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Crime Contra a Propriedade Imaterial – Prova – Perícia – Laudo, de Roberto Lira

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Crime Contra a Propriedade Imaterial – Prova – Perícia – Laudo, de Roberto Lira

REVISTA FORENSE 161

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08/02/2024

SUMÁRIO: 1. A perícia no processo penal em geral. 2. A perícia referente a crime contra a propriedade imaterial. 3. Oficialidade da perícia. 4. Pluralidade de peritos. Divergência. 5. Natureza e efeitos da homologação judicial do laudo.

PARECER

1. A perícia no processo penal em geral.

O perito auxilia o juiz no conhecimento do fato e, como tal, não é passível de avaliação técnico-processual. Êle não atua, porém, no convencimento. Do contrário, estaria cindida a função jurisdicional, por natureza indivisível.

Portanto, o perito não é auxiliar processual do juiz e, nos sistemas em que a tanto ascende, a lei estabelece os limites e os modos por que o juízo pericial vincula o magistrado. Entre nós,

“O juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte” (art. 182 do Código de Proc. Penal).

O auxílio pericial é fato de ordem lógica e não de ordem jurídica. Não há ajudante do juiz no exercício da função jurisdicional, a que pertence o diagnóstico da certeza do fato como fonte do intimo convencimento e, portanto, emanação de recessos impenetráveis. Os mecanismos, de que o convencimento resulta, nem são controláveis nem apuráveis.

A lei não exige mais do que a motivação, o “quia”. Séria mesmo intransportável para o mundo exterior, se não irreproduzível, o flutuar de aquisições e reações em que entra todo o jôgo psicológico, desde as raízes da personalidade.

A perícia é crítica de representações e a decisão (vêde bem, a decisão) é mais do que síntese crítica, é supercrítica de tôdas as provas. A perícia ajuda no momento da síntese critica e não no momento da supercrítica que pertence, exclusivamente, à função jurisdicional. Esta, por sua vez, é completamente estranha ao momento da critica pericial ou testemunhal.

O fato subjetivo jurisdicional não se confunde com o fato objetivo processual. Naquele, e não neste, ó juiz é o peritus peritorum. Quer dizer, quando julga e não quando homologa.

A lei brasileira resolveu a controvérsia sôbre a natureza e a função da perícia, considerando-a meio legal, e não fonte, de prova (tít. VII e cap. II do Cód. de Processo Penal).

Do conjunto das provas (art. 157) é que se deriva a certeza ou a incerteza de um fato, como fonte, isto sim, do convencimento.

Vêde, por mais completas, LACOMBLEZ “Traité théorique et pratique des expertises en matière pénale”, Paris, 1912, e THERNOFF et SCHONFELD. “Expertises judiciaires en matière pénale”, Paris, 1932, e, por mais recente, CHARLES LEGUEAU”, “De l’expertise à base scientifique comme moyen de preuve em matière criminelle”, Paris, 1953.

2. A perícia especial referente a crime contra a propriedade imaterial.

Tôda perícia está sujeita à disciplina dos artigos 158 a 184 e 275 a 281 do Cód. de Processo Penal, no que fôr aplicável à espécie. Vêde a epígrafe do cap. II do título VII – “Do exame do corpo de delito e das perícias em geral“.

Mas, a economia interna da perícia especial referente a crime contra a propriedade imaterial, sem prejuízo daquela disciplina, rege-se pelos arts. 525 a 528 do aludido Código, com as modificações do art. 182 do Cód. da Propriedade Industrial. Em última análise, o que há de especial é a reserva ao juiz de função normal de polícia judiciária.

Abstraindo, por impertinentes, das demais medidas preliminares (arts. 183 a 187 do Cód. da Propriedade Industrial e artigo 1º do dec.-lei nº 8.481, de 27 de dezembro de 1945), há a distinguir:

1º) busca ou apreensão (vêde as distinções epigráficas e textuais (arts. 240 e 527 e segs. do Cód. de Proc. Penal), aliás omitidas no Cód. da Propriedade Industrial, entre busca e apreensão;

2º) perícia que pode constituir ou não corpo de delito.

O art. 527 do Cód. de Proc. Penal preceitua que os peritos “verificarão a existência de fundamento para a apreensão”.

A prévia verificação pelos peritos dêsse fundamento justificaria a apreensão. Entretanto, não há nova ordem do juiz em face da verificação. Os peritos verificando, êles mesmos, o fundamento procedem à apreensão.

Na prática, porém, englobam-se as diligências e os momentos. A unicidade de laudo, mera inferência literal, não excluí a pluralidade de diligências. Aliás, o escrúpulo textual indicaria, pelo menos quando os peritos consideram infundada a apreensão, o laudo negativo (art. 527, in fine, do Cód. de Proc. Penal) e o laudo positivo, se o juiz ordenar a diligência impugnada pelos peritos.

A rigor, as diligências, mutatis mutandis, constarão de auto de busca, laudo de verificação e, se positiva esta, auto de apreensão e, finalmente, laudo de exame de corpo de delito. Busca e apreensão não são perícias, vêde a distinção do art. 529 entre apreensão e perícia.

A lei não alude à infração que sempre rastreia materialmente a trajetória, mas à que, concretamente, propiciou tais elementos à investigação pericial. Em suma, refere-se aos objetos (é a expressão do art. 525 do Cód. de Proc. Penal) encontrados, o que se certificará a posteriori. Então, o juiz intervém administrativamente, controlando simples habilitação ao procedimento. Por isso mesmo, o art. 187 do Cód. da Propriedade Industrial prescreve:

“Responderá por perdas e danos a parte que requerer e realizar diligências de busca e apreensão, agindo de má-fé, ou por espírito de emulação, mero capricho ou êrro grosseiro, ou que se exceder na execução dessas medidas”.

Grifei as referências à realização e à execução das diligências a fim de que se atente no papel do magistrado como presidente da produção preliminar da prova do fato, para o único efeito de instruir hàbilmente a queixa ou a denúncia, no caso do parág. único do art. 529 do Cód. de Proc. Penal.

Sòmente na hipótese de laudo contrário à apreensão (parág. único do art. 527 do Cód. de Proc. Penal) o juiz conhecerá, como se em grau de recurso, as razões dos peritos. E isto, sem “juízo” substancial, sem compromisso que não caberia preliminarmente. Separei o prefixo de propósito. De qualquer modo, se os peritos não foram contrários à apreensão, como na espécie, nem se enseja a intervenção excepcional e superficial do juiz.

Restam, pois, razões periciais cuja eficácia para o início da ação depende dos atributos que caracterizam o corpo de delito e condicionam sua validade.

O juiz só empenhará a jurisdição, de meritis, na decisão final. Mesmo quando do recebimento da queixa apenas apura se esta foi instruída com o exame de corpo de delito (art. 525 do Cód. de Proc. Penal) devidamente formalizado para fornecer corpo ao delito (art. 564, III, b, e IV).

A cobrança dos impostos formais deve extremar a intransigência quando o corpo de delito é condição de procedibilidade (arts. 43, III, e 525 do Cód. de Proc. Penal), cujo inadimplemento determina a rejeição da queixa.

3. Oficialidade da perícia.

Adotando, nesta parte, o modêlo italiano, nossa lei processual penal consagra a “ufficialità della perizia” (GUGLIELMO SABATINI, “Principi di Diritto Processuale Penale”, Catânia, vol. I, pág. 502).

A inovação brasileira consiste, não só na regra da designação ex officio de peritos oficiais, salvo inexistência (art. 159, § 1º, do Cód. de Proc. Penal), como, também, na exclusão de arrimos ou suplementos privados e de liberdade de inquérito.

As partes não intervirão na nomeação do perito (art. 276 do Cód. de Proc. Penal).

Mesmo o perito não-oficial ficará sujeito à disciplina judiciária (art. 275 do Código de Proc. Penal), exigindo-se-lhe a mesma imparcialidade do juiz (art. 280 do Cód. de Proc. Penal) e impondo-se-lhes incompatibilidades e obrigações rigorosamente sancionadas (arts. 277 a 279 do Código de Proc. Penal).

No preâmbulo do laudo, os peritos afirmaram que suas conclusões assentam “em tudo aquilo que lhes foi dado examinar, tanto em São Paulo, quanto no Rio de Janeiro, bem como os dados colhidos dentro das prerrogativas que lhes concede o art. 256 do Cód. de Proc. Civil (fls. 142).

Como se vê, a execução de um exame de corpo de delito foi disciplinada pelo Cód. de Proc. Civil e, marcadamente, pelo art. 256 que autoriza o perito a proceder “livremente” e, mais, “podendo ouvir testemunhas e recorrer a outras fontes de informação”.

Quer dizer, o juízo técnico-científico sôbre fatos e eventos foi contaminado pela caricatura testemunhal dêstes, sempre conjetural, subjetiva, relativa, ao sabor de impressões e percepções.

A perícia criminal, sobretudo a que corresponde a exame de corpo de delito, consiste em exame:

“Os peritos descreverão minuciosamente o que examinarem…” (artigo 160 do Cód. de Proc. Penal).

Há mais: o objeto do “relatório completo” e do “juízo seguro” (parágrafo único) é êste exame que jamais poderá ser feito “livremente”.

Sòmente o corpo de delito indireto e quando impossível o direto comportaria o desespêro probatório (art. 167 do Código de Proc. Penal) que recorre a “testes de praeterito (testemunhas) para substituir testes de praesenti (peritos).

A anomalia é tanto mais chocante quando a natureza da perícia reclama denominatio a potiori, na tradicional compostura do visum et repertum.

4. Pluralidade de peritos. Divergência.

O art. 527 do Cód. de Proc. Penal quer pluralidade de peritos perfazendo o consenso mínimo. E, tanto o consenso, pelo menos de dois peritos, é indispensável, que o Cód. de Proc. Penal obriga a nomeação de terceiro (art. 180) e, se êste divergir “de ambos”, a solução é novo exame por outros peritos para o imprescindível: a dupla conformidade.

Com o dissenso não teremos perícia e, muito menos, corpo de delito, e sim polêmica, controvérsia, debate. Nada mais infenso à própria natureza da perícia.

A perícia é objeto do contraditório e não o próprio contraditório. A dualidade de vozes veio eliminar “le inside nella esecuzione delle perizie” (FRANCISCO P. GABRIELI, “Perizia e Diritto Processuale Penale”, Turim, 1939).

É o que se aprende com a lição de EUGÊNIO FLORIAN: “I duo periti possono trovarsi consenzienti ed allora nessuna difficoltà si presenta; essi faranno una sola relazione, come si dirà.

I duo periti possono, invece, essere discordi ed allora, reso avvertito il giudice, si procede alla nomina del terzo perito” (“Delle Prove Penali”, Milão, 1924, Volume II, pág. 444).

É êste tierce expertise – o peritior – que resolverá a dúvida, incompatível com a certeza básica – a da materialidade da infração. Vêde U. FONTINELLI, “Lineamenti Razionali Della Perizia Nel Procedimento Penale”, Roma, 1954.

5. Natureza e efeitos da homologação judicial do laudo.

A principal consideração a fazer-se é a do momento em que funciona a prestação jurisdicional.

Admita-se que o juiz ultrapasse a missão homologatória e “disponha”. Então seu convencimento (trata-se de matéria penal), mormente para estabelecer o próprio fato, que condiciona o cabimento de sua intervenção, não pode ser o de simples padrinho de um dos duelistas.

O arbítrio judicial obedece a dois limites: substancial e formal; o primeiro impede que o juiz funde o seu convencimento em meios de provas que não os previstos pela lei, conforme o seu regime; o segundo obriga o juiz a externar os motivos de seu convencimento, nos consideranda da sentença (art. 381, III e IV, do Cód. de Proc. Penal).

O juiz não está vinculado ao resultado das provas e, por isso mesmo, não prejulga, não lhe atribui outros efeitos além dos pré-vestibulares si et in quantum isto é, a aptidão pontencial para satisfazer condição de procedibilidade.

Mesmo a simples homologação, para que capacite ao petitório inicial, não cabe em relação ao juridicamente inexistente: o colegiado de um, com a desenvoltura privatística.

O juiz não integra a pluralidade vital, não preenche a paridade, não desempata o pronunciamento.

Nem um diploma da prestação jurisdicional, aliás prematura e vaga, poderia descer à degradação dos traslados (artigos 19, 183 e 529 do Cód. de Proc. Penal).

E, em matéria técnica, que base motivaria a opção? Seria ato de arbítrio a preferência diante da negação e da afirmação, isto é, da dúvida quanto ao fato.

PAUL ROUBIER aconselha a via civil, porque a penal não seria segura, pelo império do beneficio da dúvida (“Le droit de la Propriété Industrielle”, parte geral, Paris, 1952, pág. 437. Vêde, também, FILADELFO AZEVEDO (“Um triênio de Judicatura”, São Paulo, sem data, vol. IV, pág. 231).

Opera-se, então na fronteira de jurisdições, onde remanesce o anacronismo da via electa.

A autoridade policial também homologa laudos.

O próprio fato da irrecorribilidade do despacho homologatório revela o seu cunho meramente sacramental.

Vimos (nº 1) que, assim como o perito é estranho ao momento jurisdicional, o juiz é alheio ao momento pericial, salvo para a ritualização. Homologar não é escolher.

Respondo à pergunta:

Não, s. m. j.

Rio, 16 de abril de 1955. – Roberto Lira, professor da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro.

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