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Investigação de paternidade – legitimação por casamento subsequente – contestação da legitimidade pelo marido – erro ou falsidade do registro de nascimento

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Investigação de paternidade – legitimação por casamento subsequente – contestação da legitimidade pelo marido – erro ou falsidade do registro de nascimento

CONTESTAÇÃO DA LEGITIMIDADE PELO MARIDO

ERRO OU FALSIDADE DO REGISTRO DE NASCIMENTO

INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE

LEGITIMAÇÃO POR CASAMENTO SUBSEQUENTE

REVISTA FORENSE

REVISTA FORENSE 143

Revista Forense

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04/08/2021

REVISTA FORENSE – VOLUME 143
SETEMBRO-OUTUBRO DE 1952
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto

Abreviaturas e siglas usadas
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Revista Forense 143

CRÔNICA

DOUTRINA

PARECERES

NOTAS E COMENTÁRIOS

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

LEGISLAÇÃO

– Investigação de paternidade – legitimação por casamento subsequente – contestação da legitimidade pelo marido – êrro ou falsidade do registro de nascimento

– A legitimação resulta automàticamente do casamento posterior daquele de cuja união sexual haja nascido um filho.

– A ação de contestação de legitimidade não se confunde com a ação negativa de paternidade, privativa do marido, cabendo assim também ao suposto filho.

– A retificação do registro é permitida, provado o êrro ou a falsidade, salvo quando milita em favor do filho a presunção legal da legitimidade, pela inexistência de contestação dela pelo pai presumido.

PARECER

  1. Narra a consulta que, em 2 de abril de 1926, na cidade de Paulista, Ambrosina, mulher solteira, deu à luz um filho, de nomeOrnilo, cujo nascimento não foi, nessa ocasião, levado a registro.

Menos de um ano depois, em 19 de março de 1927, casou-se Ambrosina civilmente com Severino, não se fazendo, no têrmo de casamento, nenhuma referência a prole anterior.

Anos decorridos, em 23 de março de 1937, precisando o menor ser internado em colégio, foi feito o registro civil de seu nascimento, de acôrdo, com a lei então vigente, por um tutor que lhe foi dado, na ausência dos pais, então no Rio de Janeiro, sendo o menor, no respectivo assento, declarado filho legítimo de Severino e Ambrosina, casados civilmente.

Em 23 de agôsto de 1941, o próprio Ornilo, mediante justificação produzida perante o Juízo competente da cidade de Recife, e declarando-se nascido em 2 de abril de 1925 nessa cidade, bem como ser filho legítimo de Severino e Ambrosina, casados civilmente, obteve novo registro de nascimento, visando aumentar a sua idade de mais um ano, a fim de obter ingresso na Escola de Aprendizes-Marinheiros, no Recife, onde, de fato, ingressou, fazendo aí constar aquela filiação, que continuou a afirmar, depois de maior, em outras oportunidades. Só em 1947, com o falecimento do Cel. Frederico Lundgren, foi que Ornilo, sem procurar retificar ou anular aquêles atos, veio a Juízo com uma ação de investigação de paternidade e petição de herança, alegando ser filho ilegítimo de Frederico com sua mãe Ambrosina, fundando a ação no nº I do art. 363 do Código Civil, ou seja, no concubinato entre os dois, existente ao tempo da concepção.

A ação foi julgada procedente, por sentença do juiz de direito de Paulista, com fundamento, porém, no nº II do referido art. 363, ou seja, na existência apenas de simples relações sexuais, ao tempo da concepção.

Houve apelação para o Tribunal de Justiça do Estado, recebida no efeito suspensivoe ainda pendente de julgamento.

Em face do exposto, pergunta-se:

1º) Diante do disposto nos arts. 229 e 353 do citado Código, e resultando a legitimação apenas do casamento, independentemente, pois, da vontade dos nubentes ou da prole, ou de qualquer formalidade ou outro ato judicial, deve ser Ornilo considerado filho legitimado, em tudo equiparado ao legítimo, do casal Severino-Ambrosina?

2°) Cabendo “privativamente ao marido o direito de contestar a legitimidade dos filhos nascidos de sua mulher” nos precisos têrmos do art. 344 do dito Código, com prazos prescricionais bem curtos para a propositura da respectiva ação (art. 178, §§ 3° e 4º, nº I), podia a sentença, naquela ação de investigação promovida por Ornilo, reconhecer a paternidade de outro, importando isto contestar a legitimidade presumida?

3°) Proibindo o art. 364 do mesmo Código, terminantemente, a investigação de maternidade quando tenha por fim atribuir prole ilegítima a mulher casada, explicando os autores que o fim da lei foi “não perturbar a paz de uma família”, êsse dispositivo deve ser também aplicado à investigação de paternidade, por identidade de razão?

4º) Facultando o precitado art. 363 a investigação de paternidade apenas aos filhos ilegítimos, pode, com fundamento nesse dispositivo, ser a ação intentada por um filho legítimo, a que está equiparado “em tudo” o legitimado?

5º) Dispondo o art. 348 do mesmo Código que “ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento” e exigindo o art. 121 do decreto nº 4.857, de 9 de novembro de 1939, que as questões de filiação legítima ou ilegítima sejam decididas em processo contencioso, pode ser intentada a ação de paternidade, antes que seja anulado o registro civil de que consta outra filiação, aliás legítima?

6º) Havendo sido a ação de investigação proposta com fundamento unicamente na existência de concubinato e com fundamento somente no n° I do art. 363, pode o juiz julgar procedente a ação apoiada em simples relações sexuais e com fundamento, assim, na segunda parte do nº II do mesmo artigo?

  1. A consulta envolve, portanto, a solução das seguintes questões, que passamos a apreciar:
  1. a)A determinação das condições legais exigidas para que se opere a legitimação por casamentosubseqüente dos progenitores de pessoa já nascida;
  1. b)O alcance a atribuir, não só à prerrogativa atribuída ao marido de contestar a legitimidade dos filhos nascidos de sua mulher, como às restrições legais estabelecidas à investigação da maternidade e sua aplicabilidade, por identidade de razão, à investigação de paternidade;
  1. c)A possibilidade de vindicar alguém estado oficial civil contrário ao que resulte do registro de seu nascimento, sem anulação e retificaçãodêste;
  1. d)A admissibilidade de acolhimento, com apoio em inciso diverso, de uma ação de investigação de paternidade proposta com fundamento no nº I do art. 363 do Código Civil.
  1. A legitimação por casamentosubseqüente
  1. Em nosso direito é pacífico que a legitimação resultaautomàticamentedo casamento posterior daqueles de cuja união sexual haja nascido um filho. É um efeito dêle, independente de qualquer declaração nesse sentido no respectivo assento, nos têrmos do disposto nos arts. 229 e 353 do Código Civil.

As condições para que se verifique são apenas:

  1. a)a existência de casamento, válido, ou mesmo anulável e até nulo, se contraído de boa-fé, entre os pais (arts. 217, 221 e 229 do Cód. Civil);
  1. b)que o filho, nascido da união sexual dos que se consorciam, já tenha sido concebido ou seja nascido por ocasião do casamento (art. 353).
  1. Contráriamenteao que sucede na França e na Itália, onde o reconhecimento pelos pais, no ato do casamento, ou anteriormente, é essencial para que a legitimação se opere (Cód. Civil francês, art. 331, modificado pelas leis de 30 de dezembro de 1915 e 25 de abril de 1924; e Cód. Civil italiano, de 1942, art. 283, a que correspondia o art. 197 do Cód. Civil de 1865); ou em Portugal, onde pode também tal legitimação resultar de sentença em ação proposta pelo filho (lei nº 2, de 25 de dezembro de 1910, art. 2°, e Cód. do Reg. Civil – decreto de 18 de fevereiro de 1911, arts. 226 e 228), o direito brasileiro, seguindo o sistema do Código Civil alemão (§ 1.719), não impõe nenhuma outra formalidade para que a legitimação se opere, uma vez reunidas as duas condições acima referidas.
  1. Efetivamente, quanto ao direito germânico, adverte M. P. HAMEL, em comentário ao § 1.919 do B. G. B., publicado peloComité deLégislation Etrangère, da França, com o concurso da Société de Législation Comparée: “La légitimation ne depend pas d’une déclaration expresse ou du consentement tacite du père ou de l’enfant; elle a lieu de plein droit” (“Código Civil Alemão”, t. 3, pág. 497).
  1. Idêntico é o ensinamento dos nossos mais autorizados civilistas, antes e depois da promulgação do Cód. Civil.

Assim, doutrinava LAFAYETTE:

“A legitimação por subseqüente casamento opera-se por fôrça da lei, independentemente do consenso do pai e do filho” (“Direitos da Família”, 2ª tiragem, 1889, página 200).

No mesmo sentido, opinava CLÓVIS BEVILÁQUA:

“A legitimação por subseqüente casamento age por fôrça da lei e dispensa, no direito pátrio, qualquer ato expresso dos pais para produzir efeito” (“Direito de Família”, 1905, pág. 447)

Depois de codificada a nossa legislação civil, é uniforme, no mesmo sentido, o pronunciamento dos nossos juristas (CLÓVIS BEVILÁQUA, “Código Civil Comentado”, volume II, obs. I ao art. 352, pág. 322, e “Direito de Família”, 5ª ed., pág. 348; ESTEVÃO DE ALMEIDA, “Manual do Código Civil Brasileiro”, vol. VI, e “Direito de Família”, nº 110, pág. 89; SPENCER VAMPRE, “Manual de Direito Civil”, vol. I, § 182; CARVALHO SANTOS, “Código Civil Interpretado”, vol. 5, pág. 392).

ESTEVÃO DE ALMEIDA é de uma clareza que dispensa comentários, ao responder à indagação de como o casamento opera tal efeito, acentuando:

“De pleno direito, isto é: ainda que os pais não declarem querer legitimar o filho, ainda que declarem que o não querem legitimar, ainda que o filho declare que não consente na legitimação, salvo o direito, para os pais, como para os filhos, de diretamente denegar a paternidade ou contestar a filiação, dentro dos prazos, nas condições e sob as restrições do capítulo anterior” (ob. e loc. cits.).

Não é diferente o comentário de CARVALHO SANTOS:

“Propositadamente dissemos que a legitimação se opera de pleno direito, como querendo significar que a legitimação se opera ainda que os pais silenciem sôbre a vontade de querer legitimar o filho, ainda que declarem que o não querem legitimar, ainda que o filho manifeste que não consente na legitimação, salvo o direito, para os pais como para os filhos, de diretamente denegar a paternidade ou contestar a filiação, dentro dos prazos, nas condições e sob as restrições legais” (“Código Civil Interpretado”, vol. 5, pág. 392).

  1. Ora, na hipótese da consulta, nem o marido da mãe deOrnilomanifestou jamais qualquer intento ou propósito de negar-lhe a qualidade de seu filho, legitimado em conseqüência do matrimônio subseqüente do casal, nem êste exteriorizou, durante 22 anos e mesmo depois de atingir a maioridade, qualquer dúvida ou apresentou qualquer impugnação quanto ao estado, em cuja posse se encontrava, e que, ao contrário, invocou e fêz valer na justificação que produziu em juízo, requerendo novo registro de seu nascimento.

A sua situação jurídica de filho legitimado ficou, portanto, indubitàvelmente estabelecida, não só por essa prolongada posse de estado, mas também pela falta de qualquer contestação do marido de sua mãe, ou mesmo de qualquer outro interessado, inclusive dêle próprio (v. LAFAYETTE, “Direitos da Família”, 2ª tiragem, pág. 201; CLÓVIS BEVILÁQUA, “Direito de Família”, 5ª ed., págs. 348-349; SPENCER VAMPRÉ, “Manual do Direito Civil Brasileiro”, vol. I, página 288; CARVALHO SANTOS, “Código Civil Interpretado”, vol. 5, pág. 393).

II.A prerrogativa atribuída ao marido de impugnar a legitimidade dos filhos nascidos de sua mulher e as reservas legais: à investigação de maternidade.

  1. Quanto ao segundo tópico, cujo exame a consulta envolve, a sua solução exige que se fixe a inteligência a atribuir aos artigos 344 e 364 do Cód. Civil.

Aplicar-se-á o primeiro preceito, ao estabelecer que “cabe privativamente ao marido o direito de contestar a legitimidade dos filhos nascidos de sua mulher”, apenas aos filhos concebidos na constância do matrimônio, ou presumidos tais, ou também aos nascidos anteriormente, quando ainda não celebrado o casamento?

E quanto ao segundo, vedando a investigação de maternidade que tenha por fim “atribuir prole ilegítima à mulher casada”, abrangerá êle o caso da consulta?

  1. Quanto à primeira questão, cumpre, de início, reconhecer que a prerrogativa atribuída ao marido de impugnar e contestar a legitimidadedos filhos nascidos de sua mulher, é de uma maneira geral, em todos os sistemas jurídicos, inclusive no nosso, uma regra legal de exceção, derrogatória do princípio amplo de que as ações podem ser propostas por quem quer que tenha alguminterêsse econômico ou moral em ajuizá-las, consagrado no art. 76 do Cód. Civil.

Por outro lado, não resulta claramente dos textos do mesmo Código que se restrinja a exceção aos casos de concepção posterior ao casamento, pois, no próprio capítulo no qual se encontra a norma, prevêem-se duas hipóteses: a dos filhos concebidos na constância do casamento, ou presumidos tais (artigo 340), e a dos filhos nascidos anteriormente (art. 339), variando apenas os limites em que a contestação de paternidade se admite num caso e noutro.

Seria, entretanto, a nosso ver, dada a natureza rigorosa e excepcional do preceito, levar a prerrogativa longe demais o pretender-se que a mesma abrangesse também o caso de nascimento de filho anterior ao matrimônio, pois, nessa hipótese, não se trata, para o marido de prole nascida de sua mulher, mas sim de filho de alguém quando ainda não era sua espôsa. O mais que se poderia conceder, portanto, em nosso entender, seria a extensão dessa faculdade exclusiva à contestação da legitimidade de filhos nascidos depois do casamento, embora antes dos 180 dias de sua celebração, caso a que aludiria igualmente o art. 344 do Código Civil.

Fôrça é convir, porém, que alguns comentadores do dispositivo nem sempre são precisos no fixar o seu real e efetivo alcance.

Basta lembrar, por exemplo, o que escreve CARVALHO SANTOS ao apreciá-lo:

“Êste artigo” – pondera o autorizado comentarista – “não se aplica a outros casos em que a legitimidade da filiação pode ser contestada. Assim, em relação a ambos os pais, a legitimidade da filiação pode ser contestada: a) por não ter havido casamento; b) por ser êste nulo; c) por não ter sido o filho concebido na constância docasamento“.

Acrescenta, entretanto, logo em seguida:

“Tirante a hipótese terceiraem que a ação só pode ser intentada pelopai, em qualquer das duas outras, ou por não ter havido casamento, ou por ser êste nulo, pode a ação ser intentada por qualquer “interessado na declaração de ilegitimidade ” (Cód. Civil, arts. 146, 207 e 208, parágrafo único)” (“Código Civil Interpretado”, volume 5, págs. 365-366).

Já ESTÉVÃO DE ALMEIDA inclina-se em sentido diverso, aludindo apenas como compreendida no dispositivo a prole concebida “durante o matrimônio” (ob. e vol. cits, nº 62, pág. 60). E, assim, reconhece expressamente ao filho, no caso de legitimação, a possibilidade de impugná-la (v. nº 6, supra).

  1. De nossa parte, somos partidários da segunda solução, já por nós sustentada na segunda edição de nossa monografia “Investigação de Paternidade”.

Referindo-nos ao direito exclusivo do pai de impugnar a legitimidade dos filhos concebidos por sua mulher na constância do casamento, escrevemos que êle não abrangia outros casos, como por exemplo: b) ter o filho nascido antes de decorridos 180 dias depois de estabelecida a sociedade conjugal, sem que ocorressem as hipótese previstas no art. 339 do Código; c) haver o filho nascido mais de 300 dias depois de dissolvida a sociedade conjugal, sendo registrado como legítimo (“Investigação de Paternidade”, 2ª ed., pág. 229).

Nessas hipóteses, e, por maioria de razão, no caso de legitimação, não vigorando a presunção de legitimidade, rigorosamente estabelecida pela lei, entendemos poder o estado verdadeiro do filho ser vindicado, provando-se êrro ou falsidade do registro.

Visando a tal resultado, a ação de contestação de legitimidade ou de legitimação não se confunde com a ação de contestação ou negatória de paternidade, privativa do marido, cabendo assim também ao suposto filho.

A distinção entre as duas ações é, aliás, claramente estabelecida no direito francês, no direito belga e no direito português, estando a matéria, no direito italiano, disciplinada em textos expressos (v. PLANIOL & RIPERT, “Tr. prat. de Dr. Français”, t. II, nº 814; BRIDEL, “La règle pater is est”, nº 69; PEREIRA NUNES, “Com. à lei de proteção dos filhos”, págs. 196-197; Código Civil italiano, de 1942, arts. 244 e 248).

Não temos razões que nos levem a modificar a opinião anteriormente manifestada sôbre a questão em foco.

  1. Quanto à impossibilidade de ser investigada a maternidade quando vise atribuir prole ilegítima à mulher casada, nostêrmosdo art. 364 do Cód. Civil, e à aplicabilidade dêsse preceito à investigação de paternidade, por identidade de razão, afigura-se-nos procedente quando as duas ações sejam concomitantemente propostas: a de maternidade e a de paternidade, para estabelecer-se aquela como um pressuposto da prova de paternidade, cuja investigação se promova.

Estando, porém, a maternidade já estabelecida por outros meios e não sendo objeto de controvérsia, como sucede na hipótese, não vemos como possa o preceito legal, que veda a sua investigação no caso previsto, ser obstáculo à ação diversa, intentada contra o suposto pai, embora tendo por pressuposto aquêle fato, desde que o mesmo não é objeto de contestação.

Na verdade, até em conseqüência de ação judicial pode a adulterinidade de um filho de mulher casada vir a ser provada, desde que tal ação não se destine ao fim vedado pelo art. 364 do Cód. Civil (v. ESTÉVÃO DE ALMEIDA, ob. e vol. cits., pág. 169; PONTES DE MIRANDA, “Direito de Família”, pág. 289; CARVALHO SANTOS, “Código Civil Interpretado”, vol. 5, págs. 496-497.).

  1. Esclarecidos êsses pontos, que nos parecem sem maior relevância, passamos à terceira questão suscitada na consulta e que consideramos básica e fundamental.

III. A possibilidade de vindicar alguém estado contrário ao que resulte do registro de seu nascimento

  1. É disposição expressa de nosso Código Civil que “ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulte do registro de seu nascimento” (art. 348), preceito a que o art. 1° do dec.-lei nº 5.860, de 30 de setembrode 1943, acrescentou o seguinte aditamento: “salvo provando-seêrro ou falsidade do registro”.

Essa ressalva, aliás, já era subentendida por inúmeros civilistas que acentuavam dever a regra legal ser entendida em têrmos, pressupondo a possibilidade de retificação do registro nos casos depois expressamente previstos (CLÓVIS BEVILÁQUA, “Código Civil Com.”, v. 2, obs. 2 ao art. 348; FERREIRA COELHO, “Código Civil”, vol. 25, páginas 237-240; CARVALHO SANTOS, “Código Civil Interpretado”, vol. 5, pág. 377; JOÃO LUÍS ALVES, “Código Civil Anotado”, página 274; nossa “Inv. de Paternidade”, 2ª ed., pág. 223).

  1. Há também quem pretenda que tal dispositivo só se aplique à filiação legítima, visando evitar queaquêleque está inscrito no registro civil como filho de uma união conjugal, possa pretender em juízo que se declare o contrário (v. ESTÊVÃO DE ALMEIDA, ob. e vol. cits., pág. 73; CARVALHO SANTOS, “Código Civil Interpretado”, vol. 5, pág. 377), sendo que, entretanto, CLÓVIS BEVILÁQUA, estende igualmente a regra aos próprios filhos naturais (“Código Civil”, volume 2, obs. ao art. 348).
  1. Como quer que seja, não há dúvida que a lei hoje expressamente permite a retificação do registro, desde que se proveêrroou falsidade dêste, salvo, em nosso entender, quando milita em favor do filho a presunção legal de legitimidade, pela inexistência de contestação dela pelo pai presumido, a quem a lei confere o direito exclusivo de a apresentar.

O êrro ou falsidade previstos não são, entretanto, a nosso ver, os que possam porventura decorrer da irrealidade da própria presunção pater is est… em falta de impugnação paterna. Abrangem outros casos em que, embora considerados legítimos ou legitimados os filhos não vigora aquela presunção rigorosa (nº 10 supra).

  1. Mesmo, todavia, quando se trate de filiação natural, e, portanto, com maioria de razão, quando se trate de filiação legitimada, entendemos que não se pode dispensar a prova doêrroou da falsidade e a conseqüente retificação do registro, para que outra paternidade possa ser declarada, sendo peremptório o regulamento dos registros públicos quando exige que isso se faça em processo contencioso, destinado à anulação ou reforma do assento (dec. nº 4.857, de novembro de 1939, art: 121).

Não podendo um indivíduo ter dois pais – escrevemos em nossa monografia – a existência de outra paternidade, legalmente estabelecida, é, em nosso parecer, circunstância que torna inadmissível a ação que se pretenda intentar para investigação de paternidade diferente, sem declaração de invalidade da primeira, autorizando até o indeferimento da petição inicial, sempre que isso resulte claramente dos próprios documentos com que o autor a instruir. Será preciso; assim, ressalvado o caso de cumulação de demandas, fazer declarar nulo o reconhecimento voluntário anterior, ou o assento do qual conste a legitimação, ou pedir prèviamente a rescisão do julgado que atribuir ao filho outra paternidade, para que a nova ação investigatória possa ser admitida (v. “Investigação de Paternidade”, 2ª ed., pág. 230. Cfr. SAVATIER, “La recherchè de la paternité”, pág. 100; WAHL, “La recherche de la paternité”, nº 102, em “Revue Trimestrieile de Droit Civil”, t. 12).

  1. Nesse sentido julgaram a Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, por acórdão de 5 de maio de 1938, e as Câmaras Reunidas do mesmo Tribunal, por acórdão de 5 de maio do mesmo ano, não sendo, porém, a ação repelidain limine litis(“Rev. de Jurisprudência Brasileira”, vol. 48, págs. 187 e segs.). V. também o acórdão da 2ª Câmara Cível do Trib. de Apelação de Minas Gerais, de 31 de março de 1941 (“REVISTA FORENSE”, vol. 87, página 744).
  1. A tal conclusão somos levados pelafôrçaprobante ligada ao registro civil e pela própria natureza do estado das pessoas que no dizer de SAVATIER, não é senão a classificação social dos indivíduos, não se podendo conceber que legalmente se contradiga e que o indivíduo classificado já como descendente de um pai determinado, o seja também como filho de um outro (SAVATIER, “La rechérche de la paternité”, págs. 115 e 116).

De feito, pelo sistema do nosso registro civil, instituído para certificar o nascimento, o casamento e a morte (dec. nº 9.866; de 7 de março de 1888, art. 1°), a retificação a fazer, nos casos de êrro, engano ou inexatidão, só se efetua mediante ordem judicial e com citação e audiência dos interessados e do Ministério Público (dec. cit., art. 25; e dec. nº 18.542, de 1928, art. 117, reproduzido pelo art. 117 do dec. nº 4.857, de 1939). Daí a necessidade de observar-se processo idôneo para cancelar ou retificar qualquer inexatidão, exigindo-se mesmo processo contencioso quando se trate de questões de filiação (art. 121), sem que se possa verificar a hipótese absurda de concomitantemente ficar constando do registro civil uma dupla paternidade, naturalmente impossível.

  1. Diante do exposto, entendemos que, na hipótese da consulta, impunha-se a decretação prévia ou concomitante da nulidade da legitimação, constante do assento anterior, provando-se o seuêrroou falsidade, com citação dos demais interessados, para que ação de investigação de paternidade proposta pudesse ser acolhida.

De outro modo, ficaria o investigante, imoralmente, com uma dupla paternidade reconhecida e produzindo efeitos jurídicos, prevalecendo-se de uma ou de outra, ao sabor de seus interêsses.

Sem que a ação proposta, de investigação de paternidade, visasse também e precìpuamente a tal objetivo, sendo assim cumulada com a de contestação da legitimação, com citação regular dos interessados, não consideramos juridicamente possível decretar-se a sua procedência.

  1. IV.O fundamento do pedido
  1. Com respeito à possibilidade de ser julgada procedente, com apoio em inciso diverso, a ação que se propôs com fundamento no nº I do art. 363 do Cód. Civil, nada temos a acrescentar ao que, a respeito, escrevemos em nossa citada monografia – “Investigação de Paternidade”.

Eis, textualmente, os fundamentos então aduzidos ao apreciar a controvérsia que se suscitou sôbre a matéria, repelindo a solução afirmativa, quando o pleito não se baseasse em relações sexuais, fundamento amplo que, inegável e implicitamente, compreenderia os casos de concubinato e rapto, baseando-nos no cerceamento de defesa que envolveria a alteração da matéria principal do litígio. Na verdade – acentuamos então – a demanda, por fôrça da lei, há de necessàriamente basear-se na existência de escrito do suposto pai, reconhecendo a paternidade que lhe é atribuída; na coincidência do concubinato ou do rapto com o período legal da concepção; ou, mais amplamente, em relações sexuais da mãe do investigante com o pai presumido. Assim, portanto, o concubinato, o rapto, o escrito ou as relações sexuais são os fatos jurídicos que dão lugar à demanda de reconhecimento forçado, embora o último implicitamente compreenda os dois. primeiros, atendidas as particularidades referentes à prova num e noutro caso, como em tempo demonstramos. Não vemos, pois, como prescindir a sentença de sua indicação precisa na inicial, que deve expor, com clareza e precisão, os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido, não podendo o autor, sem consentimento do réu, altera-lo, ou a sua causa, depois do contestada a lide (Código de Proc. Civil, arts. 158, nº III, e 181). Não há dúvida – acrescentamos – que, no caso, o pedido é o de reconhecimento forçado e a causa petendi a filiação alegada. Mas, além disso, por exigência legal expressa, deve a ação, pela sua natureza especial, basear-se em um ou alguns dos fatos enumerados no art. 363 do Cód. Civil, variando com êles os fatos a provar e até o ônus da prova; o que torna indispensável a indicação precisa e oportuna do fundamento especial, em que se apoie a demanda (“Investigação de Paternidade”, págs. 313-314).

  1. Tal entendimento prevaleceu no Tribunal de Apelação do Distrito Federal, deliberando-se que, proposta uma ação de investigação de paternidade sob alegação deconcubinatoe nesse pressuposto contestada e proferido o despacho saneador, não poderia o juiz, deslocando a questão a final, julgá-la procedente sob fundamento de simples relações sexuais (ac. da 5ª Câmara de 10 de junho de 1941, em “Jurisprudência do Tribunal de Apelação”, vol. 4, pág. 67; “Direito”, vol. 10, pág. 378. Vide também: acórdão da 4ª Câmara de 3 de setembro de 1943, in “Jurisprudência do Tribunal de Apelação”, vol. 18, pág. 125). É de reconhecer-se, todavia, quê nem sempre tem sido acolhido em julgados de outros tribunais.
  1. Conclusão
  1. Em face do exposto, passamos a responder aos quesitos da consulta pela forma seguinte:

Ao primeiro: Sim, pelas razões aduzidas no capítulo primeiro dêste parecer.

Ao segundo e ao terceiro: A nosso ver, os dispositivos dos arts. 344 e 364 do Código Civil não impediriam, em princípio, o ajuizamento de uma ação de investigação de paternidade com o objetivo da que foi proposta, desde que se provasse êrro ou falsidade da legitimação constante do registro civil, pedindo-se, cumulativamente, a decretação da sua nulidade.

Ao quarto e ao quinto: Como ficou acentuado na resposta aos quesitos anteriores, a possibilidade da propositura da ação de investigação de paternidade, a que se refere a consulta, dependia do pedido prévio ou cumulado de retificação e declaração de nulidade da legitimação constaste do registro civil, sem cujo acolhimento, com citação dos interessados, não poderia aquela ser julgada procedente.

Ao sexto: Opinamos negativamente, pelos fundamentos expostos no capítulo IV.

Tal é nosso parecer, sub censura.

Rio de Janeiro; 31 de outubro de 1951. – Arnoldo Medeiros da Fonseca, professor da Fac. Nacional de Direito.

I) Normas técnicas para apresentação do trabalho:

  1. Os originais devem ser digitados em Word (Windows). A fonte deverá ser Times New Roman, corpo 12, espaço 1,5 cm entre linhas, em formato A4, com margens de 2,0 cm;
  2. Os trabalhos podem ser submetidos em português, inglês, francês, italiano e espanhol;
  3. Devem apresentar o título, o resumo e as palavras-chave, obrigatoriamente em português (ou inglês, francês, italiano e espanhol) e inglês, com o objetivo de permitir a divulgação dos trabalhos em indexadores e base de dados estrangeiros;
  4. A folha de rosto do arquivo deve conter o título do trabalho (em português – ou inglês, francês, italiano e espanhol) e os dados do(s) autor(es): nome completo, formação acadêmica, vínculo institucional, telefone e endereço eletrônico;
  5. O(s) nome(s) do(s) autor(es) e sua qualificação devem estar no arquivo do texto, abaixo do título;
  6. As notas de rodapé devem ser colocadas no corpo do texto.

II) Normas Editoriais

Todas as colaborações devem ser enviadas, exclusivamente por meio eletrônico, para o endereço: revista.forense@grupogen.com.br

Os artigos devem ser inéditos (os artigos submetidos não podem ter sido publicados em nenhum outro lugar). Não devem ser submetidos, simultaneamente, a mais do que uma publicação.

Devem ser originais (qualquer trabalho ou palavras provenientes de outros autores ou fontes devem ter sido devidamente acreditados e referenciados).

Serão aceitos artigos em português, inglês, francês, italiano e espanhol.

Os textos serão avaliados previamente pela Comissão Editorial da Revista Forense, que verificará a compatibilidade do conteúdo com a proposta da publicação, bem como a adequação quanto às normas técnicas para a formatação do trabalho. Os artigos que não estiverem de acordo com o regulamento serão devolvidos, com possibilidade de reapresentação nas próximas edições.

Os artigos aprovados na primeira etapa serão apreciados pelos membros da Equipe Editorial da Revista Forense, com sistema de avaliação Double Blind Peer Review, preservando a identidade de autores e avaliadores e garantindo a impessoalidade e o rigor científico necessários para a avaliação de um artigo.

Os membros da Equipe Editorial opinarão pela aceitação, com ou sem ressalvas, ou rejeição do artigo e observarão os seguintes critérios:

  1. adequação à linha editorial;
  2. contribuição do trabalho para o conhecimento científico;
  3. qualidade da abordagem;
  4. qualidade do texto;
  5. qualidade da pesquisa;
  6. consistência dos resultados e conclusões apresentadas no artigo;
  7. caráter inovador do artigo científico apresentado.

Observações gerais:

  1. A Revista Forense se reserva o direito de efetuar, nos originais, alterações de ordem normativa, ortográfica e gramatical, com vistas a manter o padrão culto da língua, respeitando, porém, o estilo dos autores.
  1. Os autores assumem a responsabilidade das informações e dos dados apresentados nos manuscritos.
  2. As opiniões emitidas pelos autores dos artigos são de sua exclusiva responsabilidade.
  3. Uma vez aprovados os artigos, a Revista Forense fica autorizada a proceder à publicação. Para tanto, os autores cedem, a título gratuito e em caráter definitivo, os direitos autorais patrimoniais decorrentes da publicação.
  4. Em caso de negativa de publicação, a Revista Forense enviará uma carta aos autores, explicando os motivos da rejeição.
  5. A Comissão Editorial da Revista Forense não se compromete a devolver as colaborações recebidas.

III) Política de Privacidade

Os nomes e endereços informados nesta revista serão usados exclusivamente para os serviços prestados por esta publicação, não sendo disponibilizados para outras finalidades ou a terceiros.


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