor; aber nicht die gewöhnliche, sondern eine im Wesen der juristischen Person begründete, da letztere nicht han deln kann, wie ein gewöhnlicher Mensch. Die Folge ist, dass Handlungen eines solchen Vertreters in Angelegenheiten der juristischen Person als Handlungen der letzteren selbst gelten”.19

As duas condições para que se configure o órgão são: que êle faça parte integrante da estrutura de um ente e que a atividade por êle desenvolvida seja pelo direito considerada como direta e imediatamente própria do mesmo ente.20

O órgão, em face da pessoa coletiva, não aparece como uma pessoa estranha, como uma outra parte, tal qual sucede com o mandato. Pelo contrário, entre ambos, órgão e pessoa jurídica, configura-se uma absoluta identificação, ou compenetração, através da qual se manifesta a unidade da pessoa jurídica:21

“Soltando quando esercita la funzione connessa alla sua qualità di organo, non viene più in considerazione la sua personalità nè di fronte all’ente nè di fronte ai terzi, giacchè si immedesima con l’ente e fa corpo con esso”.

Enfim, a pessoa investida na situação de órgão se despersonaliza, de modo que a sua condição corresponde à dignitas, que permanece inalterável, apesar da mudança ou modificação dos indivíduos que se revestem desta.

ARNALDO DE VALES di-lo muito bem:

“… La dottrina organica sostiene che quando un individuo è preposto ad un ufficio la volontà che egli manifesta non ha valore come attività sua, ma si riferisce all’ufficio come al suo soggetto: in altri termini non sono gli efetti della volontà che si riferiscono all’ente, ma è la stessa volontà che è concepita come propria dell’ente”.22

Enquanto o mandato pressupõe duas vontades, das quais uma, se substitui à outra, nas coletividades orgânicamente unificadas não há uma vontade preconstituída à qual se substitua a vontade do órgão, mas uma vontade única, a da coletividade mesma, organizada para querer.23

GEORGES RIPERT, quando estuda as sociedades anônimas, se refere a uma nova concepção da organização da sociedade (“une nouvelle conception de l’organisation de la société”):

“Les personnes chargées de l’administration et de la surveillance ne sont pas des mandataires au sens que le droit civil donne à ce mot. Ils sont investis d’un pouvoir légal. Ce sont les or ganes de la société personne morale”.24

Também CUNHA GONÇALVES, tratando dos órgãos da pessoa jurídica, ainda que se refira à representação, cuja impropriedade já assinalamos ao citar CROME, repele a idéia de mandato:

“Esta representação é muito mais do que o mandato, pelo menos em relação a terceiros. O mandato supõe a existência de duas vontades distintas: a do mandante e a do mandatário. Nas pessoas coletivas, os corpos gerentes são os seus órgãos; a vontade dêstes, emitida nos limites legais, é a própria vontade daquelas, que não têm outra, nem outra via para a manifestar jurìdicamente. Por isso, os diretores têm uma amplitude de ação que não teriam uns simples mandatários, mormente no mandato civil”.25

Entre nós, no seu trabalho sôbre as sociedades anônimas, quando estuda a situação dos diretores e administradores, também LOPES PONTES repele á suposição de que se trate de mandatários:

“Isso, porém, não o fazem como mandatários, mas como órgãos da manifestação externa da sociedade, personificam esta. Êles, ao mesmo tempo que põem a sociedade em contato com terceiros, tutelam os interêsses da mesma sociedade, dos acionistas e de terceiros; fiscalizam a observância da lei e dos estatutos; obram, como se vê, motu proprio. Ora, não se daria isto se fôssem simples mandatários. O mandato é livremente conferido pelo mandante, o qual, também livremente, fixa a extensão dos poderes.

Aqui, não existe esta dupla liberdade. A sociedade é obrigada a nomear os seus administradores e há um mínimo de poderes dos quais êstes não podem ser privados. O mandato como contrato que é, exige duas partes: o representante e o representado. A sociedade e seus administradores, porém, não podem ser assim considerados. Êstes não são partes estranhas, externas ou independentes da sociedade, mas, sim, partes integrantes da mesma. Constituem os administradores um dos órgãos indispensáveis à existência da sociedade. Nasceram com ela e sem os mesmos, a sociedade não poderá funcionar, substituam-se, embora as pessoas que ocupem êsses cargos”.26

Em conclusão, portanto, não são mandatários os órgãos diretores e administradores. Pelo contrário, êles se conceituam coro órgãos em sentido técnico e, como tais, não representam uma vontade de outra pessoa, mas, compõem a própria constituição dessa pessoa, cuja vontade tem neles mesmos a sua formação e exteriorização.

Delegação

É dentro dêsse quadro que é possível estudar a figura da delegação. Ocorre que, por vezes, o ato institucional ou o estatuto da pessoa jurídica, na distribuição das competências ou das atribuições referentes a cada um de seus órgãos, admite que êles deleguem a outros órgãos funções ou atribuições que lhes sejam próprias.

Em princípio, a distribuição de funções ou atribuições, feita expressamente, se entende de modo estrito e é intransferível. Nada impede, porém, que o ato institucional admita a sua transferência a outrem. Já se vê, ainda aqui, que de mandato não se trata, pois não há mandato para o exercício de funções.27

Por outro lado, indicado o órgão que será titular da delegação (delegado), excluem-se as idéias de liberdade de escolha e de confiança (fidúcia), que caracterizam o mandato e que estão ausentes na delegação.

Por fim, o ato praticado pelo delegado se atribui ou se imputa diretamente à pessoa jurídica, sem o envolvimento de qualquer participação ou responsabilidade do delegante.

O delegado aparece, assim, como órgão da pessoa jurídica, da mesma forma que o órgão delegante, no exercício de funções com base num interêsse objetivo.28

Como já se afirmou, nas considerações gerais que precederam, na qualidade de órgão, o delegado é o próprio portador (Träger) da vontade da pessoa jurídica, e não representante ou mandatário do delegante.

É verdade que, para o exercício da delegação, é necessário um ato do órgão delegante. Não é, porém, tal ato de delegação que dá origem aos poderes do delegado.

Pelo contrário, tais poderes lhe são conferidos pelo próprio ato institucional do ente ou pelo seu estatuto, na distribuição das atribuições ou da competência dos órgãos.

O ato do órgão delegante é mero ato-condição para que o seu destinatário exercite os poderes que já lhe foram reconhecidos ou as funções que lhe foram atribuídas ou permitidas, no ato institucional ou no estatuto.29

Já se vê, como acentua FRANCHINI, que qualquer alteração quanto ao titular do órgão delegante, como a morte ou a desinvestidura do seu titular, nenhuma influência exerce sôbre a delegação, nem sôbre a atuação do órgão delegado, a menos que do próprio ato de delegação conste restrição nesse sentido (delegação pro tempore, etc.).30

Do mesmo modo, é indiferente para a delegação qualquer alteração no órgão delegado, a menos que a delegação se faça, nominalmente, ao titular do órgão delegado (delegação intuitu personae).

Fácil é concluir, respondendo ao primeiro dos problemas postulados na consulta.

O princípio do Cód. Civil é inaplicável ao caso, pôsto que não se trata de mandato. Feita a delegação, ela perdura, apesar do falecimento do eventual titular do órgão delegante.

A questão se soluciona pela aplicação dos princípios atinentes à teoria do órgão, não dos relativos ao mandato.

Estatuto e substituição do presidente

6. Resta solucionar o segundo problema formulado na consulta. O estatuto, na distribuição de funções e atribuições, ou seja, na partilha da competência dos órgãos sociais, preceitua que compete ao vice-presidente substituir o presidente “nas suas faltas ou impedimentos” (art. 41). Estarão compreendidas aí, por exemplo, a morte, a interdição, etc.?

Cabe recordar que tôda partilha de competência, ou tôda distribuição de funções, deve entender-se de modo estrito.

Por outro lado, importa acentuar que a sociedade, ora apreciada, adotou, para a constituição de seus órgãos, ou para a sua organização, o modêlo das sociedades anônimas, como, aliás, expressamente permite o Cód. Civil.31 Isso autoriza a aplicarem-se os princípios no particular vigorantes para as sociedades anônimas.

Feitas essas advertências prévias, cabe encarar a questão. Falta ou impedimento, como ensina LOPES PONTES, é “o afastamento temporário do efetivo exercício das funções do cargo”.32 Caso diverso é o da morte, por exemplo. O que caracteriza a falta ou impedimento é a sua transitoriedade, temporariedade ou provisoriedade.

Quando, porém, um diretor fica desprovido, definitivamente, de tal qualidade e de todos os direitos e prerrogativas decorrentes, é ainda LOPES PONTES quem o diz, o caso é de vaga ou de vacância.33 São, pois, hipóteses inteiramente diversas. Por isso, em ambas as hipóteses, deve o estatuto resolver o modo como se fará a substituição:

“Para ambas as hipóteses é necessário prever nos estatutos a substituição, quer em caso deva-a, quer nos de impedimentos temporários”.34

Acrescenta LOPES PONTES:

“E, havendo diferença entre vaga e impedimento, há diferença no modo de solucionar uma e outro”.35

Ora, o estatuto só tratou do problema da falta ou impedimento. Nada disse sôbre a hipótese de vaga. Neste caso, verificada a vaga, cabe eleger, em assembléia geral, novo presidente.

Em princípio, é à assembléia geral que compete escolher, definitivamente, o presidente. Essa é a regra geral. Se o estatuto não dispuser de outro modo, a matéria será devolvida à deliberação da assembléia geral. Ainda uma vez, cabe transcrever o ensinamento de LOPES PONTES:36

“A vaga só é resolvida, definitivamente, pela assembléia geral”.

Pode-se concluir, portanto, a solução do segundo quesito postulado na consultor. O vice-presidente não rode substituir, em caráter efetivo, atentos os têrmos do estatuto social, o presidente, no caso de vaga ou vacância, como é o de morte. Falecido o presidente, deve convocar-se uma reunião da assembléia geral, a fim de que outro seja eleito para ter exercício até a data da ultimação da gestão da atual diretoria.

7. Em resumo, portanto, respondo dêsse modo aos quesitos formulados:

Ao 1° quesito: Não; a delegação continua a existir, até que seja revogada.

Ao 2° quesito: Teve ser feita nova eleição, em assembléia geral, para preenchimento da vaga criada com o falecimento do presidente. O vice-presidente não pode substituí-lo, em caráter efetivo.

É o meu parecer, S. M. J.

Amílcar de Araújo Falcão, advogado no Distrito Federal.

__________

Notas:

1 Cf. FLAMÍNIO FRANCHINI “La delegazione amministrativa”, 1950, pág. 38.

2 Cf. CARRÉ DE MALBERG, “Teoria general del Estado”, trad., 1948, pág. 992.

3 Cf. GIOVANNI MIELE, “Principi di diritto amministrativo”, 1953, vol. I, pág. 71, § 13; cf. também MALBERG, ob. cit., pág. 993, quando diz que o representante “declara su voluntad propia, voluntad distinta de la del representado”; igualmente, assim, ARNALDO DE VALES “Teoria giuridica della organizzazione dello Stato”, 1931, vol. 1, pág. 98.

4 Cf. SANTI ROMANO, “Frammenti di un dizionario giuridico”, 1947, pág. 167: “La rappresentanza è figura trilatera che collega il rappresentato, il rappresentante e i terzi”.

5 Cf. ob. cit., pág. 167.

6 Cf. SANTI ROMANO, ob. cit., pág. 148: “Le persone giuridiche, che siano corpi sociali, sono per definizione delle organización in senso largo, cioè delle unità che risultano da un complexo più o meno vario di elementi collegati fra di loro da un ordinamento giuridico”.

7 Cf. MALBERG, ob. cit., pág. 989, com apoio em MICHOUD: “Según la definición comúnmente propuesta por los autores, la expresión persona jurídica, aplicada a una colectividad, expresa el hecho de que esta colectividad es un sujeto de derecho y forma, por consiguiente, una unidad jurídica”.

8 Cf. MIELE, ob. cit., págs. 67 e 77.

9 Cf. ob. cit., pág. 167.

10 Cf. ob. cit., pág. 167

11 Adverte-se que a teoria jurídica do órgão nada tem a ver com a teoria organicista (escolas ou tendências organicistas) defendida por alguns sociólogos, cuja fundamentação e cujas conclusões são, aliás, inteiramente inaceitáveis. Cf., a propósito, MALBERG, ob. cit., pág. 990: APARÍCIO MENDEZ, “La teoria del órgano”, 1949, págs. 7 a 9.

12 Ob. cit., pág. 149 e, bem assim, pág. 148; também, MIELE, ob. cit., pág. 76: “individuabile anch’essa cosi nel diritto pubblico come nel diritto privato”.

13 Cf. MIELE, ob. cit., pág. 76.

14 Cf. SANTI ROMANO, ob. cit., pág. 161: “quel Che conta per la qualità di organi non è la personalità, ma giova ripeterlo ancora uma volta – l’idoneità física e psíquica di volere e agire”. Também, à pág. 155: “L’individuo Che assuma la qualità di organo deve essere non uma persona Che rimanga estranea all’ente, al di fuori di esso, ma um individuo che venga in questo incardinato, in modo che la volontà e l’azione dell’ente: egli non vuole e agisce per l’ente, in vece e per conto dell’ente, ma, come si è detto e giova ripetere, fa valere e agire l’ente, apprestando a questo qualità fisiche e psichiche che l’ente altrimenti non possiederebbe, ma che cosi vengano a costituire qualità anche di quest’ultimo, conferendogli uma capacita che per gli individui è, prima che giuridica, naturale, mentre per l’ente è meramente giuridica”.

15 Apud MALBERG, ob. cit., pág. 992.

16 Cf. “System des deutschen bürgerlichen Rochts”, 1900, 1º vol., pág. 227.

17 Ob. cit., pág. 227.

18 O têrmo “representação” (Steilvertretung) parece ter sido usado impròpriamente por CROME, mas por fidelidade ao original, resolvemos não substituí-lo por expressão mais própria. De qualquer forma, assinale-se que CROME não usou, propositadamente, a expressão Auftrag, que é aquela com que em alemão se traduz mandato.

19 Ob. cit., págs. 227 e 228.

20 Cf. SANTI ROJIANO, ob. cit., pág. 147.

21 SANTI ROMANO, ob. cit., pág. 155.

22 Ob. cit., pág. 98.

23 Cf. DIALBERG. ob. cit.

24 Cf. “Traité Elémentaire de droit commercial”, 1948, pág. 424.

25 Cf. “Tratado de direito civil”, 1929, vol. 1, págs. 784 e 785.

26 Cf. “Sociedades anônimas”, 1954, vol. II, págs. 504 e 505.

27 Cf. FLAMÍNIO FRANCHINI, “La delegazione amministrativa”, 1950, pág. 14.

28 Cf. FRANCHINI, ob. cit., pág. 15: in base ad un intesse oggettivo”; no mesmo sentido à pág 35: “concludendo si può, dunque, dire che la delegazione rappresenta effettivamente una mesura oggettiva per lo svolgimento di una funzione”.

29 Cf. FRANCHINI, ob. cit., pág. 150.

30 Cf. FRANCHINI, ob. cit., págs. 191 e 192.

31 Não há forma determinada para a organização das sociedades civis, de modo que o Código Civil permite, no art. 1.364, que adotem a forma das sociedades comerciais:

“Quando as sociedades civis revestirem as formas estabelecidas nas leis comerciais entre as quais se inclui a das sociedades anônimas obedecerão aos respectivos preceitos, no em que não contrariem os dêste Código: mas serão inscritas no registro civil, e será civil o seu fôro”.

32 Ob. cit., pág. 525.

33 Ob. cit., pág. 525.

34 Cf. LOPES PONTES, ob. cit., pág. 525; no mesmo sentido, pág. 527.

35 Ob. cit., pág. 526.

36 Ob. cit., pág. 527.

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