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Reestruturação Jurídica: necessidade e oportunidade

REESTRUTURAÇÃO JURÍDICA

Gladston Mamede
Gladston Mamede

06/11/2023

Aquilo surpreendeu à Luiza. Ela tinha ido à Construtora Fulano Ciclano S/A para dar mais um passo em direção a um contrato importantíssimo para sua empresa, uma prestadora de serviços terceirizados. Queria trabalhar para a construtora e isso seria algo grande: um salto há muito esperado. Mas a reunião com o diretor da companhia foi diversa do que esperava e, para sua surpresa, na companhia de uma advogada. 

– As negociações estão indo bem e estamos interessados em contratar sua empresa, Sra. Luíza. Mas justamente por estarmos tendentes a avançar com nossas tratativas e fechar o negócio, precisamos passar por uma fase jurídica, que é prejudicial à sequência de nossas discussões. 

Aquela fase jurídica fazia parte da estruturação da empresa, ou melhor, da reestruturação. Depois de alguns tropeços desagradáveis, a incluir autuações e processos e problemas de ordem diversa, os sócios controladores e a diretoria optaram por uma completa reengenharia corporativa com destaque à qualidade jurídica de seus atos e processos internos, com maior transparência, certeza e respeito a cautelas de bom governo ou boa governança. Aliás, explicou, essa seria uma tendência forte no mercado: funcionamento otimizado, planejado para ampliar o grau de segurança e eficiência, evitando percalços de ordem diversas: trabalhistas, previdenciários, fiscais, entre outros. Mesmo penais.

– Penais? 

– Sra. Luíza, toda a semana a Polícia Federal chuta umas portas Brasil afora. Muitos praticam ilicitudes por simplesmente não conhecer a lei. E, como vive repetindo a Dra. Nádia, o desconhecimento da lei não afasta a caracterização de um ilícito, mesmo que seja um crime.

– Posso dar uma olhada? – perguntou ao receber um envelope grande e recheado.

– Claro! A Dra. Nádia, uma de nossas advogadas, irá responder qualquer dúvida que tiver. 

– Aqui está o meu cartão. Pode me ligar quando precisar. Alguns detalhes podem parecer estranhos e lhe explicarei o que precisar. Podemos mesmo fazer alguns ajustes nesse ou naquele ponto. 

– Obrigada.

– Há documentos e informações que são pedidos para dar segurança à terceirização. E há um questionário por conta da Lei 12.846/2013. Afinal, nosso foco é a participação em concorrências públicas para construção pesada.

Os olhos assustados percorreram a lista de documentos pedidos, devidamente acompanhada de breves comentários sobre a razão de cada pedido e os cuidados a serem tomados. Como se não bastasse, o tal questionário pedia informações que ela simplesmente não tinha; por exemplo, se algum dos sócios, administradores, empregados ou prestadores trabalhavam para a administração pública direta ou indireta, empresas públicas ou fundações públicas, federais, estaduais ou municipais. Na sequência, a mesma pergunta para parentes.

– Vixe! – deixou escapar.

– Sim. É um pouco incomum. Mas está tudo mudando, não é mesmo? Se a empresa da senhora não fez isso antes, levará um tempo para nos entregar tudo. Mas veja: será gratificante: saberá coisas sobre o seu negócio e as pessoas que trabalham nele que, até hoje, sequer desconfiava. E evitará problemas futuros, creia-me. Desde que fizemos nossa reestruturação jurídica… tivemos uma atuação por uma questão boba que nos fez perder uma concorrência importante… 

– E aí?

– Optamos por uma reestruturação jurídica completa, regulamentamos os procedimentos internos, incluindo as relações de trabalho entre os colaboradores, relação com o meio ambiente e coisas do tipo. No início é difícil, mas vejo hoje que elevamos o nível da empresa, o que é bom. Século XXI!!! Economia globalizada!! Quem tem uma arquitetura corporativa mais frágil pode não suportar os trancos e os solavancos da concorrência mundializada.

À noite, em casa, Luíza mostrou aquilo tudo para o marido que, de pronto, reconheceu que parte das informações e documentos pedidos tinha por objetivo claro evitar problemas trabalhistas e previdenciários com a terceirização. Agora, o questionário, contudo, parecia um excesso. Nunca tinha ouvido falar de algo parecido. Aliás, o que aquilo tinha a ver com uma reestruturação jurídica? Escritórios de advocacia preparando questionários para empresas, incluindo informações sobre parentes de empregados e contratados? Ficou aquela pergunta no ar: tem base?

Tem. Antes de mais nada, o questionário tem por finalidade atender às exigências da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013), algo que preocupa à Construtora Fulano Ciclano S/A e, assim, fez parte da sua reestruturação jurídica. Em outras empresas, a reestruturação se fará considerando outras necessidades, outros parâmetros, outros elementos: aqueles que sejam específicos daquela corporação, conforme o levantamento que seja feito pelo advogado ou grupos de advogados responsáveis pelo trabalho, atendendo às necessidades sentidas pelas empresas que recorrem aos seus serviços, bem como de opções que sejam construídas em conjunto, levando em conta a tecnologia jurídica que o profissional do Direito oferece à empresa. 

Estruturação Jurídica de Empresas

Em Estruturação Jurídica de Empresas (Editora Atlas), chamamos a atenção para o fato de ser clássica uma perspectiva estática do Direito Empresarial e do Direito Societário. Mas toda essa vasta perspectiva das regras e institutos isoladamente, como se numa vitrine, não afasta a indispensabilidade de uma perspectiva dinâmica: a compreensão dos institutos não isoladamente, mas em conexão entre si e, mais do que isso, submetidos ao efeito do tempo, do funcionamento. Em suma, abandonar-se uma visão sincrônica, artificial, para adotar uma compreensão diacrônica: as ferramentas jurídicas em ação, em funcionamento, merecendo alterações, correções, calibragens: estruturação e reestruturação. Como procuramos demonstrar ali, o advogado precisa assimilar que o tratamento teórico-estático dos institutos jurídicos não será suficiente para lhe permitir atender às exigências de um mercado – as empresas: o objeto e a razão de ser do Direito Empresarial! 

Questionários para funcionários, terceirizatários, parceiros, colaboradores? Para algumas empresas, sim. Para outras, não. Se pretende ingressar nessa cadeia empresarial que se organiza para prestar serviços ou fornecer bens para entes estatais, direta ou indiretamente, a empresa de Luíza deverá se estruturar e, mui provavelmente, ter seus próprios questionários prontos, informações arranjadas e ordenadas, facilitando outras contratações. Se pretende seguir atuando em contratos de terceirização, caberá estruturação específica por igual, permitindo deixar claro aos eventuais parceiros contratantes (terceirizadores), não só a qualidade do serviço em si, mas a qualidade jurídica que oferece. É um caminho para consolidar-se e para crescer.

Importa estar atento ao fato de que a construção ou a reforma da estrutura jurídica de uma empresa faz-se considerando sua natureza específica, seu nicho, suas implicações, seus compromissos, sua realidade e seus planos. Em alguns casos, pode mesmo responder a demandas de momento e, sim, também o mercado vive modas e padece de modismos. Qual o problema?  Profissionais de diversas áreas são procurados para responder a modismos e, dedicadamente, atendem seus clientes, fornecem-lhes o produto ou serviço que desejam, se não os aconselham a evitar ou recorrer a alternativas. Advogados também devem estar preparados para demonstrar a capacidade de serem úteis em face das tendências, ainda que seja para explicar que não são úteis ou recomendáveis, aqui ou ali ou em qualquer lugar.

Eis a razão pela qual nossa teoria da estruturação jurídica das empresas foca-se na conveniência de uma postura e uma perspectiva diversas pelos advogados para, assim, atender a cada empresa em suas condições que, por óbvio, mudam. É uma questão de método, por igual, razão pela qual nos debruçamos sobre três dimensões (de existência, de funcionamento e de autuação) e sobre os três níveis em que, por meio de plataformas normativas, pode-se estruturar ou reestruturar uma atividade negocial. E isso se faz a bem da solidez jurídica da corporação, mas, por igual, em busca de qualidade, eficiência, modernidade e mesmo de melhores resultados. Exemplo fácil é o acesso a linhas de crédito especiais, sempre a demandar mais e mais informações e demonstrações sobre a empresa e seus processos internos, nomeadamente – mas não só – suas práticas contábeis.

Amadorismo empresarial brasileiro

Um ponto a destacar é o assustador amadorismo empresarial brasileiro, a criar uma lacuna enorme. Dito de outra forma: será preciso agregar milhares de advogados empresarialistas ao mercado para dar diretrizes jurídicas corretas aos negócios e, assim, não apenas livrar seus titulares de eventuais problemas (ou mais problemas: habitualmente, cada empreendedor tem um longo histórico de encrencas que poderiam ter sido evitadas com assessoramento técnico adequado). E há que insistir: não é apenas uma questão de segurança: entre as diversas possibilidades jurídicas, muitas agregam valor, afastam riscos despiciendos, ampliam resultados, indicam economias, etc. Não há empresa boa sem estruturação jurídica de qualidade. O Brasil precisa aprender isso. Noutros cantos do mundo, isso já é sabido há muito.

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