32
Ínicio
>
Artigos
>
Tributário
ARTIGOS
TRIBUTÁRIO
Lançamento de ICMS na industrialização por encomenda mediante fornecimento de matéria-prima e de recursos financeiros para aquisição de insumos e acusação de crimes contra ordem tributária
Kiyoshi Harada
04/09/2019
A Consulente esclarece que é sociedade limitada e que, segundo a cláusula primeira de seu contrato social, tem por objeto social a exploração dos ramos de atividade de:
– Fabricação de biocombustíveis, exceto álcool – CNAE 19.32-2/00;
– Fabricação de óleos vegetais em bruto, exceto óleo de milho – CNAE 10.41-4/00;
– Fabricação de óleo de milho, em bruto – CNAE 10.65-1/02;
– Comércio atacadista de álcool carburante, biodiesel, gasolina e demais derivados de petróleo, exceto lubrificantes, não realizado por transportador retalhista (TRR) – CNAE 46.81-8/01;
– Comércio atacadista de matérias-primas agrícolas não especificadas anteriormente – Cereais em bruto – CNAE 46.23-1/99.
– Comércio atacadista de sementes, flores, plantas e gramas – CNAE 46.23-1/06;
– Armazéns Gerais – Emissão de warrant – CNAE 52.11-7/01;
– Comércio atacadista de soja – CNA 46.22-2/00; e
– Transporte rodoviário de carga, exceto produtos perigosos e mudanças, intermunicipal, interestadual e internacional – CNAE 49.30-2/02.
Informa que durante o exercício de 2017 foi contratada pelas sete empresas: Opção Comércio de Óleos Residuais e Gorduras Ltda.; Opção Comércio de Óleos Residuais e Vernizes Ltda.; Casa do Produtor Rural Eireli (EPP); Formato Comercialização de Grãos Ltda.; I N Comércio de Óleos Residuais Ltda.; Mundial Agro Indústria Eireli EPP; e Raça Forte Indústria e Comércio de Rações e Produtos Químicos Eireli, todas integrantes do mesmo grupo econômico, para realizar a industrialização de resíduo de óleo vegetal – ácido graxo – denominado Graxpar (óleo sujo), resultando em óleo limpo, com emprego de álcool metílico (metanol) e ácido sulfúrico, por possuir a contratada, ora Consulente, licença para a compra desses dois insumos utilizados no processo de industrialização. Para tanto, as contratantes remetiam o Graxpar, bem como forneciam numerários para a aquisição de metanol, haja vista que a Consulente-contratada é detentora de licença para a fabricação de biocombustível que requer o emprego de metanol, conforme certificado de licença de funcionamento n.º 201530000-1, sendo suas operações fiscalizadas pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). Apresenta-nos, exemplificativamente, documento de fiscalização n.º 044.00018.52-050.017, em que consta que:
[…] com relação à movimentação de Álcool Metílico, o fiscalizado apresentou a documentação da movimentação do produto para o tratamento de óleo, sendo que conforme informação prestada Emerson de Oliveira toda movimentação de produto é devidamente registrada no ISMP, e mostrou toda documentação que foi encaminhada para ANP.
O ácido sulfúrico, também indispensável à industrialização do Graxpar (óleo sujo), por ser de baixo custo, era comprado pela própria Consulente-contratada que embutia o custo de sua aquisição no preço do serviço contratado.
Informa, ainda, que as empresas contratantes Opção Comércio de Óleos Residuais e Vernizes Ltda., I N Comércio de Óleos Residuais Ltda. e Raça Forte Indústria e Comércio de Rações e Produtos Químicos Eireli e suas coligadas Green Óleos e Produtos Químicos Eireli, K C Chemical Produtos Químicos Ltda. e Rondobio Transportes Rodoviários Ltda., faziam a remessa dos valores necessários para a compra do metanol utilizado no processo de industrialização por encomenda.
O valor total creditado para a Consulente no exercício de 2017 para a compra do metanol utilizado no processo de industrialização foi de R$ 32.702.263,91, conforme consta no balanço anual que nos foi apresentado, no item 2.1.2 pertinente a empréstimos e financiamentos, sob a rubrica 2.1.2.01.0004 – credores por contrato. Os instrumentos visualizados pelo contador para a remessa desses numerários foram os contratos de mútuo entre a Consulente-contratada e as contratantes e suas coligadas, cujos contratos nos foram exibidos.
Pondera que as empresas contratantes enviavam o resíduo denominado Graxpar por meio de nota fiscal de remessa para a industrialização sob o Código CFOP n.º 6901 (remessa para industrialização por encomenda). A Consulente, por sua vez, promovia a industrialização desse resíduo, por meio da adição e mistura de ácido sulfúrico e metanol, este último adquirido com recursos financeiro fornecidos pelas contratantes, resultando em óleo limpo. Por fim, a Consulente devolvia o produto já industrializado por meio de nota fiscal de retorno de mercadoria industrializada, sob o Código CFOP n.º 6.902 (retorno de mercadoria utilizada na industrialização por encomenda), emitindo, ainda, para a cobrança dos serviços prestados nota fiscal de industrialização efetuada para outra empresa, sob o Código CFOP n.º 6.124 (industrialização efetuada para outra empresa), com a incidência de ICMS, PIS, Cofins, IR e CSLL.
Esclarece que as notas fiscais de compra de metanol foram emitidas por quatro empresas, a saber: Mitsubishi Corporation do Brasil S.A., Copenor Companhia Petroquímica do Nordeste e Tricon Energy do Brasil Ltda., que se utilizaram do Código CFOP n.º 6.106 (venda de mercadoria adquirida ou recebida de terceiros, que não deva por ele transitar), ao passo que as notas fiscais emitidas pela Verquímica Comércio de Produtos Eireli utilizaram o Código CFOP n.º 6.102 (venda de mercadoria adquirida ou recebida de terceiros).
Relata que a sua receita no ano de 2017 foi proveniente da prestação de serviço de industrialização por encomenda e da venda de produtos como óleo de soja, farelo de soja, soja em grãos, biodiesel e óleo de cozinha. Em todas essas operações, houve a incidência de ICMS e respectivo recolhimento.
A Consulente informa que, considerando as entradas provenientes da remessa de valores para a compra de metanol, da prestação de serviço de industrialização por encomenda e da venda de produtos no exercício de 2017, obteve um creditamento total no valor de R$ 34.963.334,76 em sua conta bancária no Banco do Brasil. Além disso, tomou empréstimo de seu sócio Valter Miguel Giacomini. Apesar de os dois instrumentos de mútuo firmados entre a Consulente e seu sócio Valter totalizarem o valor de R$ 3.000.000,00, o mútuo foi efetivado no valor de R$ 2.902.080,94, como se pode verificar de seu balanço analítico do exercício de 2017, item 2.2.2.01.0001 – Emprest – Valter Miguel Giacomini.
Relata-nos, também, que possui benefício no Estado de Goiás de 40% de desconto do ICMS e que no ano de 2017 dispunha de um crédito de ICMS de 4 milhões nesse Estado.
Entretanto, em julho de 2019, a Consulente foi notificada da lavratura do Auto de Infração n.º 4.01.19.014626.99, no valor total atualizado de R$ 14.466.438,02, sendo R$ 6.048.206,08 a título de principal, R$ 793.334,72 a título de correção monetária, R$ 6.841.540,80 a título de multa e R$ 783.356,42 a título de juros.
Para a lavratura do auto de infração, o Fisco Estadual somou todos os dispêndios da Consulente durante o exercício de 2017, cujos valores foram obtidos na EFD e nos seus extratos bancários, inclusive com as compras de metanol utilizado no processo de industrialização por encomenda e desprezou as entradas provenientes da remessa de valores pelas contratantes da Consulente para a compra de Metanol utilizado no processo de industrialização, bem como os valores emprestados à Consulente pelo seu sócio. Os extratos bancários que o Fisco obteve por meio da quebra do sigilo bancário sem ordem judicial, denominada “Transferência de Sigilo Bancário”, são os mesmos que a Consulente-contratada havia entregado ao agente fiscal responsável. No entanto, os dados obtidos com a quebra do sigilo bancário foram utilizados apenas no que interessava para justificar a autuação, com desprezo daqueles que inocentavam a Consulente-contratada da acusação fiscal.
Dessa forma, o Fisco estadual concluiu que, tendo havido um desembolso na ordem de R$ 37.627.710,73 e um ingresso total de R$ 1.797.841,45, considerando o saldo inicial disponível de R$ 252.186,44, houve a omissão de receitas no importe de R$ 35.577.682,44 por parte da Consulente.
Consta no auto de infração como descrição do fato que a Consulente teria omitido registro de saída de mercadorias, in verbis:
Omitiu registro de saída de mercadorias tributadas, na importância de R$ 35.577.682,84, no período de 01.01.2017 a 31.12.2017, referente ao déficit financeiro apurado em Auditoria do Movimento Financeiro. Dessa forma, suprimiu pagamento de imposto na importância de R$ 6.048.206,08. Em consequência, deverá pagar o ICMS, juntamente com penalidade e acréscimos legais, consoante demonstrativo e documentos anexos.
Proporcionalidade de Tributadas: 100%
Alíquota Média de Saídas: 17%
Ainda enquadrou os sócios da Consulente nos crimes contra a ordem tributária definidos nos arts. 1.º e 2.º da Lei n.º 8.137/1990. Esses são os fatos, em síntese.
Apresentando o contrato social, o auto de infração, a cópia do balancete analítico de 2017, dos contratos de mútuo, das notas fiscais e demais documentos, solicita nosso parecer acerca da incidência do ICMS sob a totalidade de sua movimentação financeira no exercício de 2017, formulando os quesitos ao final transcritos e respondidos.
PARECER
O auto de infração improcede, conforme passaremos a demonstrar.
1. Da inexistência de omissão de receitas
Conforme se verifica da documentação apresentada, o Fisco Estadual somou todos os dispêndios da Consulente, escriturados ou não, do exercício de 2017, obtidos na EFD e nos seus extratos bancários, e confrontou com os valores de suas receitas escrituradas no mesmo período e algumas receitas obtidas nos seus extratos bancários para concluir que houve omissão de receitas, em razão da venda de mercadoria sem o recolhimento do ICMS correspondente.
Isso porque o Sr. Agente Fiscal, apesar de considerar, em seu levantamento fiscal, todas as despesas escrituradas na EFD e realizadas em sua conta bancária, ignorou por completo os créditos para a compra de metanol efetuados pelas empresas contratantes e suas coligadas, bem como o empréstimo realizado pelo seu sócio Valter Miguel Giacomini.
Na verdade, toda a confusão no caso sob consulta resulta da incompreensão, por parte do Fisco, da natureza jurídica dos contratos de mútuos firmados entre a Consulente e suas contratantes e coligadas, como veremos no tópico seguinte.
1.1 Da verdadeira natureza jurídica dos contratos de mútuo
Os diferentes contratos de mútuo firmados entre a Consulente-contratada e as contratantes suas coligadas não se revestem das características de mútuo que exigem a estipulação de juros e o prazo de restituição em dinheiro na mesma quantidade.
Apesar da denominação “contrato de mútuo”, analisando os referidos contratos, verifica-se uma singularidade por ausência de estipulação de juros, de um lado, e previsão da devolução do numerário mutuado em espécie ou por meio de prestação de serviço, de outro.
O objeto desses contratos de mútuo, portanto, não corresponde à denominação formal dos aludidos instrumentos. Não há vontade das partes em efetuar uma operação de crédito, mesmo porque as contratantes e suas coligadas não operam no mercado financeiro nem detêm autorização do Poder Público para isso.
De fato, o art. 586 do Código Civil prevê que a restituição ao mutuante deve se dar em coisa do mesmo gênero da recebida, e o art. 591 daquele mesmo estatuto civil ainda prescreve que, no mútuo destinado a fins econômicos, presume-se devidos juros, conforme dispositivos a seguir transcritos:
Art. 586. O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade.
Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual.
A natureza jurídica de um contrato não é definida pela sua denominação formal, mas pelo seu conteúdo intrínseco e, notadamente, pelo seu objetivo.
Tais contratos de mútuo, na verdade, espelham a contratação dos serviços de industrialização do Graxpar mediante fornecimento de numerários necessários à aquisição de metanol, insumo indispensável à industrialização encomendada, ou seja, transformação do Graxpar em óleo limpo.
A obrigação das contratantes de fornecer o metanol, um insumo de elevado valor, foi substituída pela transferência de recursos financeiros para a Consulente-contratada porque as contratantes não dispõem de autorização do Poder Público para adquirir o metanol, mas somente a Consulente-contratada, como retroexaminado.
Disso resulta que, apesar de a aquisição do metanol ter sido realizada em nome da Consulente-contratada, por ser ela a única detentora de licença na ANP, o pagamento respectivo foi feito com os recursos de terceiros, qual seja, das tomadoras dos serviços e suas coligadas que remetiam os valores necessários à contratada para a compra do metanol. Esse produto era totalmente consumido no processo de industrialização do Graxpar, perdendo-se durante esse processo, pelo que, se fosse adquirido com recursos próprios da Consulente-contratada, o seu elevado custo deveria ter sido computado no preço do serviço de industrialização, o que não aconteceu.
Afinal, todos os valores objetos dos “contratos de mútuo” firmados entre a Consulente-contratada e suas contratantes e coligadas foram utilizados para a compra de metanol aplicado no processo de industrialização do Graxpar remetido pelas contratantes, o que poderá ser comprovado mediante o confronto entre os valores remetidos para a Consulente-contratada por via de “contratos de mútuo” e os valores gastos pela mesma Consulente-contratada com compra de metanol. A aplicação desse metanol no Graxpar enviado pelas contratantes para a Consulente-contratada poderá ser comprovada nas informações oficiais que periodicamente são enviadas a ANP quanto à aplicação do metanol adquirido.
Por conseguinte, quando havia a devolução do Graxpar industrializado para as contratantes, no preço da mão de obra estava embutido somente o preço do ácido sulfúrico utilizado no processo de industrialização. Quanto ao metanol, não houve a sua inclusão no preço do serviço contratado, pois ele fora adquirido com recursos das próprias contratantes. Caso contrário, as receitas com a venda de mercadorias e prestação de serviços não seriam de apenas R$ 1.407.000,53, pois somente com a compra de metanol para ser usado na industrialização do Graxpar remetido pelas contratantes a Consulente-contratada gastou R$ 31.868.254,83, como se verifica do balanço analítico da Consulente-contratada relativo ao exercício de 2017, item 2.1.2.01.0004 – credores por contrato. Salta aos olhos o absurdo de cobrar apenas R$ 1.407.009,53 a título de mão de obra, se somente o valor do metanol empregado no processo de industrialização custou R$ 31.868.254,83.
Pode-se perguntar: por que houve esse adiantamento de numerários pelas contratantes? A resposta é simples: porque a Consulente-contratada era a única habilitada perante a ANP para a aquisição do insumo consistente em metanol. Não fosse necessária licença para compra de metanol, as próprias contratantes teriam adquirido no mercado esse insumo (metanol) e remetido à Consulente-contratada, com o Graxpar.
Vislumbra-se, desde logo, que a celebração de contrato de mútuo foi somente uma forma encontrada pelo contador para justificar a remessa de numerários das empresas contratantes e suas coligadas para a Consulente-contratada, a fim de possibilitar a aquisição do metanol a ser utilizado no processo de industrialização por encomenda.
Portanto, tendo em vista que não é o nomen iuris que importa, mas sim a operação efetivamente realizada, está claro que os valores objetos dos contratos de mútuo, firmados entre as empresas contratantes e suas coligadas e a Consulente-contratada, refletem a obrigação das contratantes de fornecer os numerários para a aquisição pela Consulente-contratada do metanol utilizado no processo de industrialização por encomenda. Comprovada está, pois, a origem idônea das importâncias remetidas para a Consulente-contratada no exato montante de R$ 32.702.263,91, não podendo, por isso, ser desconsideradas no levantamento fiscal. Esclareça-se que a diferença no valor de R$ 834.009,08 entre o total de valores transferidos pelas contratantes (R$ 32.702.263,91) e o montante efetivamente despendido pela Consulente-contratada na compra de metanol (R$ 31.868.254,83) foi registrada no balancete analítico do exercício de 2017 e transferida para o exercício seguinte, conforme item 2.1.2.01.0004 – credores por contrato.
O Sr. Agente Fiscal também ignorou a entrada de numerários provenientes do empréstimo realizado pelo sócio da Consulente, Valter Miguel Giacomini, no valor de R$ 2.902.080,94, representado pelos contratos de mútuo firmados em 02.01.2017 e 12.06.2017 e comprovado no balancete analítico do exercício de 2017 no item 2.1.2.01.0001 – credores por contrato. Esses valores estão devidamente informados na declaração do imposto de renda da pessoa física, bem como no livro-razão da Consulente-contratada, em que constam os registros dessas transferências bancárias. Outrossim, a remessa desses valores pelo sócio Valter Miguel Giacomini para a Consulente-contratada pode ser facilmente constatada pelo exame de extratos bancários da Consulente.
1.2 Conclusão
Em face de todo o exposto, não houve omissão de receita no importe apontado de R$ 35.577.682,44.
Ao confrontar o desembolso da ordem de R$ 37.627.710,73 com um ingresso no total de R$ 1.797.841,45, e considerando o saldo inicial disponível de R$ 252.186,44, o Fisco concluiu equivocadamente que houve omissão de receitas no importe de R$ 35.577.682,44. Estranhamente, desconsiderou o fato de que as despesas com compras de metanol no valor total de R$ 31.868.254,83 foram feitas com os recursos financeiros fornecidos pelas contratantes e coligadas, como constam claramente de seus registros contábeis, bem como comprovados pelos “contratos de mútuo”, que se traduzem em obrigações da contratante e coligadas de fornecer recursos financeiros para aquisição de insumos (metanol), como retroanalisados. Desprezaram-se, outrossim, os valores emprestados pelo sócio Valter Miguel Giacomini, apesar de comprovados por contratos e por registros contábeis, inclusive, por meio de declaração do imposto de renda da pessoa física.
Afinal, não é razoável nem racional supor que a Consulente-contratada cobre a título de mão de obra um valor de apenas R$ 1.407.009,53, se ela gastou R$ 31.868.254,83 na compra de metanol empregado e consumido no processo de industrialização.
2. Da inexistência de crime contra a ordem tributária
Relata-nos, também, que possui benefício no Estado de Goiás de 40% de desconto do ICMS e que no ano de 2017 dispunha de um crédito de ICMS de quatro milhões nesse Estado.
O Sr. Agente Fiscal, ao lavrar o auto de infração, apontou a existência de crime contra a ordem tributária capitulado no art. 2.º, I, da Lei n.º 8.137/1990.
Igualmente, na Nota Explicativa – Auditoria do Movimento Financeiro, exercício de 2017, consignou: “O contribuinte, inclusive seu sócio administrador, de acordo com os artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 8.137/90, praticou ou concorreu para a prática de crime contra a ordem tributária”.
2.1 Do exame do art. 2.º, I, da Lei n.º 8.137/1990
Prescreve o art. 2.º, I, da Lei n.º 8.137/1990:
Art. 2.º Constitui crime da mesma natureza:
I – fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo.
Verifica-se de pronto que o crime retroapontado não requer resultado material, ao contrário dos crimes do art. 1.º, cujo núcleo consiste em “suprimir ou reduzir tributos” mediante a prática das condutas tipificadas nos incisos I a V.
O crime do art. 2.º, I, é de mera conduta mediante práticas de atos aí previstos com o fim de eximir-se total ou parcialmente de pagamento do tributo. Independe, pois, de resultado naturalístico. Basta a conduta tendente a eximir-se do pagamento total ou parcial de tributo devido.
Examinemos o conteúdo dessa norma tipificada.
O crime capitulado no inciso I é de mera conduta, caracterizando-se por ação ou omissão com intenção de eximir-se do pagamento total ou parcial de tributo. Exige, pois, o dolo específico.
São três as condutas incriminadas: a) fazer declaração falsa; b) omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos; c) empregar outra fraude.
Para a caracterização do crime contra a ordem tributária, é preciso que cada uma dessas três condutas esteja relacionada com a finalidade específica de eximir-se total ou parcialmente de pagamento de tributo. Nesse sentido tem sido a jurisprudência do STJ:
Penal e processual penal. Recurso ordinário em habeas corpus. Arts. 229 e 334 c/c o art. 14, inciso II, todos do Código Penal e art. 2.º, inciso I, da Lei n.º 8.137/90. Trancamento da ação penal. Alegação de inépcia da denúncia em relação ao crime de falsidade ideológica. Inocorrência. Crime que se consuma independentemente da efetiva ocorrência de prejuízo. Não caracterização do delito previsto nos art. 2.º, inciso I, da Lei n.º 8.137/90 e irregularidades em tese ocorridas no procedimento administrativo. Teses que demandam, na presente hipótese, ampla análise do material cognitivo. Impossibilidade na via eleita.
I – O crime de falsidade ideológica se consuma com a simples potencialidade do dano objetivado pelo agente, não se exigindo, portanto, para a sua configuração a efetiva ocorrência de prejuízo (Precedentes desta Corte e do Pretório Excelso).
II – Quanto à descaracterização do delito previsto no art. 2.º, inciso I, da Lei n.º 8137/90, a pretensão recursal, para ser atendida, exige o minucioso cotejo do material cognitivo, o que é vedado na via eleita.
Recurso desprovido (RHC 19201/RS, Rel. Min. Felix Fischer, DJ 12.02.2007, p. 274).
Habeas corpus. Pacientes denunciados por uso de documento falso (art. 304 do CPB). Pretensão de incidência, na espécie, do princípio da consunção. Absorção do delito de uso de documento falso pelo crime tributário (art. 2.º, I, da Lei 8.137/90). Crime tributário não relacionado na denúncia. Consta do acórdão que não restou demonstrada, nos autos, a finalidade única dos documentos. Inviabilidade de análise do pleito na estreita via do habeas corpus. Precedentes do STJ. Parecer do MPF pela denegação da ordem. Ordem denegada.
1. Registrou o voto condutor do aresto objurgado que a postulada finalidade única dos documentos falsificados não restou efetivamente demonstrada nos autos, não autorizando, por conseguinte, a incidência, na espécie, do princípio da consunção. Ademais, o crime tributário não constou da exordial acusatória.
2. Não se mostra admissível, em razão da evidente estreiteza cognitiva da via escolhida, a desconstituição dos fundamentos jurídicos utilizados pelo Tribunal a quo para a denegação da ordem.
3. Parecer do MPF pela denegação da ordem.
4. Ordem denegada (HC n.º 100540/PE, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 02.08.2010).
Como restou comprovado nos itens anteriores, não houve omissão de receita, porque o Fisco confrontou as despesas realizadas pela Consulente com as receitas por ela auferidas, sem considerar que a maior parte das despesas no total de R$ 31.868.254,83 se refere à compra de metanol empregado e consumido no processo de industrialização levada a efeito com a utilização de recursos financeiros fornecidos pelas contratantes e coligada que encomendaram a industrialização do Graxpar.
Outrossim, incogitável falar em supressão total ou parcial de imposto devido, se a consulente possui no exercício fiscalizado, 2017, créditos acumulados de ICMS da ordem de quatro milhões de reais, sem possibilidade de seu aproveitamento integral a curto e médio prazos.
2.2 Infrações dos arts. 1.º e 2.º da Lei n.º 8.137/1990
Em conformidade com o que consta das notas explicativas do auto de infração, a Consulente teria ainda praticados os crimes dos arts. 1.º e 2.º da Lei n.º 8.137/1990.
O Fisco misturou dois crimes de natureza diversa – o do art. 1.º, que é um crime de resultado, e o do art. 2.º, que é crime de mera conduta – sem especificar qual ou quais as condutas descritas nos diferentes incisos desses mesmos artigos.
Ora, uma acusação genérica, sem a tipificação da conduta imputada ao sujeito ativo do crime, torna impossível o exercício do contraditório e da ampla defesa. É o mesmo que acusar alguém de cometer os crimes previstos no Código Penal sem apontar o dispositivo violado.
Nesse particular, a peça acusatória fiscal cai no vazio.
3. Do crime de excesso de exação fiscal
Dispõe o § 1.º do art. 316 do CP:
§ 1.º Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.
É o caso sob exame em que o agente fiscal está a exigir o pagamento de tributo manifestamente indevido.
Basta atentar para o fato de que as despesas de aquisição do insumo utilizado e consumido no processo de industrialização (metanol), no importe de R$ 31.868.254,83, foram feitas com os recursos financeiros fornecidos pelas contratantes do processo de industrialização e suas coligadas.
Prova documental nesse sentido é que não falta (registros contábeis, balancetes, extratos bancários obtidos mediante quebra do sigilo bancário para obtenção de idênticos dados anteriormente fornecidos pela Consulente e contratos de mútuos), toda ela ignorada pelo Fisco, de forma inexplicável.
Do conjunto probatório existente o Fisco extraiu parcialmente apenas os dados para embasar o auto de infração, exigindo pagamento de imposto que sabe ser indevido, pelo que caracterizado está o crime de excesso de exação fiscal.
4. Respostas aos quesitos
1. Houve omissão de receitas por parte da Consulente?
R: Não houve omissão de receitas por parte da Consulente, como sobejamente demonstrado no corpo deste parecer.
2. Qual o motivo da grande discrepância entre os valores de entrada e de saída apurados pelo Fisco estadual?
R: O motivo da discrepância entre os valores de entrada e de saída apurados pelo Fisco consiste na desconsideração de recursos financeiros fornecidos pelas contratantes e coligadas para a aquisição de metanol consumido no processo de industrialização do Graxpar. As contratantes e coligadas só não forneceram em espécie o metanol, porque não têm licença do Poder Público para aquisição desse produto controlado pela ANP.
3. Os valores gastos na compra de metanol utilizado no processo de industrialização do Graxpar constituem base de cálculo do ICMS?
R: Não, porque o metanol adquirido foi com recursos de terceiros, ou seja, das contratantes e suas coligadas.
4. A Consulente-contratada, ao devolver o Graxpar industrializado, computou no preço da industrialização os valores dos insumos utilizados na industrialização?
R: No preço da mão de obra está inclusa apenas a utilização do ácido sulfúrico adquirido às expensas da Consulente-contratada. Não foram computadas as despesas com o uso do metanol, porque esse insumo foi adquirido com recursos fornecidos pelas contratantes e suas coligadas. Prova disso é que, enquanto a receita proveniente de venda de mercadorias e prestação de serviços totalizou R$ 1.407.000,53, as despesas com a compra de metanol totalizaram R$ 31.868.254,83, e as remessas de valores para a compra de metanol foi de R$ 32.702.263,91, conforme consta no item 2.1.2.01.0004 – credores por contrato – do balancete analítico do exercício de 2017. Também foram desconsiderados os valores emprestados à Consulente pelo seu sócio Valter Miguel Giacomini, no montante de R$ 2.902.080,04, conforme consta no item 2.2.2.01.0001 – Emprest. Valter Miguel Giacomini – do mesmo balancete analítico do exercício de 2017.
É o nosso parecer, smj.
Kiyoshi Harada
OAB/SP 20.317
Marcelo Kiyoshi Harada
OAB/SP 211.349
Veja aqui as obras do autor!
LEIA TAMBÉM