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Advocacia societarista

Gladston Mamede
Gladston Mamede

24/11/2023

Não é a lei que empurra adiante a sociedade e o mercado.  São eles próprios, a sociedade e o mercado que se empurram. O mais comum é que o Direito se ocupe desses avanços quando se fazem necessários alguns recortes, entre determinações e proibições. O Estado vai à reboque e, justo por isso, nossa Constituição reconhece a livre iniciativa como um valor social (artigo 1º, IV), em par dialético com o trabalho. O aparelho de Estado é burocrático e raramente apresenta uma criatividade eficaz e útil como os entes privados em seu esforço cotidiano de enfrentar seus desafios, encontrar caminhos, resolver problemas: otimizar, evoluir, desenvolver. E nada disso é estranho ao Direito: muito do que se desenvolve tem implicações jurídicas (como novos tipos de negócio), senão é jurídico em si. Advogados criativos foram, são e serão úteis. E cada vez mais, aliás. É o que procuramos demonstrar em nosso último livro: Estruturação Jurídica de Empresas: são milhões de empresas que precisam de intervenção de um advogado para sua própria segurança e seu sucesso.

Não é uma questão de torcer ou retorcer o Direito, mas de reconhecer os espaços legítimos para um avanço lícito. Não é incomum que nada mais seja do que a adaptação de algo que constituiu inovação no exterior e por aqui se replica. É o caso da consolidação entre nós de uma advocacia societarista: um amplo e dinâmico espaço de atuação profissional que já está consolidado no exterior, nomeadamente na América do Norte e na Europa, mas que ainda segue tacanho entre nós, brasileiros. Claro que se trata de um neologismo – não o criamos, contudo – que busca traduzir não apenas o foco no Direito Societário, mas uma postura proativa em relação às pessoas jurídicas e sua estruturação jurídica, ampliando o uso da tecnologia jurídica a bem das corporações. E esse é um desafio que, ao contrário do que se poderia pensar, mede-se por seus resultados, permitindo respostas imediatas.

Tipos societários

De onde se parte? Da lei. Os tipos societários estão desenhados em normas positivadas, nomeadamente o Código Civil e a Lei 6.404/76 e o que está ali definido como obrigatório e como proibido, deve ser respeitado. Naturalmente, há uma segunda instância para a qual se deve atentar: a jurisprudência, nomeadamente dos Tribunais Superiores, a quem cabe manter a integridade e a uniformidade do Direito Federal em todo o território nacional, ou seja, órgãos com atribuição de poder e competência para uma hermenêutica autorizada das normas jurídicas. Há um grande risco em interpretar normas – ainda que se trate de interpretação gramatical (alias dicta literal) – em sentido diverso do que assentado por tais Cortes, embora seja indispensável lamentar a instabilidade dessa jurisprudência: Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e Tribunal Superior do Trabalho trocam de posições com uma volatilidade que inspira insegurança. 

O societarista trabalha a partir dessa base obrigatória, acatando-a. Mas não se dá por satisfeito com isso. Eleva o olhar para além do básico. Antes de mais nada, para trazer aos clientes as dúvidas que resultam da própria legislação. (1) É preciso esmiuçar o objeto social? É preciso fazer esclarecimentos sobre o tema? Nem sempre é. Mas veja o parágrafo do artigo 3º do Estatuto da Fleury S.A., consultado em dezembro de 2022: “As atividades realizadas pela Companhia têm por objetivo a criação de condições adequadas para o bom desempenho da profissão médica, além de pugnar pela pesquisa e estudos, visando ao progresso científico da medicina.” Detalhe: esse parágrafo inclui-se no artigo que define o objeto social. Julgou estrategicamente recomendável a enunciação. E, colocada no ato constitutivo, ela vincula a corporação e os atores a ela vinculados, destacado o fato de se tratar de companhia aberta.

Em seguida, verificar se o exercício da (2) administração societária precisa ser melhor regulado. O mais simples é um administrador sócio nomeado no contrato social pela maioria do capital social. Daí para frente, pode-se evoluir para estruturas mais complexas. É recomendável aferir com os envolvidos se os quóruns legais para eleição, destituição, aprovações em geral atendem aos seus interesses. Avança-se sobre o tema de eventuais vedações ou definição de parâmetros obrigatórios para administração societária, podendo haver mesmo tratamento da responsabilidade societária, responsabilidade civil, para não falar de mesuras que são previstas como obrigatórias: há corporações que optam por exigir consultas a especialistas, pareceres, auditorias, relatórios periódicos etc. Em muitos casos, essa burocracia é essencial para manter a paz entre os sócios: saber o que está sendo feito e que está sendo bem-feito. 

Não é coisa para qualquer sociedade. Não é necessidade para todas as situações, é preciso alertar. Mas é preciso ter um roteiro de entrevista e discutir isso com os envolvidos. Principalmente no que diz respeito às sociedades contratuais, a generalidade com que o Código Civil se refere à administração abre uma lacuna enorme. E lacunas são a origem habitual de problemas. Lembrando que, para colmatá-las, o juiz pode lançar mãos de ferramentas variadas; o que não pode é recusar a solução de um litígio (entre sócios ou da sociedade – e/ou seus membros – com terceiros, a exemplo do Fisco), lembrando o princípio da indeclinabilidade da jurisdição. A opção legítima por um ato constitutivo mais enxuto é a aceitação desses riscos.

A mesma lógica sustenta uma investigação sobre a necessidade de reger a relação entre os sócios, nomeadamente no que diz respeito aos quóruns de aprovação para matérias diversas, na maioria dos casos reduzidos à percentuais baixos pela Lei 14.451/22, o que nem sempre atende ao que essa ou aquela coletividade considera adequado para matérias variadas, a incluir fusão, incorporação, cisão, alteração do tipo societário, alienação ou oneração do ativo, entre tantas outras matérias. A experiência ensina ser recomendável, ademais, perguntar sobre cessão de quotas (se livre ou se dependente de aprovação; e qual quórum), sucessão causa mortis, lucros mínimos a serem distribuídos, formação obrigatória de reservas ou provisões contábeis, aumento do capital social, e matérias afins. Por fim, verificar a conveniência de disciplinar eventual dissolução e liquidação societária. 

Até aqui, contudo, estivemos ainda no plano de matérias que tangenciam a própria lei e, assim, situam-se no plano mais elementar de definição da infraestrutura normativa de uma corporação. Ainda assim, uma simples leitura pelas matérias que listamos deixa claro a importância de serem cuidadas. O mais curioso é que o grosso de nossos empresários simplesmente não se tocam sobre tais matérias e não se importam com a ameaça concreta representada pelo amadorismo jurídico (e há outros) de suas sociedades e suas empresas. Não percebem, para malgrado próprio e, por reflexo, de todo o mercado e da economia nacional, que há uma tecnologia do Direito Empresarial que parte do mais elementar (o que não deveriam desconsiderar de jeito maneira) e chega ao mais sofisticado: o que alicerça o sucesso de alguns.

Sim, há que medir resultados jurídicos. Esse é e será o novo normal: um emprego diverso dos conhecimentos que, até bem pouco, serviam basicamente para disputas judiciais. O quadro está se alterando. Há que monitorar o desempenho jurídico societário e empresarial. Há que colocar em pauta a uso de melhor tecnologia jurídica e, mesmo, de adotar uma perspectiva que considera novas estratégias corporativas. Há que entender o que se passou e se passa, da melhor maneira possível, interpretar os fatos para analisar suas implicações jurídicas (se existem) e, enfim, extrair conclusões, entre as quais podem estar pequenos ajustes ou até grandes reformas. Mas quem faz isso? Poucos. Não espanta o número de insucessos empresariais e, pior, de pessoas que narram sair dessas aventuras (e é aventura pelo amadorismo) endividadas e com os nomes sujos. 

Gestão estratégica das possibilidades societárias

A advocacia societarista fica ainda mais interessante e produtiva quando avança pela gestão estratégica das possibilidades societárias. E isso se faz lançando mãos de plataformas normativas, devemos reiterar: documentos onde se lançam normas privadas: dever-ser privado: regras que dizem sobre a existência, funcionamento e atuação da corporação. Nossa teoria é a de que tais plataformas normativas (tais documentos que comportam conjunto de normas) estruturam-se em três níveis: primário, secundário (acessório) e terciário (lateral). A plataforma primária é o ato constitutivo: contrato social ou estatuto social. As plataformas normativas secundárias (ou acessórias) são os pactos parassociais:  acordos de quotistas (sociedades contratuais) e de acionistas (sociedades estatutárias). Por fim, as plataformas normativas terciárias (ou laterais), a dizer muito mais da empresa do que da sociedade, a exemplo de regulamento interno de trabalho, código de ética e conduta (compliance) entre tantos outros.

Antes de mais nada, ao contrário do que propõem alguns – uma compreensão minimalista do ato constitutivo –, não nos parece que as matérias que podem ser dispostas no ato constitutivo estejam limitadas ao que consta na lei de regência do respectivo tipo. Parece-nos caber aos sócios a faculdade de deliberar sobre o que seja ou não objeto de previsão na plataforma normativa primária (ato constitutivo), bem como nas demais (secundária e terciária), embora, sim, respeitando o que a lei determina e o que proíbe. Obviamente, ao optar por tornar certa previsão parte do ato constitutivo, ela irá compor o DNA da corporação. Assim, colocar ou não uma disposição no ato constitutivo é, por si só, uma técnica. Por isso estamos falando em gestão estratégica das possiblidades jurídico-empresariais. 

Há um caso interessante que se passou aqui, em Minas Gerais. Há coisa de  uma década, constitui-se uma sociedade empresaria limitada para a exploração de certo direito minerário: uma empresa de mineração. No contrato social foram colocadas uma série de cláusulas que poderiam ser definidas como heterodoxas, ou seja, que fugiam ao comum das sociedades limitadas e, mais do que isso, de sociedades mineradoras. Essas cláusulas posicionavam a exploração do objeto social (a mineração) em meio a uma série de parâmetros de respeito ao meio-ambiento, às comunidades locais e ao patrimônio cultural. A ideia era caracterizar a empresa como uma lavra mineral verde, como tal entendida uma empresa de mineração focada na redução de seus impactos negativos, embora não se possa afastar a constatação que a atividade é, por sua natureza, muito destrutiva: está a se retirar do solo, com métodos fortes (explosões, maquinário, movimentação de veículos etc), minérios que deverão ser beneficiados e, enfim, encaminhados para atender à demanda social pelos bens que os utilizam. Há danos que são incontornáveis, embora possam ser minimizados: o mais elementar dele é estabelecer cidades para que as pessoas possam morar. Cidades são danos ambientais em si.

Pois bem, a proposta de constituir uma lavra verde, na expressão de certa fatia do mercado, poderia ter sido objeto de um acordo de sócios ou, mesmo, de regulamentos internos. Hoje, várias empresas adotam Códigos de ASG – ambiental, social e (boa) governança. A opção por dispor sobre matéria ambiental no ato constitutivo traduziu uma forma de comunicação: essa preocupação, esse cuidado, essa postura fazem parte do DNA da corporação. Estavam ali, entre as normas que constam do Registro Público para a consulta de qualquer interessado. Pois eis que, muito recentemente, a presença de tais cláusulas foi o elemento determinante para um negócio vantajoso com um fundo europeu. O parecer em que se fez a análise do negócio, com manifestação favorável, chegou a transcrever uma versão traduzida daquelas cláusulas. Não só isso, frisamos; como a previsão normativa era verdadeira, a corporação monitorava seus atos e fazia relatórios com metas, registros etc. Tudo isso serviu à formação do convencimento dos investidores.

O mais curioso é que a tradição brasileira de normas sobre matérias não estritamente societárias, dispostas no ato constitutivo, namora com ilegalidades ou fins ilegais, infelizmente. Mas, de uns tempos a esta parte, tal opção se mostra pouco útil, havendo se formado remansosa jurisprudência que, percebendo o fim ilícito na previsão aparentemente lícita, declara sua nulidade, quando não opte por apenas considera-la ineficaz em face de terceiros, embora válida e eficaz entre os sócios. Entrementes, isso foge à melhor societarismo. Não estamos falando de cláusulas/artigos ilegais ou com fins ilegais. Mas, legais e com fins legais, embora desenhando especialidades corporativos, nos limites em que não descaracterizem o tipo societário, o que também não é lícito. É preciso expertise jurídica para redigir cláusulas/artigos que respeitem tal equilíbrio. E, como também temos repetido à exaustão, atenção ao caso concreto, sempre.

Complicado demais para uma empresa pequena ou média? Depende de seus projetos, de seus planos, de seus sonhos. Há empresas que nascem no fundo da garagem e miram conquistar o mundo. Há empresas que nasceram no fundo da garagem e conquistaram o mundo. Mas se não há infraestrutura jurídica adequada, podem até sair da garagem, mas não irão muito além da esquina. E se tais empreendedores não sabem disso – e normalmente não sabem: padecemos de um amadorismo jurídico-empresarial atávico! –, vão descobrir, seja no fracasso, seja nos tombos que dificultarão e atrasarão, senão reduzirão, seu sucesso. O mercado brasileiro e a sociedade brasileira precisam aprender que é indispensável chamar um bom advogado para meter o bedelho em seus projetos, suas iniciativas e seus negócios. Corpos não prescindem de médicos, veículos não prescindem de mecânicos, prédios não prescindem de engenheiros, corporações não prescindem de advogados societaristas.

Direito empresarial

O Direito Empresarial deve ir além na realidade sociológica, histórica, brasleira. Deve se tornar peça fundamental do planejamento/estruturação corporativos, para começar. E espraiar-se daí em diante pela rotina permanente da atividade negocial. À conta de quê? À conta de ser uma reiteração de atos jurídicos: são contratos, antes de mais nada: comprar, vender, prestar serviços, alugar, permitir ou proibir. Até o 100% grátis! é jurídico: contrato de doação e com diversas implicações possíveis. Chega a ser insólito ver-se empresários interessados em submeter suas empresas a varreduras de dados por software (test board business intelligence tools and techniques), a fim de entender seu movimento, detectar fraquezas e potencialidades, sem nunca terem feito uma auditoria jurídica para perceber o mesmo: o movimento empresarial, suas fraquezas e potencialidades; e dessa auditoria (que deve começar averiguando se o ato constitutivo atende ao estágio em que se encontra a coletividade social e a empresa) podem sair medidas que evitem crises (conflitos sociais, problemas com fornecedores, consumidores, trabalhadores etc), além de sugestões de potencialidades jurídicas que, sim, podem resultar em aumento do faturamento e/ou do lucro.

Em alguns casos, uma maior sofisticação societária é simplesmente indispensável e, sim, holdings familiares são um exemplo típico, em suas múltiplas finalidades, inclusive a proteção contra relacionamentos aventureiros, como tivemos ocasião de demonstrar. Nomeadamente nos casos de holdings patrimoniais que entificam (pejotizam, está-se a dizer atualmente) e organizam patrimônios vultosos. Infraestruturas normativas eficazes, públicas, cumprindo sua função protetiva mesmo em relação a terceiros; nestas corporações, o terceiro não-raro quer chamar o sócio de meu amor, senão de meu bem, (confessando o trocadilho sem nos avexarmos). Um contrato social (ou um estatuto social, se for essa a opção) adequado, minucioso, bem específico e abrangente na definição do raio dos reflexos corporativos (radiação corporativa), permite responder, com segurança: meu bem!

O resumo poderia ser o parágrafo de início: o contrato social ou o estatuto social podem definir o que a corporação é e pode ser em termos diversos (desde que respeitada a Constituição, as leis e os princípios jurídicos). Há nessa afirmação simples a definição de um espaço enorme para o trabalho de bons advogados societaristas. Um trabalho precioso e extremamente útil. Importa observar que o melhor Direito Societário está aí: toma o advogado um artífice de valor, a começar pela redação do ato constitutivo, avançando pela disciplinação correta – senão melhor – de toda a atividade negocial. Advogados devem ser transformados em vetores de transformação e qualidade lícitas e legítimas. As leis não farão isso: é a sociedade o grande celeiro de criação e avanço. O Estado, via de regra, vai atrás. Como os cães que ladram contra os pneus do veículo que passa em direção ao futuro.

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