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Engenharia de Capital e Intermediação de Crédito
07/10/2024
O Direito Empresarial é uma disciplina dinâmica que instiga e desafia seus estudantes e operadores. Há sempre uma novidade, uma nova estratégia, um aperfeiçoamento, um movimento de ajuste, uma nova tecnologia. Coisas que podem beneficiar as empresas em seu esforço de garantir uma posição segura, competitiva e lucrativa no mercado. Por isso, há casos reais ao longo do “Manual de Direito Empresarial” (18.ed. Editora Atlas, 2024): para exibir a fascinação da disciplina na prática, na vida: advogar num ambiente em que se buscam soluções, em que é possível oferecer opções, melhorar padrões, vivenciar uma experiência de advocacia completamente diversa dos colegas que são torturados pelo ambiente burocrático dos processos judiciários. O exercício da gestão jurídico-empresarial é fascinante. Mostramos isso quando falamos, neste mesmo blog, sobre os escritórios verdes: “Estruturação ASG (Ambiental, Social e Governança) de Empresas” (https://blog.grupogen.com.br/juridico/areas-de-interesse/empresarial/estruturacao-asg-ambiental-social-e-governanca-de-empresas/). Aqui, vamos relatar uma novidade europeia que, sim, pode ser aplicada por aqui; aliás, algo de que carecemos: escritórios intermediadores de crédito.
Escritórios intermediadores de crédito na Europa
Por meio da Diretiva 2014/17/EU, a União Europeia regulamentou o mercado de crédito e, a partir dela, a República Portuguesa editou o Decreto-Lei n.º 81-C/2017. Há muita matéria jurídica a ser explorada nestes diplomas, mas queremos nos focar numa figura em especial: o intermediário de crédito. E, como somos confessadamente subversivos, não iremos trabalhar o tema por seu viés positivo, ou seja, tal qual está regulamentado além-mar, senão demonstrando como, mesmo sem legislação específica, a questão da assessoria e consultoria de crédito em tema de grande importância para o mercado brasileiro. E, embora as normas europeias alcancem o crédito ao consumo, a incluir financiamentos habitacionais, compra de veículos etc, vamos jogar nossos holofotes sobre outro aspecto: o papel que escritórios de intermediação de crédito podem desempenhar no plano da engenharia de capital, tema ao qual temos dedicado redobrada e renovada atenção em nossos estudos sobre “Estruturação Jurídica de Empresas” (Editora Atlas, 2024); estruturação a incluir a reestruturação, é bom esclarecer aqui, como esclarecemos em nosso livro: construir o mecanismo jurídico empresarial ou reconstruí-lo, reformá-lo, consertá-lo, sempre que se mostre necessário.
De qualquer sorte, antes de prosseguir com esse ensaio, queremos reiterar um ponto: há muito a estudar, em diversas frentes, sobre a figura do intermediário de crédito. Um tema que pode servir a dissertações de mestrado, monografias, artigos etc. Seja no plano do Direito Bancário, seja no plano do Direito do Consumidor, do Direito Concorrencial, dentre outros. Não sem razão, o Banco de Portugal lhe dá explanação didática em Manual: o Regime dos Intermediários de Crédito. Como temos nosso foco na questão da estruturação e reestruturação de empresas, a incluir o tema fundamental da engenharia de capital, seria incoerente e improdutivo caminhar por tal senda nova. Quem quer fazer de um tudo, geralmente não consegue fazer nada. Mas veja que deixamos os hiperlinks que podem orientar um começo de estudo sobre as matérias relativas ao intermediário de crédito, procurando assim facilitar a vida dos colegas, a bem da produção jurídica e, enfim, da República.
Direito empresarial brasileiro
Retomando a via que elegemos, importa-nos chamar a atenção dos empresários brasileiros (e nosso foco e o Direito Empresarial Brasileiro) sobre o papel que podem desempenhar profissionais e escritórios especializados na prestação de serviços de consultoria e assessoria em crédito, a incluir eventual intermediação nas tratativas para sua contratação. Cuida-se de figura que facilmente se encarta dentro da ideia engenharia de capital, fundamental para a viabilidade, a segurança e o sucesso corporativo, como temos destacado: excelentes empresas e empreendimentos podem se mostrar inviáveis por não revelarem uma estrutura de capital adequada, fale-se em capital próprio, fale-se em capital de terceiros (a incluir crédito). Isso é muito sério e grave: a educação econômico-financeira do empresariado, a incluir administradores societários e gerentes empresariais, urge e os efeitos de tal iniciativa seriam sentidos de imediato na economia nacional e em seu desenvolvimento.
Mas vamos do começo, ou seja, voltemos à nossa ladainha favorita: para viabilizar a empresa, faz-se necessário capital. Muitos investem recursos próprios, simplificando a operação: uma engenharia elementar: o nosso dinheiro investido em nossa sociedade. Outros, não dispondo do volume suficiente ou, mesmo, não querendo alocar todo seu capital numa só empresa ou empreendimento, buscam capital de terceiros, o que vai demandando o uso de outros instrumentos jurídicos no plano da engenharia de capital. Como já dissemos e, mesmo, nos repetimos, boa parte dessa expertise é desempenhada por profissionais de outras áreas, mapeando o projeto de empresa ou empreendimento para verificar seus componentes econômico-financeiros, o que inclui mesmo sua viabilidade. Vamos nos repetir: estudos bem feitos podem chegar à sentença: não vale a pena investir: você vai perder dinheiro. As planilhas de cálculo elucidam cenários possíveis, a incluir referências pouco usuais para o olhar ordinário, como o custo de capital.
Mas vamos superar isso; vamos adiante. Então, foram feitos os cálculos de tudo o que será necessário investir para estruturar a empresa ou empreendimento, a incluir capital de giro, feitas projeções de caixa (pessimista, conservadora e otimista), verificado que um fluxo de encaixe estimado em montante ortodoxo é suficiente para dar um bom retorno etc. Mas o capital disponível (o que se tem e/ou se está disposto a investir) não é suficiente. As soluções são jurídicas e, como já explicamos, é a hora em que os advogados entram na sala: podemos fazer assim ou assim ou assim. Claro, para cada alternativa, um cálculo. Podemos admitir sócios na sociedade, podemos transformar a sociedade numa holding e constituir uma sociedade (mesmo de propósito específico) para admitir sócios a bem do empreendimento, podemos admitir parceiros empresariais, podemos contratar uma sociedade em conta de participação, podemos procurar crédito no mercado, entre os mais diversos contratos disponíveis, a incluir debêntures, em se tratando de companhia. Um mundo fascinante, um trabalho desafiador. O Direito Empresarial é o grande bastião da criatividade jurídica. E isso é fascinante, além de arrebatador.
Mas está lá no título deste ensaio: a tecnologia jurídica de engenharia de capital que tomará nossas atenções neste texto é o crédito: mútuo, empréstimo, financiamento. Mas não vamos nos debruçar especificamente sobre a questão jurídica de tais contratos e suas implicações, seja no plano do sistema financeiro nacional, seja no plano do mercado de capitais, seja alhures: o mútuo privado que, só para provocar, pode incluir o empréstimo que o sócio faz em favor da sociedade. É uma questão importante para o mercado brasileiro: somos viciados nisso: capital financeiro. Talvez por isso, vociferamos contra juros altos – e, de quebra, os elevados lucros das instituições financeiras –, mas seguimos tocando atividades negociais alavancadas e, no mor das vezes, escoradas em operações bancárias.
Estruturação jurídica de empresas
É neste contexto que, voltando aos nossos estudos sobre “Estruturação Jurídica de Empresas” (Editora Atlas, 2024), trazemos a notícia dos escritórios e/ou profissionais especializados no que se intitulou “intermediação de crédito”. Parece-nos que a Diretiva 2014/17/UE pode nos inspirar e, assim, fazer proliferar uma categoria de auxiliares empresariais que, considerando nossa cultura de financiamento de capital, pode ser extremamente útil, quiçá fundamental e, além, indispensável. A expertise de tais bancas está na consultoria e assessoria em face de necessidade de fazer-se financiar. E isso principia com uma avaliação/auditoria da empresa para levantar e planilhar sua situação econômico-financeira. Um levantamento elementar da azienda empresarial que, em sua melhor manifestação, deveria ter sido feito antes do início mas que é útil em qualquer momento. O diagnóstico de um bom profissional de contabilidade ou gestão financeira pode surpreender por seus resultados, apontando problemas para os quais não se atentou e, até, recomendando não tomar crédito: o desafio pode não ser esse, mas outro completamente diverso.
Não é só. Uma boa auditoria poderá, sim, afirmar que é preciso capital (próprio ou de terceiros) e, mais do que isso, estimar o montante necessário, evitando operações que fracassem por se revelarem insuficientes para a demanda, ou, pelo ângulo oposto, recomendando a contratação de montantes acima do necessário, impactando o patrimônio empresarial e onerando-o com os custos de capital que, no caso, expressam-se sob a forma de juros e acessórios financeiros (que, no caso brasileiro, podem ser os mais diversos e cumulativos, fazendo com que o resultado final seja desesperador). O papel pode revelar isso e, assim, orientar a tomada de decisões, considerando cenários diversos. Pode ficar em tanto, mas, considerando isso e aquilo, pode chegar até tanto! Parâmetros objetivos e técnicos para orientar decisões que, para o bem da empresa, devem (ou deveriam) ser técnicas.
O mais interessante é que tal levantamento técnico da situação da empresa e de seu patrimônio não serve apenas para a administração societária e para os sócios. Dependendo do que se apure, poderá, ou não, ser levado para orientar instituições financeiras. Isso mesmo. Daí falar-se em intermediação de crédito, trazendo a expertise advocatícia para a equação como competência indispensável (ou, no mínimo, recomendável) para tais escritórios. Estamos acostumados a pensar no empresário e/ou administrador societário, quando não os sócios, sentados diante do gerente de bancos, apequenados, a perna tremendo, a falta de graça campeando de um lado a outro, os olhos inseguros, temerosos. Parece ser uma questão de pedir, implorar, humilhar-se, convencer na base da saliva. Mas não é – e não deveria ser – um jogo cego de números. Se o financiador não compreende a empresa (e seu patrimônio, sua estrutura e financças), irá se focar em bens e garantias que podem ser extravagantes: extrapolam a empresa e agarram-se ao patrimônio dos sócios, real ou fidejussoriamente. Quem milita na área, compreende nessas linhas o “era uma vez” de uma história trágica.
A coisa pode – e deveria – ser diversa quando se mostra técnica. Levantamentos orientados por números comprováveis, relatórios técnicos responsáveis e documentos, permitem que a operação financeira seja focada na empresa, na atividade empresarial, e não na pessoa do empresário, administrador e/ou sócio. Permite mesmo garantias outras, como o fluxo de caixa, determinada classe de recebíveis, bem como o próprio bem financiado, a exemplo do que se passa na alienação fiduciária. Imagine-se, por exemplo, um relatório que, antes de mais nada, faça uma descrição geral da boa situação econômico-financeira da empresa e evolua para demonstrar que o financiamento de algo (por exemplo, um novo forno, um veículo elétrico de entregas, uma nova câmara frigorífica, um novo sistema de informática) implicará numa economia de custo e/ou num aumento de receita em níveis que assegurem não só o pagamento da dívida, mas um benefício para a corporação em si.
Coisa de outro mundo? Claro que não! O artigo 966 do Código Civil fala em exercício profissional da atividade econômica organizada, lembra-se. Antes de mais nada, (1) exercício profissional, o que nos remete à ideia de profissionalidade, de técnica, algo mais próximo de um bem elaborado relatório de auditoria do que de uma prosa constrangida com o gerente de banco a bem de “convencê-lo” a liberar um dinheiro, ainda que ao custo de hipotecar a casa de família e, assim, correr o risco de colocar a família no olho da rua. Mas o mesmo dispositivo legal, o 966, fala em (2) atividade organizada; e nisso também se encaixa, com mais conforto e precisão, o trabalho de assessoria e consultoria de crédito, em oposição ao achismo que, habitualmente, impera nas empresas brasileiras e as faz tropicar em coisas bestas para, enfim, caírem de boca numa crise econômico-financeira, podendo quebrar os dentes numa falência, senão perder os anéis numa recuperação judicial de empresas.
Mas não só a isso serve um bom escritório de intermediação de crédito. De posse de um levantamento adequado da situação econômico-financeira da azienda, é sua função definir as alternativas de captação desse crédito, o que nos empurra para uma zona mais jurídica. O mercado financeiro – e pode-se somar o mercado de capitais – dispões de instrumentos diversos, contratos diversos. Um bom escritório de intermediação de crédito conhece as alternativas existentes, domina suas nuanças e variações, percebe o que é melhor em cada caso, apresentando alternativas, recomendando. Assim, oferece serviços de aconselhamento financeiro, contábil e jurídico, o que é extremamente útil no âmbito da engenharia de capital. Não se pense que o espaço de manobra seja pequeno; a difereça entre operações pode ser enorme. Quem pretendia agendar uma agenda com um gerente de banco na quarta-feira, pode estar conversando com o gerente de um fundo de investimento na terça ou na quinta. Quando não esteja almoçando com um sócio ou parceiro estratégico na sexta-feira. Vamos nos repetir: a engenharia de capital é riquíssima em suas possibilidades.
Como se não bastasse, vê-se na Diretiva 2014/07/EU, a intermediação de crédito avança para além do cliente e chega até a parte contrária: o escritório negocia, procura o melhor contrato para o cliente. Isso é fenomenal. Esqueça-se do empresário ou sócios intimidados do outro lado da mesa do gerente, humilhando-se por um empréstimo. A operação é conduzida por um profissional, um intermediário. Não vai para rogar dinheiro, mas para propor um contrato financeiro, demonstrando elementos viabilizadores da operação e negociando termos possíveis para acomodar os interesses que deveriam se acordar na assinatura do contrato. A situação é tão séria que a diretiva chega a se preocupar com possíveis distorções, a exemplo de intermediários que atuam a bem de certas instituições financeiras e, assim, acabam atuando como captadores de financiamentos, bem como empresas que vendem a crédito e sistematicamente enviam seus consumidores para o financiador, a bem de obterem mútuo para as operações. São situações que desvirtuam a ideia central de um aconselhador (consultoria), assessor e intermediador de crédito, isto é, alguém que trabalha a bem do devedor, focado no devedor. Ou melhor: trabalha focado naquele que se financiará. Essa intermediação tem espaço no Brasil, pensamos. Mais do que isso, o mercado brasileiro precisa desses escritórios intermediadores. Precisamos de técnica e profissionalismo por parte de devedores, de financiados, evitando falsos otimismos ou pessimismos que se fundam apenas no instinto, no achismo. A relação de crédito atende a equações de engenharia de capital e o aclaramento de tais equações trabalha em favor de ambas as partes, devedor e credor. E isso faz parte do arranjo corporativo, na linha do que desenvolvemos em “Estruturação Jurídica de Empresas” (Editora Atlas, 2024). Eis uma demanda que os europeus atenderam e que podemos atender nós: tornar o processo de empréstimo e financiamento algo ainda mais técnico, mais seguro para todos, mais adequado para empresas, bancos e, enfim, para o mercado em geral.
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