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Uma holding? Mesmo? Tem certeza?

Gladston Mamede
Gladston Mamede

25/04/2024

Um engano recorrente sobre o papel das holdings familiares é acreditar haveria uma vantagem enorme em simplesmente transferir bens de pessoa(s) natural(is) para a pessoa jurídica (a holding). Há quem pense e mesmo fale em vantagem absurda. Temos que discordar. Não é tão simples assim. A bem da precisão, pode não haver bônus algum, senão ônus de ordem diversa, inclusive despesas, problemas jurídicos, conflitos familiares etc. Muitos parentes e amigos que tocam no assunto conosco, que manifestam certo interesse, assustam-se quando lhes perguntamos:

– Uma holding? Mesmo? Para quê? 

Na maioria dos casos, quer-se criar uma sociedade patrimonial sem compreender exatamente o que está envolvido nesse ato. Quando a explicação é dada e as questões são corretamente posicionadas, o comum é a frustração. Como demonstramos em Holding Familiar e suas Vantagens (Editora Atlas, 2024), esse mecanismo não é para qualquer um, nem é para qualquer família. Tem fins específicos e atende a situações próprias, sendo um equívoco grave compreendê-lo como instrumento para evitar cobrança de impostos. Planejamento tributário envolvendo a constituição de holdings é possível, mas constrói-se em bases mais complexas, nomeadamente quando separam-se aziendas diversas para lhes dar tratamento próprio. E isso é raro, a pressupor uma gama maior de ativos que, confundidos entre si, poderiam gerar uma confusão fiscal. Detalhe: essa organização corporativa com fins de planejamento tributário pode concretizar-se sem passar pela constituição de holding. A tecnologia tributária envolvida em tais planejamentos é sofisticada; está bem distante das soluções simplistas que estão sendo vendidas por aí.

A maioria dos interessados, quando corretamente apresentada a esse mecanismo jurídico – seus bônus e seu ônus – acaba se desiludindo. Percebem-se vítimas das ilusões da moda. Há uma regra elementar que não se deve olvidar: fazer algo para obter algo. E, um dos elementos obrigatórios dessa fórmula é a viabilidade. O despudor das ilusões de blindagem jurídica, por exemplo, já levou muitos à prisão. Foi o que demonstramos em Blindagem Patrimonial e Planejamento Jurídico (Editora Atlas): um livro que denuncia os desastres provocados por opções equivocadas: engenhosidades que, a bem da precisão, caracterizavam prática de ato ilícito (civil, tributário, trabalhista) e, mesmo, de crime. Como se não bastasse, a fórmula ainda comporta outra questão: vale a pena fazer isso para obter aquilo? Nem sempre a resposta é positiva. Incorporar o patrimônio de uma (ou mais) pessoa(s) numa sociedade simples ou empresária, no mor das vezes, é um nada. Isso mesmo. Habitualmente, não tem função alguma; constitui uma perda de tempo e gasto desnecessário de dinheiro. 

Ambições desmedidas e despropositadas podem alimentar a crença na vantagem de certos caminhos. Mas a inadequação da via escolhida pode fazer com que não se realizem as metas almejadas e, pior, que se chegue a destinos que se mostram desfavoráveis. Não espanta que já se levantam vozes contra o mecanismo como expressão de reiterados fracassos que, infelizmente, eram previsíveis. E, apesar dessas avaliações negativas, a holding (e a holding familiar) seguem utilíssimas quando utilizadas nos cenários adequados. Não há mal em pensar alto, desde que haja atenção à viabilidade e à adequabilidade no que se pretende. Comer banana para prender o intestino é um equívoco; também não serve para evitar câimbras; a fruta não serve para isso. Mas tem função: alimenta. Há desconhecimento em quem procura holding para o que ela não serve; pior: há má-fé do profissional que a oferece para o que não serve.

O resgate da holding, familiar ou não, pura ou mista, é um movimento necessário: abrir cortinas e janelas, deixar a luz entrar, aclarar o ambiente, afastar tantos enganos teimosos e perniciosos. E o alvo desse esforço deve ser justamente aqueles que podem se beneficiar de seus méritos verdadeiros e a ela não recorrem ou o fazem de maneira equivocada, colhendo prejuízos, em lugar de benefícios. Necessitamos de um esforço de reposicionamento, pode-se dizer. Eis o triunfo a se perseguir: dar à holding seu contorno verdadeiro, prestar o serviço de sua constituição com o critério da serventia correta e não a bem pretensões ilusórias. E isso implicará afastar certa venalidade profissional de má técnica e má ética profissional. Ser útil ao cliente deve porejar o trabalho do advogado: sair por seus poros ao longo de tudo o que faz. Francamente? É o objetivo dos melhores. E nisso o profissional se realiza: no agir advocatício fecundo, responsável.

Mas veja: vivemos uma explosão de iniciativas mercantis otimizadas, em setores diversos que vão do agronegócio à mineração, passando por indústria e comércio, prestação de serviços e locativos; em meio a tal avanço mercantil, o uso correto da holding, familiar ou não, ganha força. Cadeias produtivas desorganizadas, com componentes desordenados, baralhados, geram enormes desafios: jurídicos, logísticos, tributários, financeiros. Melhores vão os investimentos quando adequadamente distribuídos numa rede corporativa equilibrada; na maioria das vezes, pode se tratar de uma só sociedade empresária; mas a diversificação de iniciativas e setores pode recomendar distinção de personalidade e patrimônio, ou seja, a constituição de outra(s) sociedade(s) e, eventualmente, de uma holding. Há um par de anos, ao comprar sua terceira propriedade rural (sítios) e ver-se em meio a um caso de sucesso em exploração agrícola (granjas), um médico e seu irmão, um comerciante, perceberam que lhes era adequado transformar as propriedades em sociedades empresárias, profissionalizando a atividade negocial; pouco depois, perceberam que uma holding seria recomendável para colocar ordem em tudo. Detalhe: optou-se por uma holding mista: controlava as sociedades agrícolas mas assumia algumas funções centralizadas, como estocagem e logística de distribuição. Há Direito em tudo isso e é fascinante de, com o perdão da palavra (estranha para ambientes técnicos), delicioso.

Estruturação jurídica de empresas

Por corresponder a um ritmo de desenvolvimento empresarial dos clientes, a advocacia de estruturação jurídica de empresas é, sim, arrebatadora. Permite ver benefícios e resultados do que se faz, ainda que sem um protagonismo: importa o negócio, a atividade negocial; o advogado é um assistente fundamental, mas não mais que um assistente. São múltiplos instrumentos e mecanismos que podem ser usados, quando viáveis e adequados, para dar suporte à empresa. O profissional que trabalha com dados mapeados e analisados por especialistas em mercado, gestão, logística, pode fazer o gerenciamento jurídico dessas informações e, finalmente, consolidá-las em normas: contrato social, estatuto social, acordo de sócios, regimentos internos, contratos etc. É o que temos repetido: tecnologia jurídica a bem da atuação empresarial. Não há boa empresa sem boa estruturação jurídica. Advogados não são custo; são investimento. Compõem as melhores opções, do agronegócio à indústria, da mineração ao comércio, mercado financeiro etc. Afinal, o Direito perpassa todos esses setores; há que fazer certo e, mais do que isso, sempre é possível fazer melhor.

Quer exemplos? Claro. Há empresas de equipamentos agrícolas que oferecem contratos de barter, ou seja, permuta dos utensílios por comodities: soja, café, milho. Certo(s) equipamento(s) por certo volume de comodities, segundo cotação do momento da contratação. Em muitos casos, essa dívida do agricultor (ou várias dívidas enfeixadas) é representada por título que, devidamente escriturado, torna-se valor mobiliário, permitindo negociação no mercado de futuros, antecipando a receita do fornecedor de máquinas. O que se tem nessas operações é tecnologia jurídica que, se bem aplicada (não só o contrato mas, essencialmente, suas cláusulas: cada um e, enfim, a totalidade), beneficia a atividade negocial. Mais do que isso, observe que os empresários que fizeram tal investimento, que pagaram para a correta estruturação jurídica desse negócio, tiveram visão de longo prazo. É o que lhes permite crescer, lucrar mais e com mais segurança. Claro, isso não é holding. Mas é Direito Empresarial.

Voltemos às holdings e, nos termos da proposta deste ensaio, em sua qualidade de equipamento jurídico para investimentos em atividades produtivas. Algo bem diverso do que, equivocadamente, se tem visto por aí: holdings constituídas para abrigar os apartamentos residenciais dos familiares, um sítio, carros, uma ou outra sala ou loja. E isso feito na esperança de evitar um imposto de sucessão causa mortis, um bônus pequeno demais para encargos contábeis, restrições no exercício comezinho de faculdades com expressão quase doméstica etc. Diverso e distante do seu emprego como equipamento de capitalização para fazer investimentos e ampliar e solidificar ganhos a bem dos sócios, como o fazem diversas famílias, não só no Brasil, mas mundo afora. Holdings constituem meios para manter um núcleo patrimonial comum com certa finalidade. Essa vantagem não precisa ser pecuniária. Há casos em que a função é dar regulamento mais adequado às relações entre os envolvidos, tornando-os sócios submetidos a certas regras, vez que o Direito de Família não oferece solução para isso. 

Aliás, não é incomum, atente-se, que a holding seja constituída para manter um núcleo patrimonial comum, na mesma toada em que os familiares, seus sócios, mantêm patrimônios próprios, doméstico: residência, veículos etc. Por exemplo, manter todos os ativos com expressividade mercantil numa holding familiar, ao passo que outros bens e relações jurídicas são titularizados pessoalmente pelos sócios. Há vantagens inquestionáveis em manter sociedades capitalizadas para geração de renda em benefício de todos os sócios; aliás, renda que não seria igual, que não teria a mesma pujança, se houvesse fragmentação econômica. Holdings podem ser mecanismos preciosos de investimento familiar. Mais provável, obviamente, em se tratando de fortunas. Contudo, possível em montantes menores, desde que adequados ao que se planeja fazer. Por exemplo: assumir negócios pequenos ou médios, organizando-os, otimizando-os. Não é preciso capital vultoso para bares, lanchonetes, restaurantes, livrarias etc. E da soma podem advir ganhos de escala, aproveitamento de sinergias, contratações de serviços comuns etc. Nessas operações, o Direito namora com a administração de empresas, logística, mercadologia. Há um diálogo entre disciplinas e profissionais.

Estudando o tema há tantos anos, parece-nos que o grande complicador está numa curiosa – senão insólita – tendência de, na leitura/interpretação, sobrevalorizar-se o adjetivo familiar em desproveito do substantivo holding. E nisso há uma inversão perigosa: sim, a holding é uma das alternativas que pode servir às famílias e, em fato, é muito usada para isso. Mas é equipamento jurídico que transcende a reunião de parentes; pode ser útil às famílias, nomeadamente aos clãs empresariais, mas não é via obrigatória. Uma alternativa a ser considerada, é o acordo de sócios, havendo que discutir com os envolvidos qual o caminho lhes parece melhor, considerando prós e contras. A existência de opções recomenda sejam feitos estudos comparativos para, assim, subsidiar a decisão. Não há um melhor em si; há um melhor para cada caso. São estratégias diversas e implicam escolhas que são feitas pelas partes; advogados apenas oferecem informações, dados, estimativas, para auxiliar na formação da consciência e, enfim, a decisão. Há mais. Para corresponder adequadamente à possibilidade estratégica oferecida pela holding no que diz respeito à força econômica da família (ou de outro grupo de pessoas, não se pode esquecer), é preciso destacar que não se trata de alternativa limitada ao planejamento sucessório. Não é incomum a formação de holdings familiares bem após a sucessão, quando os familiares (por vezes, somando-se a outros investidores) pretendem somar seus recursos a bem de melhores negócios. Não são raras as situações em que parentes as constituíram como meio propulsor de investimentos, aumentando o ritmo de crescimento da participação em algum setor ou atividade negocial. Trata-se de um instrumento que viabiliza um avanço mais rápido para aquisição de ativos ou mesmo para a aquisição de ativos com maior valor. O ato constitutivo, nesses casos, deverá trazer normas (cláusulas de contrato social ou artigos de estatuto social) que traduzam tanto a formação societária – a correta definição do ajuste coletivo (de como os sócios pretendem funcionar como coletividade), quanto o desfecho que pretendem para seu esforço: explorar as áreas, dar corpo às pequenas unidades para, enfim, alienar em grupo. As possibilidades são numerosas e demandam desenhos jurídicos específicos. O compromisso do advogado deve ser atender ao interesse lícito de seus contratantes e lhes fornecer um equipamento jurídico que efetivamente os beneficie.

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