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ITCMD e Reforma Tributária
Solon Sehn
08/04/2024
A Emenda da Reforma Tributária (Emenda nº 132/2023) promoveu alterações relevantes na tributação do consumo. Foi prevista a criação de três novos tributos: o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) da União; e o IS (Imposto Seletivo), também de competência federal, que incidirá sobre a produção, extração, comercialização e a importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Entre os anos de 2027 e 2033, serão progressivamente extintos o PIS/Pasep, a Cofins, o ICMS e o ISS. O IPI será reduzido a zero a partir de 2027, com manutenção da incidência para os contribuintes que fabricarem em outras regiões do País bens similares aos produzidos na Zona Franca de Manaus (ZFM). Mas não foi apenas a tributação do consumo que sofreu alterações. Também houve mudanças relevantes no regime constitucional de outros tributos, como é o caso do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), objeto do presente artigo.
A primeira alteração no regime constitucional do ITCMD foi a inclusão, no inciso VI do § 1º do art. 155 da Constituição Federal, de autorização expressa para a adoção de alíquotas progressivas em razão do valor do quinhão, do legado ou da doação. Com isso, foi positivada a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 562.045: “É constitucional a fixação de alíquota progressiva para o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCD” (Tema 21)1. A progressividade, entretanto, continua sujeita à alíquota máxima de 8% fixada pelo Senado Federal (Resolução SF nº 09/1992, art. 1º) no exercício da competência prevista no inciso IV do § 1º do art. 155 da Constituição Federal de 1988.
A segunda alteração foi no inciso II do § 1º foi alterado pela Emenda 132/2023. A redação anterior previa que, relativamente a bens móveis, títulos e créditos, o ITCMD “compete ao Estado onde se processar o inventário ou arrolamento, ou tiver domicílio o doador, ou ao Distrito Federal”. Já na nova redação – aplicável às sucessões abertas após a publicação da Emenda nº 132/2023 (art. 172) – foi previsto que, nessas mesmas hipóteses, o imposto “compete ao Estado onde era domiciliado o de cujus, ou tiver domicílio o doador, ou ao Distrito Federal”. Não é mais relevante, assim, o local de processamento do inventário ou do arrolamento.
A terceira e mais controversa alteração refere-se às hipóteses previstas no inciso III do § 1º do art. 155 da Constituição Federal, ou seja, quando o doador é domiciliado ou tem residência no exterior; e do de cujus que possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior. Nesses casos, como a incidência do ITCMD depende da observância de critérios previstos em lei complementar, ainda inexistente, o STF decidiu que: “É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a edição da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional” (Tema 825)3. A Emenda nº 132/2023 supriu essa lacuna, estabelecendo uma disposição transitória permitindo a imediata cobrança do ITCMD:
“Art. 16. Até que lei complementar regule o disposto no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal, o imposto incidente nas hipóteses de que trata o referido dispositivo competirá:
I – relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal;
II – se o doador tiver domicílio ou residência no exterior:
a) ao Estado onde tiver domicílio o donatário ou ao Distrito Federal;
b) se o donatário tiver domicílio ou residir no exterior, ao Estado em que se encontrar o bem ou ao Distrito Federal;
III – relativamente aos bens do de cujus, ainda que situados no exterior, ao Estado onde era domiciliado, ou, se domiciliado ou residente no exterior, onde tiver domicílio o sucessor ou legatário, ou ao Distrito Federal”.
O problema é que, no art. 23, III, da Emenda nº 132/2023, foi prevista a vigência imediata do art. 16, o que contraria os princípios da anterioridade de exercício e da anterioridade mínima de 90 dias (CF, art. 150, III, “b” e “c”). Trata-se, no entanto, de previsão inconstitucional. O princípio da anterioridade, como garantia individual, constitui uma cláusula pétrea que não pode ser afastada nem mesmo por uma emenda constitucional (art. 60, § 4º, IV). No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 939, inclusive, o STF declarou a inconstitucionalidade de previsão similar da Emenda nº 03/1993, que permitia a cobrança imediata do Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF), sem observar o princípio da anterioridade: “2. A Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993, que, no art. 2., autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no paragrafo 2. desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica “o art. 150, III, ; ‘b’ e VI, da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutaveis (somente eles, não outros): 1. – o princípio da anterioridade, que e garantia individual do contribuinte (art. 5., par. 2., art. 60, par. 4., inciso IV e art. 150, III, “b” da Constituição); […]”4. Portanto, da mesma forma como ocorreu com esse imposto, a incidência imediata do ITCMD não é compatível com o texto constitucional.
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NOTAS
1STF, Tribunal Pleno, RE 562.045, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Rel. p/ o Ac. Min. Cármen Lúcia, DJe 27.11.2013.
2“Art. 17. A alteração do art. 155, § 1º, II, da Constituição Federal, promovida pelo art. 1º desta Emenda Constitucional, aplica-se às sucessões abertas a partir da data de publicação desta Emenda Constitucional”.
3STF, Tribunal Pleno, RE 851.108, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe-074 20.04.2021.
4 STF. T. Pleno. ADI 939. Rel. Min. Sydney Sanches. DJ 18/03/1994.