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Reestruturação Empresarial: necessidade, oportunidade, planejamento

25/03/2025
Nem todos percebem o momento de renovar. Ele pode ter conotações diversas: oportunidade, necessidade (a incluir urgência), planejamento etc. Vamos ser realistas: o tempo é cioso no cumprimento de seu esforço de destruição. Independe de nós: ele é um avassalador paciente. O tempo faz destroços em todas as empreitadas, mesmo os impérios. Raspa e corrói mesmo o inanimado, esculpe as escarpas, desenha o litoral, os leitos dos rios, constrói os desertos. Por que pouparia as empresas? A superação é o tempo em todo o seu horror e em toda a sua verdade. Enfim, quem tiver olhos de ver, que veja; quem tiver ouvidos de ouvir, que ouça; quem tiver prudência, sabedoria e perspicácia, que se prepare e faça o que cabe aos humanos: tentar resistir.
Em qualquer conversa de pessoas maduras (sinônimo de “pessoas vividas”), elas reaparecem: as empresas que eram, as empresas que foram. Dessas conversas sem eira ou beira, largadas num canto de dia, embaladas a cafezinho e biscoitos, bebida e tira-gosto, gente a falar pelas tripas do Judas sobre dias certos de datas incertas, seus pobres mortinhos, suas realizações comuns ou excepcionais. A nostalgia se renova: falar da vida é reviver e nisso há uma resistência passageira, o que inclui impressões de como o mundo está mudado, o que valeu para a prosa de 1925, de 1975 ou 2025, senão – ou certamente – para intervalos menores. A empresa? Fechou! Não, foi comprada! Faliu, isso sim! Deu um cano em muita gente. Funcionava ali no centro… no Boa Vista… o dono era um sujeito… lembra das festas de …? Minha mãe ia lá sempre…
Nessas horas, a memória redesenha a praça, refaz o que foi desfeito pela incapacidade de sobreviver ao tempo, o que se fez vítima do trabalho sórdido da suplantação e da superação. O tempo tem esse desejo louco de destruir a tudo e a todos. A lua está ali em cima como um sinal de alerta. Quem gosta de ouvir o silêncio em lugares quietos, percebe o estrondo calado das eras. Aqui, em Minas, as pedras que se encontram nas serras, das maiores às menores (ou vice-versa) testemunham-no. E vai morto por dentro quem não se inclui em toda essa magia. As estações, renovando-se, não insultam, senão dançam sua magia, ainda que diante de expectadores irritados. Melhor acompanhá-lo, o tempo. E com atenção: vez ou outra, ele desembesta a correr.
O curso natural da degradação evita-se com a renovação. Há quem já tenha essa necessidade na própria estrutura da empresa, ou seja, não se esperam sinais de alerta, mas segue-se uma programação que inclui a revisão periódica como medida de sustentabilidade corporativa, seguindo tecnologia da administração de empresas que é de conhecimento comezinho. Falamos no capítulo de abertura: o momento planejado de renovar. Mas há quem não se projetou, mas percebe quando é oportuno ou quando é necessário (senão urgente). Há quem seja instado, quem se veja enredado, entre outras hipóteses. Há uma tolice que é intrínseca à presunção do arrolamento numerus clausus. Há um risco nas restrições, embora o risco seja um direito quanto projetado sobre si próprio. Falamos disso no “Manual de Redação de Contratos Sociais, Estatutos e Acordos de Sócios” (8.ed. Editora Atlas, 2024); é um aspecto estratégico a ser considerado pelo advogado na redação de atos constitutivos.
Persistir implica cuidar, dar manutenção, rever para manter as estruturas adequadas, equilibrar para manter a firmesa: sistere é ficar em pé, firme, em latim. É o presente que se compromete com o futuro, que lhe dá oportunidade. É o presente que investe no futuro, promove as melhores práticas em seu favor e, insistimos, assiste-lhe em sustentabilidade (inclusive jurídica). Aliás, embora a manutenção jurídica não esteja no centro das atenções, também ela cumpre uma função nesse esforço de sustentabilidade, evitando perdas. Equipamentos jurídicos (atos constitutivos, pactos parassociais, regimentos internos, modelos de contratação etc) também precisam de aperfeiçoamento, temos dito e repetido. A atividade societária revela alertas e recomenda reposicionamento das plataformas normativas por meio das quais a corporação se estrutura juridicamente. Isso, demonstramos em “Estruturação Jurídica de Empresas” (Editora Atlas, 2024), corresponde a uma técnica, a um método de trabalho.
Há quem não se programe para uma atualização constante. Esperam reconhecer o momento em que a revisão é necessária. Em fato, algumas situações na empresa acendem o sinal de alerta. Contudo, o mais comum é que as pessoas se acostumem com sua rotina e, assim, jamais se atentem para os indicativos de que é preciso definir caminhos, entre os diversos existentes, para manter a saúde e a constância da atividade negocial. A percepção dessa necessidade/oportunidade de renovação é manifestação de uma sabedoria rara, infelizmente. A agenda do comodismo é a regra, sem atentar para mudanças externas, como os cenários do mercado, e internas, como o desbalanceamento de suas operações. Investidores (sócios), administradores e gerentes não atentos são atalhos para as crises. No campo dos Direitos Societários, irrompem-se as desconfianças, as desavenças, os litígios e todos os problemas daí decorrentes.
Desse ponto em diante, a discussão poderia caminhar por outras sendas: a ciência da administração de empresas, quando não pelas Ciências Contábeis, para não falar de outras disciplinas do conhecimento aplicadas ao mercado, à produção, aos negócios, como a Engenharia de Produção, a Engenharia Logística, a Mercadologia. Cabe-nos aqui chamar atenção para a elevada relevância do tema jurídico quando se está diante da oportunidade/necessidade/urgência de renovar uma empresa. Vamos tocá-la para o Direito: em linhas gerais, como se afere do 966 do Código Civil, empresas são atividades produtivas organizadas; são negócios, isto é, são atividades negociais: uma sucessão de atos jurídicos que se encadeiam. Consequentemente, velar por essa organização inclui o aspecto jurídico, ainda que não tenhamos uma tradição correspondente. Também aqui, reorganizar [juridicamente] é postura para proteger a azienda produtiva ou, como dissemos acima, para garantir sua sustentabilidade mercantil.
Reformas jurídicas podem se mostrar recomendáveis, oportunas, senão necessárias, o que é mais comum. Em várias cenas, é a única forma de sair do atoleiro, de evitar um valei-me-Deus ou – quem sabe? – um Deus-dará, ambos muito comuns e, para quem é do ramo, com sentidos diversos. Em fato, por mais óbvio que seja, há que sublinhar: organizações são fenômenos humanos e, consequentemente, estão propícias a crises de conjuntura. Isso recomenda uma gestão jurídica proativa, ainda que a maioria dos atores do mercado (investidores, sócios, administradores societários, gestores) não pense assim. Aliás, ninguém impede que fujam da civilização aqueles que nela não creem, façam-no abruptamente, quiçá de leve e devagar. O Direito Penal até que se esforça, mas sem eficácia que se possa festejar. Mas, insistindo por aí, vamos parar em “Haiti” (Caetano Veloso e Gilberto Gil), o que foge ao nosso intento e, talvez, à vontade da República.
Vamos ao cerne: não adianta insistir com quem não crê na ciência que dominamos e na tecnologia que oferecemos. Médicos, engenheiros, nutricionistas, especialistas em segurança de trânsito, entre outros tantos experts, contarão histórias análogas. Sabichões teimosos, que estão certos de saber tudo e não precisar dos serviços de ninguém, não são bons parceiros. É contraproducente e frustrante. Pior: não são bons clientes e a relação profissional torna-se um ambiente de maior instabilidade, com riscos crescentes: o tombo provável do descompasso. Há quem aprenda só com as próprias feridas – se os golpes não os abatem por completo. Há quem se fira e não aprenda; há quem, embora arrasado, ainda clame estar ele certo e o mundo equivocado. Mais do que a razão, é a paixão que move boa parte dos seres humanos. Patético. Mas não se avexe, não. Há todo tipo de advogado, como há todo tipo de cliente; acabam por se encontrar e calçar, como em qualquer boa loja ou departamento de sapatos.
Não se avexe, não; muitos do que antes descartaram, acabam por voltar, seja por que aprenderam com o erro (raro), seja por pura e simples imitação: percebem terem sido deixados para trás por quem foi proativo e tentam salvar o que é possível. O mais comum? Sujeitos que recusaram os benefícios do planejamento jurídico e enfrentam o inferno das autuações e do processo (administrativo, judiciário, arbitral). Então, tomam o dito por não dito e recorrem a qualquer coisa: por vezes o melhor caminho, o mais correto; por vezes, vias tortuosas oferecidas por milagreiros de qualquer laia; como se diz por aqui em Minas, para quem está afogando, jacaré é toco. O que achamos? Repetimos: anda melhor quem se planeja, quem se estrutura adequadamente. Advogado não é custo, é investimento.
Mas voltemos à renovação jurídica corporativa. Por que seria proveitosa ou, quiçá, necessária? Como se vai explicar isso a um mercado caturro que, no mor das vezes, insiste em compreender honorários advocatícios como despesa a ser evitada? Antes de mais nada, é preciso reconhecer que muitas empresas simplesmente não têm uma estruturação jurídica correta; há defeitos. E isso é assustadoramente comum. A gente lê o ato constitutivo e… olha aqui!.. e isso?.. cê viu?.. nó!.. nusga!… Deus! Há de um tudo. Atos constitutivos de sociedades unipessoais que preveem exclusão de sócio, direito de recesso, quórum de aprovação fracionado, responsabilidade solidária pela integralização (solidariedade de um só) e daí por diante, até o inferno. Há contratos de sociedade em que quóruns não encontram expressão possível na composição societária: 75% para aprovar? Mas há 67% e 100%… qual aplica? Nesse plano, não há falar em renovação ou reestruturação, mas literalmente em correção de erros. E insistimos: isso é muito comum. Reformar é indispensável nesses casos.
O risco jurídico precisa ser considerado; aliás, é preciso falar de risco jurídico porque, no geral, ele é elevado. Veja o julgamento do Tema 97 da tabela de recursos repetitivos do Superior Tribunal de Justiça, reconhecendo a responsabilidade subsidiária do sócio pela falta de pagamento do tributo quando “tenha agido com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto da empresa” (REsp repetitivo 1.101.728/SP). Outro exemplo está no julgamento do REsp n. 2.020.490/SP: : “a apuração de haveres se processa da forma prevista no contrato social porque, nessa seara, prevalece o princípio da força obrigatória dos contratos, cujo fundamento é a autonomia da vontade, desde que observados os limites legais e os princípios gerais do direito.” Como se não bastasse, um ato constitutivo tecnicamente frágil pode se tornar fator inibidor para a sociedade empresária e seus negócios. Exemplo? A fragilidade jurídica é levada em conta por bancos e entidades financiadoras, impactando a realização de operações ou o seu custo financeiro.
Para além desse básico, colocam-se outros fatores igualmente relevantes. Os parâmetros jurídicos têm atravessado uma fase de volatilidade que vence os ciclos habitualmente verificados no Direito. Vivemos um frenesi de reformas legislativas. Reforma é a palavra da ordem e, cá entre nós, em muitos casos não são resultado de ciência jurídica, mas de conveniência política. Conferir se as plataformas normativas existentes (terciárias e secundárias, se existentes; primária, que é obrigatória, como demonstramos em “Estruturação Jurídica de Empresas”; Editora Atlas, 2024) é medida periódica que se recomenda. Como se não bastasse, é preciso considerar o impacto das alterações jurisprudenciais que, em nossos dias, são igualmente dinâmicas e, mais do que isso, surpreendentes. Há quem diga que uma das principais vantagens da cláusula compromissória é que árbitros são mais previsíveis que juízes e tribunais. Há mais segurança e previsibilidade, o que, em se tratando de empresas e mercado, são balizas fundamentais.
Ainda é preciso reconhecer que a própria tecnologia jurídica experimenta inovações que podem ser proveitosamente incorporadas ao ato constitutivo, aos acordos de sócios e outros pactos parassociais, bem como aos regramentos laterais (plataformas normativas terciárias). Quantas vezes, lendo a doutrina, percebemos possibilidades jurídicas que podem beneficiar esse ou aquele cliente? Muitas dos modelos de cláusulas e artigos que constam do “Manual de Redação de Contratos Sociais, Estatutos e Acordos de Sócios” (8.ed. Editora Atlas, 2024), nasceram assim. Some-se a adoção de normas que corrijam distorções verificadas nas relações sociais, reforçar elementos de bom governo corporativo (ou boa governança), desfazendo equações defeituosas que gerem um maior estresse entre os sócios, entre esses e a administração societário. Entre outras frentes promissoras, intervenções advocatícias que provêm de ação integrada entre profissionais de setores diversos, vale dizer, advogados e consultores empresariais, advogados e contadores, advogados e engenheiros de produção e logítisca etc.
Em muitos casos, é o mercado quem exige reestruturações e renovações jurídicas da corporação, estejam ou não calçadas em plataformas normativas que as regulamentem. O Direito Empresarial do Agronegócio oferece vários exemplos neste sentido, a começar por aquelas empresas que produzem e/ou comercializem bens destinados à exportação veem-se demandados a atender padrões de sustentabilidade, a exemplo da EUDR – European Union Deforestation Regulation (Regulamento Europeu para Produtos Livres de Desmatamento). Somem-se regramentos internos para atender a exigências de rastreabilidade e certificações, a exemplo do Cadastro Ambiental Rural (CAR), do Guia de Transito Animal (GTA), para não falar em projetos de geração de créditos de carbono, emissão de Crédito de Produto Rural (CPR), certificação de produto proveniente de agricultura regenerativa, entre outros. Tratamos do tema em “Escritórios Verdes e a Estruturação Jurídica de Empresas” (https://blog.grupogen.com.br/juridico/areas-de-interesse/empresarial/escritorios-verdes-e-a-estruturacao-juridica-de-empresas%ef%bf%bc/). Essencialmente, não é apenas fazer, mas ter a capacidade de documentar, comprovar, demonstrar a iniciativa. Montar o caso, partindo da deliberação do projeto, definição de fases, registro das atividades e assim por diante.
Nada disso se faz sem tecnologia jurídica. E não há tecnologia, em qualquer área sem que haja domínio da respectiva teoria. Teoria e prática são verso e anverso de uma mesma moeda, eis o ponto; claro como o sol que se derrama pelas vidraças. Por sorte, são vastas as listas bibliográficas do Direito Empresarial, Direito Societário e disciplinas afins. Não adianta pretender clientes sem dominar os instrumentos e mecanismos que serão úteis àqueles que contratam seus serviços. Um médico não pode aprender seu mister no atendimento dos pacientes ou praticará ato ilícito; é temeroso aprender cálculos estruturais em cima do projeto de um edifício que já se vai erguer. O advogado que, crendo-se protegido pelo tratamento de doutor, põe-se a tonitruar asneiras para compensar as poucas horas de estudo, presta um desserviço ao contratante e à classe em geral. Muitos que, no mercado empresarial, duvidam dos méritos da consultoria e assessoria jurídica, viveram ou ouviram histórias de quem passou por tais aventureiros. Mas quando a coisa é bem feita, a estruturação jurídica (ou a reestruturação) dá gosto de ver.
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