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Indulto – Medida de segurança – Competência do presidente da república, de A. Gonçalves de Oliveira

Revista Forense
07/08/2025
– O indulto, em nosso direito, é o perdão, é a abdicação do poder de punir, por parte, do Estado: abrange, sem dúvida, todas as conseqüências do processo criminal.
– As medidas de segurança podem ser indultadas pelo presidente da República.
PARECER
I.. Determina o Exmo. Sr. presidente da República o reexame, por esta Consultoria-Geral, da questão de indulto de medida de segurança.
A questão, efetivamente, tem sido objeto de dúvida, na alta administração.
O Conselho Penitenciário de São Paulo, em notável decisão, de que foi relator o Prof. NOÉ AZEVEDO, manifestou-se pela possibilidade de tal indulto.
Nesta Consultoria-Geral, o ex-consultor Dr. CARLOS MEDEIROS SILVA, atual procurador-geral da República, pronunciou-se em sentido contrário (“Pareceres”, vol. III, pág. 247).
A decisão do Conselho Penitenciário do Estado de São Paulo logrou acolhimento por parte do ex-consultor-geral Dr. TEMÍSTOCLES BRANDÃO CAVALCÂNTI, no Parecer n.º 124-X, aprovado pelo presidente do Senado, no exercício do cargo de presidente da República, o Exmo. Sr. Dr. NEREU RAMOS. O despacho de S. Ex.ª foi prolatado em exposição de motivos do Dr. PRADO KELLY, que nada opôs, como ministro da Justiça, ao parecer do então consultor-geral da República.
No atual Govêrno, manifestei-me em prol dessa atribuição do presidente da República (Parecer n.º 58-Z, in “Diário Oficial” de 5-6-956, pág. 11.112; “Pareceres do Consultor-Geral da República”. vol. I, 1946, págs. 203-206).
Agora, em face de dúvidas suscitadas, abre-se o ensejo de reexame do assunto.
II. Há, realmente, controvérsia nos domínios doutrinários, sôbre a natureza jurídica da medida de segurança, a saber, se constitui ou não pena criminal ou complemento desta.
Surgiu o dissídio doutrinário, em seguida à sistematização das medidas de segurança, em 1894, pelo Projeto de Código Penal Suíço de CARLOS STOOS, que as extremava das penas, com o aparecimento do projeto alemão de 1909, que declarava, taxativamente, em sua exposição de motivos, não haver qualquer diferença essencial entre elas, não passando de mero jogo de palavras as discussões a respeito.
Disputando-se as excelências dos referidos projetos, até hoje se não entendem os chamados dualistas (ALFREDO ROCCO, “Relazione Ministeriale sul Progetto del Codice Penale”, vol. I, Roma, 1929, pág. 244; ARTURO ROCLO. “Opere Giuridiche”, vol. III, Roma, 1933, página 713; VANNINI, “Lineamenti di Diritto Penale”, Florença, 1933; MANZINI, “Trattato di Diritto Penale”, vol. III, Turim, 1934, pág. 176; CUELLO CALÓN, “Derecho Penal”, vol. I, Barcelona, 1935, página 554; e, entre nós, ATALIBA NOGUEIRA, “Medidas de Segurança”, São Paulo, 1937; MADUREIRA DE PINHO, “Medidas de Segurança”, Rio, 1938, e
ARI FRANCO, “As Medidas de Segurança no Novo Código Penal Italiano” in “Jornal do Comércio” de 13-3-951) e unilateralistas (GRISPIGNI, “Il Nuovo Diritto Criminale negli Avamprogetti della Svizzera”, Germania ed. Austria, Milão, 1911; FLORIAN, “Pene e Misura di Sicurezza”, in “La Scuola Positiva”, de 1930, pág. 198; ALTAVILLA, “Lineamenti di Diritto Criminale”, Nápoles, 1932, pág. 353; FERRI, “Sociologia Criminale”, Turim, 1900; e entre nós, ALCÂNTARA MACHADO, “Anteprojeto de Código Criminal”; HÉLIO GOMES, “Medidas de Segurança e Perigosidade em Face da Psiquiatria”, Rio, 1933; HEITOR CARRILHO apud MADUREIRA DE PINHO (ob. cit., página 13).
NELSON HUNGRIA, um dos maiores criminalistas brasileiros, de todos os tempos, aderiu ao dualismo, em que se situou o Cód. Penal de 1940, de cuja elaboração foi o maior contribuinte (“Comentários ao Código Penal”, ed. “REVISTA FORENSE”, vol. III, Rio, 1955), mas, chegou antes a sustentar, na Conferência Brasileira de Criminologia, a unidade conceitual entre penas e medidas de segurança, segundo testemunha MADUREIRA DE PINHO (ob. cit., pág. 12).
A questão, porém, não se resolve pela natureza jurídica da medida de segurança, mas, pela extensão do poder de perdoar que a Constituição, fiel à tradição do nosso Direito Constitucional, conferiu ao chefe do Govêrno.
Essa atribuição, que a Constituição de 1824 já reconhecia ao Imperador, no exercício do poder moderador (art. 101, n.º 8), foi inscrita nas várias Constituições republicanas.
O modêlo vinha da velha Inglaterra, encontrara guarida na Constituição americana, onde foi sempre o poder do presidente, a êsse propósito, interpretado com a maior amplitude, como registram todos os comentaristas. HAROLD ZINK se refere a êsse amplo poder do presidente -“this power is very vide” (“Government and Politics in The United States”, Nova York, 1943, pág. 300), que apenas contém uma exceção, a saber, em casos de impeachment. No mais, tôdas as violações criminosas das leis federais, mas, não estaduais, o presidente pode perdoar, como testifica MUNRO: “He may pardon any offense (crime) against the federal laws but he has no authority to grant pardon for offenses against the law of a state. A pardon may be either partial or complete… One limitation is imposed upon the President by the Constitution, how-ever, in that he can grant no pardon in cases of impeachment” (“The Government of the United States”, 5.ª ed., pág. 195).
Êsse poder não pode ser limitado pelo Congresso, pela legislação ordinária. “O poder executivo de perdoar”, discursa CARLOS MAXIMILIANO, “não tem outros limites, senão os fixados no estatuto fundamental”. É a tradição americana, que a nosso Direito Constitucional recolheu. Nos Estados Unidos, tem êle o respeitável apoio da Côrte Suprema (ex parte Garland, 1867), é o que registram os doutrinadores: “This power of the President is not subject to legislative control. Congress can neither limit the effectof his pardon, nor exclude from its exercise any class of offender. The benign prerrogative of mercy reposed in him cannot be fettered by any legislative restrictions” (KIMBALL, “The Government of the United States”, 1919, pág. 197).
Em certa época da vida republicana, durante a guerra civil, em 1862, o Congresso autorizou ao presidente a concessão de indulto, sob certas condições, “upon certain conditions“. Na defesa intransigente de suas prerrogativas, aquêle notável leader nacional, que foi o presidente LINCOLN, vetou a resolução: Não. A Constituição ao chefe do Executivo assegurou o poder de perdoar com absoluta discrição, não comportando restrições de ordem judicial ou legislativa. Veja-se como BENJAMIN HARRISON, in “This Country of Ours”, se referiu a essa passagem: “This “suggestion of pardon by Congress, for such it was“, was discussed in Lincoln’s annual message in these words: “The Constitution authorizes lhe executive to grant or withhold the pardon at his own absolute discretion, and this includes the power to grant on terms, as is fully established by judicial and other authorities” (ob. cit., pág. 143; RICHARDSON, “Messages of the President”, vol. VI, página 189).
Essa tese foi vitoriosa, na Côrte Suprema (President Lincoln’s view was furthermore upheld in the case of United States v. Kline), como informa o professor EVERETT KIMBALL.
No direito norte-americano, o indulto pode ser concedido antes ou depois do julgamento e isenta o beneficiado de tôdas as conseqüências da falta cometida, da criminosa violação das leis federais. “The power may be exercised at any time after the offense has been comitted, that is, either, before, during, or after legal proceedings for punishment… An absolute pardon restores the offender to the legal conditions in which he would have been had the crime not been commited” (FRANK A. MAGRUDER and GUY S. CLAIRE, “The Constitution”, 1933, página 160; WILLOUGHBY, “Constitutional Law of the United States”, pág. 623: MUNRO, “The Government of the United States”, pág. 195).
São realmente extensas as conseqüências do indulto, nos Estados Unidos: “A pardon reaches both the punishement prescribed for the offense and the guiltof the offender; and when the pardon is full, it releases the punishment and blots out of existente the guilt, so that in the eye of the law the offender is an innocent as if he had never commited the offense” (KIMBALL, “The National Government”, págs. 197-198).
Em nosso direito, quando a Constituição dava ao chefe do Executivo o poder, de “indultar e comutar as penas” (Constituição de 1891, art. 48, n.° 6), o nosso Supremo Tribunal já proclamava que êle podia ser concedido, antes mesmo do julgamento, a saber, antes de qualquer punição (ARAÚJO CASTRO, “A Nova Constituição Brasileira”, 1936, pág. 229).
Tais pronunciamentos mostram a amplitude que, entre nós, também se reconhece a essa atribuição do presidente da República.
Já agora, a Constituição de 1946, não fala em “indultar as penas“. A expressão é muito lata, fornece superfície a um entendimento muito mais amplo. Diz a Constituição que compete ao presidente “conceder indulto e comutar penas, com audiência dos órgãos instituídos em lei (art. 87, n.º XIX).
Como se vê, a Constituição apenas exige a audiência dos órgãos instituídos em lei. Para os casos de pedido de indulto formulado por réu condenado, é, assim, obrigatória a manifestação dos Conselhos Penitenciários ou outros órgãos que a lei determinar. Para o indulto de réu airada não condenado, se a lei não criou o órgão para a audiência, nem por isso ficará prejudicada a atribuição do presidente da República, a qual, assim, se excederá sem restrições, a saber, sem o pronunciamento de qualquer órgão.
Pelo que se vê, também no direito brasileiro é muito ampla a atribuição conferida, a êste propósito, ao chefe do Poder Executivo. O direito de perdoar encontra fronteiras, apenas, na autolimitação do presidente.
A êste respeito, informa CARLOS MAXIMILIANO que já “o Imperador D. Pedro II não admitia que encaminhassem petições de indulto pelos crimes contra a Fazenda Nacional (moeda falsa, peculato, etc.) ou contra a fortuna particular (furto, roubo, estelionato) … Também não se perdoou jamais um foragido” (“Comentários à Constituição Brasileira”, 2.ª ed., n.º 347).
Mas, voltemos à questão. É possível o indulto de medidas de segurança?
Como se viu, a Constituição confere ao presidente o poder de “conceder indulto”. Aqui, não fala a nossa Carta Política em “pena”, como as Constituições anteriores. O perdão é uma das conseqüências da infração penal. Tudo que resulta do poder de punir, da instauração do processo penal, pode ser objeto de perdão.
De acôrdo com os arts. 86 e 108, inciso II, do Cód. Penal, que é anterior à Constituição de 1948, extinta a punibilidade pelo indulto da pena, não se impõe medida de segurança, nem subsiste a que tenha sido imposta. Ora, se nem há necessidade de indulto para as medidas de segurança, quando perdoada a pena, por que não ser admitido o indulta puro e simples daquelas medidas?
Na verdade, como evidenciaram MARC ANCEL, BELEZA DOS SANTOS, VOLPE e outros, no relatório apresentado, após o estudo das medidas de segurança em vários países, têm estas finalidades defensivas da sociedade, o mesmo escolto das penas, donde a conseqüência é que a diferença entre tais medidas e as penas parecem não ter a importância que lhes emprestam certos teóricas – “la conséquence que l’on retrouvera plus loin est que dès origine, l’opposition doctrinale de la peine e de la mesure de sûreté parait n’avoir dans la réalité du droit positif, ni toute l’acuité ni toute importante que se plaisent à lui accorder certains théoriciens” (“Les Mesures de Sûreté en Matière Criminelle”, apud NOÉ AZEVEDO).
A questão é de substituições de um regime de medidas de segurança por outro de penas, ou vice versa ou, melhormente, o de encontrar um processo eficaz pela conjugação de ambas, um processo “qu’on l’appelle peine ou mesure de sûreté, peu importe, le sistème le plus approprié aux conditions, ou caractère et au développement de la criminalité moderne“.
Na Itália, permite mesmo o chamado Código Rocco, que é ali o vigente Código Penal, um dos modelos do nosso, que as medidas de segurança impostas, como aqui, pela justiça penal, sejam revogadas por um simples ato administrativo do ministro da Justiça (art. 207, última alínea, do Cód. Penal), justificando a sua exposição de motivos (Relazione al Re): “Nulla in verità vieta di ammettere che
il piú alto organo del Governo nel campo dell’amministrazione della giustizia possa esercitare un potere d’indulgenza analogo a quello della grazia, il quale, rispetto alle pena, è riservato al Capo dello Stato…” “È quasi superfluo rilevare la grande importanza pratica di questo disposizione, che potrà talora attenuare il rigore del sistema delle misure di sicurezza e si risolve in una maggiore garanzia per coloro che vi sono sottoposti“.
O indulto, em nosso direito, é o perdão, é a abdicação do poder de punir, por parte do Estado: abrange, sem dúvida, tôdas as conseqüências do processo criminal.
Pelo exposto, reafirma a Consultoria-Geral da República que as medidas de segurança podem ser indultadas, sendo apenas, necessária a audiência dos “órgãos instituídos em lei” (Constituição, artigo 87, n.º XIX), isto é, dos Conselhos Penitenciários, cujos pronunciamentos, é claro, não obrigam o presidente da República.
Salvo melhor juízo.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 3
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