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Maioria nas eleições presidenciais norte-americanas

ELEIÇÕES NORTE-AMERICANAS

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MAIORIA NAS ELEIÇÕES

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REVISTA FORENSE 145

Revista Forense

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29/11/2021

REVISTA FORENSE – VOLUME 145
JANEIRO-FEVEREIRO DE 1953
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto

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Autores

Matos Peixoto, advogado no Distrito Federal.

Maioria nas eleições presidenciais norte-americanas

No último pleito presidencial, realizado em 3 de outubro de 1950, nenhum dos candidatos alcançou a maioria nas eleições: o Sr. Getúlio Vargas, candidato trabalhista, teve 3.849.040 votos; o brigadeiro Eduardo Gomes, candidato udenista, 2.342.384; o Sr. Cristiano Machado, candidato pessedista, 1.697.193, e o Sr. João Mangabeira, candidato socialista, 9.466. Total da votação: 7.898.083 votos (Tribunal Superior Eleitoral, “Dados Estatísticos”, II, pág. 12); maioria absoluta: 3.949.042; faltaram, pois; ao candidato mais votado 100.002 votos para atingir a maioria absoluta.

Os candidatos à Vice-Presidência tiveram a seguinte votação: Café Filho (trabalhista), 2.520.790; Odilon Braga (udenista), 2.344.841; Altino Arantes (republicano), 1.649.309; Vitorino Freire (progressista,) 524.079, e Alípio C. Neto (socialista), 10.800 (ob. cit., II, pág. 13). Total da votação: 7.049.819 votos; maioria absoluta: 3.524.910; portanto, o candidato mais votado precisava de mais…. 1.024.120 votos para alcançá-la.

Em atinência com êsse pleito, discutiu-se na imprensa se, conforme o sistema norte-americano, é necessária a maioria absoluta ou basta-a maioria relativa para a eleição do presidente e do vice-presidente da República. Não será fora de propósito um estudo de legislação comparada, com a aplicação a caso concreto, uma espécie de lição de coisas em matéria jurídica.

Processo eleitoral brasileiro X norte-americano

O processo eleitoral brasileiro e o norte-americano diferem radicalmente: basta dizer que o presidente e o vice-presidente do Brasil são eleitos pelo voto direto; ao passo que os da América do Norte são eleitos pelo voto indireto. Todavia, isso não obsta comparações: há dados fixos ou, pelo menos, normais, que permitem averiguar se, em face dos resultados obtidos em dita eleição, estaria eleito algum dos candidatos, caso essa eleição seguisse o sistema norte-americano.

Na grande República do Norte a matéria é regulada pelo art. II, seção I, da Constituição de 1789 e emenda XII, proposta em 1803 e ratificada em 1804. Segundo êsses dispositivos, o presidente e o vice-presidente da República da América do Norte são escolhidos em eleição de dois graus.

Na eleição de primeiro grau, os cidadãos qualificados eleitores populares elegem de quatro em quatro anos, no mês de novembro, simultâneamente, nos diversos Estados, os eleitores do presidente e do vice-presidente da República, em número igual ao de representantes (deputados) e senadores a que têm direito os 48 Estados da União, ou sejam, ao todo, atualmente, 533 eleitores presidenciais (maioria absoluta: 267), dos quais 96 correspondem a dois senadores por Estado.

Para essa eleição, cada partido apresenta, em cada Estado, chapa completa (general ticket) dos seus candidatos, com tantos nomes quantos são os deputados e senadores do Estado, os quais não podem ser senador ou deputado, nem exercer função pública federal, de confiança ou remunerada. Estarão eleitos os candidatos da chapa que obtiver maior número de votos (plurality – maioria relativa).

Os eleitores presidenciais eleitos em cada Estado formam o seu colégio eleitoral, cuja única missão é eleger o presidente e o vice-presidente da República. Para êsse fim, cada colégio eleitoral se reúne na capital do Estado em dezembro seguinte (lei de 4 de junho de 1934) e vota nos candidatos do seu partido (é a eleição de segundo grau), enviando em seguida ao presidente do Senado Federal a relação dos candidatos votados, com indicação dos votos do colégio dados a cada um dêles.

Em 6 de janeiro do ano imediato, reúnem-se o Senado e a Câmara dos Representantes para contar os votos obtidos pelos candidatos nos colégios eleitorais dos diversos Estados. É necessária maioria absoluta para essa eleição e, se nenhum candidato a obtém, a escolha do presidente devolve-se à Câmara dos Representantes e a do vice-presidente ao Senado.

O presidente e o vice-presidente da República são, portanto, escolhidos numa eleição de dois graus: o povo de cada Estado elege o seu colégio eleitoral e êste elege os seus candidatos.

Este sistema eleitoral provém do temor excessivo que a eleição direta pelo povo causava à democracia norte-americana da época em que a Constituição foi votada. Alegava-se que era perigoso confiar diretamente a escolha do primeiro magistrado da nação ao povo, ordinariamente mal informado e suscetível de se deixar impressionar menos pelos méritos do que pela aura popular dos candidatos. Chegou-se até a formular uma comparação hiperbólica: isso seria o mesmo que incumbir um cego de decidir uma questão de côres. Entretanto, a prática do sistema não correspondeu à intenção que o inspirou. Os componentes de cada colégio eleitoral, embora legal e teoricamente livres, de fato não o são, pois são eleitos sob um compromisso de honra, jamais violado desde 1796: o compromisso de votarem no candidato indicado pelo partido. Os membros de cada colégio eleitoral são meros instrumentos do seu partido, eleitos para ratificar a escolha já feita por êste: a eleição indireta, converteu-se, na prática, em eleição direta pelo povo.

Dêsse processo eleitoral resultaram, observa BRYCE, conseqüências singulares, imprevistas pelos autores da Constituição: a eleição presidencial tornou-se, na realidade, uma eleição por Estados, devido ao sistema de escolha dos membros do colégio eleitoral de cada um dêles em lista completa, de modo que a chapa vencedora representa na realidade o voto do Estado.1 É isso um reflexo do forte sentimento de autonomia dos Estados independentes, que se congregaram para formar a nação norte-americana. Dai resulta outra conseqüência: somente influem na relação em cada Estado os votos dados à chapa vencedora: os votos atribuídos à chapa vencida perdem-se, pois não se somam aos votos que lhe são atribuídos em outros Estados.

Ainda outro resultado é de assinalar e vem a ser que, às vêzes, – e isso já tem acontecido – o presidente é eleito sem que haja obtido, através dos colégios eleitorais do seu partido nos diversos Estados, a maioria absoluta (majority) dos votos populares. Realmente, a vitória de um candidato, embora por margem exígua em Estados populosos, com numerosos representantes no Congresso Federal e, portanto, com colégios eleitorais também numerosos, pode assegurar-lhe a Presidência, embora não haja atingido a maioria absoluta dos sufrágios populares em tôda a União.

Na eleição presidencial de 1856, Buchanan teve, desprezadas as frações de milhar, 1.838.000 votos populares; Fremond, 1.341.000, e Fillmore, 874.000; a Buchanan faltaram, portanto, 188.501 votos para atingir, através dos colégios eleitorais do seu partido, a maioria absoluta do eleitorado popular votante. Entretanto, Buchanan foi eleito porque, sendo então 296 o número legal de eleitores presidenciais (maioria absoluta: 149), os 1.838.000 votos populares do seu partido em todo o país elegeram 174 dêsses eleitores, os quais sufragaram o seu nome, ao passo que os votos populares dos partidos de Fremond e de Fillmore chegaram apenas para eleger 114 e 8 eleitores presidenciais, respectivamente.

Fato idêntico ocorreu na eleição do quadriênio seguinte (1860), quando Lincoln, considerado o maior presidente norte-americano, foi eleito pela primeira vez. Nessa época, o número de eleitores presidenciais montava a 302 (maioria absoluta: 152). Concorreram à eleição quatro candidatos, que alcançaram a seguinte votação popular através dos colégios eleitorais dos seus partidos: Lincoln, 1.866.000; Douglas, 1.376.000; Breckenridge, 849.000, e Bell, 588.000. Montando a 4.699.000 a totalidade dos votos populares, seriam precisos mais 463.501 votos para Lincoln atingir a maioria absoluta; entretanto, a votação, que lhe foi dada indiretamente, bastou para que êle fôsse eleito por 180 votos dos colégios eleitorais contra 12 pró Douglas, 72 pró Breckenridge e 38 pró Bell.2 Com Wilson, outro grande presidente, repetiu-se ainda coisa idêntica na eleição presidencial de 1912, quando se elevava a 531 o número de eleitores presidenciais (maioria absoluta: 266). Êle teve 6.286.000 votos populares, Roosevelt, 4.126.000, e Taft, 3.483.000; mas êsses votos foram distribuídos de tal modo que resultaram em 435 votos colegiais em favor de Wilson, enquanto Roosevelt teve 88 e Taft apenas 8.3

Pela própria natureza do sistema norte-americano, não é, pois, exigível, para a eleição do presidente e do vice-presidente da República, a maioria absoluta (majority) da totalidade dos votos populares dados através da eleição dos eleitores que, em cada Estado, constituem o seu colégio eleitoral: basta a maioria relativa (plurality). Os norte-americanos chamam presidentes de minoria (minoritypresidents) os presidentes eleitos sem a maioria absoluta dos votos populares. Pode até suceder que saia vencedor nas eleições colegiais o candidato que obteve votação popular inferior à do candidato vencido.

Na eleição de 1876, Hayes (republicano), que foi o décimo nono presidente norte-americano, recebeu menos 252.000 votos populares do que seu adversário Filden; a legitimidade da sua eleição foi impugnada, não por êste, mas por outros motivos., O presidente Harrison, eleito em 1888, teve menos 95.534 votos populares do que o seu competidor Cleveland.4

Se se aplicasse ao pleito presidencial de 3 de outubro de 1950 o sistema norte-americano, o voto popular teria de eleger, no Distrito Federal, nos Estados e nos Territórios, os respectivos colégios eleitorais, constituídos de tantos membros quantos são os deputados e senadores dessas unidades políticas no Congresso Federal.

Estaria eleito em cada uma delas o colégio eleitoral do partido que obtivesse a maioria relativa; portanto, em face da apuração conhecida, o resultado seria, tomando-se por base o número de senadores (63) e de deputados (304) por Estado, fixados pela Constituição (art. 60, § 1°) e pelas Instruções do Superior Tribunal Eleitoral, expedidas em 3 de agôsto de 1950 para as eleições de 3 de outubro do mesmo ano: a U.D.N. teria eleito os colégios eleitorais de Minas Gerais, do Ceará e do Piauí, com 41, 20 e 10 membros respectivamente, ao todo 71 membros; o P.S.D. teria eleito os colégios eleitorais do Pará, do Maranhão, do Território do Acre e do Amapá, com 12, 12, 2 e 1 membros, respectivamente, ao todo 27 membros; e o P.T.B. teria eleito os colégios eleitorais dos Estados e Territórios restantes, com 269, membros ao todo. E, como os colégios eleitorais votam indefectìvelmente nos candidatos do seu partido, estaria eleito o candidato trabalhista por 269 votos colegiais, contra 71 votos dados ao candidato udenista e 27 votos dados ao candidata pessedista: Não tendo atingido a maioria absoluta da votação popular, o Sr: Getúlio Vargas seria, em têrmos do sistema eleitoral norte-americano, um presidente de minoria, como o foram Buchanan, Lincoln e Wilson.

Eleição para vice-presidência

Diferente seria a solução quanto à eleição para a vice-presidência.

O Sr. Café Filho teve maioria no Amazonas, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Distrito Federal e no Território do Guaporé, que têm 142 representantes no Congresso Nacional; o Sr. Odilon Braga venceu no Piauí, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Espírito Santo, Santa Catarina, Goiás e Mato Grosso, com 157 representantes; o Sr. Altino Arantes venceu no Pará, em Minas Gerais, no Território do Acre e no do Amapá, com 56 representantes; enfim, o Sr. Vitorino Freire venceu no Maranhão, com 12 representantes.

Sendo 367 o número total de deputados e senadores do Congresso Nacional, igual número seria também o de membros dos colégios eleitorais do Distrito Federal, dos Estados e dos Territórios; ora, a maioria absoluta dos representantes é 184; e, como nenhum dos candidatos a teria alcançado nos colégios eleitorais, a conseqüência seria a devolução da eleição ao Senado, a fim de que êste escolhesse o vice-presidente entre os dois candidatos mais votados (Odilon Braga, 157 votos, e Café Filho, 142 votos).

Notas:

1 BRYCE, “American Commonwealh”, edição 1.915, I, pág. 40, e WOODBURN, “American Republic”, 2ª ed., págs. 120-121.

2 BRYCE, ob. cit., I, pág. 43, e WOODBURN, ob. cit., pág. 130.

3 GERALD W. JOHNSON, “Woodrow Wilson”, págs. 78-79.

4 BRYCE, ob. cit. I, pág. 44, 1 e CORWIN, “The Constitution and what it means to-day”, 1948, pág. 87. Sôbre a eleição de 1876, cf. BRYCE, ob. cit., I, págs. 47-50, e JOAQUM NABUCO, “Minha Formação”, 1900, págs. 135-145.

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