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A interpretação econômico-jurídica da Constituição

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21/07/2021

REVISTA FORENSE – VOLUME 143
SETEMBRO-OUTUBRO DE 1952
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto

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SUMÁRIO: Capitalismo privado e socialização dos meios de produção. Democracia e autocracia. Abuso do poder econômico. Liberdade e produção. Conclusão.

A interpretação econômico-jurídica da Constituição

Sobre o autor

J PINTO ANTUNES. Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais

Dois regimes econômicos de produção disputam as preferências das organizações políticas contemporâneas – o do capital privado e o da socialização dos meios de produção.

O primeiro funda-se, essencialmente, na liberdade, porque faz a sua fé no espírito de iniciativa e organização do indivíduo. O reconhecimento da propriedade lhe é essencial, para que cada um seja levado a produzir mais do que consome, circunstância imprescindível para equilibrar a produção ao consumo, dado o fato irremovível da experiência de que todos consomem, mas a produção é de poucos.

O sistema de apropriação pública dos instrumentos produtivos faz pouco da liberdade, porque a disciplina militar na produção realiza o equilíbrio com o consumo, segundo planificações periódicas onde cada um tem a sua tarefa obrigatória fixada, prèviamente, pela burocracia estatal. Lá, a liberdade e a responsabilidade pessoal são as molas do sistema. Aqui, a disciplina e a obediência.

Os sistemas políticos não se isentam das influências das suas bases econômicas.

A democracia, que implica consentimento dos governados na investidura e no exercício do poder, não pode consentir em atividade obrigatória na produção, a não ser nos casos de calamidade pública. Seria contrariar o princípio da liberdade; que lhe é essencial. E, onde não há liberdade, dividem-se os homens em livres e escravos; portanto, não há, também, igualdade.

O regime da socialização total dos meios de produção, pelo menos na sua realidade soviética, implica forma autocrática de governo. Os chefes do exército da produção, os senhores dos planos econômicos, são os que sabem da estratégia para a maior e melhor produção. Na hierarquia militar não se discutem as ordens; a presteza no cumprimento delas é que importa para a vitória do conjunto. A produção é um setor da disciplina militar do país. Por isso, os desejos não são livres na sua expansão, mas planificados, dirigidos, racionados, a fim de que se não alterem os cálculos estatísticos nas ordens para a produção.

Êste, o espírito dos sistemas econômicos e políticos. Num, a liberdade é o princípio; noutro, é a exceção.

Agora, o sentimento dos homens.

A crise na estrutura do regime privatista, do capital agravou-se com a última guerra.

Os homens válidos, capazes de produção superior ao próprio consumo, foram chamados à luta; uma guerra total destruiu as melhores energias humanas e uma imensa mole de capital. Com a volta à paz, tudo isto pesou para agravar a crise de equilíbrio entre a produção e o consumo.

E, ainda, o respeito à liberdade humana, característico do regime democrático, na sua feição econômica e política, mais complicou o problema. Os homens desmobilizados não retornaram, todos e logo, aos misteres da paz; houve um natural desajuste com as antigas profissões e até um desejo de mudança para melhor, depois de tanto sacrifício. As greves, as discussões de salários, os malentendidos sociais reduziram, durante meses seguidos, ainda mais, a produção das riquezas.

O desequilíbrio transformou-se em calamidade. Apelou-se para o Estado e os racionamentos entraram em jôgo novamente. Parte-se e reparte-se o bôlo da produção como se o problema não fôsse ainda o aumento do bôlo!…1

Enquanto isto, no regime soviético, a mudança da guerra para a paz se processou em ordem militar. Os soldados, sem perda de tempo, trocaram as armas da guerra pelos instrumentos de produção. A mesma disciplina os conteve em atividade continuada.

No sistema político democrático, admite-se a restrição de direitos nos casos excepcionais de subversão da ordem pública ou de guerra externa.2 Pode ser, também, que as circunstâncias econômicas determinem a restrição da liberdade, disciplina da produção e do consumo, no regime de capitalismo privado. Mas tanto no sistema político, como no econômico as medidas que restringem a liberdade não podem ter duração além das necessidades que a determinaram.

E o mal do sistema capitalista de produção foi o dirigismo estatal que nêle se introduziu de maneira generalizada e definitiva, pretendendo-se obter, ao mesmo tempo, as vantagens da liberdade e as da disciplina autoritária no processo produtivo. Esta contradição de morte é responsável pelo desfavor em que caiu o regime e pela falta de rendimento de que é acusado.

De fato, submeteu-se o sindicato ao Estado, proibiu-se a greve e isso a trôco de um paternalismo estatal que tudo previa e resolvia em nome do operário. Então, deixou-se de atender às necessidades da produção nas reivindicações do operariado. Tudo se decidia de afogadilho e, de maneira geral, nos gabinetes ministeriais, e às portarias que se adaptasse a economia, se pudesse… O empregado não argumentava mais com o patrão as condições da produção, preferia apresentar as suas exigências ao Estado.

Por outro lado, o fenômeno social da proletarização resultou, em grande parte, da segurança que o Estado criou para o trabalhador subordinado, por via autoritária, pois, assim, a mediocridade de vida tornou-se sedutora. Atribui-se a eficiência do operário japonês à pobreza do seu solo… O risco, a dificuldade, obrigam o homem a dar o máximo das suas energias para fugir da situação que o ameaça e oprime.

Os produtos híbridos ou mestiços não são produtivos… Sem o respeito da liberdade não se pode contar com o pleno rendimento do sistema econômico do capitalismo privado. Quando a disciplina é regra e a liberdade exceção, estamos mais para lá do que para cá – é preferível a planificação geral, a socialização total dos meios de produção.

Por êstes erros de política econômica é que se nega hoje a unidade dos Direitos do Homem. Segurança e liberdade parecem ideais que se contradizem.

De fato, se caminhamos todos em busca da estabilidade econômica que o Estado assegura ao trabalhador subordinado, é natural que sejam poucos e cada vez menos aquêles que ainda assumem os riscos da produção. A concentração das riquezas busca os mais audazes.

Daí, para entregar-se ao totalitarismo econômico do Estado, é um passo. A ser empregado de alguns empresários que monopolizam a produção, mas sem eficiência porque dirigidos na sua atividade, é preferível sê-lo, então, diretamente, do próprio Estado. A filosofia do sistema soviético conta com esta cobardia humana que evita o risco.

A segurança econômica, por via estatal ou autoritária, exige que o indivíduo se despoje do ideal de liberdade. E neste sentido a liberdade é incompatível com a segurança econômica.

Para que a liberdade não seja o preço caro da segurança, é preciso que o bem-estar econômico seja fruto do espírito de iniciativa e organização individual; e que o Estado assegure sòmente, as condições jurídicas3 para as expansões livres da energia produtiva dos indivíduos e dos grupos. A liberdade a todos, a pessoas e grupos, sòmente com as restrições contra os seus excessos, é a regra absoluta para a ordem coletiva, sem prejuízo do progresso geral.

A fôrça econômica é um bem quando não há abuso da fôrça. As emprêsas que se associam ou fundem, racionalizam a produção, beneficiando, assim, a todos, pelo produto mais abundante, melhor e mais barato que oferecem ao consumo. Por outro lado, a responsabilidade maior e mais extensa do comando econômico da concorrência força a criação de novos cargos, na hierarquia empregatícia, com melhores ordenados em conseqüência daquela maior responsabilidade e, com isto novas oportunidades são abertas aos trabalhadores subordinados. A emprêsa que cresce, difunde a autoridade do seu chefe, até fazê-lo desconhecido como autoridade na subordinação. A fortaleza da emprêsa, diferentemente da do Estado na ordem econômica, é causa determinante do afrouxamento da sujeição individual.

Agora, o remédio contra os abusos da fôrça econômica já tem a sua técnica conhecida pelo moderno Direito Industrial4 e neste passo foi feliz a nossa Constituição, quando, pelo seu art. 148, firmou o verdadeiro princípio, o qual, afinal, diz respeito ao problema da distinção do que seja concorrência leal e desleal, lícita e ilícita.

Assim reza o citado texto constitucional:

“A lei reprimirá tôda e qualquer forma de abuso do poder econômico, inclusive as uniões ou agrupamentos de emprêsas, que tenham por fim dominar os mercados nacionais, e limitar a concorrência e aumentar arbitràriamente os lucros”.

Não é o uso da fôrça que se condena, mas o seu abuso; também o indivíduo eugênico, forte, com os músculos rijos para a ação e o trabalho, é um bem para a coletividade quando não abusa da sua fôrça para tropelias ou desordens.

Quanto ao operário, o princípio é o mesmo, pois, em vez de fazermos da legislação do trabalho a protetora dos fracos, curemos a fraqueza do operário, definitivamente, com a garantia da sua autonomia grupal, com a concessão ampla da sua liberdade de greve, como formas normais de reação organizada e livre à opressão econômica da empresa no contrato de subordinação.

O operário, pelo amplo direito de associação, pelo exercício irrestrito do direito de greve, sentir-se-á senhor do seu destino e forte bastante para discutir, através dos contratos coletivos, as condições normativas do trabalho individual segundo as possibilidades regionais da economia. Saberá que a economia da emprêsa tem limites nas suas concessões e, se ultrapassados, o prejuízo, então, será de todos, porque da economia empresária não vive só o patrão, mas também e principalmente o próprio operário. Os salários terão os níveis móveis segundo as flutuações econômicas. Enfim, e a autonomia jurídica dos interessados que se deseja, sem o paternalismo do Estado, êste Estado Servidor e Protetor, sem dúvida, mas, igualmente, Senhor e Déspota; é o trabalhador emancipado do Estado, o que se procura – isto é, maior, consciente dos seus direitos, responsável, ativo, e não tutelado, protegido e indiferente à sorte empresária.

A subordinação poderá não ser sedutora. Mas a vontade de evasão terá um incentivo a, mais para o espírito de iniciativa e organização que constitui a vida do regime. Sentirão todos a responsabilidade do abuso da liberdade. E êste clima de ordem, na economia, será, também, a condição da democracia política.

A convivência coletiva sob o signo da liberdade pode não ser a felicidade humana na terra e trazer até os seus males. Mas a arte política não escolhe mesmo entre o bem e o mal, mas, entre os males, o menor. E o menor mal é a vida com liberdade. A natureza não conhece a perfeição.

A liberdade pode entrar em contradição com a segurança econômica quando não se sabe usar das suas franquias.

A escravidão totalitária, a disciplina imposta pela guerra, aos militares e civis, tiraram ao indivíduo o hábito da liberdade. É preciso saber vivê-la de novo. A muleta, a tipóia, também desacostumam o homem dos movimentos livres. Os racionamentos, impostos pela guerra, são as dietas conseqüentes dos estados patológicos da economia. A economia de guerra é um estado de doença econômica; a de post-guerra, ainda, é a da convalescença. Só a paz entre os povos traz a saúde dos organismos estatais e com ela a exigência da liberdade dos processos produtivos.

Por isso, êsse desajustamento e indisciplina nos regimes democráticos do após-guerra talvez sejam os percalços da readaptação à vida livre.

“…é obvio que a inteligência das Constituições no período inicial delas, no formar

a sua jurisprudência, há que inspirar-se no espírito que animava os seus autores, no caráter da revolução, que presidiu ao seu nascimento, na tendência das aspirações que suscitaram a sua conquista” (RUI BARBOSA, “Comentários à Constituição Federal” ed. Saraiva & Cia., 1933, São Paulo, 2º volume, pág. 358).

Não há duvida, de que a Constituição brasileirade 1946 é democrática pelo espírito universal que a animou e pelas circunstâncias nacionais que a determinaram; e deveras, democrática ela já se confessa no seu Preâmbulo e cabeça do art. 1º.

E mais, como vimos,5 adota o capitalismo privado como base econômica do seu regime político.

Por conseguinte, é preciso que os intérpretes se recordem sempre de que nos dois sistemas, no econômico e no político, o princípio ou a regra é a liberdade. As restrições são excepcionais e só devem durar enquanto persistirem as causas que as ordenaram.

No regime econômico, o princípio da liberdade se impõe por dupla razão: preliminarmente, como condição de rendimento ou produtividade do sistema, e segundo, porque, a liberdade econômica é condição da liberdade política.

O Estado brasileiro pode intervir na ordem econômica, não como regra, porém como exceção.6 Por igual, na ordem política; a restrição das liberdades, o estado de sítio, são medidas anormais.

E a regra da liberdade econômica ainda mais se impõe nos países de ordem capitalista incipiente, que é o caso brasileiro; é imprescindível a iniciativa privada para transformar em ato a potencialidade das riquezas, pelo menos quando, por igual, se pede a preservação das liberdades cívicas.

Num capitalismo avançado, plenamente desenvolvido, é possível que até mesmo o princípio da liberdade exija a socialização de alguns setores da economia privada. É o caso, por exemplo, das estradas de ferro, quando as grandes emprêsas a integram, direta ou veladamente, no seu organismo, sacrificando os concorrentes, pelas tarifas de favor que se arrogam ou por outros processos conhecidos pela competição desleal. Aí, a própria liberdade exige a intervenção para estabelecer a igualdade nas condições da concorrência. Neste pé da evolução econômica, as estradas de ferro, tais como os demais caminhos, devem ser propriedade comum.

“En última instancia la socialización, la nacionalización y la municipalización dependen de la madurez económica y política de los pueblos…”7

Não é esta, evidentemente, a situação brasileira.

Precisamos de criar riquezas e só a liberdade é produtiva. Não temos fôrças monopolistas para sujeitar. A disciplina rígida da nossa atividade econômica seria a imposição da inamovibilidade mortal no ímpeto progressista de que tanto estamos necessitados.

Além disso, todo custo da burocracia intervencionista é um pêso nas despesas orçamentarias que equivale a um proporcional empobrecimento do acervo das riquezas coletivas e conseqüente redução do bem-estar da comunidade nacional.

Devemos confiar mais na autonomia individual do que no serviço caríssimo do Estado-Protetor, que pela proteção reclama a riqueza de uns e a liberdade de todos, em benefício de uma burocracia madraça, despótica e quase sempre desonesta.

A intervenção econômica permanente é incompatível com as prerrogativas individuais, com as franquias inerentes à individualidade humana.

Só atendendo a tais princípios se tornará possível conciliar os dois ideais, dando ao homem brasileiro a segurança econômica mas sem o sacrifício das clássicas liberdades constitucionais, fazendo-o criador de riquezas e não instrumento delas, senhor de si mesmo e não tutelado pelo Estado e jungido ao Poder, a trôco da promessa falaz de uma alimentação farta; os Direitos Sociais, sem dúvida, mas conquistados pela liberdade da indivíduo e do grupo.

Sòmente por êstes rumos a expressão Direitos do Homem terá a plenitude de compreensão adequada à dignidade da pessoa humana.

Acreditamos na fôrça criadora da liberdade econômica.

E temos, por certo, também, que a liberdade econômica é o clima da democracia.

________________

Notas:

1 HENRI DE MAN, “Le Plan du Travai1”, Paris pág. 6.

2 Arts. 206 a 215 da Constituição brasileira.

3 LUCIEN BROCARD, “Les Condictions générales de 1’Activité Economique”, “Traité d’Economie Politique” dirigida por H. TRUCHY vol. 2. ed. Sirey, Paris, págs. 191 e segs. Consultar a bibliografia sôbre o assunto – págs. 592 e segs. “Conference des Institutions pour l’Etude Scientifique des Relations Internationales”, 1ª Conferência Milão, maio, 1932, subordinada ao tema “L”Êtat et la Vie Économique”, ed. Societé des Nations, Paris, 1932. Igualmente, o capítulo admirável de S. DEPLOIGE. “Conflict de la Morale et de la Sociologie”, 3ª ed., ed. Nouvelle Librairie, Paris, págs. 317 e segs. HENRY LAUFENBURGER, “L’Intervention de l’Êtat en Matière Economique” ed. Librairie Générale, Paris, 1939. G. GURVITCH. “Democracy as a sociological problem”, publ. no “Journal of Legal Sociology”, New York vol. 1, ns. 1-2, 1942. Idem, “Experience Juridique et Philosophie Pluraliste du Droit” Paris, 1936 páginas 235-65. Idem, “La Declaration des Droits Sociaux”, ed. Maison Française, New York, 1944. Idem, “The problem of social law” publ. na “Ethics, New York, vol. 52, outubro, 1941, págs. 17-40.

4 G. FONTANA, “La Discipline della Concorrenza negli Stati Uniti d’America”. ed. Giufrè, Milão, 1937, E. DUSSAUZE, “L’État et les Ententes Industrielles (Quelques expériences)” ed. Librairie Sociale et Économique, Paris, 1939. V. SALANDRA, “I1 Diritto delle Unione di Imprese (Consorci e Gruppi)”, ed. Cedam Pádua, 1934. F. VITTO, “I Sindacati Industrialli (Cartelli e Gruppi)” ed. Giuffrè, Milão, 1932. JEAN BERNARD AUBERT, “L’État Actionnaire”, ed. Librairie Technique et Économique Paris, 1937. L. R. LEVI “I Controlli dello Stato sulla produzione industriale”. ed. Giuffrè, Milão 1938. AUSTIN WAKEMAN SCOTT, “The Law of Trust” ed. Little Brown Company, Boston, 1939 (e vols.). REMO FRANCESCHELLI, “Il Trust nel Diritto Inglese”, ed. Cedam, Pádua, 1935. J. PINTO ANTUNES, “A Concorrência Desleal na Legislação Brasileira. Sinopse dos Direitos Industriais” ed. “Rev. dos Tribunais”, São Paulo, 1940. Da feição econômico-jurídica, os nossos pontos 14, 15 e 16 do “Curso de Introdução Econômica ao Estudo do Direito”, professado na Universidade de Minas Gerais (mimeografado), tratam detençosamente.

5 J. PINTO ANTUNES, “Os Direitos do Homem”, Parte I cap. 3.

6 J. PINTO ANTUNES, “Os Direitos do Homem”, Parte I, cap. 3.

Neste ponto, data venia, divergimos do douto parecer do Prof. FRANCISCO CAMPOS, cujas conclusões foram divulgadas pelo “Jornal do Comércio”, do Rio, de 18-5-47. De permeio dos pólos – Estado e Indivíduo, há, parafraseando o símile de S. Exª os dois hemisférios – um em que o princípio dominante é a liberdade e, outro, em que a mesma liberdade é excedo. Mas de um pólo a outro existe uma gradação completa que vai do extremado liberalismo até o dirigismo totalitário do Estado, passando pela zona limite dos hemisférios, zona de fronteira, marginal, confusa, terra de ninguém, em que de um princípio-rei se passa para o oposto, em que do predomínio do pólo-Estado se atravessa para o; domínio do pólo-Indivíduo.

A Constituição de 1946 é localizada no hemisfério da liberdade, do predomínio dos Direitos Individuais, mas aí, aplicando-se, ainda, o símile, há, igualmente, tôda uma gama de intervencionismos-excepcionais, porque não se nega, ao contrário, afirma-se, sempre, o princípio da liberdade.

A Constituição de 1937 foi, de fato, localizada no hemisfério de predomínio absoluto do Estado, onde a intervenção era muito mais regra que exceção.

A Constituição de 1946 neste capítulo, tal como a Constituição de 1934, podia ser filiada ao neoliberalismo econômico da escola psicológica – admite o intervencionismo na ordem econômica, como exceção. E oxalá, acrescentamos nós, o intérprete, legislador ordinário ou executivo, tenha sempre como difícil esta exceção; só assim estará de acôrdo com a pureza doutrinária da escola, que põe integral fé nas liberdades individuais e principalmente na liberdade econômica; só assim também, poderão corrigir a técnica bem pêca da Constituição no expressar o seu espírito democrático.

Por isso tudo, dificilmente se pode falar em inconstitucionalidade a respeito da intervenção econômica que decidir o Legislativo. É dêstes casos típicos de função política ou discricionária sobre a qual não tem mão o Judiciário, no contrôle supremo da constitucionalidade dos demais poderes. Sòmente a crítica avisada, na maioria dos casos, poderá conter o Poder no resvaladouro da intervenção.

7 ENRIQUE DICKMANN, “El Intervencionismo del Estado y la Economia Privada” (Inquérito), Editorial Argentina, Buenos Aires, 1946, pág. 60.

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