32
Ínicio
>
Clássicos Forense
>
Processo Civil
>
Revista Forense
>
Trabalho
CLÁSSICOS FORENSE
PROCESSO CIVIL
REVISTA FORENSE
TRABALHO
A inconstitucionalidade do prejulgado trabalhista
Revista Forense
23/05/2022
REVISTA FORENSE – VOLUME 150
NOVEMBRO-DEZEMBRO DE 1953
Semestral
ISSN 0102-8413
FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO
FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,
Abreviaturas e siglas usadas
Conheça outras obras da Editora Forense
SUMÁRIO REVISTA FORENSE – VOLUME 150
CRÔNICA
Ortotanásia ou eutanásia por omissão – Nélson Hungria
DOUTRINA
- A responsabilidade dos Estados em direito internacional – Raul Fernandes
- Os funcionários públicos e a Constituição – Carlos Medeiros Silva
- Responsabilidade dos juristas no Estado de Direito – José de Aguiar Dias
- Defesa dos postulados essenciais da ordem jurídica – Murilo de Barros Guimarães
- O Código Civil e a nova concepção do direito de propriedade – Abelmar Ribeiro da Cunha
- Evolução do Direito Social brasileiro – A. F. Cesarino Júnior
- Divisibilidade – seu conceito no direito privado – Alcino Pinto Falcão
- A analogia da lei comercial em face das fontes subsidiárias do direito – Mário Rotondi
PARECERES
- Impostos estaduais – Excesso de arrecadação nos municípios – Bilac Pinto
- Instituto do açúcar e do álcool – Fixação de preços – Intervenção do Estado na ordem econômica – Castro Nunes
- Governador – Incompatibilidade do mandato com o cargo de ministro de Estado – Osvaldo Trigueiro
- Testamento – Regras de interpretação – Descendentes e filhos – Fideicomisso – Antão de Morais
- Locação comercial – Retomada para uso próprio – Notificação – Luís Antônio de Andrade
- Deputado – Perda de mandato – Licença para tratamento de interesses particulares – Antônio Balbino
- Requisição de bens e serviços – Tabelamento de preços – Comissão federal de abastecimento e preços – Teotônio Monteiro de Barros Filho
NOTAS E COMENTÁRIOS
- A inconstitucionalidade do prejulgado trabalhista – Alcides de Mendonça Lima
- Responsabilidade civil por danos causados por aeronaves estrangeiras a terceiros e bens a superfície Convenção de Roma – Euryalo de Lemos Sobral
- Sôbre o conceito de Estado – Jônatas Milhomens
- As autarquias estaduais e as concessões de serviços de energias elétrica – José Martins Rodrigues
- A filiação adulterina no direito brasileiro e no direito francês – Válter Bruno de Carvalho
- Recurso ordinário em mandado de segurança – João de Oliveira Filho
- A habitação como acessório salarial – Carmino Longo
- Operações bancárias – Francisco da Cunha Ribeiro
JURISPRUDÊNCIA
LEIA:
SUMÁRIO: 1. A origem e o sistema do instituto no Cód. de Proc. Civil. 2. A origem e o sistema do instituto na Consolidando das Leis do Trabalho. 3. Diferença entre os dois sistemas. 4. A fôrça obrigatória da jurisprudência. 5. A inconstitucionalidade do prejulgado trabalhista. 6. O processo.
Sobre o autor
Alcides de Mendonça Lima, professor da Faculdade de Direito de Pelotas, da Universidade do Rio Grande do Sul.
NOTAS E COMENTÁRIOS
A inconstitucionalidade do prejulgado trabalhista
“A lei vem de cima; as boas jurisprudências fazem-se em baixo. Se agora se dá conta de que as regras elaboradas à fôrça de sentenças e acórdãos vencem ùnicamente pelo seu valor altamente experimental as regras improvisadas no Parlamento, concebe-se quão absurdo seria conferir-se aos tribunais o poder de completar as leis ou de precisar-lhes o sentido, por via de disposições gerais, editadas para o futuro” (JEAN CRUET).
1. A origem e o sistema do instituto no Cód. de Proc. Civil.
O prejulgado caracteriza-se por ser artificiosa medida preventiva, com o objetivo de evitar divergência jurisprudencial, que, muitas vêzes, gera graves distúrbios na atividade dos órgãos judiciários, com reflexos nas relações sociais dos indivíduos. Já se afirmou, com certa dose de exagêro, que “causa mayor mal a un país el pronunciumiento de brillantes fallos contradictorios en que los legistas agotan la dialéctica, que una mala jurisprudencia que perdura, porque a lo menos ésta tiene la ventaja de dar estabilidad a las transaciones y a los negocias humanos” (LEÔNIDAS ANASTASI, apud MANUEL IBAÑEZ FROCHAM,1 página 178, n. 168).
A dinâmica da vida social cria novas condições que escapam ao alcance das normas jurídicas, algumas elaboradas em época longínqua, de modo que não mais refletem os anseios vindouros da comunidade onde devem imperar. Cabe aos tribunais a missão de aplicar as leis, solvendo do as controvérsias surgidas entre os cidadãos. Mas pela imperfeição originária do texto legal, ou porque o mesmo se tornou insuficiente, ou porque se alteraram as situações do mundo jurídico – os tribunais, na sua faina incessante, como decorrência, também, das transformações em seus quadros, entram em choque na interpretação dos mesmos dispositivos, decidindo diferentemente e, até mesmo, antagônicamente, numa verdadeira concorrência jurídica, na expressão de JEAN CRUET2 (pág. 76). Se, porém, a jurisprudência serve, sem dúvida, para garantir a estabilidade das relações jurídicas, não pode, por outro lado, estratificá-las, sem receber da realidade cotidiana o sôpro restaurador, que lhe dará ânimo e vigor.
É preciso, portanto, obstar que a jurisprudência se situe fora de seu tempo ou prendendo-se ao passado, para tornar-se excessivamente conservadora, quando não arcaica e retrógrada, ou avançando no futuro (hipótese mais rara, pela índole dos órgãos judiciários), para apresentar-se como fonte de insegurança e de desprestígio do próprio respeito da lei. No equilíbrio entre os dois têrmos deve residir a jurisprudência, de modo a permitir as transformações sociais sem os grandes abalos e os profundos atritos, sempre tão prejudiciais à evolução racional.
Para evitar uma reviravolta brusca na jurisprudência e, igualmente, para impedir a imutabilidade nociva, criou-se o instituto do prejulgado, cujas origens, no direito brasileiro, remontam à lei n. 17, de 20 de novembro de 1891, do Estado de Minas Gerais, no seu art. 22, passando pela Lei de Organização Judiciária do Distrito Federal, de 20 de dezembro de 1923, art. 103; pelo Cód. de Proc. Civil e Comercial de São Paulo, art. 1.126; pelo decreto n. 19.408, de 19 de novembro de, 1930, art. 7°, expedido pelo Govêrno Provisório; pela lei federal n. 319, de 25 de novembro de 1936, art. 3°, e, finalmente, consagrado no art. 861 do Cód. de Processo Civil, que assim dispõe:
“A requerimento de qualquer de seus juízes, a Câmara, ou Turma julgadora, poderá promover o pronunciamento prévio das Câmaras Reunidas sôbre a interpretação de qualquer norma jurídica, se reconhecer que sôbre ela, ocorre, ou poderá ocorrer, divergência de interpretação entre Câmaras ou Turmas”.
Com esta iniciativa facultada a qualquer membro (e não apenas ao relator, como em São Paulo, ou ao presidente, como no Distrito Federal, segundo a legislação citada) de Câmara ou Turma – parcelas dos Tribunais, – caberá às Câmaras Reunidas dizer qual a interpretação certa de qualquer norma jurídica, desde que já ocorra, ou possa ocorrer, divergência entre julgados do mesmo órgão. A colisão pode ter sido apontada, nos autos, pelas partes ou ser invocada por qualquer dos juízes, ex officio, indicando-se acórdãos anteriores antagônicos sôbre idêntica matéria. O atrito, porém, poderá ainda não existir, mas, pela discussão do feito ou pelos votos manifestados em plenário, qualquer juiz poderá mostrar que a decisão a ser tomada divergirá de outra da mesma ou diferente Câmara ou Turma. Por conseguinte, ao contrário do recurso de revista, a existência de choque não pressupõe o julgamento, mas poderá surgir durante a sessão, em face do rumo que venha a seguir a Câmara ou Turma. No recurso de revista, são necessárias duas decisões finais: a recorrida e a trazida à colação; no prejulgado basta uma, com a possibilidade de discrepar dêle a que se acha em perspectiva.
A Câmara ou Turma, com o prejulgado, não toma a responsabilidade de se opor à decisão anterior, mas, ao mesmo tempo, não se submete, sem maiores exames àquela decisão. Resguarda sua independência intelectual, sem entrar em conflito imediato. Se as Câmaras Reunidas acolhem a nova interpretação, o prejulgado serviu para confortar a opinião já esboçada, mas ainda não concretizada em decisão, da Câmara suscitante; se, porém, consagram a interpretação anterior, o prejulgado serviu para mostrar o êrro em que incidiria a Câmara suscitante, de acôrdo com o ponto de vista dominante no Tribunal, que vale, ao menos, pelo prestígio e autoridade, senão pelo sentido intrínseco.
O prejulgado não é um recurso. É, apenas, um incidente no julgamento de recurso de competência de Câmaras isoladas: apelação e agravos. Não é interposto pela parte e nem é exigido por lei. É uma faculdade concedida aos membros das Câmaras, ou Turmas. Não reforma, nem cassa decisão. E um ato de interpretação, atribuído, por motivos de alta razão social, a um órgão superior àquele perante o qual a demanda deva ser decidida, por via de recurso. Nem mesmo os interêsses das partes se acham, diretamente, em jôgo. Apenas, por medida de prudência, a Câmara, que o provocou, não quer arcar com a responsabilidade de rebelar-se contra a orientação anterior ou de submeter-se, incondicionalmente, à mesma decisão. Há, na frase de PONTES DE MIRANDA,3 “mera deslocação de julgamento” (página 164, n. 1).
Estabelecida a interpretação que as Câmaras Reunidas considerem como certa, o processo volta à Câmara de origem, para esta, então, proferir o julgamento definitivo sôbre a espécie, mas vinculada àquele pronunciamento prévio. Dai por que o remédio tem a denominação de prejulgado, isso é, antes do julgado definitivo a ser proferido. Não cabia, pois, a observação de ARTUR RIBEIRO, insigne ministro do Supremo Tribunal Federal, chamando-o de após-julgado. A Câmara, em cujo seio se entendeu necessária a manifestação superior, susta o julgamento do recurso, para, posteriormente, decidir de conformidade com o acórdão das Câmaras Reunidas. Não é, porém, qualquer precedente judiciário, qualquer decisão isolada proferida antes de outra, mas, tão-sòmente, aquela que é exarada em face da provocação de membro de Câmara, ou Turma, a fim de servir como interpretação obrigatória no julgamento do recurso, desde que ocorram os requisitos do art. 861 do Cód. de Processo Civil.
O prejulgado sòmente pode abranger quaestio juris e não quaestio facti. Referindo-se o Código a norma jurídica, ficam incluídos, no remédio, a lei, o regulamento, os decretos, atos administrativos em geral, os usos e costumes, os princípios gerais de direito, os tratados e as convenções internacionais (cf. VICENTE RAO, pág. 556, n. 358).
Entretanto, a decisão proferida no prejulgado sòmente obriga à Câmara, ou Turma, que o provocou, no caso concreto e não em qualquer outro. A linguagem do Código é lacunosa, neste ponto, não indicando, nem mesmo, aquela sujeição. Apesar disso, o entendimento geral é favorável à submissão (cf. BILAC PINTO e LÚCIO BITTENCOURT,5 pág. 129; PONTES DE MIRANDA,3 pág. 190, e pág. 331;6 e MÁRIO GUIMARÃES,7 pág. 109; JORGE AMERICANO,8 vol. 4, págs. 106 e 108; ODILON DE ANDRADE,9 pág. 338, n. 331; JÔNATAS MILHOMENS,10 vol. 4°, pág. 248, n. 4; ESPÍNOLA-ESPÍNOLA FILHO,11 vol. 3°, pág. 119). É, aliás, da nossa tradição legislativa, art. 103, § 1°, da Lei de Organização Judiciária do Distrito Federal, acima citada:
“O vencido por maioria constitui decisão obrigatória para o caso em aprêço e norma, aconselhável para os casos futuros, salvo relevantes motivos de direito, que justifiquem renovar-se idêntico procedimento de instalação das Câmaras Reunidas”;
e art. 1.126, parág. único, do Cód. Civil e Comercial de São Paulo:
“Decidida a questão de direito, a Câmara, a que pertencer a causa, passara imediatamente a julga-la, As partes não se dará então o recurso do art. 1.119” (revista).
Nota-se, assim, que o legislador do Cód. de Proc. Civil nacional, mesmo tendo fontes locais com redação mais precisa e mais clara, foi infeliz em conceituar o prejulgado no parcimonioso e ambíguo artigo 861.
No direito comparado, encontramos instituto análogo ao nosso prejulgado comum, qual seja o, sistema adotado na Alemanha, para o fim de obter a uniformidade jurisprudencial sôbre a interpretação de norma jurídica. O feito é levado diretamente da primeira instância à Côrte de Cassação, sem passar pelo Tribunal de Apelação. Entretanto, consoante informa KISCH,12 “la resolución así tomada no time inmediatamente fuerza vinculante, mas que para el caso concreto: para todos los demás semejantes no tiene mas valor que el cientifico” (pág. 303, n. 6).
Situação correlata ocorre na Áustria, segundo expôs, no Congresso Internacional de Direito Comparado em Haia, em 1938, o professor ERNST SNOBODA: “Por decisão de uma de suas Câmaras (de sete juízes), os julgamentos proferidos sôbre litígios duvidosos e importantes em matéria civil, que exigiriam um exame cuidadoso podem ser registrados no Spruchrepertorium (repertório de sentenças). Êsse registro confere à opinião sustentada na sentença uma fôrça obrigatória na Côrte Suprema. É necessária uma decisão proferida por uma Câmara de 15 juízes para modifica-la. Essa nova decisão incorpora-se no Judikaten buch (livro dos casos julgados) e só poderá ser modificada por uma Câmara de 21 membros, o que é muito raro. Tais decisões, oficialmente publicadas, não obrigam, por lei, os tribunais inferiores, como resulta do artigo 12 do Cód. Civil austríaco; mas, de fato, êles só excepcionalmente, por considerações muito importantes, se pronunciam de modo diferente” (apud ESPÍNOLA-ESPÍNOLA FILHO,11 vol. 1°, págs. 444-445).
Apesar da deliberação se impor à própria Côrte que a pronuncia, não se estende, porém, aos juízes inferiores, cuja independência fica resguardada, pois, no Estado moderno, não se verifica, a rigor, subordinação do juiz inferior ao superior, porque os juízes não dependem, quanto à aplicação da lei, senão da lei mesma. A dependência é administrativa e, quanto à interpretação da lei, apenas dentro do caso concreto. Fora disso, o magistrado é inteiramente livre em sua atividade judicante, prêso, sòmente, às suas idéias, à sua convicção, à sua consciência.
Assemelha-se ao prejulgado a iniciativa obrigatória (não-facultativa, portanto) de uma Câmara; ou Turma, de promover o pronunciamento do Tribunal Pleno, quando se incline pela inconstitucionalidade de uma lei aplicável ao caso sub judice, cuja declaração sòmente pode ser feita pela maioria absoluta do órgão, ex vi do art. 200 da nossa Constituição federal de 1946. Opera-se, igualmente, a cassação per saltum ou sprungrevision, na terminologia alemã.
O prejulgado é de uso pouco freqüente no Brasil, porque os juízes, segundo parece, preferem, na hipótese que ocorra, ou possa ocorrer, divergência, deixar que as partes ajam por si mesmas, interpondo, se fôr o caso, o recurso de revista contra o acórdão colidente com outro. É mais cômodo e menos trabalhoso para os juízes. Os litigantes, como interessados, que procurem os meios legais. Os juízes, portanto, em regra deixam de usar da ação de direito público, que se configura no julgado, pois a sua inércia, a rigor, em nada prejudica as partes e não os coloca, quem sabe, na situação de constrangimento moral de terem de julgar contra sua opinião pessoal, se a decisão superior lhe fôr contrária. MÁRIO GUIMARÃES,7 atual ministro do Supremo Tribunal Federal, que ilustrou o Tribunal de Justiça de São Paulo, informa que, até 1942, durante sete anos de sua atividade, sòmente teve conhecimento de um caio de prejulgado naquela Côrte (página 108).
2. A origem e o sistema do instituto na Consolidação das Leis do Trabalho.
O prejulgado, na Justiça do Trabalho, foi uma novidade da Consolidação. Antes não existia. Quando, sob o regime da Constituição federal de 1937, se pretendeu organizar a Justiça do Trabalho, regulamentando-se seu art. 139, o Projeto de Lei orgânica, elaborado por uma comissão de juristas e técnicos do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, criava uma providência semelhante à medida ora consagrada no art. 902 da Consolidação das Leis do Trabalho. Em defesa da ousada sugestão, assim se manifestou a Exposição de motivos: “Função não menos importante, também atribuída pelo projeto à Justiça do Trabalho, é a de fixar a interpretação das leis, cuja aplicação lhe incumbe. Não se trata de fixação da inteligência das leis através da uniformidade das decisões sucessivas, isso é, por fôrça da jurisprudência, como acontece com a justiça comum. Este poder a Justiça do Trabalho o teria independentemente de qualquer disposição expressa. O que o projeto dá à Justiça do Trabalho é coisa muito diferente dessa determinação da inteligência das leis sociais por meio da tradição jurisprudencial: é o poder de fixar por antecipação, e de modo genérico, esta inteligência. E uma competência muito concordante com a natureza mesma da Justiça do Trabalho, que revive, como “observou RANELLETTI, a antiga justiça pretoriana. Da mesma forma que pretores da antiga Roma, com os seus editos, o Tribunal nacional, com os seus acórdãos interpretativos, fixará ad futurum, para os tribunais que lhe são subordinados, o sentido dos textos da legislação social. Esta disposição do projeto, atribuindo à Justiça do Trabalho a faculdade de interpretação prévia das leis sociais, foi aconselhada pela nossa própria experiência administrativa. Desde que se fundou o Ministério do Trabalho, esta faculdade de fixar, de modo geral, a interpretação das leis sociais, tem sido exercida, sem interrupção, pelo ministro. De todos os pontos do país afluem “para ele ofícios e telegramas das Juntas de Conciliação, das Comissões Mistas, das Inspetorias Regionais, do Ministério ou das associações de classe e sindicatos profissionais, consultando sôbre a inteligência dos textos obscuros ou sôbre as lacunas das leis sociais. Se o ministro toma conhecimento da consulta, a interpretação adotada é publicada e torna-se jurisprudência administrativa e norma geral, pois que obedecida por tôdas as repartições do Ministério, associações de classe e emprêsas interessadas. Este o regime dominante na nossa tradição administrativa”. Omissis. “Note-se que o projeto não institui, nesta competência para a interpretação genérica, que êle confere ao Tribunal Nacional do Trabalho, aquilo que, BARTHELEMY chama o poder de interpretação regulamentar, isto é, o poder de editar, in abstracto, interpretações obrigatórias para os tribunais inferiores (v. BARTHELEMY, “Traité de Droit Constitutionnel”, págs. 888-889). Porque não é obrigatória a interpretação fixada pelo Tribunal Nacional. Ela constitui apenas uma orientação geral; mas, sem dúvida, uma orientação segura e autorizada para todos os interessados na aplicação das leis trabalhistas, sujeitos à jurisdição dos tribunais do trabalho. Também não são rigorosamente obrigatórias as interpretações genéricas, emanadas atualmente do Ministério do Trabalho, em resposta às consultas que lhe fazem de todos os pontos do país; mas ninguém poderá negar a fecundidade e a utilidade destas interpretações in abstracto, por êle dadas até agora; dos pontos controversos, por obscuros ou omissos, das nossas leis sociais” (in “REVISTA FORENSE”, vol. 75, págs. 449-464).
Entretanto, apesar dessa justificativa, extremamente empenhada em conciliar a inovação com a nossa tradição constitucional, em que pêse ao regime então vigente, o preceito não vingou no dec.-lei n. 1.237, de 2 de maio de 1939; que instituiu a Justiça do Trabalho no Brasil, pela primeira vez, se bem que promulgado durante o decurso do chamado Estado Novo, com sua organização anômala, o que mereceu, implicitamente, louvores do professor VALDEMAR FERREIRA,13 que comentou, com notável erudição, aquêle diploma (págs. 303 a 313, n. 242).
O regulamento baixado com o decreto n. 6.596, de 12 de dezembro de 1940 também silenciou sôbre a matéria, ainda que haja introduzido grandes alterações, de ordem substancial, no mencionado decreto-lei.
Mas, mesmo em face dos precedentes, dentro da legislação especializada, sobretudo levando em conta o alvitre mencionado e não acolhido na elaboração do referido dec.-lei n. 1.237, a Consolidação das Leis do Trabalho houve por bem em inserir o instituto do prejulgado, mas com feitio diferente do prescrito na justiça comum, conforme o art. 902, em seu texto originário (“Diário Oficial” da União, de 9 de agôsto de 1943, e “Coleção das Leis”, ano 1943, vol. 5°, pág. 378)
“É facultado à Procuradoria da Justiça do Trabalho promover o pronunciamento prévio da Câmara de Justiça do Trabalho, sôbre a interpretação de qualquer norma jurídica, se reconhecer que sôbre ela ocorre, ou poderá ocorrer, divergência de interpretação entre os Conselhos Regionais do Trabalho.
§ 1° Sempre que o estabelecimento do prejulgado fôr pedido em processo sôbre o qual já haja pronunciado o Conselho Regional do Trabalho, deverá o requerimento ser apresentado dentro do prazo de 10 dias contados da data em que fôr publicada a decisão.
§ 2° O prejulgado será requerido pela Procuradoria em fundamentada exposição, que será entregue ao presidente do órgão junto ao qual funcione. Antes do pronunciamento da Câmara de Justiça do Trabalho, será obrigatória a audiência da Procuradoria Geral, desde que o prejulgado tenha sido requerido por Procuradoria Regional.
§ 3° O requerimento de prejulgado terá efeito suspensivo sempre que pedido na forma do § 1° dêste artigo.
§ 4° Uma vez estabelecido o prejulgado, os Conselhos Regionais do Trabalho, as Juntas de Conciliação e Julgamento, e os juízes de direito, investidos da jurisdição da Justiça do Trabalho, ficarão obrigados a respeitá-lo.
§ 5° Considera-se revogado ou reformado o prejulgado sempre que a Câmara de Justiça do Trabalho, funcionando completamente, pronunciar-se, em tese ou em concreto, sôbre a hipótese do prejulgado, firmando nova interpretação. Em tais casos, o acórdão fará remissão expressa à alteração ou revogação do prejulgado”.
Esta redação prevaleceu até á promulgação dos decs.-leis ns. 8.737, de 19 de janeiro, e 9.797, de 9 de setembro, ambos de 1946, sendo cancelados os §§ 1°, 2° e 3°, passando os antigos 4° e 5° a ser os novos §§ 1° e 2°, para estabelecer-se o seguinte teor:
“Art. 902. É facultado ao Tribunal Superior do Trabalho estabelecer prejulgados, na forma que prescrever o seu regimento”.
O § 1° idêntico ao antigo § 4°, substituindo-se Conselhos por Tribunais; § 2° idêntico ao antigo § 5°, substituindo-se Câmara de Justiça do Trabalho por Tribunal Superior do Trabalho.
Conforme se verifica, confrontando-se os dois textos, o caput do artigo sofreu profunda transformação, sem indicar quais os pressupostos precisos do prejulgado, assunto de competência do regimento, que, na verdade, traçou as suas normas do seguinte modo (“Trabalho e Seguro Social”, vol. 22, pág. 149):
“Art. 138. A requerimento de qualquer de seus membros, é facultado ao Tribunal Superior do Trabalho pronunciar-se previamente, quando do julgamento dos recursos, ou conhecimento oficial de decisões dos tribunais inferiores, sôbre a interpretação de qualquer norma jurídica, se reconhecer que sôbre ela ocorre, ou poderá ocorrer, divergência de interpretação entre os Tribunais Regionais do Trabalho.
Art. 139. O requerimento, devidamente fundamentado por escrito, será autuado e submetido ao presidente do Tribunal, que determinará à Secretaria a distribuição de cópias a todos os juízes, após a audiência da Procuradoria da Justiça do Trabalho.
Parág. único. O julgamento realizar-se-á, pelo menos, três dias após a distribuição das cópias, designando-se relator o autor da proposta.
Art. 140. Submetido o requerimento à deliberação do Tribunal, uma vez aprovado, sobrestado ficará o andamento do feito, lavrando ò acórdão, se fôr voto vencedor, o relator. Os votos vencidos poderão ser fundamentados.
Art. 141. O prejulgado só poderá ser estabelecido, revogado ou reformado pelo voto de oito juízes.
Art. 142. Estabelecido o prejulgado, e para que se observe, em caráter obrigatório, o que nêle se fixar, serão enviadas cópias da decisão aos Tribunais Regionais do Trabalho, que, a seu turno, as transmitirão às demais autoridades da Justiça do Trabalho.
Art. 143. Considera-se revogado ou reformado o prejulgado sempre que o Tribunal Superior do Trabalho, funcionando completo, se pronunciar, na forma do art. 141, em tese ou em concreto, sôbre a hipótese do prejulgado, firmando nova interpretação. Em tais casos, o acórdão fará remissão expressa à alteração ou revogação do prejulgado”.
Observa-se, pois, que o prejulgado trabalhista apresenta os seguintes característicos:
a) é uma faculdade concedida, apenas, a qualquer membro do Tribunal Superior do Trabalho;
b) é um pronunciamento prévio;
c) é possível no julgamento dos recursos ou quando houver conhecimento oficial de decisões de tribunais inferiores, sôbre a interpretação de qualquer norma jurídica;
d) é pertinente quando ocorra, ou possa ocorrer, divergência de interpretação entre os Tribunais Regionais do Trabalho;
e) deve ser estabelecido, no mínimo, por cinco votos;
f) determina a sobrestância do feito, se aprovado;
g) tem caráter obrigatório aos órgãos inferiores, no caso sub judice e em qualquer outro;
h) sòmente pode ser revogado, quando o Tribunal Superior funcione completo, manifestando-se, expressamente, sôbre o mesmo assunto, em tese ou em concreto, no mínimo por oito votos dos presentes, devendo o acórdão fazer remissão à alteração ou revogação do prejulgado.
3. A diferença entre os dois sistemas.
O prejulgado acolhido pela Consolidação das Leis do Trabalho, no seu art. 902 e §§, sobretudo em face dos requisitos dos arts. 138 a 143 do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho, difere, substancialmente, do instituto homônimo sufragado pelo Cód. de Proc. Civil, no artigo 861, e se distancia, também, da medida tentada no primitivo Projeto de Organização da Justiça do Trabalho, de 1938.
Realmente, notam-se as seguintes diferenças entre os dois institutos: a) na Justiça do Trabalho, a competência – de provocação e julgamento – é privativa do Tribunal Superior do Trabalho; na justiça comum, a competência de provocação é de uma Câmara, ou Turma, e a de julgamento é das Câmaras Reunidas do Tribunal Federal de Recursos e de qualquer Tribunal de Justiça, sendo que, por seu objetivo, entendemos cabível, também, no Supremo Tribunal Federal (veja-se nosso estudo “Recurso de revista no Supremo Tribunal Federal. Lei n. 623”, in “Direito”, vol. 58); b) na Justiça do Trabalho, o pronunciamento prévio é tomado por ocasião de julgamento de um recurso (caso concreto ajuizado) ou quando houver conhecimento de divergência entre tribunais inferiores sôbre a interpretação de qualquer norma jurídica (in abstracto); na justiça comum, porém, aquela manifestação sòmente é pertinente antes do julgamento de um recurso (caso concreto) e nunca in abstracto; c) na Justiça do Trabalho, a deliberação obriga os tribunais inferiores no caso concreto e nos futuros, ajuizados ou que venham á ser ajuizados, desde que versem sôbre a mesma norma jurídica objeto do prejulgado; na justiça comum, a obrigatoriedade atinge, apenas, o caso concreto em que houve deliberação; d) na Justiça do Trabalho, o prejulgado sòmente se revoga ou se altera desde que funcione completo o Tribunal Superior do Trabalho é se manifeste expressamente sôbre o assunto; na justiça comum, inexiste, a rigor, revogação, nos moldes trabalhistas, podendo o pronunciamento do prejulgado ser, cassado no próprio feito, como qualquer outra decisão, por via de recurso de revista, (a favor, BILAC PINTO e LÚCIO BITTENCOURT, págs. 129-130; contra, SEABRA FAGUNDES,14 pág. 450, n. 46; MÁRIO GUIMARÃES,7 pág. 116, n. 80), por via de embargos ou de recurso extraordinário, conforme ocorram os pressupostos legais de cada remédio e sem que tenha influência alguma em caso idêntico mesmo para a Câmara, ou Turma, que o suscitou, e que lhe ficou subordinada.
Constata-se, assim, que, os efeitos do prejulgado, na Justiça do Trabalho, são muito mais fortes do que na justiça comum. Enquanto naquela a vinculação é absoluta para os órgãos inferiores e para o próprio Tribunal Superior do Trabalho, que deliberou a respeito (salvo a revogação segundo as normas rígidas fixadas), quer no caso concreto, quer nos futuros casos, na última, o âmbito é muito mais restrito, não ultrapassando o processo em que foi promovido.
Na Justiça do Trabalho, portanto, por seus reflexos, o prejulgado assume a feição acima da própria lei, porque esta ainda permite que cada juiz, ou tribunal, adote interpretação distinta, mesmo absurda, errada ou iníqua, sem que haja meios de impor uma determinada orientação, restando ao prejudicado usar o recurso cabível, para tentar a reforma da decisão. Mas, pelo prejulgado trabalhista, nenhum juiz, ou tribunal, inclusive o próprio Tribunal Superior do Trabalho, poderá decidir contràriamente à resolução adotada, mesmo que pense de modo diferente ou que entenda haver êrro ou injustiça. A coação é total, não admitindo qualquer divergência. Vale, portanto, mais do que a própria lei, tendo uma fôrça desconhecida para o império das normas jurídicas.
O juiz, normalmente, deve obedecer sòmente à lei, na sua acepção ampla. Havendo, porém, prejulgado, o juiz trabalhista fica cingido, não à lei, mas ao prejulgado, mesmo que êsse contrarie aquela, na idéia e no sentimento do magistrado.
Aliás, pode prefigurar-se estranha coincidência: um juiz de direito, que exerça função de juiz do trabalho, na ausência de Junta em sua comarca, é livre relativamente à interpretação do direito comum, em qualquer de seus ramos, sem submeter-se, obrigatoriamente, às decisões superiores, mas, na; instância especializada, que é a sua atividade excepcional, êle não é livre sujeito à orientação imprimida pelos prejulgados que o Tribunal Superior do Trabalho haja por bem pronunciar… O mesmo magistrado, sob a influência de princípios distintos e antagônicos, dependendo da natureza da causa…
Tal prestígio, ascendência e supremacia serão conciliáveis com o regime constitucional vigente no Brasil, sob a égide da doutrina de independência dos poderes? Não, como a seguir estudaremos.
4. A fôrça obrigatória da jurisprudência.
Modernamente, entre os escritores de maior renome universal, somente são consideradas fontes do direito objetivo a: lei, os costumes e os princípios gerais de direito; a primeira é a principal, a imediata; as outras são mediatas, secundárias, supletivas. A essas normas estão subordinados os indivíduos, em suas relações sociais, e o juiz, na sua função de decidir as controvérsias forenses. Em primeiro lugar, cabe respeitar a lei, interpretando-a e aplicando-a aos casos concretos; em sua falta, porém, devem ser invocadas, para suprir a lacuna, as outras fontes – costumes e princípios gerais de direito, – na ordem indicada e segundo o texto do artigo 4° da atual Lei de Introdução ao Cód. Civil brasileiro, em consonância com os Códigos de diversos povos cultos do ocidente (v. g., argentino, italiano, mexicano, etc.).
Tais fontes, portanto, são obrigatórias, exercem coercibilidade no meio social. Regem o comportamento dos cidadãos sob seu império. Não admitem escusas e nem podem ser desprezadas, transgredidas ou vulneradas.
Com a tendência sempre crescente da codificação das normas jurídicas, as citadas fontes subsidiárias vão diminuindo de prestígio e de eficácia, pois bem poucas serão as situações que deixam de ser previstas e reguladas pelo legislador de modo que, para a quase totalidade dos casos, restará apenas a lei, como expressão concreta da vontade e dos anseios de uma nacionalidade.
CLÓVIS BEVILÁQUA,15 com seu insuperável espírito de síntese, ensinava: “Com a sistematização do direito civil, porém, no Código em vigor desde 1° de janeiro de 1917, o direito legal não tem fontes subsidiárias. O Cód. Civil é um organismo, um corpo de lei, em que se aglutinam as normas referentes ao direito privado comum” (2ª ed., pág. 42, n. 29ª).
Entretanto, não se pode deixar de reconhecer que, ao lado, daquelas fontes, surge a jurisprudência, como fator preponderante da evolução jurídica de um povo, sobretudo quando se trata de aplicar uma legislação antiga, elaborada há longos anos, quando as condições modernas diferem das que imperavam na época de sua formação e do inicio de sua vigência, como, por exemplo, acontece com o nosso vetusto Cód. Comercial, que já completou um século, e com o próprio Cód. Civil brasileiro, cujas alterações esparsas ainda não conseguiram atingir, inteiramente, o âmago de sua estrutura, tornando-se, em muitos pontos, obsoleto, inusitado e, até mesmo, retrógrado.
Nesta emergência, a orientação dos tribunais apresenta um valor inestimável, pois vai atualizando concepções passadas, de modo a suprir, com a interpretação racional e renovadora, as falhas que venham surgindo.
Eis por que a jurisprudência é apontada como fonte subsidiária. A rigor, não pode ser considerada fonte, porque não tem caráter coativo, de modo que, fora da espécie sub judice em que foi aplicada, a jurisprudência exerce função intelectual persuasiva, não só pelos méritos intrínsecos que o julgado possa apresentar, como, também, pela reiteração do mesmo pronunciamento, servindo, aí, para exprimir o ponto de vista dominante da mentalidade média num determinado momento histórico.
Destina-se, assim, a jurisprudência a ser um elemento subsidiário na evolução do direito, que merece acatamento, que precisa ser auscultado, que deve constituir-se em roteiro, sem, porém, chegar ao extremo de impor-se com fôrça obrigatória. Em inúmeras ocasiões, a jurisprudência, a pretexto de interpretar texto de lei, o tem alterado e, pràticamente, o tem revogado. Mas nada impede que alguém se rebele contra uma orientação sistemática dos tribunais, agindo de maneira contrária, ou que um juiz, de qualquer categoria, se insurja contra as decisões superiores, em processos distintos, mesmo versando sôbre idêntica matéria, pois, na afirmativa do professor BRUNO DE MENDONÇA LIMA,16 “o fato de ser a jurisprudência uma fonte subsidiária do Direito, não quer dizer que ela deva ser servilmente seguida. É lícito, mesmo ao juiz da primeira instância, discuti-la, afastar-se dela e procurar, na intima convicção e na sua cultura, o verdadeiro sentido da lei”.
A jurisprudência se reveste de vital importância nos Estados em que se reconhece aos precedentes a função de regular as relações jurídicas em casos semelhantes, como acontece na Inglaterra e nos Estados Unidos da América do Norte, com os seus clássicos standards, que têm fôrça de lei. Mas isso é uma peculiaridade local, própria daqueles países, sobretudo na Inglaterra, que legou o sistema aos Estados Unidos, pela fôrça da herança, assim como. outros institutos e outros costumes, em que pese, porém, às profundas divergências de organização entre ambos, que também se notam noutros setores.
Na época atual, deixou de existir, na quase totalidade dos povos, o chamado poder pretoriano, pelo qual, em Roma, os juízes criavam direito, ao lado da lei, segundo a interpretação que lhes parecia, melhor e mais exata, dando-lhe fôrça obrigatória, para todo e qualquer caso idêntico.
Aquela regalia, porém, que tem, hodiernamente, aparatos de museu, é inconciliável com o sistema constitucional em que cada poder exerce, normalmente, suas funções específicas, pois a imposição da jurisprudência, para qualquer espécie, equivaleria a um ato legislativo, usurpando, portanto, á, atividade precípua do Poder Legislativo, como já acentuava, em luminoso acórdão, o saudoso desembargador SÁ PEREIRA: “Estas Câmaras repelem a tese de que a jurisprudência uniforme tem fôrça obrigatória de lei. Para tanto falece competência aos tribunais, por quanto legislar sôbre o direito civil, comercial e criminal da República é função privativa do Congresso Nacional. A função de julgar exige, no que a exerce, plena autonomia intelectual, que não encontra contra outros limites senão os que a própria lei lhe demarca” (“REVISTA FORENSE”, vol. 3°, pág. 48, e “Rev. de Direito”, vol. 64, pág. 122).
Esta é communis opinio. Num excesso de precaução, porém, o legislador do Código Civil francês houve por bem em estatuir, expressamente, que é vedado aos juízes de “prononcer pas voie de disposition générale et réglementaire sur les causes que leur sont soumises”. Na precisa lição de COLIN ET CAPITANT,17 “C’est là une conséquence du príncipe de la séparation des pouvoirs que le législateur révolutionnaire, désireux de prévenir tout empiétement des cores judiciaires analogue à ceux des anciens Parlaments, avait plus d’une fois consacrée déjà (V. Const. de 1791, tit. III, Chap. V, art. 3; Const. du 5 fructidor an III, art. 203). Les juges ne statuent donc que sur des espèces et l’interprétation de la loi qu’ils donnent à ce propos ne lie pas autres juridictions, fút-ces les juridictions inférieures de leur ressort, et ne les lie pas aux-mêmes pour une autre fois” (6ª ed., tomo I, pág. 38).
Igual opinião sustenta MARCEL PLANIOL:18 “Le pouvoir réglementaire est aujourd’hui réservé exclusivement aux représentants du pouvoir exécutif; les autorités judiciaires ne le possédent pas; leur décisions n’ont jamais qu’une autorité purement relative, c’est-à-dire qu’elles n’existent que pour les parties en cause. Les Cours dê Justice ont donc perdu le droit qu’elles avaient sous l’ancien régime de rendre des décisions obligatoires pour l’avenir et pour tout le monde dans leurs ressort. Ces décisions dites arrêts de règlement, étaient de véritables lois: les tribunaux ínférieures étaient obligés a les appliquer” (1ª ed., 1° vol., pág. 58, § 2°, n. 145). Pela lei de 24 de agôsto de 1790, foi proscrita aquela atividade aos juízes, sendo que a sua infração constitui delito, na forma do art. 127 do Cód. Penal francês. O consagrado civilista assevera, ainda, que a proibição se funda “sur le príncipe de la séparation des pouvoirs, qui dépuis 1789 domine toutes nos constitutions” (loc. cit.). No mesmo sentido, THÉOPHILE HUC, vol. 1°, págs. 170-172.
Tal regra era evidentemente ociosa, pois a mesma concretiza, apenas, preceito que é inerente à índole da interpretação judiciária. Tanto era desnecessária, que o antigo Cód. Civil italiano, em muitos pontos coincidente com o de NAPOLEÃO, não a repetiu, e nem por isso os.seus comentadores deixam de, sem discrepância, vedar ao juiz aquela prerrogativa, como salientam ESPÍNOLA-ESPÍNOLA FILHO,11 amparado em ROTONDI e FIORE (volume 3°, págs. 98 e 103).
A jurisprudência uniforme, com fôrça obrigatória, esterilizaria o direito, estratificando-o, do mesmo modo como a lei se poderia tornar letra morta, se não fôsse vivificada pela jurisprudência, mas não fixa. Como a tendência é para não se operar mudança brusca e seguida na orientação dos tribunais, centros que são de mentalidade equilibrada e conservadora, se à jurisprudência se concedesse o poder de obrigar, os prejuízos seriam muito maiores, porque, daí por diante, haveria dificuldade em se adotar outra diretriz, até que ocorressem os requisitos legais que autorizassem a alteração da interpretação antes sufragada.
As atividades judiciária e legislativa têm objetivos distintos: a primeira se volta para o passado, colhe seus elementos, para decidir, naquilo que já existiu; a segunda, pelo contrário, se dirige paia o futuro, atende às situações que se irão realizar. Os. juízes agem sob a impressão do caso concreto, dos fatos que se desenrolaram no processo, da personalidade das partes, de modo que a sua interpretação sôbre a norma jurídica aplicável e em debate recebe tôdas aquelas influências de ordem psicológica, muitas vêzes de modo inconsciente, sem que percebam seu reflexo nas sentenças. Os legisladores, porém, atuam, em regra, sob a impressão das necessidades gerais da coletividade, sofrendo os influxos imponderáveis do meio social e criando, então, as normas abstratas condizentes com as aspirações gerais.
Por conseguinte, a fôrça obrigatória da jurisprudência, como emanação dos órgãos do Poder Judiciário, se ressentiria de certa imparcialidade e de certo sentido impessoal, pois haveria sempre o risco de incidir a mesma solução sôbre situações que, na verdade, não fôssem completamente iguais, apesar das aparências de identidade, o que importaria, em última análise, em ser dado o mesmo tratamento para relações diferentes.
Os tribunais não podem impor sua jurisprudência coativamente, fora do caso sub judice, por deliberação própria, nem se permite que o próprio legislador, em face da organização constitucional vigente, outorgue tal privilégio aos órgãos judiciários, pois isso seria o mesmo que delegar funções de um poder ao outro, o que é vedado, como cânone constitucional moderno, de que é exemplo o art. 36, § 2°, da Constituição federal do Brasil de 1946.
Criar norma in abstracto é legislar. Legislar é função primordial do Poder Legislativo. Por exceção, o Poder Judiciário exerce ato legislativo (v. g., art. 97, n. II, primeira parte, da Constituição federal de 1946); por exceção, o Poder Legislativo exerce função judiciária (v. g., arts. 59, e incisos, e 62, e incisos, da Constituição federal de 1946). Isso ocorre porque cada poder não esgota tôda sua função específica (ver nossa conferência “O Poder Judiciário na Constituição federal de 1946”, in “REVISTA FORENSE”, vol. 112). Mas não se concebe que o Poder Judiciário, por qualquer dos órgãos, legisle, ou melhor, formule norma abstrata, salvo as exceções estatuídas, para prevalecer em caso futuro, da mesma forma como qualquer norma elaborada pelo Poder Legislativo, no exercício regular de suas funções, cumpridas as regras constitucionais.
Focando esta matéria à luz do direito constitucional de seu país; análogo ao nosso, EDUARDO COUTURE,20 jurista uruguaio de renome internacional, assim se manifesta: “Frente a nuestro texto constitucional, nosotros nos hemos detenido y hemos creído que escapa a las posibilidades del legislador instituir un modo de interpretación de la ley generalmente obligatorio. Hemos pensado que las formas de la ley son un elemento necesario de la misma y que no es posible que el legislador dê un permiso en Manco a un organismo qualquiera, aunque sea el judicial, con su tan alta autoridad intelectual y moral, para que expida verdaderas leyes, sin las garantias que fluyen del procedimiento parlamentario instituído en el cuerpo de la propia Constitución”. Omissis “Sin embargo, conviene no perder de vista que en ninguno de esos sistemas, ni aun bajo el régimen nacional socialista, las decisiones del tribunal tienen un valor absoluto general y obligatorio para los jueces inferiores” (vol. 1°, págs. 99-107).
Realmente, uma norma jurídica obrigatória, oriunda do Poder Judiciário, nasceria sem as formalidades prescritas pela Constituição para tôda a atividade legiferante, sobretudo por lhe faltar um requisito substancial num regime representativo: não ser elaborada pulos representantes do povo, e nem ser sancionada e promulgada pelo Poder Executivo.
No Brasil, quer no período sob o domínio lusitano, quer no Império, tivemos, na verdade, os assentos, que padeciam dos defeitos de serem decisões judiciárias com fôrça de lei, obrigando no caso concreto e nos futuros, sôbre a interpretação da mesma norma.
Foram criados pelas Ordenações, Livro 1, tit. 5, § 5°, e confirmados, principalmente, pela lei de 18 de agôsto de 1769 Lei da Boa Razão – no § 4°, que assim dispunha:
“Mando que a disposição delle estabeleça a praxe inviolável de julgar sem alteração alguma, qualquer que ella seja: E que os Assentos já estabelecidos, que tenho determinado, que sejão publicados, e os que se estabelecerem daqui em diante sôbre as interpretações das Leis, constituão Leis inalteráveis para sempre se observarem como taes debaixo das penas abaixo estabelecidas”.
O órgão competente para tomar assentos era a Casa da Suplicação de Lisboa. Em seus comentários à mencionada lei, CORREIA TELES21 anota que, “de 1769 a 1800, apenas se contam 58 assentos da Casa da Suplicação; e desde então para cá poucos mais se têm tomado. Isto prova a pouca observância dessa lei” (volume 2°, pág. 450).
Tal prerrogativa era, porém, possível no regime então vigente. Segundo BORGES CARNEIRO,22 “sòmente o rei (hoje as Côrtes) pode interpretar, ampliar ou restringir a lei portuguêsa, ou quaisquer ordens régias. Essa atribuição régia foi pelo Sr. rei D. Manuel cometida à Casa da Suplicação, que a exercita; por seus assentos” (tomo 1°, pág. 18, n. 2), com o apoio posterior de JOAQUIM RIBAS23 (volume 1° págs. 121-122).
Compreende-se, assim, que, pela organização da monarquia portuguêsa, com seu despotismo, a Casa da Suplicação de Lisboa agisse em nome do rei, em cumprimento a disposição de ato que o soberano expedira no pleno exercício de sua autoridade suprema. Apesar dos têrmos categóricos daqueles dispositivos, havia quem entendesse que, apenas quando confirmados pelo rei, como, v.g., o de 9 de abril de 1772, os assentos tinham fôrça de lei. “Os demais mereciam, sem dúvida, mui grande autoridade; mas não tanto, como as leis” (LOURENÇO TRIGO LOUREIRO,24 tomo 1°, pág. 26, § 38). É, contudo, um ponto de vista isolado, que se afastou da interpretação generalizada dos textos acima referidos.
Proclamada a nossa independência e em plena metade do segundo reinado, o dec. n. 2.684, de 23 de outubro de 1875, e, posteriormente, o dec. n. 6.142, de 10 de março de 1876, declararam com fôrça de lei os assentos tomados na Casa da Suplicação de Lisboa, depois da criação da do Rio de Janeiro, até a época da independência, à exceção dos que foram derrogados pela legislação posterior, e determinaram sua incorporação à coleção das leis de cada ano, tendo execução logo que publicados.
Mas êsses diplomas se antepunham, indiscutivelmente, aos princípios básicos da Constituição imperial de 1824, porquanto, na opinião de PIMENTA BUENO, o seu mais abalizado intérprete, êle (o Poder Judiciário) não é autorizado a invadir as raias do Poder Legislativo, não tem por isso mesmo direito de decretar decisões por via de disposição geral, e só, sim, de estabelecê-las em relação à espécie que lhe é subordinada” (pág. 36, § 4°, n. 32). E noutro tônico: “A interpretação considerada em geral é a declaração, a explicação do sentido de lei, ou seja por via de autoridade, ou de doutrina judicial, ou doutrina comum, isto é, opinião dos sábios ou jurisconsultos. Há, pois, duas, e só duas, espécies de interpretação, por via de autoridade ou por via de doutrina, e elas são tão distintas, com sua importância, fôrça e efeitos, que não podem jamais ser confundidas. Interpretar a lei, por via de autoridade ou via legislativa, por medida geral, abstrata ou autêntica têrmos que são equivalentes, é determinar legítima e competentemente qual o verdadeiro sentido ou disposição que a lei encerra, e que deve ser observada, sem, mais dúvida ou hesitação, é em suma estabelecer o direito. Esta interpretação pertence essencial e exclusivamente ao Poder Legislativo, não só pela determinação expressa e categórica do artigo constitucional que desenvolvemos e do Ato Adicional, art. 25, como pela natureza de nosso govêrno, divisão e limites dos poderes políticos. Sem dúvida que, quando isso não fôsse mais que expresso, ainda assim mesmo resultaria dos princípios constitucionais, como uma conseqüência e necessidade indeclinável. Só o poder que faz a lei é o único competente para declarar, por via de autoridade ou por disposição geral obrigatória, o pensamento, o preceito dela. Só êle e exclusivamente êle é quem tem o direito de interpretar o seu próprio ato, suas próprias vistas, sua vontade e seus fins. Nenhum outro poder terra o direito de interpretar por igual modo, já porque nenhuma lei lhe deu essa faculdade, já porque seria absurdo a que lhe desse” (vol. 1°, páginas 69-70, § 2°, ns. 84 e 85). O trecho final dó jurista brasileiro se harmoniza com o pensamento de JEAN CRUET, inscrito no frontispício dêste capítulo, o que demonstra a generalização da mesma idéia fundamental.
Sob a influência da legislação vigente no Império, CARLOS DE CARVALHO26 incluiu, entre as fontes do direito civil, “os assentos tomados na Casa da Suplicação de Lisboa até a época da independência do Brasil, não obstante a criação da do Rio de Janeiro e sem prejuízo dos casos julgados contra êles de 1808 a 23 de outubro de 1875” (art. 5°, c, pág. 3).
Entretanto, pelo regime republicano instituído na Constituição de 24 de fevereiro de 1891, reeditado nas demais Cartas Magnas brasileiras, os assentos não poderiam persistir, porque infringiriam a estrutura fundamental de nosso ordenamento. Não mais era possível, na lição de JOÃO MENDES, “associar o Poder Judiciário ao Poder Legislativo e que, portanto, essa atribuição de tomar assentos não pode ser conferida aos tribunais, quer federais, quer estaduais” (“As formas da praxe forense”, in “Rev. da Faculdade de Direito de São Paulo”, vol. 12, pág. 11, apud VALDEMAR FERREIRA,13 1ª pág. 312).
De modo incisivo, expressa-se PONTES DE MIRANDA:27 “No Império; o Supremo Tribunal tinha autoridade para tomar assentos, destinados a firmar a interpretação das leis. Porém, na República, arrebentou-se êste funcionamento autoritário da elaboração da lei, com o que, certamente, ganhou a evolução social” (pág. 94, n. II).
Daí por diante, a interpretação judiciária, dentro da divisão clássica, passou a ter influência, meramente intelectual, podendo, apenas, aparentar obrigatoriedade, desde que reiterada, sucessivamente, em processos idênticos, mas sem que, na realidade, se vislumbre coação legal, nada obstando que a uniformidade, por mais surpreendente, integral e antiga, seja, em qualquer momento e em qualquer feito, contrariada e retificada.
Na prática; observa-se certa submissão de alguns juízes, ora pelo, feitio próprio de sua personalidade, considerando de seu dever acatar os pronunciamentos pacíficos dos órgãos superiores; ora pelo temor de cair no desagrado das instâncias altas; ora para conseguir o presuntivo merecimento decorrente do maior número de decisões suas confirmadas em grau de recurso; ora por inércia, por comodismo, por desídia, preferindo não ter o afã de pensar, de meditar, de conjeturar, bastando compulsar, sem grande esfôrço, os repositórios de jurisprudência, de manuseio mais fácil e mais rápido do que as obras de doutrina, que fornecem o cabedal dos verdadeiros juristas.
Na Alemanha, diminui o denominado culto dos precedentes, o que constituiu motivo para elogio de MAX RUMPF, como índice do progresso da magistratura teuta.
Mas a coação da jurisprudência uniforme é puramente moral. Custa, na verdade, a ser enfrentada e alterada. O juiz, porém, que não a aplica – e não se pode dizer que a desobedece, pois inexiste a obrigação de respeita-la, – não fere nenhum texto de lei, não ofende os órgãos superiores, não incide em nenhuma sanção penal ou disciplinar, sofrendo, apenas, o risco de ser provido o recurso porventura interposto. Na ponderação de LEVY-ULMANN, a respeito do sistema francês, “a última palavra é da Côrte de Cassação, mas não é menos certo que, se a questão se apresenta diante do mais intimo tribunal de primeira instância da nossa província mais longínqua, êste colégio judiciário pode, enfrentando a Côrte Suprema, dar uma solução contrária à que deram as Câmaras Reunidas. Sem dúvida, a hipótese é teórica; mas o tribunal, que não se inclina diante da jurisprudência dê nossa Côrte Suprema, não comete uma ilegalidade”. (apud ESPÍNOLA-ESPÍNOLA FILHO11, vol. 3°, página 112).
Tanto as decisões judiciárias no Brasil, sòmente têm eficácia, por si mesmas, aos casos concretos; que a Constituição federal de 1946, no art. 84, repetindo, e essência, o art. 91, n. IV, da Carta de 1934 outorga ao Senado Federal – tomo do Poder Legislativo – a competência para suspender a execução, no todo ou em parte, de lei ou decreto declarados inconstitucionais por decisão definitiva do Supremo Tribunal”. Assim sendo, não é suficiente o pronunciamento do pretório excelso para cassar, in abstracto; os efeitos de lei ou decreto considerados inconstitucionais. Se não houver a providência da Câmara Alta da República, a decisão apenas se refletirá sôbre o caso sub judice, podendo a mesma lei ou o mesmo decreto ser aplicados noutra espécie, sem qualquer subordinação dos órgãos inferiores ao aresto do Supremo Tribunal Federal. Se, porém, o Senado suspender sua execução, o diploma não mais poderá ser aplicado, salvo se fôr restaurado.
Na Argentina, porém, a situação é diferente, em face do texto expresso do art. 95, 3ª parte da Constituição federal de 11 de março de 1949, que prescreve:
“La interpretación que la Corte Suprema de Justicia haga de los artículos de la Constitución por recurso extraordìnario, y de los códigos y leyes por recurso de casaçión, será aplicada obligatoriamente por los juecés y tribunales nacionales y provincialps”.
Como é norma excepcional, frente ao princípio da separação dos poderes que informa aquela Carta, foi necessária sua estipulação categórica, sob pena da ascendência coativa não se justificar.
5. A inconstitucionalidade dó prejulgado trabalhista
O traço principal do prejulgado trabalhista, segundo apontamos nos itens 2 e 3 dêste trabalho, é, sem dúvida, a faculdade concedida ao Tribunal Superior do Trabalho de interpretar, in abstracto, determinada norma jurídica, com fôrça obrigatória, não só para o caso concreto, se houver, como para processos futuros, em que se debata a aplicação do mesmo preceito.
A simples incidência no caso concreto não teria qualquer significação censurável, pois, nessa hipótese, a medida se equipararia integralmente, ao prejulgado do Código de Proc. Civil (art. 851), Entretanto, a extensão a casos futuros, coativamente, quer para o próprio Tribunal Superior do Trabalho, quer para as instâncias inferiores (art. 902 e §§ da Consolidação das Leis do Trabalho), é que se torna aberrante dos princípios fundamentais que informam a nossa organização constitucional, em sintonia com a própria consciência universal dos regimes democráticos.
A literatura especializada em tôrno do assunto é escassa. Dos comentadores da Consolidação, apenas WILSON SOUSA CAMPOS BATALHA28 foca a matéria, concluindo pela constitucionalidade do instituto (título VI do cap. III, cuja exposição foi publicada, também, in “Revista do Trabalho”, vol. 18, págs. 12 a 15). Os demais intérpretes, em obras de fôlego ou em estudos esparsos, silenciam a respeito deste ponto crucial do tema. Antes da vigência da Consolidação das Leis do Trabalho, existe crítica candente de VALDEMAR FERREIRA,13 relativamente ao Projeto de Lei Orgânica da Justiça do Trabalho do Brasil, que tentou outorgar-lhe competência para “determinar, de maneira genérica, a interpretação das leis, cuja aplicação lhe incumba” (art. 2°, b, in “REVISTA FORENSE”, vol. 75, pág. 465), o que, porém, não se concretizou em texto do antigo dec.-lei n. 1.237, de 2 de maio de 1939 (págs. 303 a 313, n. 242). A rigor, as observações do consagrado mestre paulista não se dirigiam a dispositivo legal. Mas se tornaram valiosas com relação à Consolidação das Leis do Trabalho, por haver acolhido a providência nos moldes preconizados no dito projeto.
O prejulgado trabalhista, desde a primitiva providência para sua criação, tem sido equiparado ao jus praetorium dos romanos (cf. projeto cit., in “REVISTA FORENSE”, vol. 75, pág. 458; WILSON BATALHA,28 pág. 475). Entretanto, como já afirmamos, êste privilégio não sé coaduna com a mentalidade contemporânea. Trata-se de conferir ao juiz – ou aos órgãos judiciários – o poder de fazer leis, a pretexto de interpretar norma jurídica, desde que se vincule aos casos vindouros. Sôbre o assunto, assim explana o professar VICENTE RAO:4 “O chamado poder pretoriano da jurisprudência só pode ser admitido, formalmente, no sentido dos tribunais possuírem e exercerem uma faculdade ampla de criação jurídica, em caso de silêncio, insuficiência, ou êrro das leis ou normas jurídicas outras; mas mesmo esta faculdade é por êles exercida por modo concreto, para cada caso, sem obrigatoriedade futura e necessária” (vol. 1°, tomo II, pág. 567, n. 363).
Tanto a nossa índole e as nossas tradições repelem iniciativas dêsse feitio, que a própria Exposição de motivos, que acompanhou o projeto de 1938, não ousou sugerir a medida como a prescreveu a Consolidação das Leis do Trabalho. Seria, apenas, “uma orientação segura e autorizada”, para manter o sistema da prática administrativa seguida pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Notava-se, portanto, a preocupação de dar à Justiça do Trabalho um cunho essencialmente administrativo, do qual se foi libertando pouco a pouco, inclusive quando vigorava a Carta de 1937, para, finalmente, extinguir-se; por completo, a errônea concepção, depois de promulgada a Constituição federal de 18 de setembro de 1946, na qual se firmou, por texto expresso, a sua posição verdadeira (ver nosso artigo “Conceito, natureza e importância da Justiça do Trabalho”, in “Trabalho e Seguro Social”, volume 20, pág. 78).
E naquele trabalho preliminar ainda se declarou, categòricamente, que não se tratava de transplantar, para o nosso meio, o chamado poder de interpretação regulamentar ou, na linguagem técnica dos franceses, arrêts de règlement, porquanto, nas palavras de seus autores, “não é obrigatória a interpretação dada pelo Tribunal Nacional”. E já vimos que, nem mesmo em França, aquela forma de interpretação subsiste, sendo relegada a simples fato histórico. Apesar de insistente sugestão; apesar do regime anômalo da Carta de 1937, quando a delegação de poderes passou a ser expressamente permitida, numa deturpação inédita em nosso país (v.g., art. 12); apesar das origens administrativas da Justiça do Trabalho – nem por isso, por todos êstes fatôres favoráveis, o legislador do primeiro diploma – o dec.-lei n. 1.237, de 2 de maio de 1939 – inseriu a esdrúxula providência, preferindo evitar a nociva experiência.
Demonstrando sua visível repulsa à tentativa do projeto, VALDEMAR FERREIRA13 escreve incisivamente: “Podendo, no regime político atual, os tribunais trabalhistas e outros órgãos, estatais ou não, exercer funções delegadas de poder público – de espantar não seria que se lhes conferisse poder bastante para interpretar genericamente as leis, cuja aplicação lhes incumba, e a essa interpretação se atribuísse fôrça obrigatória. Seria isso consentâneo com o regime ditatorial, em que a teoria da inconstitucionalidade das leis sofreu completa subversão”. Omissis “Agora é diferente. O presidente da República é a autoridade suprema do Estado. Coordena a atividade dos órgãos representativos de grau superior, etc… A delegação de atribuições é a regra… Não seria de causar mossa, pois, a delegação nesse sentido com a outorga à Justiça do Trabalho do poder de interpretar, genericamente, as leis que houvesse de aplicar, com o propósito de evitar a diversidade das interpretações” (págs. 303 e 313-315, respectivamente).
Entretanto, o legislador da Consolidação das Leis do Trabalho não resistiu à tentação e transformou a tênue providência do projeto em norma drástica, de caráter obrigatório, desde sua redação primitiva até o texto ora em vigor, com as alterações citadas no n. 2 dêste capítulo.
O regime e seus principais detentores e orientadores eram os mesmos em 1939 ano da promulgação do dec.-lei n. 1.237 – e em 1943 – ano da promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho. Apenas na primeira oportunidade, o legislador deixou de usar de um poder que a Carta de 1937 permitia, qual seja o da delegação. Mas nada impedia que retrocedesse em seus propósitos, como, realmente, fêz, para delegar a um órgão de instituição judiciária a função de interpretar, genericamente, a lei, importando isso, em última análise, em atividade legislativa. Por sinal que, durante tôda a vigência daquela Carta – 10 de novembro de 1937 a 17 de setembro de 1946, – a função legislativa foi sempre exercida por poder estranho, isso é, pelo presidente da República, titular do Poder Executivo, com a expedição dos decretos-leis, porque fechado se conservou o Congresso Nacional, salvo depois do golpe de 29 de outubro de 1945, mas reunido como Assembléia Nacional Constituinte, de 30 de janeiro a 18 de setembro de 1946.
Assim sendo, a Consolidação das Leis do Trabalho, no seu primeiro texto e nas transformações imprimidas pelo decreto-lei n. 8.737, podia acolher a providência consubstanciada no art. 902 e § 3°, porque o regime da época amparava a delegação. Era um sinal dos tempos. Uma situação normal em face da anormalidade imperante. Não havia defeito, porque o vício de origem o anulava, tornando-o, apesar de tudo, perfeitamente legal.
Entretanto, desde que entrou em vigor a Constituição federal de 18 de setembro de 1946, o mencionado art. 902 e §§ deixaram de prevalecer, no tocante à fôrça obrigatória do prejulgado para o Tribunal Superior do Trabalho e para as instâncias Inferiores em casos futuros. O art. 36, § 2°, da Lei Maior não enseja esta vinculação.
Daí por diante, não se pode tornar mais o juiz criador de normas jurídicas, por via de interpretação coativa. “Legislando como o legislador” – sustenta, magnificamente, JEAN CRUET2 – “o juiz não teria razão alguma de legislar melhor; como êle, e mais do que êle, sem dúvida, seria tentado a disfarçar em princípio abstrato tal ou tal solução de pura circunstância; como êle, e tanto como êle talvez, arriscar-se-ia, depois de ter minuciosamente resolvido os problemas imaginários destinados a nunca se apresentarem efetivamente, a passar, sem as ver, ao lado de grossas dificuldades, cuja existência logo viria a prática revelar-lhe brutalmente” (págs. 77-78).
Por sinal que a própria Constituição federal de 1946 configurou uma situação especial para a Justiça do Trabalho, no § 2° do art. 123:
“A lei especificará os casos em que as decisões, nos dissídios coletivos, poderão estabelecer normas e condições de trabalho”.
E a chamada função normativa da Justiça do Trabalho. Mesmo ai, porém, não há delegação de poder legislativo, como exceção ao citado art. 36, § 2°. No ensinamento sempre exato de PONTES DE MIRANDA,29 trata-se de “auto-reconhecimento da lacunosidade da lei: a lei deixa à Justiça a elaboração de regras sôbre certos assuntos e de disposições de ordem negocial, de modo que – por explícita norma constitucional – se reconhece que a Justiça do Trabalho edita regras jurídicas (imperativas; dispositivas; ou interpretativas dos negócios jurídicos – não das leis!) e regras dos negócios (cláusulas, como se costuma dizer), nos casos (isso é, assuntos) especificados em lei. Certamente nos casos do art. 123, § 2°, deixa de haver correspondência subjetivo-objetiva na discriminação dos poderes, mas a operação é a seguinte: a Constituição permite ao Poder Legislativo, ao Congresso Nacional, legislar até onde queira, e atendendo a que as regras reveladas pela Justiça do Trabalho, que tem a mesma função reveladora que a Justiça ordinária, precisam de sanções – enérgicas e indiscutíveis – dá à Justiça do Trabalho a edição de tais normas mais enérgicas nos casos que a lei apontar. Tal função legislativa da Justiça do Trabalho – especialização da função reveladora do direito, que, no interpretar as leis, tem tôda a justiça – coexiste com essa função ordinária, que ela, na verdade, apenas reforça. A justificação dessa atividade juriferante da Justiça do Trabalho não lhe advém da contingência sociológica de que a lei é iniciativa e os juízes revelam, senão a sua plenitude, pelo menos a sua extensão, o seu campo de incidência, de modo que aplicar, significando que se aplica o que, incidiu, tende a valer como revelação da incidência. É a Constituição que lhe, permite editar normas: não é a título e interpretação; é a título de legislação ou de captação técnica dos usos e costumes negociais” (vol. 2°, págs. 319-320, n. 5).
Eis, ainda, a lição de EDUARDO ESPÍNOLA30: “As decisões do Poder Judiciário restringem-se ao Caso concreto. A sententia judicis não contém uma declaração geral, produz efeito apenas entre os litigantes, e pelo menos de modo direto. Julgou conveniente a Constituição admitir que a lei ordinária, em certos casos, atribuísse maior significação e mais amplos efeitos às decisões dos dissídios coletivos, determinando que essas decisões sirvam de normas e condições do trabalho, com aplicação e efeitos além do caso julgado” (vol. 2°, pág. 502, n. 4).
Por conseguinte, mesmo por via da função normativa, a Justiça do Trabalho, nos dissídios coletivos, não estabelece interpretação de lei com fôrça obrigatória, mas Se restringe aos negócios, aos contratos, às condições econômicas dos litigantes, estendendo-as a outros membros, da mesma categoria, por motivos de alta relevância social, que sobrepaira os interêsses individuais.
As normas, assim declaradas, atuam na ausência de disposição de lei a respeito da matéria, não podendo, porém, em caso contrário, alterar ou revogar a lei, porque onde esta exista desaparece a competência daquelas. Enfim, a função normativa se cifra à edição de regras sôbre negócios jurídicos e não sôbre a aplicação de leis. Salvaguarda-se, portanto, a pureza dos postulados que regem a doutrina da separação dos poderes, mesmo em face das atenuações que o pensamento moderno tem imprimido à clássica instituição de LOCKE e MONTESQUIEU.
Igualmente, não se pode equiparar o alcance do art. 902 e §§ da Consolidação das Leis do Trabalho com o recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, com o fim de uniformizar a jurisprudência (Constituição de 1937 e Constituição de 1946, art. 101, n. II, d), porque, ao invés do que foi alegado, não há naquela espécie observância obrigatória, como resultante de imperativo constitucional (“Do prejulgado”, de AMÉRICO FERREIRA LOPES, in “Rev. do Trabalho”, vol. 12, pág. 137). O pretório excelso se cinge, entre duas interpretações divergentes, a aplicar a tese que entenda correta, cassando a decisão recorrida, se a anterior é a certa, ou mantendo a atual, se a precedente é errada. Mas tal aresto não obriga nenhum outro tribunal inferior, nem mesmo o próprio Supremo, em caso Idêntico. Tem, apenas, persuasão morai ou cultural, sem qualquer outra conseqüência de ordem legal.
A uniformização da jurisprudência vale, tão-sòmente, como imposição de fato, de modo que a reiteração permanente adquire aspecto de interpretação do dispositivo legal mas sem que haja, na realidade, sentido imperativo que não possa ser contrariado. Os assentos, por suas origens e requisitos especiais de que se revestiam, alcançavam coercibilidade, o que se verifica, ainda, em Portugal, porquanto, no dizer de JOSÉ ALBERTO DOS REIS,32 “os tribunais estão perante a doutrina dos assentos, como estariam perante a disposição duma lei que viesse á, esclarecer a dúvida, que viesse a interpretar o texto obscuro. É que, na verdade, a função do assento é precisamente a da lei interpretativa”. Omissis “Portanto, em tôdas as decisões que venham a ser proferidas posteriormente ao assento, êste tem de ser acatado e aplicado” (“Breve Estudo sôbre a Reforma do Processo Civil e Comercial”, pág. 683, n. 94).
Mas tais efeitos são desconhecidos entre nós, porque atentariam contra a nossa formação constitucional. As medidas que visem a impedir a insegurança decorrente das vacilações e incertezas dos tribunais sôbre a aplicação de determinada norma jurídica são louváveis e aconselháveis, impondo-se ao processo sub judice e servindo de orientação futura, que tende a manter-se imutável, ao menos por algum tempo, mas não subtraem à interpretação judiciária os seus traços típicos de interpretação prática e concreta, com fôrça obrigatória para o caso, que determinou tal interpretação e para as partes nêle envolvidas, sem qualquer obrigatoriedade geral, não influindo forçosamente para outros casos; mesmo iguais” (cf. ESPÍNOLA-ESPÍNOLA FILHO,11 vol. 3°, página 120, n. 17).
A situação sui generis do prejulgado trabalhista mereceu rápida, mas desdenhosa, censura do professor JOSÉ OLIMPIO DE CASTRO FILHO:32 “Contudo, na Justiça do Trabalho, como que duvidando disso (da ausência de vinculação do prejulgado a outros casos), a Consolidação das Leis do Trabalho fixou, peremptòriamente, a obrigatoriedade do pronunciamento do Tribunal Superior do Trabalho para os Tribunais Regionais, às Juntas de Conciliação e os juízes de direito (art. 902)”.
Além do vício intrínseco que apresenta ó prejulgado trabalhista, outro defeito pode ser apontado. Para ser tomada a decisão, como prejulgado, o Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho art. 141 – exige apenas que seja estabelecida no mínimo por oito votos, sem necessidade de maior presença de ministros. Entretanto, para ser reformado ou revogado o prejulgado antes firmado, o § 3° do mesmo artigo impõe que o Tribunal Superior do Trabalho funcione completo, devendo, ainda, pronunciar-se sôbre a hipótese do prejulgado e fazer remissão expressa à sua alteração ou revogação, respeitado, porém, aquêle quorum para a votação (art. 141 cit.).
Assim sendo, dificilmente, na prática, se obterá a cassação de prejulgado trabalhista. Basta faltar um membro para que não possa ser debatida nova interpretação sôbre a matéria que fôra objeto de prejulgado. Mesmo que presentes estejam todos os ministros, é necessário que haja referência expressa ao propósito de alterar ou revogar o prejulgado anterior. Se, porventura, ocorrer nova interpretação, mas sem a indicação precisa de que há a intenção de altera-lo ou revoga-lo, o prejulgado subsiste, sobrepondo-se, portanto, à nova decisão, que, a rigor, pelo sistema imperante, não poderá gerar efeitos, porque o pronunciamento anterior vincula o próprio Tribunal Superior do Trabalho nos casos futuros. Isso prova que, se, teòricamente o prejulgado trabalhista pode ser cassado, na realidade, porém, é quase impossível de verificar-se, o que importa, em ultima ratio, em tornar sua obrigatoriedade extremamente duradoura, de modo a produzir conseqüências perniciosas, pois, antes de servir como instituto controlador das influências benéficas da estabilidade relativa da jurisprudência – tão decantada pelos seus prosélitos, – se transformará em fonte de estagnação da norma jurídica dentro dos tribunais, sem meios práticos de alcançar a indispensável adaptabilidade à evolução social, que sòmente se realizará pela atividade sem freios dos órgãos do Poder Judiciário, submissos, apenas, ao império da lei.
Não procede, outrossim, o argumento de que, cabendo ao Supremo Tribunal Federal, por via do recurso extraordinário, a última palavra sôbre a interpretação da Constituição e das leis federais, no tocante à aplicação e à validade, o prejulgado do Tribunal Superior do Trabalho ficará sujeito àquele exame. Entretanto, não é suficiente êste contrôle. Isso apenas serviria para proteger os interesses de quem fosse prejudicado com a aplicação do prejulgado, trabalhista. Acima, porém, da situação individual das partes sobrepaira a ordem jurídica traçada para o Brasil. Não se pode criar e manter um instituto, evidentemente, inconstitucional, seja em qual fôr o diploma ou seja qual fôr o motivo, esperando-se que os lesados providenciem na correção dos erros decorrentes de sua aplicação. O mal deve ser extirpado em suas origens e não em seus efeitos. E essencial; que as partes, ao ingressarem nos pretórios, saibam que sòmente contam coxa remédios e medidas legais. A mácula do prejulgado trabalhista não pode ficar dependendo de haver ou não recurso extraordinário para o Supremo Tribunal, isso é, de ser, ou não interposto pelo litigante prejudicado. Enquanto, porém, não fôsse julgado o recurso extraordinário ou se nunca fôsse o mesma interposto, o prejulgado continuaria exercendo sua obrigatoriedade aos casos futuros e nas instâncias inferiores.
Além disso, como o prejulgado pode, ser suscitado fora de caso concreto, in abstracto, desde que qualquer ministro do Tribunal Superior do Trabalho tenha conhecimento de decisões divergentes de tribunais inferiores (art. 138 do Regimento Interno cit.), não haverá, nesta hipótese, prejudicado direto com o pronunciamento, de modo que o mesmo prevalecerá, devendo ser respeitado em casos futuros que, versem sôbre a mesma norma jurídica. O recurso extraordinário para o Supremo sòmente poderia surgir quando, num feito vindouro, fôsse aplicado o prejulgado, com prejuízo do vencido, desde que a fôrça daquela decisão haja sido o único fundamento da sentença. Enquanto isso, porém, o prejulgado exerceria pressão sôbre todos os juízes e tribunais inferiores, sem possibilidade de ser corrigido pelo pretório excelso, mesmo se contivesse qualquer êrro ou incongruência, até refletir-se num processo sub judice, percorrendo tôdas as demoradíssimas fases antes de chegar ao órgão máximo do Poder Judiciário.
A única hipótese de adotar o prejulgado na Justiça, do Trabalho seria dividir o Tribunal Superior do Trabalho em turmas ou quando o aumento da composição dos Tribunais Regionais permitisse, também, êste fracionamento. Sempre, portanto, que, nos processos submetidos a uma das parcelas, segundo a competência da lei ordinária, se verificasse a possibilidade de ocorrer divergência com interpretação anterior da outra turma ou do plenário, deveria ser provocado o pronunciamento do tribunal pleno, para ser fixada a melhor interpretação. Seria, pois, a aplicação, pura e simples, da providência contida no art. 861 do Cód. de Proc. Civil.
Finalmente, a discrepância dos órgãos inferiores da Justiça do Trabalho à interpretação dada pelo prejulgado não pode verificar-se com alcance prático. Mas se houver rebeldia, qual a conseqüência? Processualmente, a decisão será cassada, apenas por ser contrária ao prejulgado firmado (Tribunal Superior do Trabalho, acórdão de 4 de março de 1948, processo n. 8.336-47, in “Rev. do Trabalho”, volume 16, pág. 135. Note-se que o aresto é posterior à vigência da Constituição federal de 1946). Administrativamente, nenhuma, porque “la Câmara Bebe tener el sentido de su autoridad, pero no el sentido de su infalabilidad. Y menos, si esa infalibilidad la ha decretado ella mismu, por simples mayoria de votos” (EDUARDO COUTURE,20 20 pág. 107, n. 6).
Admitida a ação rescisória, nas instâncias trabalhistas, seria um dos seus casos, porque teria havido decisão contra literal disposição de lei – o art. 902 § 1°, da Consolidação das Leis do Trabalho, nos têrmos do art: 798, I, c, do Cód. de Proc. Civil, se aquêle dispositivo fôsse considerado constitucional. Em caso contrário, não teria cabimento a rescisória. É a solução preconizada no juízo comum, por PONTES DE MIRANDA,3-6 quando a Câmara, suscitante do prejulgado, despreza a solução ditada pelas Câmaras Reunidas (pág. 192, n. 7; vol. 5°, pág. 331). Mais se objetivaria o pressuposto, na Justiça do Trabalho, em face da vinculação a que se acham sujeitos os órgãos inferiores e até mesmo o próprio Tribunal Superior do Trabalho, quando estabelecido um prejulgado.
6. Processo: A Consolidação das Leis do Trabalho, em sua redação atual, preferiu cometer ao Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho a competência, para prescrever as formalidades do processo do prejulgado (n. 2 supra). Assim não era, em seu texto primitivo, quando, por sinal, o prejulgado sòmente podia ser provocado pela Procuradoria da Justiça do Trabalho.
Ad instar do Cód. de Proc. Civil, a Consolidação das Leis do Trabalho é muito parcimoniosa ao tratar do prejulgado. Apenas o citado regimento é que dita, na sua redação atual, a marcha da medida. Há que distinguir, porém, os dois casos em que se autoriza o suscitamento do prejulgado: no decorrer do julgamento de um processo, ou pelo simples conhecimento de divergência de tribunais inferiores.
Na primeira hipótese, o requerimento escrito e fundamentado do ministro deve ser formulado durante a sessão, desde que aponte decisões divergentes sôbre a matéria controvertida entre os Tribunais Regionais do Trabalho (art. 139). Cabe ao presidente, então, suspender a marcha do julgamento e submeter a plenário a proposta. Se o Tribunal entende que é caso de ser debatido o assunto, passa a deliberar, firmando prejulgado, para aplicar a tese aos autos. Se, porém, como preliminar, entende que não é caso de ser debatido o assunto, deixa de entrar no mérito do incidente, decidindo livremente a espécie.
Na segunda hipótese, desde que não se está realizando nenhuma reunião, o Tribunal deverá ser convocado para êste fim atuando do mesmo modo acima indicado.
A providência, pode ser suscitada por qualquer membro, inclusive o próprio presidente do Tribunal.
Firmado o prejulgado, deverão, ser enviadas cópias do pronunciamento a todos os Tribunais Regionais, que, por seu turno, as distribuirão às Juntas e aos juízes de direito, para o necessário conhecimento e devida observância geral, obrigatoriamente.
Até 1953, o Tribunal Superior do Trabalho sòmente estabeleceu dois prejulgados: o n. 1, sôbre o repouso semanal remunerado, acórdão de 13 de fevereiro de 1947, in “Diário da Justiça” da União, de 27 do mesmo mês, alterado por acórdão de 27 de abril de 1948, in “Rev. do Tribunal Superior do Trabalho” ano 23, n. 2, págs. 94-95; e o n. 2, sôbre o inquérito judicial para dispensa de empregados estáveis em caso de greve, mediante representação do Ministério Público, in “Trabalho e Seguro Social”, vol. 19, pág. 25, acórdão de 24 de fevereiro de 1948. Todos, porém, foram declarados durante a vigência da Constituição federal de 18 de setembro de 1946, sem que, entretanto, fôsse, por qualquer modo (pelo menos os arestos nada indicam), levantada a questão da constitucionalidade ou não da medida. Parece-nos, pois, que tais prejulgados não prevalecem, desde suas origens, sendo lícito aos órgãos inferiores e a qualquer interessado deixar de cumpri-los, podendo as autoridades judiciárias trabalhistas interpor, até mesmo, mandado de segurança para o Supremo Tribunal Federal, a fim de terem liberdade de agir segundo os têrmos precisos da lei e não sob a coação resultante do pronunciamento anterior do Tribunal Superior do Trabalho. O prejulgado n. 1 esgotou-se por si mesmo, por quanto foi firmado na ausência de legislação ordinária sobre a matéria suprindo a lacuna, de vez que o dispositivo constitucional não era auto-exeqüível (art. 157, n. VI).
De uma feita, o ministro OLIVEIRA LIMA solicitou a manifestação do Tribunal Superior do Trabalho sôbre a interpretação de dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho e do dec. n. 5.798, de 11 de junho de 1940, relativo a trabalho marítimo, a fim de ser estabelecido prejulgado, mas a proposta foi recusada por maioria de votos. Isso ocorreu, porém, em 24 de outubro de 1950, sem que, novamente, a alta instância haja debatido o aspecto constitucional do instituto (“Trabalho e Seguro Social”, vol. 30, pág. 23).
CONCLUSÕES
a) O prejulgado trabalhista foi criado no regime anormal instituído, no Brasil, pela Constituição federal de 10 de novembro de 1937, que adotou, como regra geral, o sistema da delegação de poderes, contrariando nossas tradições republicanas.
b) Desde a promulgação da Constituição federal de 18 de setembro de 1946 não pode mais prevalecer o preceito do artigo 902 e §§ da Consolidação das Leis do Trabalho, regulamentado no art. 112 e parágrafos do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho, porque a providência estatuída importa em outorgar àquele Tribunal a prerrogativa de editar normas abstratas e gerais, com efeito obrigatório para os órgãos inferiores em casos futuros, violando, assim, o princípio fundamental da delegação de poderes, de vez que aquela atividade somente pode ser desenvolvida pelo Poder Legislativo, no exercício regular de suas funções constitucionais.
c) E cânone hoje universal, na doutrina e no direito positivo, que o juiz deve obediência exclusivamente à lei, sendo livre de contrariar a jurisprudência, mesmo unânime, pacífica e antiga, de qualquer tribunal superior, cabendo-lhe, apenas, seguir suas convicções e suas idéias e restando às instâncias recursais tão-sòmente o direito de reformar a decisão, sem outra conseqüência processual ou administrativa.
d) É, portanto, inconstitucional o prejulgado trabalhista, podendo os órgãos trabalhistas deixar de cumprir os pronunciamentos em vigor do Tribunal Superior do Trabalho, que valem, apenas, como mera orientação, sem efeito coativo, porque é inerente à função judiciária decidir para caso concreto e sem qualquer vinculação a processos futuros, mesmo semelhantes.
BIBLIOGRAFIA
1 “Los Recursos en el Proceso Civil”, edição de 1943.
2 “A Vida do Direito e a Inutilidade das Leis”, edição portuguesa de 1908.
3 “Embargos, Prejulgado e Revista”, edição de 1937.
4 “O Direito e a Vida dos Direitos”, edição de 1952.
5 “Recurso de Revista”, edição de 1937.
6 “Comentários ao Código de Processo Civil”, edição de 1949.
7 “Recurso de Revista”, edição de 1942.
8 “Comentários ao Código de Processo Civil”, edição de 1940.
9 “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. 99 da coleção da “REVISTA FORENSE”, edição de 1946.
10 “Manual de Prática Forense”, edição de 1949.
11 “Tratado de Direito Civil Brasileiro”, edição de 1939.
12 “Elementos de Derecho Procesal Civil”, tradução espanhola da 4ª ed. alemã, de 1932.
13 “Princípios de Legislação Social e Direito. Judiciário do Trabalho. A Justiça do Trabalho” edição de 1943.
14 “Dos Recursos Ordinários em Matéria Cível”, edição de 1946.
15 “Teoria Geral no Direito Civil”, 2ª edição 1929.
16 “A jurisprudência como fonte do direito”, in “Justiça”, vol. 40, pág. 208.
17 “Cours Elémentaire de Droit Civil Français”, 6ª ed., 1930.
18 “Traité Elémentaire de Droit Civil”, 1ª edição, 1900.
19 “Code Civil”.
20 “Estudos de Derecho Procesal Civil”, edição de 1950.
21 “Código Filipino”, de CÂNDIDO MENDES DE ALMEIDA, edição de 1870.
22 “Direito Civil de Portugal”, edição de 1867.
23 “Curso de Direito Civil Brasileiro”, edição de 1880.
24 “Instituições de Direito Civil Brasileiro”, edição de 1871.
25 “Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império”, edição de 1857.
26 “Nova Consolidação das Leis Civis”, edição de 1915.
27 “Fontes e Evolução do Direito Civil Brasileiro”, edição de 1928.
28 “Instituições do Direito Processual do Trabalho”, edição de 1951.
29 “Comentários à Constituição de 1946”, 1ª ed., 1947.
30 “Constituição dos Estados Unidos do Brasil”, 2ª ed., 1952.
31 “Breve Estudo sôbre a Reforma do Processo Civil e Comercial”, 2ª ed., 1929.
32 “Prejulgado” in “Rev. da Faculdade de Direito. Universidade de Minas Gerais”, ano IV, outubro de 1945, pág. 169, nota 43.
33 Nosso estudo “A ação rescisória trabalhista”, in “Trabalho e Seguro Social”, vol. 31, página 288.
____________
Notas:
* Tese aprovada no 3º Congresso Brasileiro de Direito Social, Bahia, julho de 1953.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 3
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 4
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 5
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 6
NORMAS DE SUBMISSÃO DE ARTIGOS
I) Normas técnicas para apresentação do trabalho:
- Os originais devem ser digitados em Word (Windows). A fonte deverá ser Times New Roman, corpo 12, espaço 1,5 cm entre linhas, em formato A4, com margens de 2,0 cm;
- Os trabalhos podem ser submetidos em português, inglês, francês, italiano e espanhol;
- Devem apresentar o título, o resumo e as palavras-chave, obrigatoriamente em português (ou inglês, francês, italiano e espanhol) e inglês, com o objetivo de permitir a divulgação dos trabalhos em indexadores e base de dados estrangeiros;
- A folha de rosto do arquivo deve conter o título do trabalho (em português – ou inglês, francês, italiano e espanhol) e os dados do(s) autor(es): nome completo, formação acadêmica, vínculo institucional, telefone e endereço eletrônico;
- O(s) nome(s) do(s) autor(es) e sua qualificação devem estar no arquivo do texto, abaixo do título;
- As notas de rodapé devem ser colocadas no corpo do texto.
II) Normas Editoriais
Todas as colaborações devem ser enviadas, exclusivamente por meio eletrônico, para o endereço: revista.forense@grupogen.com.br
Os artigos devem ser inéditos (os artigos submetidos não podem ter sido publicados em nenhum outro lugar). Não devem ser submetidos, simultaneamente, a mais do que uma publicação.
Devem ser originais (qualquer trabalho ou palavras provenientes de outros autores ou fontes devem ter sido devidamente acreditados e referenciados).
Serão aceitos artigos em português, inglês, francês, italiano e espanhol.
Os textos serão avaliados previamente pela Comissão Editorial da Revista Forense, que verificará a compatibilidade do conteúdo com a proposta da publicação, bem como a adequação quanto às normas técnicas para a formatação do trabalho. Os artigos que não estiverem de acordo com o regulamento serão devolvidos, com possibilidade de reapresentação nas próximas edições.
Os artigos aprovados na primeira etapa serão apreciados pelos membros da Equipe Editorial da Revista Forense, com sistema de avaliação Double Blind Peer Review, preservando a identidade de autores e avaliadores e garantindo a impessoalidade e o rigor científico necessários para a avaliação de um artigo.
Os membros da Equipe Editorial opinarão pela aceitação, com ou sem ressalvas, ou rejeição do artigo e observarão os seguintes critérios:
- adequação à linha editorial;
- contribuição do trabalho para o conhecimento científico;
- qualidade da abordagem;
- qualidade do texto;
- qualidade da pesquisa;
- consistência dos resultados e conclusões apresentadas no artigo;
- caráter inovador do artigo científico apresentado.
Observações gerais:
- A Revista Forense se reserva o direito de efetuar, nos originais, alterações de ordem normativa, ortográfica e gramatical, com vistas a manter o padrão culto da língua, respeitando, porém, o estilo dos autores.
- Os autores assumem a responsabilidade das informações e dos dados apresentados nos manuscritos.
- As opiniões emitidas pelos autores dos artigos são de sua exclusiva responsabilidade.
- Uma vez aprovados os artigos, a Revista Forense fica autorizada a proceder à publicação. Para tanto, os autores cedem, a título gratuito e em caráter definitivo, os direitos autorais patrimoniais decorrentes da publicação.
- Em caso de negativa de publicação, a Revista Forense enviará uma carta aos autores, explicando os motivos da rejeição.
- A Comissão Editorial da Revista Forense não se compromete a devolver as colaborações recebidas.
III) Política de Privacidade
Os nomes e endereços informados nesta revista serão usados exclusivamente para os serviços prestados por esta publicação, não sendo disponibilizados para outras finalidades ou a terceiros.
LEIA TAMBÉM: