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Impossibilidade de cumprimento de obrigações de fazer em razão da pandemia do coronavírus
Felipe Quintella
23/03/2020
Neste segundo artigo da série sobre os impactos do novo coronavírus no Direito Civil, focarei na impossibilidade de cumprimento de obrigações de fazer em razão da pandemia ou de outro fato a ela relacionado. Trata-se de outro tema relacionado aos Direitos das Obrigações e dos Contratos.
Vamos, novamente, trabalhar com um exemplo. Imagine que você havia contratado um personal trainer para lhe dar aulas na academia do condomínio em que você mora, por R$ 150,00 a sessão.
Suponhamos duas situações:
(a) o seu condomínio proibiu o uso da academia durante a pandemia;
e/ou
(b) norma legal específica proibiu as atividades de personal trainers durante a pandemia.
Indaga-se, pois: o que ocorre com as obrigações assumidas por você e pelo seu ‘personal trainer’ em razão desse(s) fato(s)?
Primeiramente, observe que, em razão do seu contrato com o personal trainer, surgiram, no mínimo, duas obrigações — formando uma relação obrigacional complexa, com prestação e contraprestação:
(1) a obrigação do personal trainer de lhe dar as aulas, da qual ele é devedor e você é credor, e que tem natureza de obrigação de fazer infungível (personalíssima);
(2) a sua obrigação de dar ao personal trainer a remuneração da aula, da qual você é devedor, e ele é credor, e que tem natureza de obrigação de dar coisa incerta.
Pois bem. Em razão da pandemia, seja pelo motivo descrito acima na situação (a), seja pelo motivo descrito na situação (b), ou, ainda, por ambos, ocorreu a impossibilidade superveniente do cumprimento da obrigação de fazer.
Seu personal trainer não poderá dar as aulas, vez que o contrato menciona que estas aconteceriam na academia do seu condomínio, o que está proibido. Ou seu personal trainer não poderá dar as aulas vez que está proibido de o fazer. Ou, ainda, não poderá dar as aulas pelos dois motivos mencionados.
Nesse caso, o próximo passo é verificar se a impossibilidade decorreu de fato imputável ao devedor, ou não. Em outras palavras, é necessário verificar se o cumprimento da obrigação se tornou impossível com ou semculpa do devedor.
No exemplo, obviamente não houve culpa do personal trainer. A impossibilidade decorreu ou da proibição do uso da academia, ou da proibição da própria atividade do personal trainer, ou de ambos os fatos. Trata-se de típica situação de caso fortuito ou força maior, vez que se cuida de um fato imprevisível e inevitável — proibições decorrentes da pandemia do novo coronavírus.
Logo, aplica-se a regra da primeira parte do art. 248 do Código Civil de 2002: a obrigação se resolve.
Isso significa que o devedor da obrigação de fazer não estará mais obrigado a fazer. Consequentemente, o devedor da obrigação de dar também não estará mais obrigado a dar, sob pena de haver enriquecimento sem causa do credor desta prestação. Ou seja, resolve-se a relação obrigacional complexa, incluindo-se a prestação que se impossibilitou, bem como a sua contraprestação.
Aplicando-se tal conclusão ao exemplo hipotético: ao menos durante o período em que se mantiver a impossibilidade do cumprimento da obrigação, nem o personal terá que lhe dar aula, nem você terá que remunerá-lo.
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