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Incidência do IOF nas Operações de Crédito com o Consórcio por Intermédio da Administradora
Kiyoshi Harada
24/01/2019
Consulta
A consulente por intermédio de seu ilustre advogado tem a honra de nos formular uma consulta envolvendo as seguintes questões:
- As empresas A,B,C,D e E são co-proprietárias de um empreendimento comercial, envolvendo terreno, prédio e exploração comercial (shopping center), em diversas percentagens.
- As mesmas empresas participam, com os mesmos percentuais do empreendimento acima, do capital social (de baixo valor) de uma empresa limitada, que administra o shopping center (recebe os alugueres mensais, paga as despesas e distribui mensalmente o recebimento líquido às co-proprietárias, na proporção de participação de cada uma).
- A Administradora não é co-proprietária, mas mera prestadora de serviços, mediante determinada remuneração mensal.
- As co-proprietárias decidiram realizar a expansão do prédio destinado ao shopping center, com recursos captados no mercado oficial de capitais e já estão acordadas com determinado banco, que se dispõe a financiar a construção, mediante contrato padrão (liberação dos recursos em parcelas mensais, apoiadas em cronograma físico-financeiro).
- Por motivos desconhecidos, o banco concederá o financiamento à Administradora, com garantia (hipotecária ou fiduciária) do empreendimento existente e dos recebíveis (alugueres futuros), portanto, com garantias das co-proprietárias do empreendimento e das futuras obras da expansão.
- Os interessados pretendem realizar a operação com observância do seguinte modelo:
- preliminarmente, constituirão um consórcio, segundo o modelo previsto no artigo 278 da lei 6.404/76 (lei das sociedades por ações), da qual participarão como consorciados, as co-proprietárias do empreendimento e a Administradora, esta como líder do consórcio, e que, portanto, dele participará como prestadora de serviços (administração das contas do consórcio) e tomadora do empréstimo, cujos recursos serão canalizados ao consórcio, mediante determinada remuneração, previamente combinada.
- o empréstimo será resgatado pela Administradora, com a utilização dos recebimentos líquidos mensais pertencentes às co-proprietárias, as quais serão, nas ocasiões próprias, carreados para o consórcio e daí para o banco financiador, tudo sob a administração da
7.Os interessados desejam saber se, além do imposto de operações financeiras (IOF) incidente sobre o empréstimo banco/Administradora, haverá incidências de outro IOF na operação idealizada por eles.
Opinião legal
Depreende-se da consulta que as empresas A, B, C, D, e E, co-proprietárias de um Shopping Center, são sócias de uma empresa limitada que administra o empreendimento comercial promovendo recebimento de alugueres, pagamento de despesas e distribuição mensal do recebimento líquido às co-proprietárias do Shopping Center na proporção do capital de cada uma.
As co-proprietárias do Shopping Center, desejando expandir seus negócios, pretendem captar recursos financeiros junto à determinada instituição financeira.
Para tanto, querem constituir um consórcio nos moldes do art. 278 da Lei nº 6.404/76 com a participação das cinco co-proprietárias retro mencionadas e com a participação, também, da Administradora (empresa F) que não é co-proprietária do empreendimento comercial, mas que figurará como líder do Consórcio a quem o Banco concederá o financiamento mediante garantia (hipotecária ou fiduciária) do empreendimento comercial e dos recebíveis (alugueres futuros).
Esse mútuo será resgatado pela Administradora com os recursos líquidos mensais das co-proprietárias, que serão carreados para o consórcio e daí para o banco financiador. A administradora perceberá remuneração previamente estipulada para a prestação dos serviços de administração do consórcio e intermediação do mútuo bancário.
A consulente deseja saber se nessa operação entre a administradora e o consórcio a quem serão repassados os recursos financeiros captados haverá incidência do IOF.
Para responder a essa indagação impõe-se o exame do fato gerador do IOF em seus aspectos nuclear e subjetivo.
O IOF, na verdade, desdobra-se em quatro impostos conforme previsão do art. 63 do CTN:
“Art. 63. O imposto, de competência da União, sobre operações de crédito, câmbio e seguro, e sobre operações relativas a títulos e valores mobiliários tem como fato gerador:
I – quanto às operações de crédito, sua efetivação pela entrega total ou parcial do montante ou do valor que constitua o objeto das obrigações, ou sua colocação à disposição do interessado;
II – quanto às operações de câmbio, sua efetivação pela entrega de moeda nacional ou estrangeira, ou de documento que a represente, ou sua colocação à disposição do interessado, em montante equivalente à moeda estrangeira ou nacional entregue ou posta à disposição por este;
III – quanto às operações de seguro, sua efetivação pela emissão da apólice ou do documento equivalente, ou o recebimento do prêmio, na forma da lei aplicável;
IV – quanto às operações relativas a títulos e valores mobiliários, a emissão, transmissão, pagamento ou resgate destes, na forma da lei aplicável.
Parágrafo único – A incidência definida no inciso I exclui a definida no inciso IV, e reciprocamente, quanto à emissão, ao pagamento ou resgate do título representativo de uma mesma operação de crédito.”
Interessa para o caso presente o exame do IOF concernente às operações de crédito.
Conforme prescrito no inciso I, do art. 63 do CTN o fato gerador consiste na efetiva “entrega total ou parcial do montante ou do valor que constitua o objeto das obrigações, ou sua colocação à disposição do interessado”.
A lei de regência, Lei nº 5.143, de 20 de outubro de 1966, por sua vez, dispõe em seu art. 1º, inciso I que o IOF tem como fato gerador “no caso de operações de crédito, a entrega do respectivo valor ou sua colocação à disposição do interessado”.
O Decreto nº 6.306, de 14 de dezembro de 2007, que regulamenta esse imposto dispõe:
“Art. 2º O IOF incide sobre:
I – operações de crédito realizadas:
- por instituições financeiras (Lei nº 5.143, de 20 de outubro de 1966, art. 1º);
- por empresas que exercem as atividades de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção de riscos, administração de contas a pagar e a receber, compra de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring) (Lei nº 249, de 26 de dezembro de 1995, art. 15, § 1º, inciso III, alínea “d”, e Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997, art. 58);
- entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física (Lei nº 9.779, de 19 de janeiro de 1999, art. 13)”.
No que tange ao sujeito passivo da obrigação tributária o Código Tributário Nacional dispôs em seu art. 66 que:
“Contribuinte do imposto é qualquer das partes na operação tributada, conforme dispuser a lei”.
E a Lei nº 5.143, de 20 de outubro de 1966, prescreveu em seu art. 4º que “são contribuintes do imposto os tomadores de crédito e os segurados”.
No mesmo sentido, o art. 4º do Decreto nº 6.306/2007:
“Contribuintes do IOF são as pessoas físicas ou jurídicas tomadoras de crédito”.
Do exame dos dispositivos legais retro transcritos não se vislumbra, no caso sob consulta, dupla operação de crédito.
O fato gerador do IOF, na hipótese, é a efetiva entrega total ou parcial do montante ou do valor que constitua o objeto da obrigação, ou sua colocação à disposição do interessado (art. 63, I, do CTN , art. 1º, I, da Lei nº 5.143/66 e art. 3º do Decreto nº 6.306/2007) por uma instituição financeira, por uma entidade a ela equiparada, ou por qualquer pessoa física ou jurídica. E o sujeito passivo do IOF é a pessoa física ou jurídica tomadora do crédito.
Exige-se que uma instituição financeira ou uma entidade a ela equiparada, ou, uma pessoa física ou jurídica qualquer promova efetivamente a operação de crédito. Dessa forma, irrelevante, por si só, a equiparação trazida pelo art. 17 e parágrafo único da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964 (Lei Bancária) que assim prescrevem:
“Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenha como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.
Parágrafo único. Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual”.
De fato, a administradora, de per si, sequer é tomadora da operação de crédito, muito menos financiadora do crédito. Ainda que equiparada fosse a uma instituição financeira esse fato, por si só, não teria qualquer relevância jurídica, pois qualquer pessoa jurídica ou até pessoa física que pratique o fato tipificado na lei tributária poderá vir a ser o contribuinte do IOF, nos estritos termos do art. 4º, do Decreto nº 6.306/2007 c.c art. 13 da Lei nº 9.779, de 19 de janeiro de 1999[1].
Dessa forma, o que é importante não é o fato de uma entidade ser instituição financeira ou a ela equipada legalmente, mas o fato de ter praticado o ato configurador da situação abstratamente descrita na lei tributária que, uma vez ocorrida no mundo fenomênico, enseja, ipso fato, o surgimento da obrigação tributária (arts. 113, § 1º e 114, do CTN).
O exame detido da operação exposta pela consulente permite apontar como sendo o contribuinte do IOF o Consórcio. A administradora é apenas formalmente tomadora do mútuo por opção da instituição bancária financiadora, porém, enquanto líder do Consórcio formado por ela e outras cinco empresas (A, B, C, D e E), essas últimas sócias da administradora (empresa F), tudo nos termos do art. 66, do CTN, combinado com o art. 4º, da Lei nº 5.143/1966 e art. 4º do Decreto nº 6.306/2007.
Por razões que não vêm ao caso, o Banco se dispõe a efetuar a operação de crédito com a empresa líder, e não com o consórcio. Apesar de destituído de personalidade jurídica nada impediria de o consórcio firmasse contrato de mútuo bancário, no qual compareceriam todas as empresas participantes, inclusive a empresa líder do consórcio. Aliás, nos termos da Lei nº 12.402, de 2 de maio de 2011, o consórcio é obrigado a se inscrever no CNPJ podendo figurar como sujeito passivo da obrigação tributária em relação aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (art. 1º).
Contudo, se a operação de crédito for feita com a administradora, empresa líder do consórcio, por opção do Banco financiador, mediante garantia de bens pertencentes às co-proprietárias que integram o consórcio, para que o mútuo seja resgatado por intermédio da administradora com os recursos provenientes da exploração comercial pelas co-proprietárias do empreendimento comercial, não se pode vislumbrar dupla operação de crédito. Os recursos canalizados para o consórcio são os mesmos obtidos pela administradora, empresa líder do consórcio.
Poder-se-ia cogitar de reempréstimo se a administradora celebrasse com o consórcio um novo contrato de operação de crédito em condições mais onerosas que aquela propiciada pela instituição bancária. Mas, nessa hipótese caracterizar-se-ia um quase contrato consigo próprio, pois a administradora firmaria o contrato como mutuante e ao mesmo tempo como co-mutuária, visto que ela é integrante, também, do consórcio na condição de líder. Assim, não haveria como afastar a confusão, ainda que parcial, entre credor e devedor, o suficiente para afastar o contrato de mútuo entre eles.
Outrossim, a administradora, como mera prestadora de serviços, não sendo co-proprietária do empreendimento comercial, por si só, não teria idoneidade econômico-financeira para figurar como tomadora do empréstimo. Seu capital é diminuto e nem possui ativos expressivos, pois conforme consta da cláusula segunda de seu contrato social a Administradora tem por objeto social apenas “a prestação de serviços de administração que estejam de qualquer forma relacionados às fases de construção e operação de empreendimentos de ‘Shopping Center’ em geral”. Operação de crédito é matéria estranha ao seu objetivo social que se limita aos serviços de administração de Shopping Center.
Por isso, a interpretação dos preceitos legais que definem o fato gerador do IOF e do seu respectivo contribuinte, à luz da situação fática narrada na consulta, não deixam margem de dúvidas de que o real contribuinte do imposto é o consórcio destinatário dos recursos financeiros para expansão do empreendimento comercial de que são co-proprietárias as cinco empresas já mencionadas (empresas A, B, C, D e E) que são sócias da administradora (empresa F), a qual, por sua vez, integra o consórcio na condição de empresa líder para fins de administrar o empreendimento comercial, canalizar o empréstimo bancário e proceder ulterior resgate do mútuo com os recursos financeiros das cinco co-proprietárias, tudo mediante percepção de remuneração preestabelecida.
É elementarmente sabido que quem promove operação de mútuo percebe, tal qual uma instituição financeira, juros e não remuneração preestabelecida a título de prestação de serviços, como acontece no caso sob exame.
Positivamente, o consórcio é o tomador da operação de crédito por intermédio da administradora que é sua empresa líder.
Diante do exposto, na nossa opinião, a operação de crédito vislumbrada nos termos da consulta implicará incidência de IOF apenas na operação entre o banco e a administradora.
Entretanto, para bem caracterizar a inexistência de segunda operação de crédito é conveniente que as cinco demais empresas consorciadas compareçam no contrato de financiamento, mesmo porque elas deverão oferecer garantia hipotecária ou fiduciária.
É a nossa opinião.
[1] “Art. 13. As operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física sujeitam-se à incidência do IOF segundo as mesmas normas aplicáveis às operações de financiamento e empréstimos praticadas pelas instituições financeiras”.
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