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REVISTA FORENSE 157

TESTEMUNHO

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06/02/2023

REVISTA FORENSE – VOLUME 157
JANEIRO-FEVEREIRO DE 1955
Bimestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICARevista Forense 157

DOUTRINA

PARECERES

NOTAS E COMENTÁRIOS

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

LEGISLAÇÃO

SUMÁRIO: I. Empirismo. II. Narco-análise. III. Cardiopneumopsicograma. IV. Acareação sem dor. V. “Echevinage” e júri com sentença fundamentada.

Sobre o autor

W. Vilela de Horbillon, advogado em São Paulo.

NOTAS E COMENTÁRIOS

Depoimentos e Testemunhos – Efração da Consciência

Tem-se observado que até pessoas integras, quando chamadas a prestarem OS seus depoimentos sôbre um acontecimento que presenciaram, em determinadas circunstâncias ou condições, às vêzes cometem, ainda que de boa-fé, lamentáveis equívocos. Enganam-se. Porém outras, em grande cópia, querem mesmo enganar1 e, assim, em nossa tradição forense, se recomenda aos “Enqueredores” que “atentem bem com que aspecto e constância falam e se variam, ou mudam de côr, ou vacilam ou se torvam na fala em maneira que lhes pareça que são falsas, ou suspeitas. E quando assí o virem, ou sentirem, devem-no notificar ao julgador do feito, se fôr no lugar, onde se tirar a inquirição; e se forem absentes, mandarão aos Scrivães, ou Tabeliães que screvam as ditas torvações e desvarios das testemunhas, a que acontecer para o Juiz, que houver de julgo o feito, prover nisso como lhe pareça “justiça”.2 E, realmente, a inquirição verbal é “bem matizada e a causa de se formularem perguntas sucessivas provêm freqüentemente de comportamentos singulares do argüido. Emotividade, entonação, rapidez da resposta, hesitação tudo constitui o motor do diálogo, tanto quanto a caricatura ou a ilusão de uma lógica que se apresenta em função de estranha equação”.3 Mas se observa a impaciência das mãos, os batimentos das pálpebras, a deglutição espasmódica, a expressão do olhar, espreita-se a agonia na oportunidade de certas revelações, ainda modernamente, como no século VIII uma lei nipônica recomendava ao juiz que estivesse atento à respiração, porque “a do culpado é ofegante”.4

Empirismo

Porém, a evolução em tal assunto deve processar-se no sentido de reduzir “a influência dêsse empirismo inseguro, com adoção de métodos rigorosos de apreciação positiva”,5 se o reconhecimento de imagens que impressionaram os sentidos exige uma elaboração seletiva, de coordenação e interpretação que “difere conforme o senso crítico e o poder de julgamento interno de cada um”6 e a credibilidade de um testemunho “se aquilata pela aptidão física e intelectiva e pela sensibilidade e emotividade de seu autor”;7 sendo necessário, entretanto, ter-se em conta as circunstâncias de tempo e lugar mais ou menos favoráveis à observação.

Ora, essa interpretação dos sintomas que se verificam na pessoa do interpelado era, pois, outrora, comparável a um exame clínico procedido sem o concurso de qualquer aparelhamento técnico ou provas de laboratório, pelo que se tornava interessante a invenção de uma gazua capaz de surpreender os arcanos da consciência.

E assim foi que, a princípio, o Dr. HOUSE, do Texas, antes de 1930, – observando ter a escopolamina, produto extraído do meimendro (Hyoscyamine), o estranho poder de invadir certas regiões inibidoras da matéria cerebral, sem atingir a memória, a audição e a faculdade de elocução, – aprofundou as suas investigações que o levaram à verificação de que as zonas do cérebro então isoladas eram precisamente aquelas onde se elaboram as medidas de autodefesa ou, em trôco miúdo, as mentiras e, dessarte, se pôde concluir que um indivíduo humano submetido aos efeitos dessa droga permanecia em plena disposição dos sentidos, mas perdia a faculdade de inventar histórias inverídicas.

Conta-nos H. ROBINSON MORTON, no magnífico livro denominado “La Science contre le Crime”, ed. 1941, pág. 239, que, certa vez, o coronel Goddard, da polícia norte-americana, notou haver um seu preparador de laboratório respondido contraditòriamente a certa pergunta articulada, primeiramente em estado de plena consciência e, a seguir, sob os efeitos da droga. O quesito era assim redigido: “Nunca fôra detido por infração aos regulamentos de trânsito?” Em plena consciência, o preparador respondeu negativamente. Contudo, sob a ação da escopolamina, respondeu: “Sim, quando freqüentava a escola, na Virgínia”. Convidado depois; já em estado de lucidez, a apresentar uma explicação, confessou tratar-se efetivamente de um incidente completamente esquecido que, entretanto, lhe voltou sùbitamente à memória, após a injeção.

Narco-análise

Não obstante, está fora de cogitações atualmente o emprêgo dessa droga, especialmente porque se trata de “uma substância perigosa que pode acarretar a morte”, caso não seja administrada por médico especialista ou conhecedor daquelas “traiçoeiras propriedades”,8 e, também, porque sofreu a concorrência do amital sódico ou do pentotal ou, mais precisamente, da psico-narco-análise, pois que, segundo afirma o Dr. GUILLAN, os produtos dessa natureza são inofensivos à saúde do paciente, conforme experimentação em milhares de casos,9 se bem que, no prudente aviso do Prof. MERGEN, a narco-diagnose não poderá, por si só, servir de prova judicial decisiva, porque “é evidente que as declarações prestadas nesse estado não bastarão jamais para estear um julgamento”,10 desde que se cuida de um método de exploração do subconsciente e de emprêgo recente.

Acareação sem dor.

Dêsse modo, as atenções dos pesquisadores têm-se voltado atualmente para certos instrumentos de medição das sensações do depoente e que, segundo supomos, vêm resolver satisfatòriamente o problema até hoje um tanto ridículo da acareação forense.

Ora, segundo o disposto no art. 229 do Cód. de Proc. Penal brasileiro, a acareação será sempre admitida entre pessoas que divirjam, em suas declarações, sôbre fatos ou circunstâncias relevantes. Porém, na verdade, postas frente a frente, na quase totalidade das hipóteses, essas pessoas se limitam a confirmar, obstinadamente ou segundo a famigerada lei do menor esfôrço, as suas declarações anteriores, prestadas em juízo. Não obstante, atualmente, a arte de inquirir conta, pelo menos, com dois excelentes instrumentos de precisão, sendo que o mais singelo é o psico-galvanômetro de SUMMERS, que, como é sabido, funciona do seguinte modo: a pessoa interrogada deve segurar uma pequena peça de metal que produz certa corrente elétrica de fraca intensidade por meio de uma pilha sêca ligada ao aparelho registrador e ao corpo humano, portanto. Articulam-se, então, perguntas, ora de sentido vago, ora preciso e diretamente relacionado a fatos determinados. E quando uma das questões inquiete o argüido, verifica-se um curioso fenômeno: se o interrogado se sente realmente culpado, as glândulas sudoríparas se excitam, devido à ação das energias internas aplicadas em desviar o perigo. O aumento de secreção produz, assim, na palma da mão, uma quantidade de suor suficiente para diminuir a resistência à corrente elétrica. E essa redução é, in continente, registrada.

O conceituado perito norte-americano R. MORTON sujeitou-se a uma experiência levada a efeito pelo próprio SUMMERS. Foram mostradas ao paciente várias cartas de baralho para que, mentalmente, se marcasse uma delas, guardando segrêdo. MORTON escolheu o dois de copas; è as cartas foram baralhadas logo depois e jogadas uma a uma na mesa e sempre acompanhadas da pergunta: “será essa”? O paciente ia, sempre, respondendo “não”, sem tirar os olhos da agulha do galvanômetro. Quando passava o dois de copas, o interpelado, também “normalmente”, respondia “não”, mas a agulha do aparelho, então, oscilava bruscamente. Repetiu-se a experiência por três vêzes e MORTON se pôs na contingência de confessar que tinha mentido. E a sua mentira estava impressa inexoràvelmente, nos três momentos em que foi jogada a carta sorteada.

E o que se poderá esperar, então, de um aparelho extraordinàriamente mais completo, como o polígrafo de LEONARD KEELER? Que é uma sincronização perfeita do pneumógrafo, do esfigmógrafo e do galvanômetro, que é capaz de escrever a “linguagem fisiológica dos órgãos”, mais sincera do que aquela atribuída ao homem, segundo uma frase célebre, para dissimular o pensamento, conforme observa o professor suíço JEAN GRAVEN.11

Dessarte, poder-se-á determinar, sem dor, qual dos acareados está querendo enganar e em que parte de suas respostas, pretendeu fazê-lo.

Cardiopneumopsicograma

E, conforme noticia ALEC MELLOR,12 êsse instrumento mereceu tal aceitação nos Estados Unidos que o Conselho de Pesquisas de Harvard o recomendou aos serviços de contra-espionagem e a crer-se num jornal londrino, o espião atômico KLAUS FUCHS submeteu-se a essa prova. Nos Estados Unidos é usado em larga escala pelos estabelecimentos bancários, emprêsas particulares e repartições da polícia. E pelo que relata o Prof. INBAU, que discorreu minudentemente sôbre o assunto no Congresso da “International Bar Association”, de Londres, em 1950, o coeficiente de êrros a se admitir é quase nulo sem embargo, para que bem se avalie a eficiência dêsse cardiopneumopsicograma, de Berkeley (Califórnia), o esplêndido livro de FRANÇOIS GORPHE, “L’Appréciation des Preuves en Justice”, ed. 1947, páginas 124-125, assim descreve o esclarecimento de uma espécie até então misteriosa: “O comerciante X desaparecera durante uma viagem e como seu itinerário não era pré-determinado ou fixo, sòmente alguns dias mais tarde é que se notou a sua ausência. Na última vez em que foi visto conduzia um estrangeiro no seu automóvel. Suspeitou-se de que fôra vítima de atraiçoante armadilha, pelo que as duas circunstâncias, concernentes ao automóvel e ao estrangeiro, foram comunicadas às cidades e Estados vizinhos. Algum tempo depois, Y foi detido sob acusação de ter infringido disposições legais referentes à economia popular. No pôsto policial, alguém desconfiou de que se trataria da pessoa procurada. É que o automóvel correspondia à descrição difundida e o certificado de propriedade era endossado por X, quiçá com assinatura obtida mediante constrangimento. Detido para mais amplas informações, lembrou-se que mais quatro casos análogos continuavam sem explicação. Supôs-se, nessas condições, que êle havia seguido, algum método curioso para dar fim as corpos de suas vítimas. Conduzido ao laboratório, submeteu-se a um polígrafo de KELLER e, como se previa, o aparelho indicou falsas respostas às questões concernentes à autoria da morte. Porém era preciso encontrar o corpo, porque, nos casos de homicídio, o problema principal refere-se à necrópsia ou perícia médico-forense à necrópsia ou perícia médico-forense. Perguntou-se-lhe ainda se as vítimas foram envenenadas, afogadas, atiradas… e uma resposta específica se notou com referência à arma de fogo. Articularam-se, em seguida, perguntas relacionadas ao processo usado para se conseguir o desaparecimento dos vestígios: “Os corpos foram queimados?” “Enterrados?” etc. A essa última pergunta, êle retorquiu de “maneira anormal”, concluindo-se, portanto, pelo enterramento. Mas onde? Várias perguntas se formularam, tais como: “Próximo à praia*” “Na via férrea?” “No cemitério?” Depois se mostrou a Y um mapa de três Estados onde poderia estar o corpo de X. O aparelho indicou uma resposta simulada com relação ao Estado para onde, então, se voltaram as atenções. Dividiu-se em 10 partes o mapa dêsse Estado – e se formulando questões apropriadas – conseguindo-se a eliminação de nove das seções. Finalmente, a superfície a ser examinada circunscreveu-se em 1.413 metros quadrados aproximadamente, onde se encontravam dois pequenos cemitérios. E, nessa altura das investigações, Y viu-se tão desesperado que, abruptamente, espatifou o aparelho, a murros. Passando ao exame das sepulturas, os agentes da polícia perceberam sinais recentes de escavações numa delas e lá jazia o cadáver de X. A especialidade dêsse criminoso consistia, pois, em levar o corpo da vítima ao cemitério em que houvesse uma sepultura nova, a que êle acrescentava outro defunto, com a intenção de impossibilitar a exibição do “corpo de delito”. E êle teria calculado bem, não fôra o lie-detector”.

Assim, as hipóteses de acquittement, de absolvição por deficiência probatória, vão-se reduzindo e as sentenças ganham o consenso geral, com embasamento em provas técnico-científicas, dispensando-se, dêsse modo, o recurso perigoso ao sentimentalismo do “livre convencimento” empírico, subjetivista, tão danoso para o condenado inocente quanto para o crédito da Justiça.

“Echevinage” e júri com sentença fundamentada

Afortunadamente, a tendência moderna do Direito se orienta no sentido de que tôda e qualquer sentença deve ser objetivamente fundamentada ou justificada,13 mesmo aquelas exaradas por órgãos coletivos de echevinage ou tribunais de júri misto, como acontece na Itália atual, onde a Constituição política, a partir de 1º de janeiro de 1948, exige expressamente que “tôdas as decisões judiciárias devem ser motivadas”, inclusive, lògicamente, as do tribunal popular.14

Contudo, o juiz belga ROBERT LEGROS15 informa que, de fato, os tribunais de polícia correcional não têm, às vêzes, motivado suas decisões senão formalmente, o que lhes permite estatuir por razões de oportunidade, por “íntima convicção”, sem embargo de que fustiga êsse procedimento, sustentando as candentes expressões de MIMIN, in verbis: “Procuramos, então, nos textos, alguma disposição que permita supor tenha o legislador, – abdicando de sua própria função, – autorizado o júri a negar a evidência por razões de oportunidade ou que lhe dispensasse de dizer a verdade ou lhe delegasse o direito de criar ficções” (pág. 267, nota 1).

Afirma-se, dessarte, a reprovação de qualquer lei que obrigue um ente racional a sentenciar sem a faculdade ou dever de mostrar claramente a seus pares, aos contemporâneos, os argumentos de sua convicção, alicerçados em elementos objetivos, portanto. A contrário, expor-se-ia a honestidade intelectual do julgador a suposições reticentes, com danosa perplexidade, em desprestígio da Justiça, pelo que, assim, será preferível a efração à obturação de certas consciências já um tanto arrolhadas por natureza.

_________

Notas:

1 N. FRAMARINO DEL MALATESTA; “Lógica das provas em matéria criminal”, ed. 1937, pág. 491.

2 “Ordenações” – “Dos Enqueredores”, Livro I, tít. LXXXVI.

3 “Revue de Science Criminelle et de Droit Penal Compare”, 1963, pág. 140.

4 ALEC MELLOR, “Les grands problèmes contemporains de l’Instruction Criminelle”, ed. 1952, pág. 186, nota 2.

5 FRANÇOIS GORPHE, “L’Appréciation des Preuves en Justice”, ed. 1947, págs. 19 e 470.

6 F. GORPHE, ob. cit., pág. 362.

7 H. DONNEDIEU DE VABRES, “Préface” a GORPHE, pág. 12.

8 H. ROBINSON MORTON, “La Science contre le Crime”, ed. 1941, pág. 240.

9 “Revue de Science Criminelle”, 1960, página 348, nota 3.

10 “Revue” cit., pág. 366, nota 1.

11 JEAN GRAVEN, in “Revue” cit., página 391.

12 ALEC MELLOR, ob. cit., pág. 187.

13 ROBERT LEGROS, “L’Elément Moral dans le Infractions”, ed. 1952, págs. 267, 314 e 316.

14 A. JANNITTI PIROMALLO, “Il Nuovo Ordinamento delle Corti di Assise”, ed. 1968.

15 R. LEGROS, ob. cit., pág. 287.

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