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Empresas que renunciam ao poder de se autorregulamentar

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Empresas que renunciam ao poder de se autorregulamentar

Gladston Mamede
Gladston Mamede

05/01/2024

A assustadora maioria dos contratos sociais, das mais de 6,5 milhões de sociedades limitadas existentes no país, não passa de uma insólita reiteração de um modelo básico, quase um formulário-padrão, com variações irrelevantes aqui e acolá. É isso mesmo o que dissemos: há milhões de sociedades que estão assumindo o risco de estarem fundadas e funcionarem sobre bases jurídicas genéricas, prontas para se submeterem ao aprendizado ágil e doloroso das falhas (contornáveis) e o mantra trágico do não-sabia, não-sabia, não-sabia. Não adianta: deveria saber; é a norma. Todos os que entram em campo precisam conhecer as regras e isso não é diverso no mercado: há regras empresariais, contratuais, fiscais, trabalhistas, consumeristas, ambientais, entre tantos outros –istas e –ais. E isso não quer dizer que apenas bacharéis em Direito possam se tornar comerciantes; quer dizer que o advogado é um assessor e consultor indispensável a todos os empresários – e outros atores negociais não-empresários. Como os contadores também o são; e, para as obras, os engenheiros. Bem antes das lamúrias – não-sabia, não-sabia, não-sabia – houve um brado redundante de vou fazer do meu jeito e pronto! A tragédia resulta de decisões humanas; não são casos fortuitos; não são motivos de força maior. São a afirmação de más-decisões sobre o destino de cada um. 

Há que ter um advogado e com ele aprender como fazer as coisas do modo lícito. E um bom advogado pois o mal timoneiro deixa a nau seguir o caminho das fragas, como o vaqueiro desatento pode encontrar a vaca já imersa no brejo. Mas isso não é difícil: há excelentes advogados em toda a República: de jovens brilhantes, passando por profissionais experientes, todos dedicados aos estudos, mantendo-se atualizados, bem como atentos aos casos que lhes são submetidos, aos detalhes que fazem o específico em cada cliente, ao melhor caminho que se lhes pode oferecer. Portanto, a boa conformação jurídica de uma atividade negocial não é um privilégio, ainda que seja uma conquista. Quem quer, tem que ir atrás, só isso. O lucro resulta das receitas mas, por igual, da ausência ou do menor volume de perdas, o que aconselha a segurança jurídica e recomenda o exercício do direito de se autorregulamentar.

Direito de se autorregulamentar

– Autorregulamentação? Como assim?

Uma das premissas sobre as quais fundamos Estruturação Jurídica de Empresas (Editora Atlas) é a concessão, pelo Direito Brasileiro (Constituição e leis), de um poder de autorregulamentação pela sociedade empresária e das respectivas atividades negociais. Em linhas gerais, resumindo o que lá demonstramos com mais vagar e profundidade, o Código Civil traz uma regulamentação genérica para as sociedades limitadas. Uma mesma regra para todas, embora permitindo que o contrato social enuncie normas que deem tradução às especificidades de cada sociedade. Isso é um poder de autorregulamentação. Quando se adota um contrato social genérico, básico, como esses que estão disponíveis na Internet, aceita-se uma regência genérica, com todos os seus ônus. Como dissemos no livro, são regras que, por dizerem respeito a qualquer um, acabam não dizendo respeito a ninguém. Dessa maneira, diante de um problema qualquer, o contrato social não socorrerá a ninguém. E é assustador. Temos repetido isso como engenheiros repetem a necessidade de cuidar de saneamento básico, como cardiologistas repetem a necessidade de mudar hábitos, oncologistas repetem a necessidade de exames preventivos, pedagogos repetem a necessidade de dar maior atenção ao ensino fundamental, entre tantos outros déficits ainda verificados em nossa República. São ladainhas que devem ser entoadas até que tais desafios sejam vencidos.

As coisas estão mudando, é claro. Mas há legiões de empresários e administradores societários que ainda se arriscam. Preocupam-se com as tendências do mercado consumidor, sem se atentar para as leis que, elas próprias, mudam e lhes podem pegar no contrapé. Uma das satisfações de organizar e ver publicado o “Manual de Redação de Contratos Sociais, Estatutos e Acordos de Sócios” (Editora Atlas) foi perceber que a cuidado com a redação de atos constitutivos e pactos parassociais já grassa na advocacia nacional. É um passo; mas há muito mais por andar vez que as necessidades brasileiras são enormes. Tantas que é possível duvidar se há advocados societaristas (profissionais mais que especializados: focados no Direito Societário) em número suficiente para uma alteração rápida e de boa qualidade para responder a essa endemia de estruturações empresariais de baixa tecnologia. É elementar uma disposição para ajudar, para trazer as plataformas normativas a um ponto em que efetivamente traduzam as particularidades de cada coletividade social, bem como de cada atividade negocial. 

Os experts jurídicos devem perceber que há ferramentas para lhes ajudar a prestar serviços que correspondam a tal demanda. Mas é indispensável abrir o olhar, ou seja, faz-se indispensável uma postura proativa. Mas, para além dele, são os investidores e gestores empresariais que carecem de saber das vantagens dessa assessoria. Por isso, temos que oferecer nossa contribuição, principalmente com uma linguagem que faça sentido para essa ampla clientela. Há que dar uma resposta; há que conectar. Aliás, há mesmo uma demanda por capacitar os atores empresariais para os aspectos jurídicos das atividades em que estão inseridos. Ganharão os investidores, os sócios, as administrações e gerência, as empresas, o mercado em geral e, enfim, a República.

O primeiro desafio, entrementes, é ampliar a classe de advogados que esteja efetivamente habilitada a responder à situação em que vivem as empresas: cada uma delas, em sua individualidade e considerados seus problemas, seus riscos, suas oportunidades. Afinal, é preciso entregar trabalhos que agreguem valor e ofereçam uma melhor cobertura jurídica. Isso parte de uma mudança na abordagem, avança pela estruturação de uma narrativa profissional – técnica! – que seja capaz de demonstrar que segurança jurídica é uma forma específica de poder (de empoderamento, como se tornou corriqueiro dizer), conectando melhor o empresário (e mesmo seus colaboradores) nos padrões jurídicos vigentes e, quiçá (é nossa proposta), em melhores padrões entre os que estão disponíveis. Trabalhar a empresa como uma organização de atos jurídicos (e negócios são atos jurídicas, lembra a Parte Geral do Código Civil); uma organização jurídica que tem um propósito: prestar serviços e/ou [produzir e] vender, atender ao mercado consumidor, oferecer oportunidades de trabalho, mas, por igual, gerar resultados positivos, gerar riqueza, gerar lucro. E isso começa pela adequada regência da coletividade social e segue pela boa definição da gestão.

É bom ter por referência os resultados e a lucratividade quando ser formula o discurso profissional: as análises, o planejamento, as propostas, o uso dessa ou daquela estratégia ou ferramenta. É um atributo de maturidade profissional no âmbito do Direito Empresarial que, provavelmente, não é tão marcante em outras áreas; muitos parecem desconhecer a figura, a estrutura e a lógica do lucro. O empresarialista não pode se dar a esse luxo: o lucro está na essência da disciplina e é uma referência obrigatória: um norte para o qual a bússola aponta insistentemente. Por isso, no diálogo do Direito com as demais expertises, é preciso integrar-se a tal configuração das atividades mercantis. É  bom quando o advogado pode falar de igual para igual sobre a empresa e suas finalidades. Saber ter uma ideia de custos (inclusive custos de capital), investimentos necessários, retorno possível e provável, evita demonstrar uma ingenuidade empresarial que não é rara e, habitualmente, trabalha contra a imagem do causídico.

– Não é assim que funciona, doutor. A gente tem que ganhar algum dinheiro, não sabe? 

O comercialista deve compartilhar do olhar empresarial e nisso não há um truísmo. Não se pretende, por exemplo, que o advogado criminalista compartilhe do olhar criminoso; não lhe é próprio e talvez não lhe seja sequer recomendável (discussãoà qual renunciamos; que delas se ocupem os penalistas). Mas o profissional que atua na empresa tem que compreender a razão mercantil. Já nos bancos de faculdade percebe-se que a grande dificuldade dos alunos é essa: há os que rapidamente pegam a ideia pelo lado certo – o ângulo que permite ver o ambiente negocial – e os que estranham a tudo, como se contemplassem um universo paralelo, um outro mundo. E o professor precisa dizer-lhes: “esta é uma disciplina de um mundo em que as pessoas ganham dinheiro!” Suas regras narram séculos e séculos nos quais industriais, transportadores e distribuidores, lojistas, banqueiros e outros atores mercantis foram estabelecendo parâmetros para ordenar essa busca generalizada por riqueza. 

O bom empresarialista acostuma o olhar ao mercado com ligeireza. Vê-se quase como um auxiliar do comércio (não o é; é um advogado, função com lastro constitucional e regência legal específica: Lei 8.906/94), trabalhe como empregado ou como terceirizatário (advocacia de partido; prestação de serviços específica). Sentir que se faz parte de uma organização (reiteramo-nos: uma corporação) que gira um negócio para auferir vantagens econômicas. Trabalha-se pelo lucro do cliente. Lucro lícito! – é sempre bom não esquecer; melhor ainda se lucro ético e responsável. Estamos evoluindo para isso. Mas é assunto diverso, embora não menos importante. Melhor será a coerência de retomar o mote original deste ensaio. 

Portanto, é recomendável comungar com o cliente da compreensão da atividade negocial, ainda que sem a vivência da empresa em si. Compreender ainda que se tratem de perspectivas diversas: (1) o negócio como ação econômica (visando o lucro) é o ângulo do empresário, gerentes e colaboradores afins; (2) o negócio como fato jurídico (devendo atender a lei), é o ângulo do advogado. Entrementes, melhor (ou imprescindível) será que tais perspectivas, apesar de manifestar ângulos diversos, sejam complementares: somem-se à bem da finalidade mercantil. Por isso, dizemos que quem investe para se transformar em advocacia empresarialista e societarista, precisa fugir ao comezinho e trabalhar para gerar e entregar valor e conteúdo relevante para os clientes. Isso inclui buscar um conhecimento mínimo sobre a administração de empresas, sobre os trabalhos de gestão negocial. É um meio para compreender o que se passa e facilitar a conversação sobre o que deve-ser (os cânones jurídicos). 

Em suma, manter o foco no Direito – que é o seu mister – mas reconhecendo o valor dos demais conhecimentos e argumentos e pretensões que se enfeixam no que se chama empresa, mas poderia ser chamado de organização. Eis o desafio: há que ler bastante sobre o Direito e suas alterações, sua evolução; mas há que ampliar o interesse e a leitura para especialidades com as quais a interação se faça necessária. Isso pode facilitar (e muito) o diálogo. Exercer a profissão em corporações (advocacia empresarial) é enfrentar o desafio da comunicação corporativa, vale dizer, de estar em Babel e ali sobreviver e vencer. Saber compreender e se fazer compreender, ainda que cada um no espaço de sua técnica, de seu mister, é um dos pilares essenciais da boa atuação corporativa.

É recomendável diferenciar-se, ter relacionamentos interativos que demonstrem que o serviço é especial, que revela uma tecnologia (e uma proteção) que não se encontrará em qualquer lugar, que é incomum. A qualidade jurídica cascatea seus benefícios pela empresa, não se pode esquecer disso. A experiência do cliente deve ser única, além dos demais escritórios, mais responsável. Dar atenção ao período formativo é reduzir a exposição das partes ao risco dos malogros corporativos. Pode não ser possível quantificar o retorno de tal investimento no serviço, mas facilmente se percebe uma elevação no nível de engajamento das empresas clientes e seu maior interesse por uma assessoria mais ampla, com uma cobertura maior de serviços.

O mercado experimenta concorrência ampliada. A toda hora, noticiam-se crises setoriais ou nessa ou naquela empresa. Virar esse jogo pressupõe recorrer a arranjos jurídicos mais tecnológicos do que a mera policitação (oferta contratual que se dá no ponto de venda); o jogo está mais pegado, mais disputado, e não haverá reequilíbrio de forças sem maior qualidade jurídica.  Advogados (e outros especialistas, obviamente) são parceiros indispensáveis para reverter um quadro que pode se extremar em adversidade. Não se deveria dispensar tal auxílio e suas ferramentas; não é um simples rouba-monte; é muito mais. Exemplo fácil:  o enorme mercado conquistado pelos queijos de Minas Gerais após optarem por se apresentar como denominações de origem (outra tecnologia jurídica), bem como atender a outras regulações para, então, conquistarem mesmo clientes no exterior.  Pagar bons advogados é investimento, não é despesa.

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