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O novo coronavírus (Covid-19) e os Contratos: Renegociação, revisão e resolução contratual em tempos de pandemia

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O novo coronavírus (Covid-19) e os Contratos: Renegociação, revisão e resolução contratual em tempos de pandemia

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Welder Queiroz dos Santos

Welder Queiroz dos Santos

27/03/2020

Pedro celebrou contrato de locação comercial para o funcionamento de seu restaurante pelo prazo de 10 (dez) anos, no qual o locador lhe disponibilizará o imóvel e o ele pagará o aluguel; Paulo é empreiteiro, venceu uma licitação para a construção de um imóvel para o Poder Público e precisa realizar a obra no prazo de 02 (dois) anos; José é proprietário de uma empresa de táxi aéreo e possui um contrato de fornecimento de combustível no qual obriga-se a adquirir uma quantidade mínima de combustíveis mensalmente.

Nos três casos fictícios acima, as partes celebraram contratos para efetivarem o funcionamento de seus negócios. Em tempos do novo coronavírus, a dúvida que surge é como ficam os contratos celebrados?

É comum ouvirmos a expressão de que “o contrato faz lei entre partes”. Isso quer dizer que é por meio dos contratos que as partes constituem, regulamentam ou extinguem um negócio jurídico, vinculando-se aos termos pactuados e às disposições gerais sobre contratos previstas nas leis brasileiras, inclusive em relação às multas contratuais, aos juros e às correções monetárias em caso de atraso no pagamento.

Normalmente as partes conhecem os riscos futuros e os desdobramentos do negócio no momento em que celebram o contrato. O locador de imóvel comercial para utilização como restaurante sabe os períodos do ano em que o movimento é maior ou menor. O empreiteiro sabe que precisará adquirir materiais de construção e contratar funcionários ou prestadores de serviços para a empreitada. O proprietário de empresa de táxi aéreo sabe a quantidade de voos que terá que fazer para honrar com o consumo mínimo de combustível que se comprometeu em adquirir todo mês.

O que todos não esperavam é que seus negócios seriam afetados por uma pandemia pelo novo coronavírus que veio a impor, no Brasil e no mundo, diversas restrições sociais, jurídicas e econômicas que impactam diretamente no bom andamento de seus negócios.

O COVID-19 veio de forma extraordinária e imprevisível e alterou, por diversos motivos, as circunstâncias em que as partes balizaram suas contratações. Como as partes envolvidas em relações contratuais podem lidar juridicamente diante dessas alterações abruptas em seus negócios?

O direito brasileiro estabelece a renegociação, a revisão e a resolução contratual[1]devido a evento imprevisível e extraordinário como forma de buscar um equilibro material nas relações entre os indivíduos e de concretizar a função social do contrato.

Na renegociação contratual, as partes contratantes podem extrajudicialmente readequar os direitos e as obrigações, principais e acessórias, como forma de restabelecer o equilíbrio econômico-jurídico originalmente pactuado.[2] O dever de renegociar o contrato desequilibrado independe de cláusula expressa, pois decorre do dever de lealdade, que tem amparo no direito brasileiro na boa-fé objetiva (art. 422[3], Código Civil).[4]

Caso frustradas as tentativas de renegociação, as partes podem buscar a revisão judicial e/ou a resolução dos contratos civis em decorrência do evento imprevisível e extraordinário que é a pandemia do novo coronavírus.

Da leitura dos artigos 317[5] e 478[6] do Código Civil, é possível concluir que os requisitos para a revisão[7] e para a resolução dos contratos de execução continuada ou diferida por onerosidade excessiva superveniente são os mesmos, pois a “desproporção manifesta” equivale à “onerosidade excessiva”, os “motivos imprevisíveis” equivalem aos “acontecimentos extraordinários e imprevisíveis”, a “extrema vantagem” equivale à “desproporção manifesta” e “partes” equivalem à “credor e devedor”.[8]

Compreender o que é um acontecimento extraordinário e imprevisível para fins de revisão ou resolução de contrato não é uma tarefa fácil. De acordo com o STJ, as variações do real em face do dólar americano são previsíveis e não autorizam a revisão de contratos de compra de safra futura de soja[9], de fertilizantes[10] ou de equipamentos para atividade profissional.[11] Os fatos extraordinários e imprevisíveis são aqueles que não estão cobertos objetivamente pelos riscos próprios do contrato.[12] A extraordinariedade e a imprevisibilidade decorrem tanto do acontecimento em si quanto das consequências que ele produz.[13]

A pandemia do novo coronavírus, o COVID-19, é indubitavelmente fato extraordinário e imprevisível às partes que celebram contratos antes de sua ocorrência. Assim, as recomendações dos órgãos mundiais de saúde de instituição de quarentena, de isolamento social e de distanciamento social, somadas às determinações impostas pelos Governos, geraram redução da circulação de pessoas e, por consequência, impactos econômicos a diversos negócios, com a redução substancial do faturamento, quando não total, nas mais variadas cidades brasileiras. E, até o momento, não há nenhuma previsão a respeito da duração de tais medidas.

Por sua vez, a onerosidade excessiva está ligada à desproporção manifesta entre a prestação e a contraprestação originalmente pactuada, causando um desequilíbrio material no contrato, com a superação dos riscos futuros esperados, conforme o caso a ser analisado. Já a extrema vantagem do credor é elemento acidental da alteração fática e decorre da desproporção entre a prestação originalmente pactuada e o seu valor real.[14] Já o inadimplemento das obrigações contratuais deve ser posterior ao evento imprevisível que gerou a onerosidade excessiva. Preenchidos todos os requisitos, a parte prejudicada pode requerer a revisão ou resolução do contrato.

Por fim, é importante registrar que nas relações de consumo o direito de revisão dos contratos que em razão de fatos supervenientes contenham prestações desproporcionais e excessivamente onerosas ao consumidor, independe de o fato ser extraordinário e imprevisível[15] (art. 6º, V, CDC[16]).

Assim, diante da crise extraordinária causada pela pandemia do Covid-19, as partes devem buscar a renegociação como forma de satisfazer da melhor forma possível os seus interesses e preservar o contrato. Caso não seja possível, a parte prejudicada na relação contratual pode buscar judicialmente a sua revisão, inclusive com a redução equitativa de multas pactuadas (art. 413, Código Civil), ou a resolução do contrato por onerosidade excessiva.

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[1] Resolução do contrato é a terminologia utilizada para expressar a sua extinção por circunstância superveniente à sua formação.

[2] NERY JUNIOR, Nelson; RODOVALHO, Thiago, Renegociação contratual, Revista dos Tribunais, v. 906, pp. 113/155, 2011.

[3] Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

[4] MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. São Paulo: Marcial Pons, 2015, p. 509-563.

[5] Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

[6] Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

[7] Para um estudo aprofundado da revisão judicial dos contratos: RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2006.

[8] Essa é a acertada conclusão de Paulo Magalhães Nasser, em profundo estudo sobre o tema: Onerosidade excessiva no contrato civil. São Paulo: Saraiva, 2011.

[9] STJ, Terceira Turma, REsp 866.414/GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 20/06/2013, DJe 02/08/2013; STJ, Quarta Turma, REsp 936.741/GO, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. em 03/11/2011, DJe 08/03/2012; STJ, Terceira Turma, REsp 858.785/GO, Rel. originário Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, j. em 08/06/2010, DJe 03/08/2010; STJ, Terceira Turma, REsp 977.007/GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 24/11/2009, DJe 02/12/2009; STJ, Quarta Turma, REsp 809.464/GO, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, j. em 10/06/2008, DJe 23/06/2008; STJ, Terceira Turma, REsp 722.130/GO, Rel. Min. Ari Pargendler, j. em 15/12/2005, DJ 20/02/2006, p. 338.

[10] STJ, Terceira Turma, AgRg no REsp 1518605/MT, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. em 07/04/2016, DJe 12/04/2016.

[11] STJ, Terceira Turma, REsp 1.321.614-SP, Rel. originário Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. para acórdão Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 16/12/2014, DJe 3/3/2015.

[12] Enunciado n. 366 das Jornadas de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal: “O fato extraordinário e imprevisível causador de onerosidade excessiva é aquele que não está coberto objetivamente pelos riscos próprios da contratação”.

[13] Enunciado n. 175 das Jornadas de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal: “A menção à imprevisibilidade e à extraordinariedade, insertas no art. 478 do Código Civil, deve ser interpretada não somente em relação ao fato que gere o desequilíbrio, mas também em relação às consequências que ele produz”.

[14] Enunciado n. 365 das Jornadas de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal: “A extrema vantagem do art. 478 deve ser interpretada com elemento acidental da alteração de circunstâncias, que comporta a incidência da resolução ou revisão do negócio por onerosidade excessiva, independentemente de sua demonstração plena”.

[15] Para o STJ, a teoria da base objetiva ou da base do negócio jurídico, que permite a revisão ou resolução de contrato em caso de modificação das circunstâncias iniciais, ainda que previsíveis, tem sua aplicação restrita às relações de consumo, não sendo aplicável aos contratos civis, que exige o requisito da imprevisibilidade e extraordinariedade. (STJ, Terceira Turma, REsp 1.321.614-SP, Rel. originário Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. para acórdão Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 16/12/2014, DJe 3/3/2015; STJ, Segunda Seção, REsp 472.594/SP, Rel. originário Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Rel. p/ Acórdão Min. Aldir Passarinho Junior, j. em 12/02/2003, DJ 04/08/2003, p. 217).

[16] Código de Defesa do Consumidor, Art. 6º São direitos básicos do consumidor: V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.


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