GENJURÍDICO
Escritórios Verdes e a Estruturação Jurídica de Empresas

32

Ínicio

>

Artigos

>

Empresarial

ARTIGOS

EMPRESARIAL

Escritórios Verdes e a Estruturação Jurídica de Empresas

Gladston Mamede
Gladston Mamede

26/02/2024

É difícil imaginar uma empresa que consiga sucesso dando as costas aos seus consumidores, suas demandas e expectativas. Não se ganha mercado assim e a história está repleta de casos de crises causadas por erros desse tipo. Mas a relação com os mercados está mudando; e para se tornar ainda mais árdua. Já não se trata mais de meras preferências, mas de regras de admissão para o mercado. Não mais uma questão de satisfazer o gosto desse ou daquele cliente, mas de satisfazer os requisitos desse ou daquele mercado. E, sem isso, não se negocia, não se vende. Uma mudança radical no plano mercadológico: não se trata mais de estabelecer vantagens competitivas, mas, em primeiro lugar, de atender aos requisitos para ingresso. Eis o que se pode chamar de um novo ciclo, com impactos diretos na maneira de trabalhar, de operar e de contratar. Algo que não pode passar despercebido por advogados que atuam na consultoria e na assessoria empresarial.

Mudou. E aí? Os melhores administradores empresariais, os melhores executivos, superaram cenários desafiadores; amoldam-se. E, para tanto, lançam mão de auxiliares, de experts, entre os quais se incluem os advogados. Houve ciclos, há ciclos, haverá ciclos. Há quem parta para a briga, perdendo ou ganhando (e nem sempre obtendo vantagens empresariais com tal vitória); há quem aprenda a lidar com as novas agendas e, assim, conduza (lidere!) organizações resilientes, aptas a enfrentar incertezas e a percorrer caminhos diversos. O bom navegador não escolhe o tempo, nem as condições do mar; mantem o dinamismo, fomenta um ambiente eficiente, toca a nau em direção ao seu destino. E o destino da empresa é o lucro pela realização de seu objeto social. Se novos critérios se mostram imprescindíveis, deve-se atendê-los: capacidade de adaptação é uma virtude mercantil. 

Voltemos então à questão dos parâmetros mínimos para ser admitido em certos mercados. No passado, atentava-se para os requisitos intrínsecos do produto: composição, ingredientes, etc. Mas agora, vai-se além. Exige-se transparência sobre todo o processo produtivo e suas implicações sociais e ambientais. Não é bom se não há respeito ao ser humano e as comunidades; também não é bom se há impactos ambientais negativos. Afinal, os consumidores optam por produtos que revelem tais características ou virtudes. A rede mundial de cafeterias Starbucks anuncia trabalhar apenas com fazendas certificadas, ambiental e socialmente responsáveis; quando, vira e mexe, descobrem-se práticas desconforme a tais parâmetros, há um escândalo. Foi o que ocorreu em 2018, com uma fazenda certificada, na qual se encontrou trabalho análogo à escravidão. O mesmo fato voltou a ocorrer em 2023, com enorme repercussão negativa. 

Escritórios verdes

É neste contexto que se colocam os escritórios verdes: uma nova maneira de fazer advocacia para empresas e, mais do que isso, de estruturar ou reestruturar empresas. Isso: uma mudança de paradigmas no que seja o trabalho advocatício. Em Estruturação Jurídica de Empresas (Editora Atlas, 2024), chamamos atenção para uma perspectiva dinâmica do Direito Empresarial e do Direito Societário. Eis um viés diverso da perspectiva clássica que, procuramos demonstrar, é estática: foca-se nos institutos isoladamente, como se os tomasse como peças, como partes. Em oposição, propusemos, é preciso ir além, avançando pela análise de mecanismo, isto é, do resultado da combinação daquelas partes, compondo um todo que serve a uma finalidade, que funciona para algo: por isso usamos a analogia com o mecanismo. Um exemplo fácil é a holding familiar, da qual temos tratado há mais de uma década: institutos do Direito Empresarial, do Direito Societário e do Direito Obrigacional que são combinados – que se ajuntam, que são montados – para constituir um aparelho de titularidade e gestão patrimonial e negocial, bem como regência de relações. Mas esse é assunto que desenvolvemos lá e, neste pequeno artigo, nosso objetivo é oferecer mais um exemplo de aplicação direta dessa teoria (ou, preferindo-se, desse método descrito no livro), quais sejam os chamados escritórios verdes.

Há uma questão prejudicial nesta altura do texto, essencial para que se possa ganhar um repertório mais largo dentro da prática jurídico-empresarial. Empresas podem ser estruturadas de formas diversas, com finalidades diversas, utilizando de uma ou mais plataformas normativas (primária, secundárias e terciárias, como demonstramos, com normas que atendam às três dimensões societárias). É nesse plano que a empresa ganha identidade jurídica e, coerentemente, identidade corporativa. Não é tudo a mesma coisa. Não deve ser. Esquemas jurídicos diversos compõem organizações diferentes e isso se faz em conformidade com a demanda de seus investidores, administradores e/ou do mercado em que se inserem. O conjunto normativo do Banco Itáu S.A. é bem diverso do conjunto normativo do Banco Bradesco S.A.; são infraestruturas jurídicas bem diferentes, a sustentar estruturas corporativas diferentes. Na raiz dessa equação está a excelência de um trabalho advocatício. O que se paga a tais advogados não é gasto; é investimento.

  Aliás, empresas são estruturadas ou reestruturadas, para assumir essa ou aquela configuração, de acordo com a demanda de seus sócios e administradores, embora pautando-se pelo sistema legal vigente. A transformação das empresas e, com ela, do Direito das Empresas, nunca vai ter fim; e isso não tem nada a ver com leis ou jurisprudência: o mercado assimila alterações, experimenta seus benefícios, e já passa a demandar novos avanços. Todos estão buscando melhores resultados, mais segurança, mais eficiência, seja por aumento de receita, seja por redução de custos que resultem da simplificação de processos, do barateamento de investimentos, da integração de novas tecnologias. Os números que faziam um abastado comerciante sentir-se rico – muito rico! – em 1925, podem frustrar um empresário de médio porte em nossos dias. Não é só. Empresas inserem-se na comunidade e as pautas sociais mudam, assim como o comportamento do ser humano, individual e coletivamente. Os escritórios verdes são um exemplo claro disso: surgiram em razão da demanda ambiental. Não uma demanda genérica que, como se sabe, já era atendida pela advocacia há muito. Mas algo diverso, ainda mais especializado. É recomendável posicionar adequadamente o tema. 

A expressão escritório verde encontra múltiplos significados; o menos interessante deles traduz a cor das paredes. Na gestão de empresas, pode significar edificações/atividades sustentáveis, com anulação da emissão de carbono e afins. Na arquitetura, decoração e paisagismo, uso intenso de plantas no ambiente de trabalho, jardins etc, traduz um escritório verde. Com exceção da pintura, está-se diante de um diferencial próprio: relacionar-se com a tendência de preservação ambiental e respostas aos desafios climáticos cujos efeitos maléficos já se fazem sentir para lá e para cá. Como resultado deste movimento, a simples atenção às normas legais de proteção ao meio-ambiente deixou de ser considerada suficiente. Definiu-se uma fronteira nova de regência ambiental, mais radical, a justificar uma nova significação para a mesma expressão: um tipo de organização profissional que oferece tecnologia não-só jurídica a bem de avanços na acomodação de empreendimentos produtivos a requisitos ambientais, quanto não mais, podendo alcançar parâmetros sociais e de boa administração empresarial (bom governo corporativo, boa governança corporativa).

A estruturação verde se faz para adequar uma corporação a todos os parâmetros que são demandados para ser aceita em determinado mercado ou comprador. Não é um trabalho meramente burocrático; não é uma mera questão de providenciar documentos e os anexar a formulários. É muito mais do que isso e, em muitos casos, demanda explicar como as regras devem ser vividas pela empresa, revisar culturas produtivas, adequando-as a um novo paradigma, planejar fases subsequentes, realizar alterações que podem ser de grande monta e ter grande impacto sobre a forma que sempre foram feitas as coisas. Não são advogados que mandam, pura e simplesmente, mas que revelam habilidades interpessoais: educam, ensinam. Seu trabalho é medido pelo fato de a empresa efetivamente conseguir se adequar, o que pode começar por alterações no ato constitutivo, passar por acordos de sócios (plataformas normativas acessórias) e, não raro, encontra excelência nas plataformas normativas laterais, como regulamentos de produção, códigos de ética e comportamento etc. São estratégias e atuação voltadas para o prazo longo, vale dizer, com caráter de perpetuidade: criar produções efetivamente sustentáveis.

Desafios da estruturação verde

O grande desafio da estruturação verde está na sua especificidade de cada situação. Em seus módulos mais simples, há apenas um dever de atender a normas ambientais legais. Mas pode ir bem além, com normas complementares. Daí haver especializações: escritórios que estão especializados no mercado muçulmano de carnes, no mercado chinês de cereais, no mercado europeu, cada qual com suas exigências, nomeadamente para carnes. Considerando o mercado que se quer atender, define-se um tipo de estruturação (ou de reestruturação) empresarial própria, que tem sua base jurídica, mas avança por rotinas de produção, registros e escrituração específicas (a exemplo da rastreabilidade de toda a cadeia produtiva), com impacto direto em toda a atividade negocial. Mas essencialmente Estruturação Jurídica da Empresa. O Direito – e a prática da advocacia – como expressão da capacidade de construir novos modelos corporativos. E isso se faz, reiteramos, por meio de normas jurídicas privadas. Por isso, precisamos de advogados aptos à transformação: agentes de transformação, com posturas inclusive, aceitando a voz alheia (mesmo de outra disciplina) como parte do processo de construção de soluções.

Haverá quem diga que os profissionais dos escritórios verdes são despachantes que apenas trabalham para regularizar empresas para as regras de certos fornecedores ou mercados. É uma simplificação perigosa. Antes de mais nada, pelo fato de ser um trabalho altamente qualificado que principia com a interpretação das normas e definição dos meios a partir dos quais podem ser atendidos. Seria como se referir à organização de uma franquia internacional ou um grande shopping como trabalho de despachante. Somem-se o licenciamento de lavras minerárias que, como se sabe, podem valer bilhões de reais. Sim, é regularização; mas o nível é tão elevado que advogados são indispensáveis. Afinal, há que resolver problemas estruturados, quando não seja necessário partir de antes: estruturar, construir a equação, para então resolver. Há que interpretar as regras que devem ser respeitadas, dialogar com autoridades certificadoras, com profissionais de outras áreas, compor alterações jurídicas estruturais (ato constitutivo, pactos parassociais, regimentos empresariais) e mesmo orientar juridicamente a redefinição de métodos de trabalho.

Do jeito que os ventos estão soprando, tais escritórios estão se tornando mais e mais comuns na indústria agropecuária e alimentícia, bem como na indústria da mineração, de energia, de alimentos,  na mesma toada em que seguem avançando por outras áreas. A demanda é tão grande, razão pela qual muitas grandes empresas começaram a criar departamentos que funcionam auxiliando seus fornecedores. Isso mesmo. O comprador oferecendo, a seus possíveis fornecedores, assessoria para que seus bens e/ou serviços atendam aos parâmetros regulamentares de melhores-práticas ambientais; os grandes exportadores de carne, mais uma vez, são o melhor exemplo. Mas há outros. Obviamente, essa movimentação não passou despercebida às grandes bancas advocatícias que, elas próprias, criaram equipes especializadas na estruturação verde ampla: não apenas as normas do Direito Ambiental, mas todos os requisitos de determinados mercados.

Também chama atenção o grande número de escritórios-butique: pequenas estruturas que oferecem um serviço personalizado, focado em poucos clientes que, assim, beneficiam-se de uma atenção maior; uma clientela que procura (e remunera) pelo luxo da pessoalidade, da exclusividade, colhendo os frutos respectivos. Não é só. Há mesmo figuras híbridas interessantes: escritórios que combinam profissionais de áreas diversas que atuam em eixo (hub), atingindo uma maturidade ainda mais elevada na condução dos projetos, vale dizer, orientando esforços de múltiplas perspectivas para obter um melhor resultado: é uma mudança cultural da forma de atuar, fugindo ao normal da decisão única (ou monofocal). Equipes multifocais, somando olhares/perspectivas diversas, a jurídica entre elas, são mais ágeis no ajuste dos objetivos, operam com mais precisão e produtividade, geram maior valor por serem mais ricas no material que produzem. Direito, Administração de Empresa, Engenharia Ambiental, Engenharia de Minas, Geologia, Contabilidade, Arquitetura, logística etc. E, sim, isso pode se concretizar por meio de parcerias e/ou de terceirização.

Disso é possível aprender que a espinha dorsal da advocacia contemporânea não está limitada às demandas judiciárias e arbitrais. A valorização da contenda deixa todo oculto um amplo espaço profissional: um espaço de trabalho diverso e no qual a realização pessoal é mais provável; deixar os corredores de fóruns e tribunais pode ser um alívio. Ao advogado empresarialista não-contencioso reserva-se um espaço positivamente desafiador, embora sejam indispensáveis virtudes compatíveis. Antes de mais, precisa saber trabalhar em equipe, saber ser parte de um time. Melhor será se souber observar as pessoas e os ambientes, se desenvolver autocrítica – e isso implica autoconhecimento – e, finalmente, autocontrole. Sua atuação faz-se em planos muito técnicos, em que elementos jurídicos somam-se a elementos não-jurídicos. E tudo varia de setor a setor, de mercado a mercado. O cenário que se apresente em cada caso define as parcerias que se somarão para atender o cliente em conformidade com suas peculiaridades. Importa dar conta do desafio que tenha se apresentado e oferecer resultados.

A estruturação jurídica verde deve ser compreendida como uma renovação que possibilita a perenidade empresarial e, consequentemente, a manutenção dos benefícios da exploração negocial, a incluir os lucros respectivos. Ainda que seja um tipo específico de estruturação, segue os parâmetros e os métodos sobre o qual cuidamos em Estruturação Jurídica de Empresas (Editora Atlas, 2024), nomeadamente pelo uso de plataformas normativas voltadas para as dimensões de atuação empresarial. Mas é um trabalho também voltado para a gestão de pessoas: o impacto que se deve observar na maneira de fazer, ou seja, no comportamento dos trabalhadores e demais colaboradores envolvidos na operação: uma conexão verdadeira com os compromissos ASG que tenham sido assumidos pela corporação. E isso, por si só, é o resultado de tecnologias jurídica e de administração empresarial, combinadas. A estruturação verde é vitoriosa quando seus cânones permeiam a empresa como um todo: mudar as pessoas, o que traduz dar-lhes acesso a um conhecimento novo, ambientalmente responsável. 

É uma questão de sobrevivência: atender ao que o mercado quer. Contestar é um caminho habitual, mas arriscado: o conflito pode não garantir o sucesso, ainda que se vença demandas. Empresas começam a perceber que é melhor ser bem-sucedidas em suas operações, mais do que em seus processos judiciais/arbitrais. Há uma revolução em curso e não a vê quem não quer. Ou quem não pode ver. Em oposição, acreditamos que a transformação da economia e do mercado em geral, assimilando a preocupação com sustentabilidade, entre outras, refez o papel da estrutura empresarial que, como temos alertado, pode ser cobrada a integrar as referências procuradas pelos clientes. Este é um tempo em que se abriram oportunidades para profissionais e equipes que constroem histórias de sucesso calçadas na capacidade de adaptação ao que é pedido, em lugar da postura reativa de simplesmente o contestar. Profissionais que atuam fora da indústria jurídica do conflito que, infelizmente, nem sempre é produtiva para as partes envolvidas. Lucram causídicos e pareceristas, nem sempre as empresas e outros implicados. Mas há alternativas para os advogados: há céus abertos para voos diversos.

CLIQUE E CONHEÇA O LIVRO!


LEIA TAMBÉM

Assine nossa Newsletter

Li e aceito a Política de privacidade

GENJURÍDICO

De maneira independente, os autores e colaboradores do GEN Jurídico, renomados juristas e doutrinadores nacionais, se posicionam diante de questões relevantes do cotidiano e universo jurídico.

Áreas de Interesse

ÁREAS DE INTERESSE

Administrativo

Agronegócio

Ambiental

Biodireito

Civil

Constitucional

Consumidor

Direito Comparado

Direito Digital

Direitos Humanos e Fundamentais

ECA

Eleitoral

Empreendedorismo Jurídico

Empresarial

Ética

Filosofia do Direito

Financeiro e Econômico

História do Direito

Imobiliário

Internacional

Mediação e Arbitragem

Notarial e Registral

Penal

Português Jurídico

Previdenciário

Processo Civil

Segurança e Saúde no Trabalho

Trabalho

Tributário

SAIBA MAIS

    SAIBA MAIS
  • Autores
  • Contato
  • Quem Somos
  • Regulamento Geral
    • SIGA