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Kiyoshi Harada

Kiyoshi Harada

23/07/2019

Temos em discussão duas propostas de reforma tributária: a PEC nº 293-A/2004, de autoria do ex-Deputado Luiz Carlos Hauly, e a PEC nº 45/2019, de autoria do Deputado Baleia Rossi. Esta última tramitou celeremente pela CCJ da Câmara, encontrando-se, atualmente, na Comissão Especial da Câmara Federal para ser apreciada logo após o término do recesso parlamentar, segundo desejos do Presidente Rodrigo Maia.

A primeira proposta, após a sua aprovação na Comissão Especial da Câmara no final do ano passado, foi atropelada pela PEC nº 45/2019.
Porém, em razão da disputa pelo protagonismo em torno do assunto da moda, o Presidente do Senado resolveu priorizar a sua tramitação sob denominação de PEC nº 100.

As duas propostas são semelhantes, mas diferem em seus conteúdos. Contudo, ambas tramitam separadamente, uma na Câmara Baixa, outra na Câmara Alta. Isso é inusitado e inacreditável, mas está acontecendo.

Há ainda a expectativa de a proposta do governo ser apresentada no Congresso Nacional na reabertura dos trabalhos no final do recesso parlamentar. É a menos radial em relação as duas em andamento.

Falemos da PEC nº 45/2019, que é uma versão piorada da PEC nº 293-A/2004 e cria o IBS a partir da fusão de cinco tributos (IPI, PIS, COFINS, ICMS e ISS), preconizando um prazo de dez anos de transição. Até lá, os tributos atuais e o novo serão arrecadados simultaneamente.

Que algo deve ser feito para reduzir a incrível carga burocrática, que vem atrapalhando o desenvolvimento econômico, como a sufocante carga tributária, é incontestável, tanto é que a população toda está aplaudindo a iniciativa da Câmara dos Deputados. Falar contra a reforma neste momento é navegar contra as ondas, pois a reforma tributária transformou-se em um modismo de relevo, até mesmo como um sinal de amadurecimento e inteligência das pessoas.

Precisamos de reforma tributária, sim. Mas, pergunto, essa autodenominada reforma tributária representada pela PEC nº 45/2019, da forma como se acha redigida, atende às expectativas da sociedade e consulta aos interesses da Nação?

Além de contrariar a forma federativa do Estado, pela supressão do ICMS e do ISS – impostos de maior arrecadação do Estado e do Município, respectivamente –, o IBS, um imposto federal criado por essa autodenominada reforma tributária para simplificar o sistema tributário, traz uma insegurança jurídica de proporção inimaginável, como veremos a seguir.

Reforma tributária e insegurança jurídica

O IBS expressa um conceito em aberto de difícil definição. Alteração de um conceito na seara do Direito Tributário tem custado muito caro aos contribuintes em geral. E a PEC sob exame adiciona cerca de 40 conceitos novos, além de introduzir mais de 140 preceitos constitucionais, tudo para emperrar mais ainda a Corte Suprema.

A substituição do IVC pelo ICM, depois, ICMS consumiu décadas de discussão doutrinária e jurisprudencial. Só recentemente que o seu conceito pacificou-se no sentido de que operação sobre circulação de mercadorias expressa uma circulação jurídica que envolve a troca de titularidade ou de posse de mercadoria, inclusive, afastando definitivamente tributação do leasing internacional.

Inicialmente, o STF vinha admitindo a cobrança do ICMS na operação de leasing internacional, à sombra da EC nº 33/2001, que prescreve a incidência do ICMS sobre a “entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade”. Essa decisão foi proferida 17 anos após a entrada em vigor do ICMS (RE nº 206.069-SP, DJ de 1-9-2005). Levou-se exatos 27 anos para firmar definitivamente a tese de que sem circulação jurídica não poderá haver incidência do ICMS, conforme ficou assentado no julgamento do RE nº 540.829/SP levado a efeito sob a égide de repercussão geral, DJe de 16-6-2015. Incalculável o número de contribuintes autuados pelo fisco durante esses longos 27 anos de indefinição da jurisprudência dos tribunais. A repetição de indébito, quando possível, sujeita-se, na hipótese de procedência do pleito, a uma fila de precatórios impagáveis.

Pergunto, quantas décadas levará o STF para fixar definitivamente o conceito de IBS? Enquanto não consolidado o seu conceito, os contribuintes ficam dançando conforme o ritmo da música tocada pelos tribunais, até que um supermaestro harmonize os ritmos com tons desafinados.

Mas não é só. O IBS será regulado por um comitê gestor composto por representantes da União, dos 27 Estados e de mais de 5.550 Municípios. Esse comitê terá a representação extrajudicial e judicial mediante coordenação das Procuradorias Fiscais da União, dos Estados e dos Municípios. Se isso não for criar confusão e gerar atritos, não sei o que é!

A dificuldade começa pela escolha de representantes dos 27 Estados e de de mais de 5.550 Municípios. Tem tudo para gerar discussões e insatisfações, qualquer que seja o resultado, a menos que Estados e Municípios acordem em fazer um sorteio à maneira da Mega-Sena!

Composto que seja o triunvirato, como esse comitê gestor irá agir no contencioso administrativo e nas contendas judiciais de forma harmônica, como prescreve a PEC sob exame? Parece óbvio que o representante da União assumirá o comando, extrapolando suas atribuições como um dos representantes do órgão colegiado, tal como o Confaz que vem assumindo funções normativas, sem ter personalidade jurídica.

O triunvirato nunca deu certo em tempo algum e em nenhum lugar do mundo. Basta lembrar-se do triunvirato romano. O primeiro triunvirato formado por César, Pompeu e Crasso (de 60 a.C a 50 a.C) terminou em batalha entre eles. O segundo, formado por Marco Antonio, Otávio e Lépido, igualmente, acabou em guerra entre eles. No Brasil, a Revolução de 1964 levada a efeito pelas Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) acabou com a hegemonia de uma das forças singulares, o Exército, cujos marechais e generais se revezaram no exercício da Presidência da República.

A autodenominada reforma tributária, na verdade, nada simplifica, pelo contrário, tudo complica e traz uma tremenda insegurança jurídica decuplicando as discussões judiciais, dando matéria-prima para os tribunais se ocuparem do IBS pelo menos por um século! Somente para compensar os Estados com as perdas de arrecadações, a PEC sob comento fixou um prazo de 50 anos. Com as judicializações inevitáveis estará deflagrada a guerra dos cem anos.

De outro lado, a autodenominada reforma tributária implicará uma inusitada elevação da carga tributária, fazendo com que os ruralistas paguem o IPI e os prestadores de serviços paguem o IPI, o ICMS, o PIS e a Cofins. O profissional autônomo que, atualmente, paga, em média, 4,38% de ISS pagará no mínimo 700% a mais. Isso se a alíquota do IBS ficar em torno de 25%, conforme anunciado pelos mentores da reforma. Segundo o governo, essa alíquota giraria em torno de 30%, o que fará do Brasil o país que mais tributa no mundo em termos de imposto sobre o consumo.

Positivamente, essa autodenominada reforma tributária precisa ser repensada. Reformar radicalmente o sistema tributário que vigora mais de três décadas requer não apenas conhecimento teórico e doutrinário sobre direito tributário, como também, e principalmente, experiência acumulada pela atuação profissional na área tributária ao longo de décadas. Não pode ser feita como que por um passe de mágica, por mais habilidosos e empolgantes que sejam os seus autores.

Reforma tributária radical é coisa muito séria. Demanda muito tempo, reflexão e bastante conhecimento teórico-doutrinário e uma longa vivência prática para elaboração de uma proposta segura, descomplicada, factível e eficiente. Somente o conhecimento teórico, sem a prática, por mais brilhante que ele seja, não passará de um canhão de última geração desprovido de bala. Apenas a prática do dia a dia, sem o indispensável conhecimento básico do Direito Tributário, por sua vez, não passará de uma bala de prata para municiar um velho canhão carcomido pelas ferrugens. Não será preciso testar dez vezes. Na primeira tentativa, com toda certeza, haverá uma explosão.

Se a população continuar aplaudindo essa autodenominada reforma tributária, logo no primeiro mês de sua vigência, pagará um preço muito caro! Imagine-se, então, dez anos de experimentos e ajustes previstos nessa PEC!

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