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Imposto Seletivo na Importação de Bens: Inconstitucionalidades do Projeto de Lei Complementar Nº 68/2024

Solon Sehn

Solon Sehn

09/08/2024

O imposto seletivo na importação de bens não foi estruturado de maneira coerente no Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 68/2024. De um lado, o art. 431estabelece que o imposto incide sobre a importação de bens prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, definidos no § 1º do art. 404 e no Anexo XVIII. Entretanto, a base de cálculo não é o preço pago ou a pagar pelo produto importado ao exportador estrangeiro, ou seja, o valor aduaneiro do bem. Ao invés disso, nos termos do art. 411, o crédito tributário é calculado sobre: (i) o valor da primeira venda no mercado interno (inciso I); (ii) o valor de referência na transação não onerosa ou no consumo do bem (inciso III, “a”) ou na comercialização de produtos fumígenos (inciso III, “c”); e (iii) o valor contábil de incorporação do bem ao ativo imobilizado1. A rigor, portanto, a verdadeira materialidade da hipótese de incidência do IS não é a importação mas a comercialização, a realização de transações não onerosas, o consumo e a incorporação de bens importados ao ativo imobilizado após a liberação (desembaraço aduaneiro).

Ocorre que, de acordo com o inciso VIII do art. 153 da Constituição Federal, a União tem competência apenas para tributar a “produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos de lei complementar”. Assim, sob o aspecto formal, até seria juridicamente possível a instituição de um tributo sobre a venda do bem no mercado interno após a liberação, mas não transações não onerosas, o consumo e a incorporação do bem importado ao ativo imobilizado. Por outro lado, sob o aspecto material, o exercício da competência impositiva deve observar o princípio da capacidade contributiva (CF, art. 145, § 1º), que exige a compatibilidade entre os critérios de valoração da norma tributária e a manifestação de disponibilidade econômica que se pretende gravar, ou seja, a coerência interna ou lógica do tributo. O PLC nº 68/2024, no entanto, estabeleceu uma hipótese de incidência (art. 431) manifestamente dissonante das bases de cálculo (art. 411, I, III, “a” e “c”). O art. 431 é expresso ao enunciar que: “Art. 431. O Imposto Seletivo incide sobre a importação dos bens e serviços de que trata o art. 404”. Não é possível corrigir o vício, infirmando a hipótese de incidência definida pelo legislador complementar. É inviável interpretar, pura e simplesmente, que o imposto incide sobre a comercialização, a realização de transações não onerosas, o consumo e a incorporação de bens importados ao ativo imobilizado após a liberação. Isso demandaria uma verdadeira correção do enunciado prescritivo que ultrapassa os limites do texto da lei complementar. Portanto, da forma como foi disciplinado no PLC instituído, o imposto seletivo na importação de bens não é materialmente compatível com a exigência de coerência interna que decorre do princípio constitucional da capacidade contributiva2.

Outra inconstitucionalidade é a incidência do imposto seletivo sobre a “exportação de bem mineral extraído”, prevista nos arts. 409, V, e 410 do PLC nº 68/2024:

“Art. 409. Considera-se ocorrido o fato gerador do Imposto Seletivo no momento:

[…]

V – da exportação de bem mineral extraído;”

“Art. 410. Aplica-se:

I – imunidade do Imposto Seletivo para

a) as exportações para o exterior dos bens e serviços de que trata o art. 404, ressalvado o disposto no inciso V do art. 409; e”

O inciso VII do § 6º do art. 153, transcrito acima, permite a incidência do imposto seletivo sobre a extração do mineral. A hipótese abrange a lavra da mina, sem alcançar eventuais negócios jurídicos posteriores realizados com o mineral extraído. É inconstitucional, portanto, a tributação da “exportação de bem mineral extraído”, porque não se está diante de extração, mas de comercialização do minério no mercado internacional, operação que, no inciso I do § 6º do art. 153, é imune ao imposto seletivo: “Art. 153. […] § 6º O imposto previsto no inciso VIII do caput deste artigo: […] I – não incidirá sobre as exportações nem sobre as operações com energia elétrica e com telecomunicações; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)”.

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NOTAS

1 “Art. 432. […] Parágrafo único. Não se aplicam ao IS as disposições relativas à base de cálculo, devendo a base de cálculo do IS na importação ser determinada a partir das disposições do Capítulo III do Título II deste Livro, na forma estabelecida em lei ordinária”.

2 Como analisado no Capítulo V, da Parte Geral, do nosso Curso de Direito Tributário, no Estado Democrático de Direito, todo tributo deve apresentar uma coerência interna ou lógica. Isso significa que os critérios de valoração da norma tributária devem ser compatíveis com a manifestação de disponibilidade econômica que se pretende gravar, no que se inclui a conformidade entre a base de cálculo e a hipótese de incidência e a própria definição da sujeição passiva. A falta de sintonia entre esses elementos implica a inconstitucionalidade do tributo (SEHN, Solon. Curso de direito tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2024, p. 185). No direito comparado, a Corte Constitucional Italiana declarou a inconstitucionalidade do Imposto Local sobre a Renda, por ausência de coerência interna do tributo (Sentença 42, de 1980). O ILOR foi um imposto criado para gravar os rendimentos do capital, mas que abrangia os rendimentos de atividades profissionais como compensação para uma evasão fiscal presumida no pagamento do imposto de renda das pessoas físicas (MITA, Enrico de. Interesse fiscale e tutela del contribuente: le garanzie costituzionali. 4. ed. Milano: Giuffrè, 2000. p. 91). Também o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha já considerou inconstitucional a aplicação de critérios valoração diferentes ao imposto sobre o património, “incompatíveis entre si e com a manifestação da capacidade económica que se pretende tributar” (Acórdão do BVerfG de 22.06.1995, relativo ao Imposto sobre a Riqueza). MOLINA, Pedro M. Herrera. Capacidad económica y sistema fiscal: análisis del ordenamiento español a luz del derecho alemán. Madrid: Marcial Pons, 1998. p. 139. Sobre o tema, cf. ainda: RUSSO, Pasquele; FRANSONI, Guglielmo; CASTALDI, Laura. Istituzioni di diritto tributario. 2. ed. Milano: Giuffrè, 2016. p. 26.

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