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Multidisciplinariedade e Inovação: sobre holdings familiares e mais

Gladston Mamede
Gladston Mamede

05/07/2024

Advogados não deveriam ser apenas bombeiros que são chamados para apagar incêndios. Vale dizer, não é exclusividade da advocacia trabalhar problemas (notificações, autuações, ações, processos). É pouco, embora uma visão mais velha insista em relacionar o Direito ao conflito e, assim, juristas seriam como urubus de charqueada, ávidos por uma briga a modo de poderem prestar seus serviços. Não é o que nos parece e, por nisso reiteramos nossos discursos. O conhecimento da Ciência do Direito habilita juristas a mais, podendo trabalhar em ótimas cores, a bem da construção de soluções, na definição de caminhos melhores para o cliente. Algo um pouco mais difícil, reconhecemos, quando se esteja lidando com o Direito Penal. Mas uma realidade absolutamente pertinente para o Direito Empresarial. A criatividade jurídica canta à farta nos palcos empresarialistas. 

Sim, há muito o que aprender e, pior do que isso, as normas se acumulam, muitas se explicando por práticas mercantis centenárias e de verificação rara em nossos dias, o que enlouquece muitos estudantes e afugenta legiões de profissionais. Mas boas carnes têm seus ossos e sequer é preciso roê-los. Aliás, assada no bafo ou bem cozinhadinha, a deliciosa carne da costela de porco se desprende e, com o tempero certo, ressaboreia-se. Com canjiquinha de milho e couve, então… ô! Há um hiato perigoso entre a aridez da teoria empresarialista e as delícias do exercício profissional na área. Por isso, no Manual de Direito Empresarial (18.ed. Editora Atlas, 2024) colocamos casos verdadeiros ao longo de toda a matéria: para mostrar como é, dar o gosto. Os casos funcionam como ilustrações e, assim, permitem ao estudante dar uma espiadela em como o que lhe parece tão complicado pode ser vivido de maneira simplesmente entusiasmante.

Entre as virtudes do empresarialista contemporâneo está a capacidade de trabalhar com especialistas de outras áreas, somando o seu conhecimento jurídico com o conhecimento de outras áreas. Dito de outra forma: há que aprender a relevância da multidisciplinariedade na análise, discussão e estruturação de estratégias empresariais. Não é uma visão muito comum, mas uma proposta que dá uma chacoalhada no habitual da gestão empresarial, nomeadamente em tempos de competição acirrada. Justo por isso, quanto mais completos os estudos, quanto mais pontos de vistas há nas análises, maior a probabilidade de triunfo mercadológico. E, para o estabelecimento desses planos, as verificações, observações e proposições dos advogados precisam somar-se ao trabalho dos temais. E isso não quer dizer administrar empresas, o que é próprio de especialidade diversa. Mas, em seu território, muitas questões merecem o pitaco de um jurista: tipo de negócio, bens ou serviços oferecidos, passando pela estruturação do estabelecimento, processos, equipes, apresentação dos produtos e marcas, publicidade. Uns mais, outro menos. A maior complexidade do mercado e da economia, levados a um nível de competitividade que, há muito, é global, impõe um cuidado maior, um detalhismo mais acurado, uma proliferação de lastros. Já não é mais simples estabelecer comercialmente. Já não basta o tino para os negócios, a boa ideia, a grande oportunidade. Há implicações de toda a ordem e considerá-las corretamente pode não ser uma questão de sucesso, maior ou menor, mas uma questão de sobrevivência.

As delícias do triunfo mercantil, nesse tempo de competitividade extremada, relacionam-se com maios profissionalismo. Os riscos estão maiores e mais diversos; incluem mesmo perigos climáticos. Questões como logística, inovação, eficiência tomam contornos mais desafiadores, em muitos casos alcançando implicações sobre legalidade ou ilegalidade. A jurisprudência vacila como as bandeiras, ora tremulando para lá, ora para acolá, a depender da composição da Corte ou do contexto em que se julga ou rejulga uma matéria, respondendo a sabe-Deus qual referência, ao passo que o povo – ah! o povo! – lambe embira. Um advogado estudioso e atualizado é indispensável, no mínimo, para dizer qual é o entendimento atual do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça sobre um tema; a hermenêutica tornou-se cavalgadura vazia que toma qualquer direção, inclusive a oposto do que se poderia chamar de ainda-há-pouco. Insegurança exegética é cobra de bote armado em tundo quanto é canto. 

– Mas não era assim?

– Era… deixou de ser…

– Lei nova?

– Que nada! O tribunal mudou o entendimento.

Mudou ou fez distinção que, a bem dos tempos, vem ao gosto anglo-saxão: distinguishing. E à sombra desse disse-que-disse, definem-se infrações e condenações infrações fiscais, trabalhistas, ambientais, consumeristas etc. Portanto, ainda em territórios que eram estranhos ao profissional do Direito, a percepção da importância de sua participação na equipe, no time, aumenta cotidianamente. Já não é mais dispensável, embora ainda seja apenas auxiliar: suplementa, dá suporte. Mas, aqui e acolá, pode ser decisivo: isso não pode, isso é ilegal, isso é crime etc. O tribunal entendia assim, mas está entendendo assado. Tem isso, mas há uma tendência… uma resistência… uma discussão… uma mudança na composição… uma pressão… A jogralice judiciária não abre mão dos solos, das variações e versões, da criatividade ativista e, mesmo, de um perceptível  menoscabo pelos parlamentos: gente a ser corrigida, revista, redizida. O Ermächtigung kelseniano em expressão crua, rascante.

Melhor se manter longe dos tribunais. O melhor é tentar caminhos mais seguros, é planejar-se. E isso, para empresas, pode ser a diferença que permite sobreviver ou – quem sabe? – ter sucesso. Daí a importância de se assessorar de experts. São melhores as equipes que dialogam: multiplicam referências e contribuições. E isso alcança mesmo as equipes multidisciplinares. Equipes multidisciplinares ou diálogos multidisciplinares, incluindo advogados, permitem o estabelecimento de inovação em toda a cadeia empresarial. São meio para a construção de soluções mais sólidas na medida em que os desafios são encarados por ângulos diversos; noutras palavras, especialidades e habilidades diversas sustentarão um resultado que tende a revelar maior eficiência. Curiosamente, o serviço da advocacia não está habituado a agregar-se nessas forças-tarefa que envolvem diversos olhares e etapas, muitas vezes com participantes de nível de formação variados, menos qualificados. Mas é preciso atender a demanda da organização para a qual se foi contratado, oferecendo o parâmetro jurídico que, mesmo específico, dispõe-se em meio ao restante, ou seja, é (ou deve ser) parte do planejamento e gerenciamento empresarial.

É tal contexto profissional novo que nos empurrou a escrever Estruturação Jurídica de Empresas (Editora Atlas, 2024) e Holding Familiar e suas Vantagens (17ed. Editora Atlas, 2024). A evolução corporativa – das rotinas de administração empresarial – está a demandar uma revisão do agir profissional advocatício. E isso inclui se assentar com o restante da equipe e construir caminhos que melhorem a empresa. Afinal, a corporação ganha com a união das expertises para obter o que haja de mais tecnológico, sob referências diferentes, mas feitas complementares. É uma nova advocacia, por certo. Mas já é, há muito, uma nova empresa e uma nova economia. Não dá para esperar fornecer defesa em processos, quando o mercado reclama por engenharia e logística jurídicas. Qualidade, satisfação e segurança estão no centro das atenções empresariais. Ações e contestações, processos, recursos nada mais são do que resultados de falhas nos procedimentos produtivos e/ou mercantis. Há que corrigir ou, melhor, há que precaver, que evitar. Sim: há boas perspectivas para uma advocacia de assessoria empresarial mais próxima e constante. E isso pode dar fôlego ao mercado de advocacia que, no âmbito contencioso, já mostra inegável exaustão.

É claro que há operações que, por sua natureza, merecem uma atenção e uma participação maiores de advogados, quando não sejam exclusivamente jurídicas. Não estamos falando exclusivamente de processos administrativos e judiciários, embora não os iremos descartar. Estamos falando, por exemplo, da constituição da redação do contrato social ou do estatuto social, do acordo de sócios (sobre o tema, escrevemos o Manual de Redação de Contratos Sociais, Estatutos e Acordos de Sócios. 8.ed. Editora Atlas, 2024), além de contratos variados etc. E, mesmo aqui, é preciso estar atento para considerações em paralelo, vinculadas a outros misteres, a exemplo da Contabilidade e mesmo da Administração de Empresas. Senhor da tecnologia jurídica, o advogado nem sempre se mostra feliz nos juízos de conveniência, de competitividade, lucratividade, logística não-jurídica, gerenciamento de atividades etc.

Muitos experienciaram isso durante a pandemia de covid-19, nomeadamente entre 2020 e 2022. As restrições à circulação de pessoas exigiram adaptação de muitos titulares de negócios e atividades profissionais, a exemplo de vendas on-line (e-comércio: comércio eletrônico), digitalização de serviços, prestação remota de serviços etc. O movimento envolveu diversos aspectos não-jurídicos:  tecnologia da informação, mercadologia (marketing), desenho gráfico (design), engenharia, logística etc. Mas terá sido melhor quando checados ou desenvolvidos em conjunto com advogados: contratos-padrão, manuais e advertências, meios de pagamento, terceirizações (transporte etc), canais de venda e plataformas de internet (marketplaces), condomínios logísticos. É preciso nunca se esquecer que parcerias são contratos e, se defeituosos, desaguarão em problemas jurídicos, em litígio.

Abrir e fechar lojas, centralizar a produção ou terceirizar parte ou partes, venda direta ou por meio de representantes ou revendedores e questões afins tocam o direito apenas por reflexo: precisam se amoldar ao que é lícito. Noutras palavras, a partir que os administradores e/ou sócios, auxiliados por seus especialistas e consultores, concluem seu esboço do que consideram ser a melhor arquitetura para as atividades produtivas, será preciso fazer uma revisão jurídica do que pretendem e, infelizmente, não temos uma cultura que reflita essa necessidade: nem advogados que ofereçam esse serviço, nem o hábito empresarial de recorrer a eles. O resultado? Se a sorte bafejar, o que foi planejado e posto em execução será lícito e pronto: tudo bem. O preço do erro varia conforme o ilícito caracterizado: autuação (tributária, trabalhista etc.), multa, caracterização de crime etc. 

Eis por que temos sido repetitivos na afirmação de que é preciso estabelecer no Brasil uma cultura da consultoria jurídica, superando a compreensão do advogado como um causídico: um mero tocador de demandas. Definidas estratégias e movimentos empresariais para fazer a revisão. Não mais se aceitam visitas bissexta ao advogado. Os consultores jurídicos devem estar presentes no cotidiano da empresa, como os administradores e os contadores. Isso para não falar que já está na hora de perceber que, em se tratando de atos societários, designadamente os atos normativos, não se deve recorrer a despachantes ou qualquer outro profissional que não seja um advogado para dar-lhe execução. E isso não deve ser encarado como um desafio que esteja limitado às grandes corporações. Uma infinidade de pequenas e médias empresas experimentam a necessidade de adequada expressão de regras de existência e funcionamento, vale dizer, refazimento de seus atos constitutivos, para não falar de revisão e refazimento de seus contratos com fornecedores e clientes, revisão de rotinas e práticas trabalhistas, fiscais, administrativas, empresariais. A cultura do jeitinho jurídico faz vítimas à torto e à destra; é preciso contar isso, explicar isso, mostrar isso. Faturamento com segurança jurídica, lucro com sustentabilidade e regularidade. Parcerias adequadamente ajustadas, convenientemente reduzidas a termos, obrigações e faculdades definidas com clareza.

Quem economiza com fundação e muro de arrimo irá se sufocar em terra e escombros; afinal, o desmoronamento é sempre uma questão de tempo quando se tem problemas estruturais. E não é diverso com a estrutura jurídica.

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