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PROCESSO PENAL
A Contravenção Penal de Vias de Fato no Âmbito da Violência Doméstica à Luz da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal
Joaquim Leitão Júnior
30/08/2018
Muito se debate em sede policial e jurídica se a contravenção penal de vias de fato, no âmbito da violência doméstica, seria autuada por Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) ou se por Auto de Prisão em Flagrante Delito (e até mesmo por Portaria, para o nascedouro do Inquérito Policial).
A discussão se dá, principalmente, por conta da redação do art. 41 da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que enuncia que aos “crimes praticados” com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995.
Nesse ponto, veja a redação do art. 41 da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha):
“Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei n.º 9.099, de 26 de setembro de 1995”.
Nota-se que o legislador ordinário aventou, expressamente, apenas e tão somente a expressão “crimes”, deixando de fora a terminologia “contravenção”.[1]
Apesar de se apresentar imensamente questionável, com todo o respeito, a atuação com ativismo do Superior Tribunal de Justiça no esforço interpretativo de algo não previsto expressamente pelo legislador pátrio em lei, com alargamento em norma penal incriminadora (não permitida pelas regras hermenêuticas em âmbito penal), a Corte Superior entendeu que a expressão crime deveria abranger a contravenção penal de vias de fato.
Sempre discutindo respeitosamente, pensa-se que a interpretação do colendo Superior Tribunal de Justiça seria estritamente técnica sob o rigor formal, nessa perspectiva, apenas se a lei em comento tivesse abordado expressamente “infração penal” ou “crimes e contravenções penais”.
Do contrário, é temerário e inaceitável o alargamento em norma penal incriminadora (não permitido pelas regras hermenêuticas em âmbito penal), porque acaba, por via oblíqua ou transversa, o Poder Judiciário agindo como verdadeiro legislador positivo, criando-se normas ou tipos incriminadores com expansão de incidência penal, cuja tarefa cabe, constitucionalmente, apenas ao Poder Legislativo. Assim, a expressão “crime” pela lei dever-se-ia limitar tão somente a isso, alicerçado no fato de que não existem palavras inúteis no texto da lei e no silêncio eloquente do legislador.
Todavia, abranger nesse processo interpretativo a contravenção penal de vias de fato, sem ser por via legislativa, mas por decisão judicial, indica, com todo o respeito, uma possível desobediência ao princípio da legalidade (art. 5.º, I, CF/1988) e ao princípio da reserva legal, em que apenas a lei é que pode criar crime e cominar pena.
Permissa venia, não se posiciona contra o ativismo judicial, que é bem-vindo nas mais diversas áreas do Direito, nem se faz discurso machista com ignorância a todo o histórico e contexto de violência familiar e doméstica, contudo, na seara criminal, o ativismo judicial parece não ter espaço.
De qualquer forma, a contravenção penal de vias de fato, no âmbito da violência doméstica, à luz da jurisprudência do STJ, teve afastado a incidência da Lei 9.099/1995.
Portanto, o que isso implica em termos práticos?
Em julgado da 6.ª Turma, um homem denunciado pela suposta prática de contravenções penais, porque teria praticado vias de fato contra sua ex-companheira, bem como perturbado a sua tranquilidade, entendia ser cabível a transação penal ao seu caso, em razão de o art. 41 da Lei Maria da Penha vedar a incidência da Lei 9.099/1995 apenas com relação aos crimes, e não às contravenções penais.
O colegiado, entretanto, destacou que, apesar de o art. 41 da Lei Maria da Penha fazer referência apenas a “crimes”, a orientação do STJ é de que não se aplicam os institutos despenalizadores da Lei 9.099/1995 a nenhuma prática delituosa contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, ainda que configure contravenção penal.
O relator, Ministro Rogerio Schietti, reconheceu que uma interpretação literal do art. 41 poderia levar à conclusão de que a Lei 9.099/1995 poderia ser aplicada às contravenções penais praticadas com violência doméstica e familiar contra a mulher, mas, segundo ele, os fins sociais da Lei Maria da Penha impedem essa conclusão (STJ – HC 280.788). Concluiu o relator:
“À luz da finalidade última da norma e do enfoque da ordem jurídico-constitucional, tenho que, considerados os fins sociais a que a lei se destina, o preceito afasta a Lei 9.099, de forma categórica, tanto aos crimes quanto às contravenções penais praticados contra mulheres no âmbito doméstico e familiar”.
A propósito, confira-se a ementa do julgado pela Corte Cidadã:
Habeas corpus. Writ substitutivo de recurso próprio. Lei Maria da Penha. Contravenção penal. Transação penal. Impossibilidade. Manifesto constrangimento ilegal não evidenciado.
- O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à nova jurisprudência da Corte Suprema, também passou a restringir as hipóteses de cabimento do habeas corpus, não admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso ou ação cabível, ressalvadas as situações em que, à vista da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do(a) paciente, seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus.
- Uma interpretação literal do disposto no artigo 41da Lei n. 11.340/2006 viabilizaria, em apressado olhar, a conclusão de que os institutos despenalizadores da Lei n. 9.099/1995, entre eles a transação penal, seriam aplicáveis às contravenções penais praticadas com violência doméstica e familiar contra a mulher.
- À luz da finalidade última da norma e do enfoque da ordem jurídico-constitucional, tem-se que, considerados os fins sociais a que a lei se destina, o artigo 41da Lei n. 11.340/2006 afasta a incidência da Lei n. 9.099/1995, de forma categórica, tanto aos crimes quanto às contravenções penais praticados contra mulheres no âmbito doméstico e familiar. Vale dizer, a mens legisdo disposto no referido preceito não poderia ser outra, senão a de alcançar também as contravenções penais.
- Uma vez que o paciente está sendo acusado da prática, em tese, de vias de fato e de perturbação da tranquilidade de sua ex-companheira, com quem manteve vínculo afetivo por cerca de oito anos, não há nenhuma ilegalidade manifesta no ponto em que se entendeu que não seria aplicável o benefício da transação penal em seu favor.
- Habeas corpusnão conhecido” (STJ, HC 280.788/RS, 2013/0359552-9).
Ademais, quando do julgamento do HC 196.253/MS (DJe 31.05.2013), de relatoria do Ministro Og Fernandes, a 6.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça afirmou “serem inaplicáveis aos crimes e às contravenções penais regulados pela Lei Maria da Penha os institutos despenalizadores da Lei 9.099/1995, por expressa vedação legal”.
Os argumentos utilizados para se chegar a essa interpretação, por mais nobres e aparentemente legítimos para se corrigirem atrocidades na violência de gênero (e o machismo) histórica, devem ser considerados no mínimo preocupantes e perigosos por enveredar por caminhos não técnicos em Direito Penal. Os respeitosos argumentos dessa corrente centram numa abordagem das disposições previstas no Capítulo VII do Título VIII da Constituição Federal, no sentido de que a família, base da sociedade, merece especial proteção do Estado. O legislador ordinário editou, em 07.08.2006, a Lei 11.340/2006, que criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8.º do art. 226 da Constituição da República, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.
Outro argumento é de que os arts. 1.º e 10 da Lei 11.340/2006 disciplinam, de maneira clara, o objetivo da Lei Maria da Penha, que foi, precipuamente, o de criar mecanismos capazes de coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Nesse sentido, é o art. 10 da apontada Lei:
Art. 1.º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8.º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
Assim, para essa linha de entendimento, com o fim especial de dar concretude ao texto constitucional e aos tratados e convenções internacionais de erradicação de todas as formas de violência contra a mulher, deve ser realizada uma leitura ampliativa do texto (art. 41 da Lei Maria da Penha) com o propósito de mitigar e reduzir, tanto quanto possível, a violência doméstica e familiar contra a mulher (não só a violência física, mas também a psicológica, a sexual, a patrimonial, a social, a moral). Para essa corrente, a verdadeira essência do princípio da igualdade é: tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, de modo que uma interpretação literal do dispositivo mencionado viabilizaria, em apressado olhar, a conclusão de que os institutos despenalizadores da Lei 9.099/1995, entre eles a transação penal, seriam aplicáveis às contravenções penais praticadas com violência doméstica e familiar contra a mulher – o que não seria verdade para tal corrente.
Essa linha doutrinária continua a fundamentar seu ponto de vista, lançando-se do argumento de que a finalidade última da norma e do enfoque da ordem jurídico-constitucional, com a consideração dos fins sociais a que a lei se destina, o preceito afasta a Lei 9.099/1995, de forma categórica, tanto aos crimes quanto às contravenções penais praticados contra mulheres no âmbito doméstico e familiar, valendo dizer que a mens legis do dispositivo citado não poderia ser outra, senão a de alcançar também as contravenções penais.
Dando prosseguimento a essa linha de entendimento, o próprio disposto no art. 4.º reafirmaria, nessa visão, a necessidade de se observarem os fins sociais a que se destina essa lei, em especial as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar. A propósito, confira-se:
“Art. 4.º Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar”.
Esse também foi o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do HC 106.212/MS (DJ 13.06.2011), de relatoria do Ministro Marco Aurélio, em que se adotou o posicionamento no sentido de que o art. 41 seria aplicado aos crimes e às contravenções penais praticados no âmbito de violência doméstica e familiar. Analise-se a ementa do julgado:
“Violência doméstica. Artigo 41 da Lei n.º 11.3402006. Alcance.
O preceito do artigo 41 da Lei n.º 11.340/2006 alcança toda e qualquer prática delituosa contra a mulher, até mesmo quando consubstancia contravenção penal, como é a relativa a vias de fato.
Violência doméstica. Artigo 41 da LEI n.º 11.340/2006. Afastamento da Lei n.º 9.099/1995. Constitucionalidade.
Ante a opção político-normativa prevista no artigo 98, inciso I, e a proteção versada no artigo 226, § 8.º, ambos da Constituição Federal, surge harmônico com esta última o afastamento peremptório da Lei n.º 9.099/1995 – mediante o artigo 41 da Lei n.º 11.340/2006 – no processo-crime a revelar violência contra a mulher.
Isso porque, segundo o disposto no artigo 226, § 8.º, da Constituição Federal, “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações” (STF, HC 106.212/MS (DJ 13.06.2011), Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. 24.03.2011, DJe-112 divulg. 10.06.2011, public. 13.06.2011, RTJ 219/521, RT, v. 100, n. 910, p. 307-327, 2011).
Por conseguinte, a conclusão inarredável em termos práticos é a de que a contravenção penal de vias de fatos no âmbito da violência doméstica à luz da jurisprudência do STJ (e até mesmo do STF)
Nesse ponto, alerta-se que, de qualquer forma, o caminho para se corrigirem os equívocos em decorrência da omissão do legislador e pontos da violência de gênero e doméstica, no âmbito incriminador e de incidência legal, são a lei e a educação. Repita-se mais uma vez: não se posiciona em desfavor do ativismo judicial, que é bem-vindo nas mais diversas áreas do Direito, contudo, em âmbito criminal, o ativismo judicial parece não ter espaço.
Retomando o cerne do debate, diga-se de passagem que o Supremo, ao afirmar que a ação penal seria pública incondicionada nos casos de lesões corporais leves e culposas tão somente à mulher em âmbito doméstico, foi categórico:
Entendeu-se não ser aplicável aos crimes glosados pela lei discutida o que disposto na Lei 9.099/95, de maneira que, em se tratando de lesões corporais, mesmo que de natureza leve ou culposa, praticadas contra a mulher em âmbito doméstico, a ação penal cabível seria pública incondicionada. Acentuou-se, entretanto, permanecer a necessidade de representação para crimes dispostos em leis diversas da 9.099/95, como o de ameaça e os cometidos contra a dignidade sexual. Consignou-se que o Tribunal, ao julgar o HC 106212/MS (DJe de 13.06.2011), declarara, em processo subjetivo, a constitucionalidade do art. 41 da Lei 11.340/2006, no que afastaria a aplicação da Lei dos Juizados Especiais relativamente aos crimes cometidos com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista.
Por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou, nesta quinta-feira (24), a constitucionalidade do art. 41 da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que afastou a aplicação do art. 89 da Lei n.º 9.099/1995 quanto aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, tornando impossível a aplicação dos institutos despenalizadores nela previstos, como a suspensão condicional do processo.
A decisão foi tomada, como já dito, no julgamento do HC 106212.[2]–
No pano de fundo dessa decisão, tem-se que, ao apontar pela constitucionalidade do art. 41 da Lei Maria da Penha (que compreende apenas a expressão “crime”), acabou o intérprete, por meio das Cortes Superiores, indo além para instituir, via judicial, a abrangência da contravenção penal de vias de fato – ao arrepio da lei propriamente dita.
Obviamente que a contravenção de vias de fato, apesar de se aproximar da lesão corporal leve ou culposa, não pode ser equiparada e tratada com a mesma igualdade para os fins legais de forma técnica.
Os argumentos utilizados para se chegar a essa interpretação, por mais nobres que sejam e “aparentemente legítimos” para se corrigirem atrocidades na violência de gênero (e o machismo) histórica, devem ser considerados no mínimo preocupantes e perigosos por enveredar por caminhos não técnicos em Direito Penal.
Mesmo em tempos em que apenas se prestigia o discurso do politicamente (in)correto, registra-se que o caminho para se corrigirem os equívocos, em decorrência da omissão do legislador, e para se imprimirem repressão e combate à violência de gênero e doméstica, no âmbito incriminador e de incidência legal na esfera criminal, deve passar pelo crivo da lei e pela educação.
Conclusão
Apesar de ser temerário e inaceitável o alargamento em norma penal incriminadora (não permitido), porque acaba, por via oblíqua ou transversa, o Poder Judiciário criando normas ou tipos incriminadores em que essa tarefa cabe apenas ao Poder Legislativo, e de entender que a expressão crime deveria abranger expressamente a contravenção penal de vias de fato, por via legislativa, e não por decisão judicial com todo o respeito, em obediência ao princípio da legalidade (art. 5º, I, CF/1988) e ao princípio da reserva legal, em que apenas lei é que pode criar crime e cominar pena, a contravenção penal de vias de fatos no âmbito da violência doméstica à luz da jurisprudência do STJ (e até mesmo do STF) deve ser autuada por Auto de Prisão em Flagrante Delito (e até mesmo por Portaria para o nascedouro do inquérito policial), e não autuada por Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO).
Referências
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 196.253/MS (DJe 31.05.2013), de relatoria do Ministro Og Fernandes, 6.ª Turma.
______. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 280.788/RS (2013?0359552-9), Relator Rogerio Schietti.
______. Supremo Tribunal Federal. HC 106.212/MS (DJ 13.06.2011), Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. 24.03.2011, DJe-112 divulg. 10.06.2011, public. 13.06.2011, RTJ 219/521, RT, v. 100, n. 910, p. 307-327, 2011
STF declara constitucionalidade do artigo 41 da Lei Maria da Penha. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=175260>. Acesso em: 26 mar. 2018.
[1] Lembrando sempre da máxima de que não existe palavra inútil do texto da lei.
[2] Por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou, nesta quinta-feira (24), a constitucionalidade do art. 41 da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que afastou a aplicação do art. 89 da Lei 9.099/1995 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, tornando impossível a aplicação dos institutos despenalizadores nela previstos, como a suspensão condicional do processo.
[3] O Ministro Marco Aurélio, na ocasião, aduziu que a constitucionalidade do art. 41 dá concretude, entre outros, ao art. 226, § 8.º, da Constituição Federal, que dispõe que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.
A decisão foi tomada no julgamento do Habeas Corpus (HC) 106212, em que Cedenir Balbe Bertolini, condenado pela Justiça de Mato Grosso do Sul à pena restritiva de liberdade de 15 dias, convertida em pena alternativa de prestação de serviços à comunidade, contestava essa condenação. Cedenir foi punido com base no art. 21 da Lei 3.688 (Lei das Contravenções Penais), acusado de ter desferido tapas e empurrões em sua companheira. Antes do STF, a defesa havia apelado, sucessivamente, sem sucesso, ao Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul (TJMS) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
No HC, que questionava a última dessas decisões (do STJ), a Defensoria Pública da União (DPU), que atuou em favor de Cedenir no julgamento desta tarde, alegou que o art. 41 da Lei Maria da Penha seria inconstitucional, pois ofenderia o art. 89 da Lei 9.099/1995.
Esse dispositivo permite ao Ministério Público pedir a suspensão do processo, por dois a quatro anos, nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime.
A DPU alegou, também, incompetência do juízo que condenou Cedenir, pois, tratando-se de infração de menor poder ofensivo, a competência para seu julgamento caberia a um juizado criminal especial, conforme previsto no art. 98 da Constituição Federal (CF), e não a juizado especial da mulher.
Decisão
Todos os ministros presentes à sessão de hoje do Plenário – à qual esteve presente, também, a titular da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, Iriny Lopes – acompanharam o voto do relator, Ministro Marco Aurélio, pela denegação do HC.
Segundo o Ministro Marco Aurélio, a constitucionalidade do art. 41 dá concretude, entre outros, ao art. 226, § 8.º, da Constituição Federal (CF), que dispõe que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.
O ministro disse que o dispositivo se coaduna com o que propunha Ruy Barbosa, segundo o qual a regra de igualdade é tratar desigualmente os desiguais. Isto porque a mulher, ao sofrer violência no lar, encontra-se em situação desigual perante o homem.
Ele descartou, também, o argumento de que o juízo competente para julgar Cedenir seria um juizado criminal especial, em virtude da baixa ofensividade do delito. Os ministros apontaram que a violência contra a mulher é grave, pois não se limita apenas ao aspecto físico, mas também ao seu estado psíquico e emocional, que ficam gravemente abalados quando ela é vítima de violência, com consequências muitas vezes indeléveis.
Votos
Ao acompanhar o voto do relator, o Ministro Luiz Fux disse que os juizados especiais da mulher têm maior agilidade nos julgamentos e permitem aprofundar as investigações dos agressores domésticos, valendo-se, inclusive, da oitiva de testemunhas.
Por seu turno, o Ministro Dias Toffoli lembrou da desigualdade histórica que a mulher vem sofrendo em relação ao homem. Tanto que, até 1830, o direito penal brasileiro chegava a permitir ao marido matar a mulher, quando a encontrasse em flagrante adultério. Entretanto, conforme lembrou, o direito brasileiro vem evoluindo e encontrou seu ápice na Constituição de 1988, que assegurou em seu texto a igualdade entre homem e mulher.
Entretanto, segundo ele, é preciso que haja ações afirmativas para que a lei formal se transforme em lei material. Por isso, ele defendeu a inserção diária, nos meios de comunicação, de mensagens afirmativas contra a violência da mulher e de fortalecimento da família.
No mesmo sentido votou também a Ministra Cármen Lúcia, lembrando que a violência que a mulher sofre em casa afeta sua psique (autoestima) e sua dignidade. “Direito não combate preconceito, mas sua manifestação”, disse ela. “Mesmo contra nós há preconceito”, observou ela, referindo-se, além dela, à Ministra Ellen Gracie e à vice-Procuradora-Geral da República, Deborah Duprat. E esse preconceito, segundo ela, se manifesta, por exemplo, quando um carro dirigido por um homem emparelha com o carro oficial em que elas se encontrem, quando um espantado olhar descobre que a passageira do carro oficial é mulher.
“A vergonha e o medo são a maior afronta aos princípios da dignidade humana, porque nós temos que nos reconstruir cotidianamente em face disto”, concluiu ela.
Também com o relator votaram os Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Ayres Britto, Gilmar Mendes, Ellen Gracie e o presidente da Corte, Ministro Cezar Peluso. Todos eles endossaram o princípio do tratamento desigual às mulheres, em face de sua histórica desigualdade perante os homens dentro do lar.
O Ministro Ricardo Lewandowski mencionou que o legislador, ao votar o art. 41 da Lei Maria da Penha, disse claramente que o crime de violência doméstica contra a mulher é de maior poder ofensivo. Por seu turno, o Ministro Joaquim Barbosa concordou com o argumento de que a Lei Maria da Penha buscou proteger e fomentar o desenvolvimento do núcleo familiar sem violência, sem submissão da mulher, contribuindo para restituir sua liberdade, assim acabando com o poder patriarcal do homem em casa.
O Ministro Ayres Britto definiu como “constitucionalismo fraterno” a filosofia de remoção de preconceitos contida na Constituição Federal de 1988, citando os arts. 3.º e 5.º da CF. E o Ministro Gilmar Mendes, ao também votar com o relator, considerou “legítimo este experimento institucional”, representado pela Lei Maria da Penha. Segundo ele, a violência doméstica contra a mulher “decorre de deplorável situação de domínio”, provocada, geralmente, pela dependência econômica da mulher.
A Ministra Ellen Gracie lembrou que a Lei Maria da Penha foi editada quando ela presidia o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ensejou um impulso ao estabelecimento de juizados especiais da mulher.
Em seu voto, o Ministro Cezar Peluso disse que o art. 98 da Constituição, ao definir a competência dos juizados especiais, não estabeleceu o que sejam infrações penais com menor poder ofensivo. Portanto, segundo ele, lei infraconstitucional está autorizada a definir o que seja tal infração.
O Ministro disse que o dispositivo se coaduna com o que propunha Ruy Barbosa, segundo o qual a regra de igualdade é tratar desigualmente os desiguais. Isto porque a mulher, ao sofrer violência no lar, encontra-se em situação desigual perante o homem.
Na oportunidade desse julgamento, o Ministro Marco Aurélio descartou, também, o argumento de que o juízo competente para julgar o paciente seria um juizado criminal especial, em virtude da baixa ofensividade do delito. Os ministros apontaram que a violência contra a mulher é grave, pois não se limita apenas ao aspecto físico, mas também ao seu estado psíquico e emocional, que ficam gravemente abalados quando ela é vítima de violência, com consequências muitas vezes indeléveis.
Foi pontuada também a desigualdade histórica que a mulher vem sofrendo em relação ao homem, como argumento. Tanto que, até 1830, o direito penal brasileiro chegava a permitir ao marido matar a mulher, quando a encontrasse em flagrante adultério.
Entretanto, conforme lembrou, o direito brasileiro vem evoluindo e encontrou seu ápice na Constituição de 1988, que assegurou em seu texto a igualdade entre homem e mulher. Abordou também que é preciso que haja ações afirmativas para que a lei formal se transforme em lei material. Por isso, ele defendeu a inserção diária, nos meios de comunicação, de mensagens afirmativas contra a violência da mulher e de fortalecimento da família.
O princípio do tratamento desigual às mulheres foi empregado neste julgamento, em face de sua histórica desigualdade perante os homens dentro do lar.
O Ministro Ricardo Lewandowski mencionou que o legislador, ao votar o art. 41 da Lei Maria da Penha, disse claramente que o crime de violência doméstica contra a mulher é de maior poder ofensivo.
Por seu turno, nesta linha, o Ministro Joaquim Barbosa concordou com o argumento de que a Lei Maria da Penha buscou proteger e fomentar o desenvolvimento do núcleo familiar sem violência, sem submissão da mulher, contribuindo para restituir sua liberdade, assim acabando com o poder patriarcal do homem em casa.
O Ministro Ayres Britto definiu como “constitucionalismo fraterno” a filosofia de remoção de preconceitos contida na Constituição Federal de 1988, citando os arts. 3.º e 5.º da CF.
Dando sequência, o Ministro Gilmar Mendes, ao também votar com o relator, considerou “legítimo este experimento institucional”, representado pela Lei Maria da Penha, sublinhando que a violência doméstica contra a mulher “decorre de deplorável situação de domínio”, provocada, geralmente, pela dependência econômica da mulher.
A Ministra aposentada Ellen Gracie lembrou que a Lei Maria da Penha foi editada quando ela presidia o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ensejou um impulso ao estabelecimento de juizados especiais da mulher.
Em seu voto, o Ministro Cezar Peluso disse que o art. 98 da Constituição, ao definir a competência dos juizados especiais, não estabeleceu o que sejam infrações penais com menor poder ofensivo. Portanto, segundo o aludido ministro, a lei infraconstitucional está autorizada a definir o que seja tal infração.
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