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CLÁSSICOS FORENSE
REVISTA FORENSE
Justiça do Trabalho – Competência para julgar dissídio coletivo suscitado por professores – João Mangabeira
Revista Forense
02/08/2021
REVISTA FORENSE – VOLUME 143
SETEMBRO-OUTUBRO DE 1952
Semestral
ISSN 0102-8413
FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO
FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto
Abreviaturas e siglas usadas
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SUMÁRIO REVISTA FORENSE – VOLUME 143
CRÔNICA
DOUTRINA
- Estados, discriminação de rendas e reforma constitucional – Aliomar Baleeiro
- O princípio da separação dos poderes – Mário Artur Pansardi
- A interpretação econômico-jurídica da Constituição – J. Pinto Antunes
- Filosofia do direito e direito penal – Paulo Dourado de Gusmão
- Crimes patrimoniais entre cônjuges e parentes – Basileu Garcia
- O fundo de comércio e sua clientela – Paulo de Freitas
- A luta contra a fraude fiscal – Camille Rosier
PARECERES
- Lei – Ab-rogação tácita – Prescrição das reclamações perante a Justiça do Trabalho – Francisco Campos
- Impôsto sôbre vendas e consignações – Delegado de atribuições – Discriminação tributária – Cooperativas – Isenção fiscal – Sujeito passivo da obrigação tributária – Antão de Morais
- Funcionário público – Aposentadoria – Reversão – Lei geral e lei especial – Vigência simultânea – Revogação – Carlos Medeiros Silva
- Justiça do Trabalho – Competência para julgar dissídio coletivo suscitado por professores – João Mangabeira
- Locação – Cessão – Mudança da destinação do imóvel – Recurso extraordinário – José Sabóia Viriato de Medeiros
- Investigação de paternidade – Legitimação por casamento subsequente – Contestação da legitimidade pelo marido – Êrro ou falsidade do registro de nascimento – Arnoldo Medeiros da Fonseca
- Doação – Revogação por ingratidão – Paulo Barbosa de Campos Filho
NOTAS E COMENTÁRIOS
- O uso do cheque visado – Mário Braga Henriques
- A presunção juris tantum na responsabilidade penal – Abraão Atem
- O furto de uso no direito pátrio – Mário Hoeppner Dutra
- O que a documentoscopia oferece à Justiça – José Del Picchia Filho
- As restrições à liberdade de comércio nas zonas indispensáveis à Defesa Nacional – Oscar Barreto Filho
- A concessão de serviços de energia elétrica e a competência municipal – Antônio Delorenzo Neto
- Os funcionários e o exercício da advocacia contra a Fazenda Pública – João de Oliveira Filho
- A sinceridade do advogado – Jacques Hamelin
JURISPRUDÊNCIA
LEIA O ARTIGO:
– Sendo entre empregados e empregadores o dissídio coletivo entre professôres e proprietários de colégios, cabe à Justiça do Trabalho julgá-lo, desde que legalmente instaurado.
– Interpretação do art. 123 da Constituição.
Justiça do Trabalho – competência para julgar dissídio coletivo suscitado por professores
PARECER
Em face do parág. único do art. 323 da Consolidação das Leis do Trabalho, tem a Justiça do Trabalho competência para dirimir dissídio coletivo suscitado por professôres?
Dificilmente uma questão mais simples poderia ser proposta numa consulta. A resposta afirmativa não demanda longas análises. Em casos tais, quanto menos palavras, melhor. Na concisão do parecer, a verdade, em tôda a sua evidência, ressalta rígida, límpida, brilhante, como um diamante lapidado.
A resposta à presente consulta resume-se neste silogismo:
- O art. 123 da Constituição prescreve que:
“Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores e as demais controvérsias oriundas de relações do trabalho regidas por legislação especial”.
- O dissídio suscitado porprofessôrescontra donos de colégios é um “dissídio coletivo entre empregados e empregadores”; logo,
III. “Compete à Justiça do Trabalho julgar” êsse “dissídio coletivo”.
Poderia findar aqui o parecer e êle estaria completo e a consulta tão plenamente respondida, como se lançada e justificada em resmas de papel recheadas de citações, eruditas e de argumentos supérfluos. Porque a Constituição atribui à Justiça do Trabalho a competência de “julgar os dissídios… “entre empregados e empregadores e as demais controvérsias oriundas de relações do trabalho regidas por legislação especial”.
Não disse “julgar dissídios e controvérsias”, mas “os dissídios e as controvérsias”, o que vale dizer: todos “os dissídios entre empregados e empregadores” e tôdas “as controvérsias oriundas de relações do trabalho regidas por legislação especial”.
E nessa totalidade abriu sòmente a exceção, declaradamente expressa no § 1º da mesmo artigo, e que se enuncia nestes têrmos:
“Os dissídios relativos a acidentes do trabalho são da competência da justiça ordinária”.
Essa a única brecha aberta na muralha da competência da Justiça do Trabalho, por qualquer outro ponto impenetrável.
Não se trata de acidente do trabalho? Então, seja qual fôr o “dissídio entre empregados e empregadores” ou “controvérsia oriunda de relação de trabalho”, numa ou noutra hipótese o caso judicial tem de ser resolvido pela Justiça do Trabalho, por fôrça da Constituição, que ao mesmo tempo lhe outorgou essa competência e lhe impôs êsse dever.
E a lei? E o parág. único do art. 323 da Consolidação das Leis do Trabalho a que alude a consulta?
Mas a competência da Justiça do Trabalho não decorre da lei: assenta-se na Constituição.
A lei a que se alude, ou, melhor, êsse decreto-lei foi promulgado ao tempo do ditado de 10 de novembro de 1937, que dispunha em seu art. 139:
“Para dirimir os conflitos oriundos das relações entre empregados e empregadores, reguladas na legislação social, é instituída a Justiça do Trabalho, que será regulada em lei e à qual não se aplicam as disposições desta Constituição relativas à competência, ao recrutamento e às prerrogativas da Justiça comum”.
Assim, pelo ditado de 10 de novembro de 1937, a competência da Justiça do Trabalho era fixada por lei.
A Justiça do Trabalho não era um órgão do Poder Judiciário, que, pelo art. 90 do ditado, se compunha apenas do “Supremo Tribunal Federal, dos juízes e Tribunais, dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios e dos juízes e tribunais militares”.
Pela Constituição vigente (art. 94, nº V), a Justiça do Trabalho pertence ao Poder Judiciário, e tem sua competência constitucionalmente fixada.
Assim, ou o parág. único do citado artigo 323 se conforma com aquela competência e é válido, ou a ela não se adapta e é nulo.
Imagine-se que êsse parágrafo, anterior à Constituição vigente, ou qualquer lei a ela posterior, assim prescrevesse:
“É vedado à Justiça do Trabalho conhecer de qualquer dissídio entre professôres e proprietários de colégios e cabe exclusivamente ao ministro da Educação fixar a remuneração a que têm direito os primeiros”.
Impossível uma proibição mais terminante e uma atribuição privativa mais precisa. Que validade legal teria isso?
Nenhuma. A Justiça do Trabalho teria tão-sòmente de perguntar e ela própria responder – o dissídio entre professôres e proprietários de colégios é entre empregados e empregadores?
São os professôres empregados do colégio e os seus proprietários empregadores?
Evidente que sim, pois os primeiros recebem dos segundos uma remuneração mensal pelos serviços que habitualmente lhes prestam.
O fato de ser o professor um trabalhador intelectual não lhe altera a situação.
Trabalho manual ou trabalho intelectual são modalidades da mesma fôrça, manifestações da mesma energia, consumida num serviço socialmente útil. Mas a Constituição cortou pela raiz a inutilidade de qualquer pretensão de pedante ou de imbecil a tal respeito, e assim prescreveu no parág. único do nº XVII do art. 157:
“Não se admitirá distinção entre o trabalho manual ou técnico e o trabalho intelectual, nem entre os profissionais respectivos, no que concerne aos direitos, garantias e benefícios”.
E a própria Consolidação das Leis do Trabalho estabelece no art. 2°:
“Considera-se empregador a emprêsa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços”.
É, portanto, o dono de colégio um empregador.
E o art. 3º diz:
“Considera-se empregado tôda pessoa física que prestar serviço de natureza não eventual a empregador, sob a dependência dêste e mediante salário.
Parág. único. Não haverá distinções relativas à espécie de emprêgo e à condição do trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual“.
É portanto, o professor de colégio um empregado.
Se tudo isso assim é, dúvida não pode haver que o dissídio entre professôres e proprietários de colégios é um dissídio entre “empregados e empregadores”.
E se assim é, a competência de julgar êsse dissídio é privativa da Justiça do Trabalho, em face do art. 123 da Constituição.
Essa a solução que fatalmente se imporia, ante um texto legal que vedasse à Justiça do Trabalho conhecer do dissídio coletivo, que é objeto da consulta. Mas o texto de lei a que se refere a consulta não chega a tamanho despautério.
Ei-lo na sua integridade:
“Art. 323. Não será permitido o funcionamento do estabelecimento particular de ensino que não remunere condignamente os seus professôres, ou não, lhes pague pontualmente a remuneração de cada mês.
Parág. único. Compete ao Ministério da Educação e Saúde fixar os critérios para a determinação da condigna remuneração devida aos professôres, bem como assegurar a execução do preceito estabelecido no presente artigo”.
Há duas interpretações ou explicações que não poderiam ser dadas ao parág. único do art. 323:
1ª, a que vedasse à Justiça do Trabalho conhecer de um dissídio entre empregados e empregadores, porque isso violaria o texto expresso do art. 133 da Constituição, que atribuiu a essa Justiça “julgar os dissídios” dessa natureza, exceto “os relativos a acidentes do trabalho”; 2ª, a que proibisse aos professôres suscitarem dissídios coletivos, mesmo contra “os critérios fixados” pelo Ministério da Educação, porque seria derrogar por um texto anterior à Constituição o mandamento peremptório desta, que prescreve que “não se admitirá distinção entre o trabalho manual ou técnico e o trabalho intelectual, nem entre os profissionais respectivos no que concerne a direitos, garantias e benefícios”.
Ora, um dos direitos, um dos benefícios, uma das garantias de todo trabalhador manual e de todos os trabalhadores intelectuais é o dissídio coletivo.
Logo, um decreto-lei não pode ter validade, contra a Constituição, se de fato admite uma distinção entre trabalhadores, para privar os de uma certa profissão do direito ao dissídio coletivo, porque o ministro da Educação lhes fixa, sem recurso, a remuneração, que em seu arbítrio julgar “condigna”.
Não se poderia conceber violação mais brutal de garantia constitucional do que essa distinção, arbitràriamente imposta por ato administrativo.
Mas a verdade é que o art. 323 e seu parágrafo não vedam à Justiça do Trabalho o conhecimento de nenhum dissídio, nem tampouco proíbem aos professôres suscitá-lo.
O que o artigo enuncia é um “preceito” de moralidade, decência e justiça a que o parágrafo procura dar eficiência, conferindo ao Ministério da Educação a competência – que de outro modo não teria – de fixar “os critérios” para uma remuneração condigna.
Nada mais, nada menos.
É uma providência útil, porque evita atritos entre professôres e colégios e a êstes dá dignidade, pela maneira “condigna” por que remunera seus professôres.
Sem isso, tais colégios não funcionam.
Por outro lado, a posição de ministro da Educação dá-lhe autoridade para que empregados e empregadores se submetam a seus “critérios”. De tudo isso a utilidade da medida legal.
Mas bem pode ser que os “critérios” não sejam certos ou justos. Bem pode ser que o ministro não os fixe. Em casos tais, não estão os professôres impedidos de suscitar o dissídio coletivo. A lei não lhes veda êsse direito. Se vedasse, teria violado uma garantia que a Constituição lhes assegura e a vedação seria nula.
Mas tanto a lei não vedou que a própria Consolidação, no art. 7º, ao enumerar, nas letras a, b, c, d, e e, os trabalhadores aos quais não “se aplicam os artigos” dela constantes, não incluiu os professôres.
Ao contrário: o capítulo I do título III, onde se inclui a seção XII, da qual faz parte o art. 323 e seu parágrafo, dispõe sôbre duração e condições do trabalho dos bancários, empregados de telefone, telégrafo submarino, radiotelegrafia, músicos profissionais, operadores cinematográficos, ferroviários, marítimos, empregados de frigoríficos, estivadores, empregados de minas de subsolo, jornalistas, professôres e químicos”.
Mas a nenhum dêles veda ou restringe o direito de suscitar dissídio coletivo.
A lei, portanto, isto é, a própria Consolidação, e o seu art. 323 e seu parágrafo, autorizam o suscitamento do dissídio que é o objeto da consulta.
Essa a interpretação jurídica, essa a aplicação legítima do parág. único, acima transcrito.
Adota o parágrafo uma providência administrativa para harmonizar professôres e colégios, e dar a ambos uma situação “condigna”. Mas isso não impede em absoluto as divergências de caráter econômico.
Se elas surgem, se os dissídios se levantam, cabe à Justiça do Trabalho dirimir êsses conflitos econômicos entre empregados e empregadores.
Essa, sobretudo essa, de árbitro entre dissídios econômicos, a grande função da Justiça do Trabalho. Sua função suprema é dar uma decisão jurídica, rápida e justa a tais conflitos, para cuja solução a justiça comum é lenta, tardígrada e não raro desaparelhada de conhecimentos técnicos.
Sou, portanto, de parecer que o dissídio foi legalmente suscitado e que a Justiça do Trabalho é, dentro da Constituição, o órgão único com a competência de julgá-lo.
E é de seu estrito dever tal julgamento.
João Mangabeira, advogado no Distrito Federal.
________________
Nota:
* N.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 3
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 4
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- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 6
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