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Hugo Grocio

HUGO GROCIO

INSTITUTO GROTIUS

REVISTA FORENSE

REVISTA FORENSE 156

Revista Forense

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26/12/2022

REVISTA FORENSE – VOLUME 156
NOVEMBRO-DEZEMBRO DE 1954
Bimestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICA

DOUTRINA

PARECERES

NOTAS E COMENTÁRIOS

  • Hugo Grocio, Hidelbrando Acióli
  • Lúcio de Mendonça, F. C. San Tiago Dantas
  • Do Corpo de Delito, José Frederico Marques
  • A Homologação das Sentenças Estrangeiras de Divórcio, João de Oliveira Filho
  • A Emissão de Ações com Ágio, Sílvio Marcondes
  • Poder Discricionário do Juiz
  • Exceção de Inexecução de Contrato Bilateral, Arno Schilling
  • Reintegração de Posse “Initio Litis”, Enéias de Moura
  • Justiça do Distrito Federal, José Pereira Simões Filho
  • José Antônio Pimenta Bueno, Dr. Laudo de Almeida Camargo

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

LEGISLAÇÃO

Sobre o autor

Hidelbrando Acióli

NOTAS E COMENTÁRIOS

Hugo Grocio

* O Instituto, que ora se inaugura nesta Faculdade de tão honrosas tradições, surge sob o patrocínio do mais ilustre talvez de entre os representantes da ciência do Direito das Gentes, em todos os tempos; daquele a quem tantas vêzes se chegou a atribuir a paternidade dessa nobre ciência. Na verdade, não precisamos esquecer seus ilustres predecessores para reconhecer em HUGO GROCIO o altíssimo valor de ter sido o autor da primeira exposição sistemática dessa disciplina, para proclamar a influência enorme que exerceu sôbre o desenvolvimento da mesma e dizer que a êle se deve, sem contestação, o surto que esta tomou, de então por diante.

Não ficou nisto, porém, a sua glória. Com efeito, sabe-se que êle foi conforme escreveu ANTOINE PILLET, “um dos espíritos mais vastos e talvez o erudito mais admirável que jamais existiu”.

A universalidade de seu espírito foi, realmente, notável, desde os anos de sua adolescência. Êle não limitou seus estudos, suas especulações, ao campo do Direito Internacional; sua curiosidade fê-lo tornar-se igualmente jurista de direito público interno e de direito privado, cultor da filosofia, da teologia, da astronomia, da arte da navegação, da poesia, da história.

Aos 14 ou 15 anos, já havia defendido, cum laude, teses sôbre matemática, filosofia e jurisprudência, e de tal modo se havia distinguido que, pouco tempo depois, ao ir pela primeira vez à França, como membro de uma embaixada especial de seu país, o rei HENRIQUE IV o apresentou à Côrte como o “milagre da Holanda” a Universidade de Orleãs lhe conferiu o grau de Doutor em Leis. É fato também que, ainda jovem, foi comparado a ERASMO – o grande humanista de Roterdão.

Versado nos filósofos da antigüidade e da idade média, entre os quais PLATÃO, ARISTÓTELES, CÍCERO, SÃO TOMÁS DE AQUINO, e também em seus próprios predecessores na ciência do Direito das Gentes – VITÓRIA, MENCHACA, AYALA, GENTILI, BUAREZ, – cedo começou GROCIO a escrever.

Sua atividade intelectual, aliás, foi prodigiosa e correspondeu bem à grande época em que viveu, época – como assinalou o fino espírito do grande mestre ALBERT DE LA PRADELLE – “época muito cheia de fatos, muito agitada de idéias, tôda apaixonada pela religião, pela política, pela humanidade, por tôdas as grandes causas que merecem que por elas se viva e se morra”.

Foi assim, envolvido nos acontecimentos, nêles tomando parte ativa, que GROCIO se dedicou à defesa das idéias que lhe eram caras, à divulgação dos frutos de sua erudição e de suas reflexões.

Pode afirmar-se, sem dúvida, que seus grandes livros, dos quais dimana sua glória perene, ou, mais precisamente, o “De jure praedae” e o “De jure belli ac pacis”, foram a conseqüência de preocupações políticas ou patrióticas de seu autor.

O primeiro, composto em 1604 e 1605, e que, no conjunto, não foi conhecido por seus contemporâneos, porquanto só se publicou no século passado, – isto é, em 1868, – parece ter sido escrito a pedido da Companhia Holandesa das índias Orientais, a propósito da captura de um barbo português por navios da dita Companhia. Escrevendo-o, GROCIO pensava no interêsse nacional, sèriamente ameaçado pela concorrência portuguesa ou, antes, pela pretensão do monopólio da navegação e comércio nos mares do extremo oriente.

Um dos capítulos dêsse livro, sob o título “Mare liberum”, foi destacado da obra e publicado em 1609.

Os comentadores de GROCIO reconhecem todos que o “De jure praedae”, se bem que obra de valor, não possui o caráter magistral do “De jure belli ac pacis”, redigido vários anos depois. O primeiro era trabalho de um jovem jurista, apesar de já se apresentar com muita habilidade e grande fôrça de argumentação, baseada esta, sobretudo, em leituras anteriores. No capítulo vindo a lume em 1609, é evidente, por exemplo, a influência de FRANCISCO DE VITÓRIA e VÁSQUEZ DE MENCHACA.

As relações internacionais – escreveu GROCIO no “Mare liberum” – são submetidas a regras gravadas por Deus na alma de todos. E, nessa ordem de idéias, passou a demonstrar que a navegação e o comércio são livres entre todos os povos.

Neste sentido discorreu em têrmos que podem ser assim resumidos: A vontade divina fêz os oceanos navegáveis em tôdas as direções. Os ventos mutáveis são igualmente a marca dessa vontade. Por outro lado, os portuguêses não tinham direito algum, de propriedade, a título de descobridores, sobre aquelas paragens, onde também navegavam os holandeses. A bula de 1493, de ALEXANDRE VI, tivera por fim decidir uma controvérsia entre portuguêses e espanhóis, mas não podia ser obrigatória, para outras povos, alheios à contenda. Se sua intenção tivesse sido a de fazer aos dois povos, diretamente interessados, a doação de dois terços do mundo, GROCIO, dizia e mostrava poder invocar contra a mesma as “Institutas”, em virtude das quais a propriedade não é adquirida pela doação e sim pela tradição. Além disto, o soberano pontífice não era senhor do mundo inteiro. Sôbre o mar – dizia êle ainda – era evidente que os portugueses não podiam invocar um direito exclusivo. Nem só ALEXANDRE VI não lhes podia ter atribuído um direito de proprietário, sôbre aquilo, pois o mar está fora do comércio, mas ainda as coisas que não podem ser ocupadas não se podem tornar propriedade privada e as suscetíveis de servir ao uso de todos como é o mar – devem permanecer eternamente comuns:

Com êsses e outros argumentos, o “Mare liberum”, suscitou – como é sabido – larga e famosa controvérsia, na qual se assinalaram, como seus opositores, um religioso português, SERAFIM DE FREITAS, e um escritor inglês, de nome JOHN SELDEN. Mas a obra, em si, pôsto redigida com grande habilidade e erudição, não apresentava concepções verdadeiramente originais. Segundo um autor holandês, o “Mare liberum” não concorreu para celebrizar o seu autor; foi o renome dêste que deu fama àquele trabalho.

Diferente foi o caso do “De jure belli ac pacis”, aparecido em 1625 e dedicado a LUÍS XIII, rei de França. Sabe-se em que circunstâncias foi escrita essa obra famosa. Achava-se GROCIO, então, na França, como exilado político, após uma fuga aventurosa. A guerra dos Trinta Anos, iniciada em 1618 e travada com fúria, excitava paixões e devastava larga região da Europa. Os excessos, os horrores que então se cometiam produziram forte impressão no espírito de GROCIO, nêle determinando uma reação pacifista, da qual como que se tem uma idéia neste trecho da notável Introdução à sua citada obra: … “desde muito” – lê-se na passagem a que aludo – “desde muito, eu estava convencido de que há um direito comum a todos os povos; direito que se aplica tanto nos preparativos quanto no decurso de uma guerra. Várias razões muito fortes me determinam hoje a escrever a esse respeito. Tenho observado de todos os lados, no mundo cristão, excessos tão desenfreados em relação à guerra, que dêles deveriam corar as mais bárbaras nações. Recorre-se as armas, ou sem razão ou por motivos fúteis, é, uma vez empunhadas essas armas, calça-se aos pés todo o direito divino e humano, como se, desde então, se estivesse autorizado e firmemente resolvido a cometer tôda espécie de crimes, sem freio algum”.

É também daquela época o projeto de paz geral publicado em Paris em 1623, por EMERIC GRUCÉ.

GROCIO imaginava, talvez, contribuir – conforme assevera NUSSBAUM – para restauração do direito e da paz, através do persuasivo poder de seu profundo estudo, que tentou mobilizar para êsse fim as fôrças da jurisprudência, da filosofia e da teologia; “tôdas as quais” – diz ainda o mesmo autor – “estavam à sua disposição”.

Seja como fôr, o genial holandês procedeu ràpidamente à elaboração daquela obra, que é a mais sólida base de sua fama.

Para levá-la a cabo, de muito auxílio lhe foram o manuscrito do “De jure praedae” e o conhecimento que adquirira das relações internacionais. Mas, indiscutivelmente, essa última obra é muito superior à anterior.

“De jure belli ac pacis” ocupa-se principalmente do direito da guerra. O objetivo do autor, aliás, não parece ter sido o de fazer um tratado que abrangesse todo o Direito das Gentes.

Entretanto, nessa obra se encontram considerações e princípios que ultrapassam o direito bélico e não são meras decorrências das regras relativas a êste. Neste sentido, basta citar os títulos de alguns dos capítulos do Livro Segundo da obra, tais como, por exemplo, os seguintes: “Da aquisição primitiva, das coisas”, “Da aquisição originária de um direito sôbre as pessoas”, “Das promessas”, “Dos contratos”, “Dos tratados públicos”, “Do dano causado injustamente e da obrigação que daí resulta”, “Do direito das embaixadas”.

É verdade que o citado Livro Segundo teve a finalidade expressa de explicar “a natureza e a extensão dos direitos, tanto públicos quanto particulares, cuja violação autoriza a pegar em armas”. Nem por isto deixam aquêles capítulos de se referir a assuntos que, por si mesmos, nada têm que ver com o direito da guerra.

Aliás, um dos mais ilustres tradutores da obra, isto é, JEAN BARBEYRAC, observou que a mesma, pelo título, pareceria limitar-se aos negócios da guerra, bem como aos da paz, de que a primeira é seguida; mas a verdade era que incluía “princípios gerais relativos a tôdas as outras matérias do Direito Natural, do Direito das Gentes e do Direito Público Universal”; e BARBEYRAC foi ainda além, dizendo: “Assim, o que era o principal na intenção do autor como que se tornou o acessório, mas um acessório que fornece materiais para construir um edifício mais regular”.

Dessarte, parece-me haver algum exagero em dizer-se que, no “De jure belli ac pacis”, “o direito da paz é tratado meramente como um incidente do direito da guerra”.

Seja como fôr, trata-se de obra profunda e erudita, que faz honra ao espírito humano.

No tocante ao estudo da guerra pròpriamente dita, segue a tradição escolástica do problema da guerra justa. Mas foi mais longe, porque, enquanto os mestres da escolástica geralmente se preocupavam apenas com as razões da guerra ou o modo por que se dá comêço a esta, GROCIO teve, além disso, o cuidado de indicar a maneira como a guerra deve ser conduzida, ensinando que nela devem prevalecer a moderação e os sentimentos de humanidade.

Seu objetivo – disse-o com razão JULES BASDEVANT – não foi o de fazer suprimir a guerra, mas apenas o de a regulamentar, ou melhor, determinar as causas justas de guerra e os meios humanos, os meios lícitos, que nela se podem empregar. Por outro lado, teve êle em vista mais o comportamento dos homens ou de cada homem, do que o do próprio Estado.

VAN VALLENHOVEN, considerado um dos mais conspícuos especialistas no tocante à obra de GROCIO, indicou, numa síntese feliz, que aqui resumo, as principais doutrinas desenvolvidas no “De jure belli ac pacis”: 1º) o livro julgou não só o comportamento das nações entre si, mas também o dos indivíduos; 2º) advogou o estabelecimento de uma regra de direito para o mundo inteiro, procurando acabar com o desrespeito à lei, não apenas entre as nações, mas ainda entre credos religiosos, entre raças, entre partes numa luta civil; 3°) estendeu suas regras ou preceitos a tôdas as nações e tribos da terra, sem discriminar entre orientais e ocidentais, brancos e negros, civilizados e bárbaros, cristãos e não-cristãos; 4º) em vez de defender o egoísmo, advogou o altruísmo e a caridade entre as nações.

Pode dizer-se, pois, que têm plena razão aquêles que, como BASDEVANT, afirmam haver GROCIO marcado, uma época na ciência do Direito das Gentes. Foi êle, com efeito, o ponto de partida do desenvolvimento sistematizado dessa ciência. E nêle já se observava uma mentalidade universalista, sem a qual o Direito das Gentes não poderia florescer.

Bem inspirados são assim aquêles que procurar glorificar o sábio autor do “De jure belli ac pacis”, invocando o seu nome como patrono e como guia para os estudos de Direito das Gentes e do chamado Direito Internacional Privado.*

Hidelbrando Acióli

____________

Notas:

* N. da R.: Conferência pronunciada na sessão inaugural do Instituto Hugo Grocio, Rio, 1954.

* INSTITUTO GROTIUS

Fundado sob os auspícios da Faculdade de Direito da Universidade do Distrito Federal, instalou-se, em sessão solene, a 21 de setembro de 1954, o Institui Grotius, destinado ao estudo do Direito Internacional e Direito Comparado, funcionando em articulação com as cadeiras de Direito Internacional Público e Privado e de Direito Constitucional.

A novel associação é presidida pelo professor OSCAR TENÓRIO e tem como tesoureiro e secretário geral, respectivamente, o Prof. CAIO TÁCITO e Dr. REINALDO MELO MORAIS.

O Conselho Consultivo é composto dos professores AFONSO ARINOS DE MELO FRANCO, ROBERTO LIRA, ARI FRANCO, BENJAMIM MORAIS FILHO, CARLOS MEDEIROS SILVA, HILDEBRANDO ACIOLI, EDUARDO ESPÍNOLA, SERPA LOPES, NARCÉLIO DE QUEIRÓS e DÉLIO MARANHÃO.

No ato inaugural falaram, além do embaixador HILDEBRANDO ACIOLI, cuja conferência publicamos acima, o presidente do Instituto, desembargador OSCAR TENÓRIO, o embaixador BARROS PIMENTEL, presidente do Instituto Brasil-Holanda, o Sr. DE CLERQ, adido cultural da Embaixada da Holanda, e o acadêmico RICARDO PEREIRA LIRA, presidente do Centro Acadêmico Luís Carpenter.

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