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Repensando o Direito Civil brasileiro (15) – A teoria das capacidades e a confusa?o conceitual

CAPACIDADE

CAPACIDADE CIVIL

CAPACIDADE DE AÇÃO

CAPACIDADE DE DIREITO

CAPACIDADE DE EXERCÍCIO

CAPACIDADE DE FATO

CAPACIDADE DE GOZO

CAPACIDADE JURÍDICA

PERSONALIDADE

SUJEITO DE DIREITOS

TEORIA DAS CAPACIDADES

Felipe Quintella

Felipe Quintella

17/03/2017

O estudo do Direito Civil inicia-se pela sua teoria geral. Esta, por sua vez, inicia-se pela disciplina das pessoas, a qual, primeiramente, estabelece que a aptidão para ser sujeito de direitos se realiza na personalidade.

As obras brasileiras de Direito Civil tradicionalmente ensinam que personalidade e capacidade constituem noções complementares. Veja-se, por exemplo, este excerto de Caio Mário da Silva Pereira:

Aliada à ideia de personalidade, a ordem jurídica reconhece ao indivíduo a capacidade para a aquisição dos direitos e para exercê-los por si mesmo, ou por intermédio, ou com a assistência de outrem. Personalidade e capacidade completam-se: de nada valeria a personalidade sem a capacidade jurídica que se ajusta assim ao conteúdo da personalidade, na mesma e certa medida em que a utilização do direito integra a ideia de ser alguém titular dele.[1]

Mais adiante, Caio Mário denomina capacidade de direito essa capacidade jurídica, e a distingue da capacidade de fato: “a esta aptidão oriunda da personalidade, para adquirir os direitos na vida civil, dá-se o nome de capacidade de direito, e se distingue da capacidade de fato, que é a aptidão para utilizá-los e exercê-los por si mesmo[2].

Essa lição é similar à de Orlando Gomes:

O termo capacidade emprega-se em dois sentidos. No primeiro, com a mesma significação de personalidade. Chama-se, então, capacidade de direito ou de gozo. Para ter direitos na ordem civil todo homem é capaz, porque pessoa. No segundo, é a aptidão para exercer direitos. Denomina-se capacidade de fatoou de exercício. Nem todos a possuem. Causas diversas restringem-na.[3]

Miguel Maria de Serpa Lopes segue linha semelhante, partindo, porém, de uma capacidade que denomina civil:

A capacidade civil, portanto, é a aptidão de uma pessoa para ser sujeito de direitos e de obrigações, e, de outro lado, a aptidão para exercer esses direitos e cumprir essas obrigações. Consequentemente, do ponto de vista clássico, a palavra capacidade é suscetível de dupla acepção: 1º) significa uma aptidão a se tornar sujeito de direitos, ou de todos os direitos, ou de alguns dentre eles, o que se costuma denominar capacidade de direito; 2º) aptidão ao exercício desses direitos, isto é, a capacidade de exercício ou capacidade de fato.

(…)

Nem todas as pessoas têm, contudo, a capacidade de fato, também denominada capacidade de exercício ou de ação, que é a aptidão para exercer, por si só, os atos da vida civil.[4]

Dentre os autores contemporâneos, Carlos Roberto Gonçalves explica que:

Pode-se falar que a capacidade é a medida da personalidade, pois para uns ela é plena e, para outros, limitada. A que todos têm, e adquirem ao nascer com vida, é a capacidade de direito ou de gozo, também denominada capacidade de aquisição de direitos. Essa espécie de capacidade é reconhecida a todo ser humano, sem qualquer distinção.[5]

A capacidade de fato, que Gonçalves também denomina capacidade de exercício ou de ação, por sua vez, consistiria na “aptidão para exercer, por si só, os atos da vida civil”[6].

Outro autor contemporâneo, Roberto Senise Lisboa ensina que:

Diferencia-se a personalidade da capacidade.

Conforme anteriormente mencionado, personalidade é atributo do sujeito, inerente à sua natureza, desde o início de sua existência.

Capacidade é a aptidão para o exercício de atos e negócios jurídicos.

Logo, pode-se afirmar que todas as pessoas possuem personalidade, mas nem todas têm capacidade.[7]

Apesar de anunciar que a personalidade distingue-se da capacidade, Senise Lisboa afirma que personalidade “é a capacidade de direito ou de gozo da pessoa de ser titular de direitos e obrigações, independentemente de seu grau de discernimento, em razão de direitos que são inerentes à natureza humana e sua projeção para o mundo exterior”[8]. Ou seja, distinta da personalidade seria a capacidade de fato, que Senise Lisboa também chama de capacidade de exercício, a qual se referiria ao exercício de atos e negócios jurídicos, e que seria aferida pelos critérios definidos pelo legislador: “idade, estado psíquico e aculturação”.[9]

Já Francisco Amaral enxerga na personalidade um “valor jurídico que se reconhece nos indivíduos e, por extensão, em grupos legalmente constituídos, materializando-se na capacidade jurídica ou de direito”,[10] a qual consistiria na “aptidão para alguém ser titular de direitos e deveres”[11]. Por sua vez, a capacidade de fato consistiria na “aptidão para a prática dos atos da vida civil, e para o exercício dos direitos como efeito imediato da autonomia que as pessoas têm”[12].

Além da variedade de locuções empregadas – capacidade jurídica, capacidade civil, capacidade de direito, capacidade de fato, capacidade de gozo, capacidade de exercício, capacidade de ação –, a consulta a essas obras revela a falta de identidade dos conceitos atribuídos a cada expressão, o que interfere no panorama geral do que se poderia considerar uma teoria das capacidades – sempre plurais, pois o ponto em que não há divergência é justamente o reconhecimento de que há mais de uma capacidade.

O quadro, pois, é de verdadeira confusão conceitual, a qual é preciso, urgentemente, repensar.

Nota do Autor: este texto foi extraído da introdução da minha dissertação de mestrado defendida na UFMG em 2013, intitulada Teixeira de Freitas e a história da teoria das capacidades do Direito Civil brasileiro.


[1] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. I. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 162.
[2] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. I. Cit., p. 162.
[3] GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1971, p. 149.
[4] LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de Direito Civil. Vol. I. 7. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1989, p. 267.
[5] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. 1. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 95-96.
[6] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. 1. Cit., p. 96.
[7] LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil. Vol. I. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 251.
[8] LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil. Vol. I. Cit., p. 203.
[9] LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil. Vol. I. Cit., p. 251.
[10] AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 6. ed. São Paulo: Renovar, 2006, p. 218.
[11] AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. Cit., p. 227.
[12] AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. Cit., p. 227.

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