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Análise jurisprudencial: responsabilidade do empregador e fato do príncipe

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Responsabilidade do empregador e fato do príncipe nos tempos de Coronavírus: análise jurisprudencial

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Enoque Ribeiro dos Santos

Enoque Ribeiro dos Santos

25/03/2020

A OIT – Organização Internacional do Trabalho informou nesta semana que o mundo deverá ter mais um problema a resolver nos próximos meses: o aumento desmesurado do desemprego.

É de sabença comum, no plano material, que após a família, o emprego e o trabalho se põem em primeiro lugar, pelo menos para a enorme parcela da população que deles dependem, pois sua ausência pode levar a um colapso do sistema capitalista de produção, pelo menos do modo que o conhecemos até então.

Além disso, o grande problema que se vislumbra está no campo da responsabilidade subjetiva e objetiva das empresas, que junto com os empregados/trabalhadores e Estado responderão pelos custos econômicos da pandemia. E aqui merece destaque um aprofundamento no instituto do fato do príncipe, em análise jurisprudencial trabalhista.

É sobre tão importante temática, que nos propomos a dialogar com os juristas, empresários, sindicatos e  sociedade em geral, neste pequeno espaço.

ESTADO E INICIATIVA PRIVADA COMO FOMENTADORES DO EMPREGO E DO TRABALHO

A hora é de responsabilidade de todos os setores da sociedade,  até mesmo para cumprirmos os mandamentos constitucionais relacionados à 3ª dimensão dos direitos humanos fundamentais (direitos de solidariedade – difusos e coletivos, meio ambiente, vida digna às presentes e futuras gerações), e para isto uma das medidas urgentes é justamente tratar da questão do emprego e do trabalho, por meio de seus atores sociais (sindicatos, federações, confederações, centrais sindicais, empresários, federações de empresários e o Estado).

Não podemos esquecer que a configuração empresarial no Brasil é constituída por aproximadamente 95% de pequenas e médias empresas, que emprega um grande número de trabalhadores com carteira assinada, ao lado daqueles na informalidade, que somam quase  40 milhões de trabalhadores.

A dispensa individual ou coletiva de trabalhadores neste momento não é aconselhável, pois pode conduzir a impactos profundos, não apenas no campo social, como também na geração de expectativas e de incertezas, impactando o caixa das empresas com verbas indenizatórias,  em um momento que exige uma maior capitalização para enfrentamento da crise. Significaria também perda de investimentos valiosos já dispendidos na formação de pessoal qualificado, ao lado da enorme dificuldade em substituir/repor no futuro  trabalhadores do conhecimento e da informação.

Por isso, nestes momentos do coronavírus é absolutamente necessário agir com prudência, reflexão, cautela e moderação, evitando decisões precipitadas e intempestivas. E a manutenção dos empregos passa por esta reflexão interna nas corporações.

O Estado começou a fazer a sua parte, com a Medida Provisória n. 927/2020, editada em 23/3/2020, que será objeto de futuro escrito, porém, o diálogo social deve evoluir para seguirmos o exemplo de países de capitalismo avançado (Inglaterra, Estados Unidos da América, França, Espanha e países escandinavos) que estão na frente, não apenas na proteção à saúde e à vida das pessoas, como também das empresas e dos empregos, subsidiando fortemente principalmente as pequenas e médias empresas para que mantenham os empregos.

DIREITO INDIVIDUAL E DIREITO COLETIVO: INSTITUTOS TOTALMENTE DIVERSOS

O Direito Individual e o Direito Coletivo do Trabalho são  regidos por normas, regras, institutos e até instituições próprias, totalmente diferenciados. No Direito Individual prevalece o princípio da proteção e sua tríplice vertente (norma mais favorável, condição mais benéfica e “in dubio pro operário”), em vista da existência de uma relação jurídica desigual entre um ser individual e um ser coletivo (empresa); já no Direito Coletivo há uma relação jurídica de igualdade entre dois seres coletivos, com a prevalência do princípio da autonomia privada coletiva.

Neste contexto, a dispensa individual se diferencia da dispensa coletiva, embora o art. 577-A da CLT as coloque no mesmo plano.

Se uma dispensa individual já é séria e nefasta, por causar lesões à uma família e entorno, a dispensa coletiva provoca um dano meta ou transindividual, pois transcende o indivíduo afetado para atingir toda uma comunidade de trabalhadores, com reflexos na sociedade como um todo.

Daí, defendemos que qualquer dispensa neste momento , seja individual ou coletiva devido à pandemia, seja precedida de negociação coletiva de trabalho com os sindicatos representativos dos trabalhadores, de acordo com a Diretiva n. 95 da União Europeia, e recomendação da Organização Internacional do Trabalho, bem como decisão, neste sentido,  emanada do Colendo Tribunal Superior do Trabalho (caso Embraer).

RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR E FATO DO PRÍNCIPE NAS  DISPENSAS DE TRABALHADORES. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

O instituto do fato do príncipe, regido pelo art. 486, da CLT, se aplica a nosso ver, às situações de extinção de estabelecimentos, fechamento de empresas, ou longas paralisações de atividade, motivados por fatos alheios e totalmente imprevisíveis, sem qualquer participação ou concorrência do empregador, que lhe tenha provocado prejuízos imensuráveis, levando-o ao total colapso e ruptura de suas atividades econômicas e produtivas.

Geralmente ocorre quando o Poder Público, na sua linha estratégica de planejamento urbano, e com olhar direcionado ao interesse público primário, implementa, por exemplo,  uma linha de metro, uma reforma de rodovia, viaduto etc., promovendo a interdição de espaços públicos e privados, que provocam a ruptura das atividades econômicas e o desenvolvimento dos negócios circunvizinhos.  Semelhante caso ocorre com as  desapropriações. São casos pontuais.

No caso da pandemia do coronavírus, no entanto, a situação é diversa, pois envolve uma força maior desproporcional, atípica, totalmente imprevisível, fora do controle humano, um verdadeiro “act of God”, jamais vivenciado nas últimas décadas, que atingiu todo o planeta, em face da globalização e encurtamento das distâncias, suscetível de provocar a extinção e o desaparecimento  de inúmeros estabelecimentos, especialmente os pequenos e médios, que não dispõem de uma estrutura saudável de capital próprio, e no qual se encontra justamente alocado  o maior número de empregados com carteira assinada no Brasil.

Sendo assim, o enquadramento do coronavírus como pandemia, pela Organização Mundial da Saúde, o situa no plano da calamidade pública, atingindo virtualmente todas as empresas do planeta, provocando uma gigantesca canalização de recursos financeiros do Estado para a saúde pública, já que a vida das pessoas encontra-se em primeiro lugar.

Ante este fato, o Congresso Nacional votou semana passada a liberação de recursos maciços para a Saúde, ignorando até mesmo o teto fiscal do orçamento público estabelecido anteriormente. A  União deverá renegociar ainda dívidas com municípios e Estados, além da ajuda a empregadores e empregados.

É neste cenário que não podemos ficar retidos em uma análise literal sobre a responsabilização dos danos, aqui incluindo o instituto do fato do príncipe, albergado no art. 468, da CLT, pois nas últimas décadas jamais o mundo enfrentou tantos problemas ao mesmo tempo, cada um exigindo uma solução mais imediata que a outra. Por isso, o assunto merece interpretação sistemática e maior aprofundamento jurisprudencial na seara trabalhista.

Na Justiça do Trabalho há raríssimos julgados deferindo ganho de causa com fulcro no fato do príncipe, como condição de excludente da responsabilidade do empregador. O que se vê na prática, invariavelmente, é a atribuição do risco ao empregador, consoante art. 2º., parágrafo 2º., da CLT. Em outras palavras, a Justiça do Trabalho têm se inclinado no sentido de que todas as verbas rescisórias e do contrato de trabalho são devidas pelo empregador, nas dispensas individuais ou coletivas. Raros são os casos de responsabilidade do Estado com base no “factum principis”.

Ademais, experimentamos hodiernamente situações inusitadas e até então inimagináveis.  Examinemos.

O fechamento de um  estabelecimento por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, em situações de empreendimentos de utilidade pública, como citados acima, difere, porém, significativamente da situação da pandemia do coronavírus.

Os atos das autoridades públicas que no momento determinam o fechamento temporário dos estabelecimentos industriais, comerciais e de serviços, com exceção das atividades essenciais, recomendando às pessoas que permaneçam em suas residências, se relacionam a atos de imperatividade absoluta, de saúde, higiene e medicina pública preventiva, como forma de conservação da vida e da saúde das pessoas, em atendimento ao mandamento constitucional da dignidade humana, com base em experiências internacionais até então bem sucedidas.

Neste cenário, se o instituto do fato do príncipe já era de difícil aplicabilidade prática, como forma de exclusão de responsabilidade do empregador em atos/fatos jurídicos normais, na seara da responsabilidade civil na Justiça do Trabalho, com base na motivação acima mencionada,  conduzida de forma preventiva, de elevada índole moral, em consonância com o respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88), restará ao empregador a vontade política e solidariedade do Estado para arrefecer seus impactos financeiros.

Vários países de capitalismo avançado estão agindo neste sentido, garantindo o pagamento de até 80% dos salários das folhas de pagamentos das empresas, limitadas a um determinado valor, por 3 ou 4 meses, além da isenção/procrastinação de impostos e taxas por idêntico lapso temporal.

Assim sendo, considerando o instituto do fato do príncipe, como excludente de responsabilidade do empregador pelo pagamento de verbas rescisórias, por ato de autoridade, embora haja lei de regência (art. 486 da CLT) diante do caso concreto da pandemia do coronavírus, seu caráter inusitado, impensável, suas repercussões no cenário internacional, bem como as determinações do Estado, de índole preventiva, acautelatória, em prol da dignidade da pessoa humana e relacionadas a matéria de ordem pública, de imperatividade absoluta, tudo isto conduz à conclusão de sua difícil aplicabilidade no plano concreto, à luz da dominante e remansosa jurisprudência do Judiciário trabalhista.

Daí, cremos que o caminho e a solução mais exequível seja a negociação coletiva de trabalho, sobre a qual passamos a expor.

NEGOCIAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO

Além de direito social fundamental, albergado na Constituição Federal de 1988 (art. 7º., XXVI e art. 114, parágrafo 2º.) e instrumento do microssistema de tutela coletiva, trata-se do instrumento mais eficaz e inteligente para a solução de conflitos coletivos de trabalho, pois verdadeiro criador de normas jurídicas que norteiam as relações de trabalho.

Não é por menos que o Senado americano já a considerou a melhor forma de resolução de conflitos coletivos entre o capital e o trabalho.

Se bem sucedida, pode desaguar nos acordos e convenções coletivas, que estipulam novas condições de trabalho e de remuneração para toda a categoria de trabalhadores, enquanto que se não lograr êxito, conduzirá para a mediação, arbitragem, greve e o dissídio coletivo de natureza geralmente econômica.

Nesta crise pela qual passamos não vemos outro instrumento tão poderoso que possa levar à pacificação de conflitos coletivos de trabalho, sob o auspício do princípio da autonomia privada coletiva.

Não há como se admitir, sem a intervenção do ente ideológico sindical, cortes salariais, reduções maciças de pessoal ou mesmo a adoção de qualquer medida que prejudique ou reduza o patamar mínimo alcançado pelo Direito do Trabalho em situações tais como a que vivemos, sob pena de subverter a proteção alcançada com o advento do Estado Social, cujos instrumentos de atuação, neste momento de crise, se mostram como último refúgio de proteção dos trabalhadores.

CONCLUSÕES

A crise da pandemia do coronavírus constitui algo jamais visto no planeta e certamente quando a humanidade superá-la, novos horizontes se abrirão no domínio das comunicações,  novas formas de trabalho e de emprego surgirão, muito mais relacionadas à tecnologia da informação, às plataformas digitais e  ao mundo virtual.

No campo da responsabilidade civil dos empregadores, fórmulas serão encontradas para manter as empresas e os empregos vivos.  O Estado deverá envidar esforços neste sentido, da mesma forma que ocorre nos países de capitalismo avançado.

O instituto do fato do príncipe, por sua vez, como excludente de responsabilidade do empregador pelo pagamento de verbas rescisórias, por ato de autoridade, diante da pandemia do coronavírus, seu caráter inusitado, impensável, suas repercussões no cenário internacional, bem como as determinações do Estado, de índole preventiva, acautelatória, em prol da dignidade da pessoa humana e relacionadas a matéria de ordem pública, de imperatividade absoluta, conduzem à conclusão de sua difícil aplicabilidade no plano concreto, à luz da dominante e remansosa jurisprudência do Judiciário trabalhista.

Já a negociação coletiva de trabalho se apresenta no momento como o melhor e mais inteligente instrumento de solução de conflitos coletivos em face da pandemia do coronavírus, pelo diálogo social que permite, entre empresários, trabalhadores e o próprio Estado, no sentido de minimizar ou arrefecer os impactos dos enormes prejuízos que advirão, sob a forma de diminuição da atividade econômica/paralisação e encerramento de atividades/e perspectivas de aumento do desemprego.

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