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CLÁSSICOS FORENSE
HOMENAGEM
REVISTA FORENSE
Discurso do professor SAN TIAGO DANTAS na homenagem prestada pela Comissão Jurídica Interamericana, de San Tiago Dantas
Revista Forense
02/02/2024
Na homenagem que a Comissão Jurídica Interamericana prestou ao seu ex-presidente, o jurisconsulto Sr. FRANCISCO CAMPOS, em agôsto último, falou o professor SAN TIAGO DANTAS, pronunciando o seguinte discurso:
“Ergo-me emocionado, Sr. professor FRANCISCO CAMPOS, para tributar a V. Exª as homenagens da Comissão Jurídica Interamericana, onde tive a honra imerecida de substituí-lo como delegado do Brasil.
Julgou V. Exª por motivos em que não nos é facultado penetrar, que devia deixar o pôsto, a que dedicara doze anos de sua incomparável atividade intelectual. Quer a Comissão exprimir a V. Exª o seu pesar por êsse afastamento voluntário, que vem privá-la da colaboração de um dos mais ilustres jurisconsultos americanos, e o seu reconhecimento pelos serviços que lhe deve, como delegado e como presidente.
Coube a V. Exª substituir, numa e noutra qualidade, um dos nossos maiores homens públicos. A figura de AFRÂNIO DE MELO FRANCO, nimbada de uma legenda de idealismo pacifista, que deu, mais do que a qualquer outro homem de Estado brasileiro depois de RIO BRANCO, projeção continental, estava indissolùvelmente ligada à Comissão Jurídica, desde quando a presidira, com as funções e a denominação de Comissão Interamericana de Neutralidade.
Para substituí-lo foi o govêrno brasileiro buscar, na pessoa de V. Exª, um jurista que dominava e abrangia todos os rumos do direito, mas que até então não se projetara, por exceção talvez única, no campo específico do direito internacional.
Chegara V. Exª, naqueles anos, ao mesmo tempo, ao apogeu da sua carreira política e à plenitude da sua inteligência. Sua presença na vida intelectual brasileira começara a se fazer sentir desde os bancos acadêmicos, de quando datam as páginas lúcidas e amadurecidas do seu discurso “Democracia e Unidade Nacional”, e se afirmara, pouco depois, num concurso famoso, que lhe deu ingresso à Faculdade de Belo Horizonte como professor de Filosofia do Direito, com duas teses de cerrada edudição e ardente originalidade.
Deste então, formou-se em tôrno da sua pessoa a legenda da genialidade, que acompanhou os seus primeiros passos na nossa cara província de Minas, e até hoje aí está, pesando sôbre os seus ombros – espécie de estigma luminoso, com que a vox populi marca de tempos em tempos um dos nossos compatriotas, e que serve ao mesmo tempo para tudo se lhe oferecer e tudo se lhe recusar, e para se criar em tôrno de um grande homem algo como aquela fulgente solidão, que cerca o grande Lama no seu palácio de Lhassa.
Nos anos em que V. Exª iniciava a sua vida pública, terminava a do maior dêsses estigmatizados – RUI BARBOSA. Estou certo de que o futuro historiador do nosso tempo, ao contemplar com o recuo de muitas décadas o panorama deste meio século, vai encontrar mais de um ponto sugestivo no cotejo dessas duas mentalidades dessemelhantes senão opostas em quase tudo, ambas, porém, tocadas de genialidade, e como que crestadas pelas chamas da admiração de seus contemporâneos.
V. Exª afirmou-se; é verdade, desde as primeiras manifestações do seu pensamento político, como um antípoda de RUI. Ao idealismo jurídico, à fé intelectual, à confiança nas doutrinas que marcaram inalteràvelmente o espírito de RUI BARBOSA e lhe deram à personalidade o sentido apostolar, V. Exª opôs, desde as suas primeiras definições de atitudes, um realismo implacável, que põe a nu o fundo pragmático e existencial de tôdas as ideologias; e um criticismo que relativiza tôdas as posições doutrinárias.
As duas fôrças intelectuais mais poderosas que acionaram, entre nós, a cultura jurídica nos últimos 50 anos – a de RUI BARBOSA e a de V. Exª – tiveram, assim, direções diversas. Uma, a do grande advogado baiano, operou no sentido da elevação dos princípios jurídicos, principalmente dos princípios do liberalismo, à dignidade de um credo social. Outra, à do grande professor mineiro, operou no sentido do reexame das construções jurídicas em face das condições sociais e políticas que nelas se encarnam, e abriu o caminho da modernização de inúmeras instituições.
RUI BARBOSA contribuiu mais do que qualquer outro pensador ou estadista brasileiro para implantar entre nós o ideal da primazia do direito na sociedade. Sua obra de legislador, de criador de condições legais novas para a eclosão de novos rumos, não tem, entretanto, a importância da obra realizada por V. Exª, nos curtos períodos em que exerceu o poder, no Estado ou na União.
É a V. Exª que cabe, mais do que a qualquer outro homem de Estado ou Jurisconsulto, o título de reformador. Secretário do Interior de Minas, de 1926 a 1930, V. Exª, realizou as reformas do ensino primário e do ensino normal, elevando ao nível das idéias pedagógicas modernas o sistema de educação pública do Estado. A efervescência intelectual do seu período de gestão deu a Minas uma primazia incontestável no campo cultural e educativo, e a sua obra estratificou-se em conceitos nas exposições e nos discursos que formam o seu volume “Pela Civilização Mineira”.
Em 1930, a revolução vitoriosa trouxe o secretário do Interior de Minas para o Ministério da Educação e Saúde. O ensino de grau médio entre nós era, naquele tempo, o chamado estudo de preparatórios, têrmo que está a indicar o seu caráter estritamente transitório para os cursos de nível superior. A mocidade brasileira preparava-se de qualquer modo, fragmentàriamente, com professôres particulares ou em colégios de instalações deficientíssimas, para prestar no ginásio oficial, ou perante bancas constituídas sem a menor seleção profissional, um único exame de suficiência em cada disciplina. Em todo o país estimava-se em 30 a 40.000 o número de rapazes e môças que faziam estudos para se apresentarem a tais exames.
Em 1931, V. Exª apresentava, precedida da monumental exposição de motivos, que ainda hoje é uma página cheia de experiências e fresca de atualidade, a reforma que verdadeiramente instituiu entre nós o ensino de grau médio, abrindo caminho e criando normas para o surto do ensino secundário particular qualificado. Fêz-se V. Exª com aquêle ato o fundador do ensino secundário brasileiro, inclusive criando o serviço de verificação das instalações materiais das escolas, a sua inspeção permanente e traçando o primeiro rumo para o ensino normal de grau superior, que mais tarde iria surgir nas Faculdades de Filosofia, por obra de outro ilustre homem público de Minas – o Sr. GUSTAVO CAPANEMA. Se os estudantes de ensino médio eram 40.000 em 1930, e são 700.000 no corrente ano; se as escolas secundárias eram 150 em 1930 e são 1.920 no corrente ano, não podemos esquecer que essa gigantesca transformação da realidade educacional brasileira, contra a qual nada podem as reflexões dos mal-informados, ou as explosões dos pessimistas, deve-se à reforma FRANCISCO CAMPOS do ensino secundário, ainda hoje servindo de estrutura última ao sistema em vigor. No mesmo ano, e com poucos dias de intervalo, V. Exª reformava o ensino superior e dava estatuto inteiramente novo à universidade. Aí igualmente a obra incorporou ao país resultados definitivos, e se hoje podemos considerar chegado o momento de novas transformações é porque a expansão social dos últimos 25 anos modificou, de maneira imprevisível, as necessidades de preparo individual a que a universidade deve responder.
Eram as grandes reformas educacionais apenas o prenúncio de outras que V. Exª seria chamado a consumar, logo que as peripécias da carreira política o trouxessem do terreno da administração do ensino para o da justiça.
É curioso analisar o que modela o espírito de um intelectual e homem de Estado para fazer avultar nêle o papel de reformador. É, em primeiro lugar, o sentimento da responsabilidade intelectual na sua plenitude: a ousadia das reformas só ocorre nos que são capazes de assumir responsabilidades em escala secular, isto é, nos que se sentem chamados ao govêrno, pela necessidade imperativa de dar resposta aos problemas lançados como um desafio à sociedade. Nessa completa polarização do espírito pelos problemas a resolver, está a legitimação do homem público, o sinal da autenticidade de sua vocação.
Em segundo lugar, o reformador é aquêle que logra entre as opções que se lhe oferecem à escolha, repelir com intuição segura as que não registirão à ação do tempo, e adotar as que vão durar. E êsse o sentido intuitivo, às vêzes profético, do homem de Estado, que lhe permite, olhando o presente, ver o futuro, e desvencilhar-se das perplexidades polêmicas, em que se enredam os seus contemporâneos para traçar uma linha que os dias consecutivos não interromperão.
V. Exª trouxe, para as grandes reformas que empreendeu, essas duas qualidades: o dom de superar as dúvidas polêmicas, fixando em meio à efervescência das idéias os rumos capazes de sobreviver, e o sentimento de responsabilidade pelos problemas, sentimento que lhe impõe o dever incessante e indeclinável de lhes dar solução.
Se a segunda dessas qualidades é o apanágio da consciência, do estadista, a primeira é o atributo do intelectual raro, que em V. Exª se afirmou desde cedo, igualmente dotado para a mais alta especulação teórica e para a captação dos aspectos mais pragmáticos dos fatos e das normas. Logos é pragma se equilibram na sua visão das coisas com tão perfeita equivalência, que as suas reações intelectuais desconcertam os interlocutores pela elegante agilidade com que o seu poder de abstração, de conceituação e de síntese, restabelece a todo instante o contato com a realidade.
Já lhe valeu êsse realismo a censura de cético, que os consumidores de ilusões sistemàticamente conferem aos que não fazem infidelidades à verdade. E V. Excelência não trepidou em responder-lhes num discurso de abertura dos cursos universitários, nestes têrmos:
“… condição para que a Universidade exerça a sua alta função de ensinar a arte de pensar ou o uso da razão, ou em outras palavras, a técnica de converter fatos em verdade, é adquirir e exercer o hábito de ceticismo ou da dúvida”.
E mais adiante:
“… é mais fácil acreditar do que duvidar, de onde a maioria dos homens viverem em estado de ingenuidade em relação a coisas ou a processos que se passam de modo mais ou menos remoto ao campo da sua visão imediata.
“Duvidar é começar a investigar; o ponto de partida de todo inquérito reside num estado inicial de dúvida.
“As certezas adquiridas sem exame, isto é, sem a dúvida que provoca o inquérito, nunca se incorporam à nossa experiência, permanecendo à sua superfície como blocos flutuantes, sem continuidade com o tecido vivo que não consegue absorvê-los ou reduzi-los à sua substância”.
Ainda V. Exª não regressara ao govêrno, e já anunciava, em 1936, uma das grandes reformas da sua carreira de legislador: a do Processo Civil. Só os que testemunharam, anos depois, a elaboração dêsse Código, e a do Cód. Penal, bem como a do anteprojeto de Lei de Introdução, que a administração seguinte adotaria como lei, e a do anteprojeto de Código das Obrigações, e as inúmeras leis especiais que, de 1937 a 1941, deram nova fisionomia ao nosso direito positivo, sabem o que foi a severa triagem, a análise das soluções, os debates com projetistas e revisores, em que V. Exª imprimia o sinête do seu senso crítico, escolhendo, modificando, substituindo, registrando, e afinal dotando o país de um corpo de leis que, embora elaborado sob um regime político depois repudiado, pôde subsistir pràticamente intato, nos quadros legais do Estado democrático restaurado.
A essa obra de reforma legislativa serviria um outro atributo do seu espírito, que veio frutificar largamente nos últimos anos, no seio da Comissão Jurídica: o dom de equacionar problemas e de formular suas soluções.
É verdade que o seu infatigável contrôle de suas próprias conclusões não lhe permite deter-se nelas, e sem cessar o obriga a um revisionismo que até hoje impediu o seu espírito de cristalizar-se em conceitos duráveis, suscetíveis de sistematização. É verdade que o intenso criticismo impele a sua inteligência a transformar todo conhecimento numa problemática, ao longo da qual os sêres e os conceitos sem cessar se convertem em seus contrários.
Engana-se, entretanto, quem pensar que há nesse exame continuo da autenticidade da fragilidade das noções e das doutrinas, uma atitude destrutiva. Só o que destrói, e destrói irremediàvelmente ainda que algumas vêzes à distância; é a traição à verdade, voluntária ou involuntária, é a aceitação do falso ou do ilusório, em nome de um valor ético ou psicológico que indevidamente se lhe atribui.
A inteligência cética ou realista de V. Exª estava naturalmente indicada para prestar serviços, que foram inestimáveis a um órgão como a Comissão Jurídica, votado às questões de direito internacional. Os grandes inimigos do progresso do direito internacional, no campo positivo ou no campo doutrinário, não são os céticos ou realistas, mas os que se deixam levar por um idealismo ingênuo, por um otimismo crédulo e inadvertido.
O utopismo doutrinário gera as esperanças ilegítimas, e cria em pouco tempo a desconfiança e o desânimo num canteiro onde se constrói em ritmo secular, e onde tôda violação da realidade se expia através de duras sanções. O internacionalista que se deixa levar por um idealismo ingênuo e verbalista não passa de um tôlo, mas por obra dêsses tolos tem desmoronado muita construção erguida intempestivamente.
O que pode fazer e fêz, num órgão como a Comissão, espírito tão eletivamente moldado para tratar a matéria ávida de realismo e pragmatismo, tanto quanto de síntese teórica, que o direito internacional, sòmente saberão dizê-lo, Sr. FRANCISCO CAMPOS, os que viveram com V. Exª as discussões longas e escorregadias, as idas e vindas fatigantes, as formulações tentadas e abandonadas, os avanços por polegadas, próprios dêste como de outros organismos internacionais.
É, pois, Sr. professor, com imenso pesar que a Comissão se priva da sua colaboração imediata, embora espere poder contar sempre com ela, sob a forma de opiniões e de sugestões sôbre os temas em que V. Exª granjeou tão alta competência.
Resta-nos, porém, a certeza de que V. Exª, ao deixar espontaneamente a Comissão Jurídica, numa hora em que a sua portentosa inteligência está na culminância da fôrça e da irradiação, vai por certo concentrar-se em outros labores, que se tornarão, como tudo a que V. Exª até hoje se dedicou, marcos definitivos na história da cultura brasileira”.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
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